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SUMÁRIO HIPOGONADISMO MASCULINO 1. Definição ....................................................................... 3 2. Epidemiologia: ............................................................. 4 3. Etiologias: ...................................................................... 4 4. Manifestações clínicas: ..........................................14 5. Diagnóstico: ...............................................................17 6. Tratamento .................................................................22 HIPOGONADISMO FEMININO 1. Definição: ....................................................................28 2. Epidemiologia ............................................................29 3. Etiologias .....................................................................29 4. Quadro clínico: ...........................................................33 5. Diagnóstico ................................................................34 6. Tratamento: ................................................................40 Referências bibliográficas ........................................46 3HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO HIPOGONADISMO MASCULINO 1. DEFINIÇÃO Hipogonadismo masculino é uma sín- drome clínica que resulta da incapaci- dade testicular de produzir concen- trações fisiológicas de testosterona, quantidades normais de espermato- zoides, ou ambas. HORA DA REVISÃO! Para o melhor entendimento acerca do hipogonadismo masculino, é essencial relembrarmos como funciona o eixo hi- potálamo-hipófise-testículo de forma fisiológica. O eixo se inicia no hipotálamo, onde será produzido o GnRH, que tem sua ação na hipófise estimulando a produção de FSH e LH. O FSH e o LH, por sua vez, irão estimular os testículos a produzirem a testosterona e os espermatozoides. O GnRH é liberado em pulsos a cada 60 a 90 minutos, o que estimula a liberação pulsátil de LH e FSH na circulação. O LH tem como função maior estimular a pro- dução testicular de testosterona pelas células de Leydig, enquanto o FSH atua nos túbulos seminíferos (células de Ser- toli) para iniciar e manter a espermato- gênese, juntamente com a testosterona. O FSH também estimula as células de Sertoli a produzirem inibina B, um hor- mônio peptídeo que causa feedback ne- gativo sobre secreção de hipofisária de FSH. A testosterona atua de maneira geral no organismo masculino, agindo em diversos órgãos e possuindo diversas funções, como: engrossamento da voz, fortalecimento dos ossos, aumento da libido, produção de pelos, entre outras. SE LIGA! Dica prática para lembrar a função principal do FSH: Faz Sêmen no Homem. 4HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO 2. EPIDEMIOLOGIA: A disfunção do eixo hipotálamo-hipó- fise-testículo é um acontecimento co- mum, impactando de forma significa- tiva na qualidade de vida do homem. • Os homens possuem um declínio anual de 0,4 a 2% no nível de tes- tosterona e isso ocorre principal- mente em indivíduos que possuem EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE-TESTÍCULO Hipotálamo Produz GnRH Estimula Produz FSH LH Estimula Células de Leydig Estimula Estímula Células de Sertoli Produz EspermatogêneseTestosterona Estimula Hipófise Inibina B Feedback negativo síndrome metabólica, diabetes, hi- pertensão, entre outras comorbi- dades. O hipogonadismo, por sua vez, agrava muitos desses proble- mas, como a dislipidemia, tornando mais difícil a resolução do quadro. • A prevalência do hipogonadismo é de 1:5000 homens e esse índice tende a aumentar para 6% nos ho- mens idosos. • O hipogonadismo está presente em cerca de 2 a 4 milhões de ho- mens nos Estados Unidos. 3. ETIOLOGIAS: O hipogonadismo pode ser classificado de acordo com sua etiologia em primário (ou hipergonadotrófico), com di- minuição dos níveis de tes- tosterona e elevação das gonadotrofinas (LH e FSH); ou secundário (ou hipogona- dotrófico), no qual se observa testosterona baixa com gona- dotrofinas inadequadamente “normais” ou baixas. No pri- meiro caso, a anormalidade localiza- -se nos testículos, ao passo que, no hipogonadismo secundário, a produ- ção deficiente de testosterona resulta de secreção insuficiente de gonado- trofinas, em decorrência de um dis- túrbio hipotalâmico ou hipofisário. Em algumas situações, pode haver uma associação entre o hipogonadismo 5HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO primário e o secundário, como no en- velhecimento e em várias doenças sistêmicas (alcoolismo, hepatopatias, anemia falciforme etc.). • Hipogonadismo primário: resulta de distúrbios congênitos ou adqui- ridos. Entre as causas congênitas, destacam-se distúrbios cromossô- micos (dos quais o mais comum é a síndrome de Klinefelter) e o criptor- quidismo. Entre os defeitos adqui- ridos, os mais importantes são as doenças infecciosas (orquite viral, AIDS etc.), doenças granulomato- sas (tuberculose, hanseníase), me- dicamentos, lesões cirúrgicas ou traumáticas. Laboratorialmente, o hipogonadismo primário caracteri- za-se por níveis baixos de testos- terona e elevação do LH e FSH. Dentre os distúrbios congênitos, temos: • Síndrome de Klinefelter: A síndro- me de Klinefelter (SKF) é a causa genética mais comum de hipo- gonadismo masculino. O defeito genético básico é a existência de um cromossomo X extra que re- sulta de uma não disjunção mei- ótica dos cromossomos durante a gametogênese. O cariótipo mais comum é o 47, XXY (forma clás- sica), presente em dois terços dos casos, seguido do 47, XXY (forma mosaico). A SKF se caracteriza por testículos pequenos e endurecidos (por fibrose e hialinização dos tú- bulos seminíferos), azoospermia (por obliteração dos túbulos semi- níferos), pilosidade facial reduzida, pilosidade pubiana diminuída e de disposição triangular, pênis de tamanho reduzido – porém é raro micropênis –, criptorquidia uni ou bilateral, alta estatura com pro- porções eunucoides, ginecomastia e hipogonadismo hipergonado- trófico. Esse fenótipo apenas se evidencia a partir da puberdade. Antes dos 12 anos de idade, os ní- veis de gonadotrofinas estão nos valores pré-puberais. Da mesma maneira, a concentração sérica da testosterona tende a estar normal até, aproximadamente, os 14 anos, e pacientes com mosaicismo 46, XY/47, XXY podem ter um fenótipo mais variável e cursar com testos- terona sérica normal ou no limite inferior da normalidade. Alguns, excepcionalmente, são férteis. Pacientes com SKF apresentam maior incidência de tolerância altera- da à glicose e diabetes melito, pato- logias tireoidianas, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), lúpus eri- tematoso sistêmico, tremor essencial, osteoporose, veias varicosas, trombo- embolismo, doença cerebrovascular, doença valvular aórtica e ruptura de aneurisma. Além disso, existe maior risco para diversas neoplasias, como tumores testiculares, neoplasias de 6HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO células germinativas (mediastino e cérebro), carcinoma broncogênico, leucemia linfocítica aguda e, sobretu- do, câncer de mama. A SKF pode causar dificuldade de aprendizado e controle inadequa- do dos impulsos. Essas tendências explicam a maior frequência dessa moléstia em instituições penais e em estabelecimentos para deficientes mentais. Retardo mental e anomalias somáticas são mais frequentes com os raros cariótipos 48, XXYY e 48, XXXY. Figuras 1 e 2. Paciente de 25 anos, com síndrome de Klinefelter clássica (cariótipo 47, XXY) com ginecomastia bilate- ral, ausência de pelos faciais e testículos pequenos e firmes. Fonte: Endocrinologia Clínica, 6ª ed. • Criptorquidismo: caracteriza-se pela presença do testículo fora da bolsa escrotal, representando a principal anomalia gonadal mascu- lina. É observado em cerca de 3% nos meninos nascidos a termo e em 30% dos prematuros com ida- de gestacional de 30 semanas ou menos. Após 6 a 9 meses de vida, a frequência do distúrbio é simi- lar à encontrada em adultos (0,7 a 0,8%). Pode ser unilateral ou, mais raramente, bilateral. Cercade 50% dos testículos criptorquídicos estão localizados no anel inguinal externo ou no topo da bolsa escrotal; 19% estão dentro do canal inguinal; 9% são intra-abdominais; e 23% são ectópicos. Os cinco locais mais fre- quentes para ectopia são períneo, canal femoral, superfície da bolsa inguinal, região suprapúbica e bolsa escrotal contralateral. As principais complicações do testículo criptor- quídico são oligo ou azoospermia, infertilidade e risco de malignização. 7HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO Figura 3. Representação de criptorquidia. Fonte: http://www.dszinfertilidademasculina.com.br/wp-content/uplo- ads/2017/05/criptorquidia-580x435.jpg à época da puberdade. O pênis permanece pequeno, e a bolsa es- crotal fica vazia; os pelos axilares e pubianos são escassos. Se o pa- ciente não receber androgênios, surgem proporções eunucoides, não ocorrendo ginecomastia. Ge- ralmente, os níveis de testosterona são muito baixos e não aumentam após o teste de estímulo com go- nadotrofina coriônica, porém a vi- rilização parcial espontânea à pu- berdade pode eventualmente ser vista. Tais pacientes teriam célu- las de Leydig funcionantes, uma vez que os níveis de testostero- na se mostram maiores nas veias • Síndrome da regressão testicular: também chamada de testículos desaparecidos, essa síndrome se caracteriza por anorquia congênita bilateral. Ela é observada em apro- ximadamente 1 de cada 20.000 in- divíduos do sexo masculino e em 1 a 5% daqueles com criptorquidis- mo. Resulta de agressão testicular pré-natal (traumatismo, infecção, insuficiência vascular ou outros mecanismos) após a 16ª semana de gestação. Caracteriza-se por genitália externa masculina, cres- cimento e desenvolvimento nor- mais, mas falha no surgimento das características sexuais secundárias 8HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO espermáticas do que na circulação periférica. Pacientes com criptor- quidismo bilateral se diferenciam daqueles com anorquia bilateral pelo achado de níveis normais de testosterona que se elevam após estímulo com hCG ou valores de inibina B > 15 pg/mℓ. • Hipoplasia das células de Ley- dig: trata-se de uma doença rara, com herança autossômica re- cessiva e incidência estimada de 1:1.000.000. As células de Leydig não são capazes de se desenvolver devido a mutações inativadoras no receptor de LH. Laboratorialmen- te se caracteriza por níveis séricos de testosterona muito baixos, com elevação do LH. O fenótipo é de- pendente da extensão da secre- ção intrauterina de testosterona. Dois tipos de hipoplasia de células de Leydig (HCL) foram descritos. O tipo I é a forma mais grave, re- sultando em um fenótipo feminino dos órgãos genitais externos, vagi- na em fundo cego, amenorreia pri- mária e ausência da diferenciação sexual secundária na puberdade. Resulta de mutações inativadoras que completamente impedem a transdução de sinal do LH e hCG, bem como, consequentemente, a produção de testosterona. A HCL do tipo II é caracterizada por sinais mais leves de deficiência androgê- nica, com genitália predominan- temente do sexo masculino, mas sinais de hipogonadismo, como micropênis, associado ou não a hi- pospadia e criptorquidismo. Nessa forma mais leve, as mutações do receptor de LH inativam apenas parcialmente a transdução de sinal e conservam uma certa capacida- de de resposta ao LH. • Distúrbios da biossíntese de an- drógenos: Uma diminuição con- gênita na síntese e secreção de testosterona pode resultar de mu- tações nos genes que codificam as enzimas necessárias para a biossíntese de testosterona. Essas mutações, todas raras, envolvem a enzima de clivagem da cadeia late- ral do colesterol, 3 beta-hidroxies- teroide desidrogenase e 17 alfa- -hidroxilase, ambas presentes nas glândulas suprarrenais e nos tes- tículos, e 17 beta-hidroxiesteroide desidrogenase, que está presente apenas nos testículos. Cada uma dessas mutações resulta na dimi- nuição da secreção de testostero- na, começando no primeiro trimes- tre da gravidez e, portanto, quando a virilização ainda está incompleta. • Distrofia miotônica: a distrofia mio- tônica, um distúrbio autossômico dominante que leva à atrofia mus- cular, é acompanhada de hipo- gonadismo que geralmente não é reconhecido até a idade adulta. Testículos pequenos e menor pro- dução de espermatozoides são 9HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO mais comuns do que níveis séricos de testosterona reduzidos. Quanto às doenças adquiridas cau- sadoras do hipogonadismo primário, temos: • Infecções: a orquite viral é a causa mais comum de insuficiência testi- cular pós-puberal. O vírus da paro- tidite (caxumba) é o agente etio- lógico principal e a orquite resulta de um efeito direto desse vírus so- bre o testículo. Após a puberdade, 25% dos pacientes com parotidite desenvolvem orquite clínica (uni- lateral em dois terços dos casos), a qual surge, em geral, 4 a 8 dias após o início da parotidite; porém, em alguns casos, pode precedê-la. As alterações espermatogênicas são mais frequentes e mais preco- ces do que a disfunção das células de Leydig. Por isso, pacientes com infertilidade pós-orquítica podem ter níveis normais de testosterona e LH, e apenas elevação do FSH. Em uma fase posterior, pode haver aumento do LH e diminuição da testosterona. • Traumatismo ou torção: traumatis- mos representam a segunda causa mais comum de atrofia testicular em adultos. Cirurgias para hérnias, varicocele e vasectomia podem re- sultar em dano testicular perma- nente. Traumatismo fechado leva à atrofia em cerca de metade dos casos. A torção testicular, por sua vez, é uma das razões mais comuns para a perda de um testículo antes da puberdade. A torção testicular é uma torção do testículo no cordão espermático, o que resulta em per- da aguda do suprimento sanguí- neo para o testículo, que pode mor- rer por falta de sangue se a torção não for remitida espontaneamente ou não for corrigida cirurgicamente em poucas horas. O grau de dano depende da duração da torção. A torção com duração superior a oito horas pode levar a danos suficien- tes nos túbulos seminíferos para diminuir a contagem de esperma- tozoides e, mesmo quando a tor- ção envolve apenas um testículo, ambos os testículos podem ser danificados. • Radiação, fármacos e toxinas: tan- to a espermatogênese quanto a produção de testosterona são sen- síveis à radiação. O dano às células de Leydig induzido por radiação é diretamente relacionado à dose e inversamente relacionado à ida- de (maior em crianças do que em adolescentes e adultos). A inibição da biossíntese da tes- tosterona ocorre com várias subs- tâncias, incluindo cetoconazol, es- pironolactona, ciproterona e etanol. Este último pode, também, causar 10HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO cirrose, uma causa adicional de hi- pogonadismo primário. Um efeito similar pode acontecer pelo uso de grandes quantidades de ma- conha, heroína, metadona. Nesses casos, os níveis de LH geralmente são normais, o que sugere a com- binação de defeitos testiculares e hipotalâmico-hipofisários. Toxinas podem, também, afetar diretamente os testículos, pois vários compostos, como fungici- das e inseticidas, metais pesados (chumbo, cádmio) e óleo de caro- ço de algodão danificam as células germinativas. No tocante à quimioterapia, os agentes alquilantes (p. ex., ciclo- fosfamida e procarbazina) são aqueles que possuem os piores efeitos tóxicos sobre as gônadas, e o dano, cuja intensidade correla- ciona-se com a dose cumulativa, pode ser irreversível. • Doenças sistêmicas crônicas: do- enças sistêmicas crônicas causam hipogonadismo tanto pelo efeito testicular direto quanto pela dimi- nuição da secreção de gonadotro- finas. A cirrose e a doença renal crônica são dois exemplos dessas comorbidades. A cirrose está as- sociada ao hipogonadismo, mani- festado por uma redução na con- centração sérica de testosterona. Nesses casos, mais de um meca- nismo parece estarenvolvido, mas a lesão gonadal primária parece ser mais proeminente, conforme sugerido pelo aumento das con- centrações séricas de FSH e LH. SAIBA MAIS! O hipogonadismo devido à cirrose é rapidamente corrigido após o transplante de fígado. • Hipogonadismo secundário: o hipogonadismo hipogonadotrófico decorre de anormalidades orgâni- cas (congênitas ou adquiridas) ou funcionais que vão resultar em se- creção deficiente de gonadotrofi- nas (LH e FSH), com consequente disfunção das células de Leydig. As causas do hipogonadismo aqui serão hipotalâmicas, com defici- ência de GnRH, ou hipofisárias, quando o GnRH é normal, mas há deficiência de LH e/ou FSH. • Síndrome de Kallmann: a síndrome de Kallmann (SKM) é a causa mais comum de hipogonadismo hipo- gonadotrófico isolado, com inci- dência estimada de 1:10.000 ho- mens. Ocorre de modo esporádico (cerca de 60% dos casos) ou fami- liar. Caracteriza-se por hipogona- dismo (secundário à deficiência de 11HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO GnRH), associado a anosmia ou hi- posmia. Tal associação decorre da migração inadequada dos neurô- nios produtores de GnRH e olfa- tórios, determinando agenesia ou hipoplasia dos bulbos e tratos olfa- tórios. Muitas vezes, os indivíduos afetados não percebem distúrbios no olfato. Além de ginecomastia, proporções eunucoide e hipospa- dia, podem estar presentes várias outras anormalidades, como pro- blemas renais (rins em ferradura e agenesia renal unilateral), surdez, metacarpos curtos, defeitos faciais de linha média (lábio leporino, pa- lato fendido, fusão facial imperfeita etc.), distúrbio da visão em cores, nistagmo, retardo mental, movi- mentos de espelho nos membros superiores (sincinesia), epilepsia e ataxia cerebelar. Geneticamen- te heterogênea, a SKM tem modo de herança que pode ser ligado ao cromossomo X (mais comum), au- tossômico dominante ou como um traço autossômico recessivo. • Deficiência isolada de LH: pode se manifestar por meio da síndrome do eunuco fértil, caracterizada por produção deficiente de testoste- rona (a qual responde à adminis- tração de hCG), associada a graus variados de espermatogênese. Na maioria dos casos, representa um tipo parcial de hipogonadismo hi- pogonadotrófico idiopático. Pode ser secundária a um tumor da região selar, mutação no receptor do GnRH ou, mais raramente, mu- tação no gene da subunidade beta do LH (LH-β). • Deficiência isolada de FSH: essa rara condição resulta de muta- ções no gene da subunidade beta do FSH (FSH-β). As mutações do FSH-β causam azoospermia, testí- culos pequenos e macios e ausên- cia do FSH sérico. • Distúrbios adquiridos funcionais: distúrbios hipotalâmicos funcio- nais, conforme acontece na ano- rexia nervosa ou após perda de peso excessiva, também podem causar hipogonadismo secundá- rio (HS) em homens, mas o fazem em uma frequência muito menor do que a observada em mulheres. Da mesma maneira, atividade físi- ca intensa (p. ex., corridas de lon- ga distância e prática de balé), que frequentemente leva a distúrbios reprodutivos em mulheres (mui- tas vezes, com amenorreia), tem efeito mínimo na função testicular. HS é também um achado frequen- te em pacientes com DM tipo 2, síndrome metabólica ou obesida- de, potencialmente revertido com a perda de peso e a melhora do controle glicêmico. Quanto maior o IMC e a circunferência abdomi- nal, maior o risco. Os mecanismos envolvem supressão do eixo hipo- talâmico-hipofisário-gonadal pela 12HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO hiperestrogenemia (resultante da conversão periférica aumentada de androgênios em estrogênios nos adipócitos). Acredita-se, ain- da, que a fragmentação do sono, como ocorre na apneia obstrutiva do sono, interrompa o ritmo notur- no da testosterona. SE LIGA! A Síndrome de Cushing tam- bém é uma das causas de hipogonadis- mo secundário, pois o aumento de corti- sol inibe os pulsos de GnRH. • Distúrbios adquiridos orgânicos: teoricamente, qualquer lesão da região selar (inflamatória, infiltra- tiva, neoplásica, pós-traumática ou isquêmica) pode causar defici- ência de gonadotrofinas, de modo isolado ou, o que é bem mais co- mum, associada a outros déficits hormonais. Adenomas de hipófise podem resultar em deficiência de gonadotrofinas por compressão da haste hipofisária ou hiperpro- lactinemia. Esta última pode resul- tar de produção de prolactina pelo tumor (prolactinomas ou adeno- mas mistos que produzem GH e PRL) ou compressão da haste hi- pofisária (pseudoprolactinomas). A hiperprolactinemia leva ao hi- pogonadismo, principalmente por inibição da secreção do GnRH. Em homens, a maioria dos prolacti- nomas são macroadenomas (≥ 1 cm). Esses tumores costumam se apresentar com hipogonadismo, disfunção erétil e distúrbios visuais. As alterações nos campos visuais apontam, portanto, para tumora- ções da região selar como a causa mais provável do hipogonadismo. Pode também ocorrer hipopituita- rismo após o tratamento cirúrgico e, sobretudo, radioterápico dos tu- mores hipofisários. SE LIGA! No caso de pacientes que so- freram um TCE com infarto hipofisário podem apresentar a sintomatologia até 6 meses após o trauma. • Hemorragia: Hemorragia súbita e grave na hipófise pode resultar em comprometimento permanente da função hipofisária, incluindo hipo- gonadismo. Nesse caso, devemos atentar para a cefaleia que o pa- ciente apresentará como sintoma- tologia principal. • Síndrome da sela vazia: pode ocorrer de forma esporádica, na qual o indivíduo nasce sem a sela túrcica, ou pode ocorrer devido a irradiação, traumas e cirurgias. A hipófise repousa na sela túrcica e, na ausência desta, a hipófise pode herniar, dificultando o contato com o hipotálamo através da haste hi- pofisária. Essa síndrome pode ser assintomática ou se manifestar com hipopituitarismo e hiperpro- lactinemia, pois o hipotálamo não 13HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO conseguirá mais inibir a produção de prolactina pela hipófise. • Síndromes da insensibilidade ou resistência androgênica: as síndro- mes de insensibilidade ou resis- tência androgênica representam a causa mais comum de pseudo- -hermafroditismo masculino. São causadas por mutações no gene do receptor androgênico (AR) em indivíduos 46, XY (mais de 500 já foram relatadas). Em cerca de 70% dos pacientes, essas muta- ções são transmitidas de modo recessivo ligadas ao X; porém, nos casos restantes, elas surgem es- poradicamente, visto a ausência de antecedentes familiares. Clini- camente, essas síndromes podem se manifestar por um fenótipo fe- minino (forma completa) ou fenó- tipo masculino associado a virili- zação deficiente ou infertilidade (forma parcial). Laboratorialmente, caracterizam-se por níveis eleva- dos de testosterona e LH; o FSH é normal ou levemente aumentado, ao passo que o estradiol excede os valores normais para homens. HIPOGONADISMO PRIMÁRIO HIPOGONADISMO SECUNDÁRIO Congênito: Congênito: Síndrome de Klinefelter Síndrome de Kallman Distrofia miotônica Deficiência isolada de LH ou FSH Criptorquidismo Síndromes da insensibilidade ou resistência androgênica Síndrome da regressão testicular Adquiridos: Hiperplasia das células de Leydig Distúrbios funcionais: DM tipo 2, anorexia nervosa, obesidade, apneia do sono, Síndrome de Cushing Distúrbios da biossíntese de andrógenos Distúrbios orgânicos: adenomas de hipófise, prolactinomas, TCE com infarto hipofisário, hemorragia Adquirido: *A síndrome da sela vazia pode ter origem congênita ou adquirida. Traumatismo e torção Infecções (orquite viral) Radiação, fármacos e toxinas Doenças sistêmicas crônicas Tabela 1. Etiologia do hipogonadismo masculino 14HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO 4. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: As manifestações clínicas do déficit de testosterona dependem da época do início do hipogonadismo. • Caso ocorra entre o segundo e o terceiro mês do desenvolvimento fetal, teremos graus variados de ambiguidade de genitáliae pseu- do-hermafroditismo masculino. • Se ocorrer durante o terceiro tri- mestre, podem acontecer criptor- quidismo e micropênis. • No período pré-puberal, deficiên- cia androgênica leva a ausência de virilização, ou seja, ao desen- volvimento inadequado das carac- terísticas sexuais (pênis pequeno, ETIOLOGIAS DO HIPOGONADISMO MASCULINO Primário/hipergonadotrófico Secundário/hipogonadotrófico Adquiridos: infecções, traumatismo, torção, radiação, fármacos, toxinas, doenças sistêmicas LH e FSH altos Congênitos: síndrome de Klinefelter, criptorquidismo, regressão testicular, hipoplasia das células de Leydig, distúrbios da biossíntese de andrógenos e distrofia miotônica Distúrbios funcionais e distúrbios orgânicos (DM 2, anorexia, adenoma de hipófise, entre outros) LH e FSH baixos Obs: a síndrome da sela vazia pode ser congênita ou adquirida Síndrome de Kallmann, deficiência isolada de LH/FSH, síndrome da insensibilidade androgênica 15HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO testículos pequenos, com volume < 5 mℓ, sem a rugosidade escro- tal puberal) e hábito eunucoide. A voz permanece fina, e a massa muscular não se desenvolve ple- namente. Observam-se, também, poucos pelos pubianos e axilares (que recebem algum estímulo dos androgênios adrenais), enquanto os pelos da face, do tórax, do ab- dome superior e do dorso estão ausentes ou são bastante escas- sos. O estirão puberal não acon- tece, mas, por influência do IGF-1 e de outros fatores de crescimen- to, as placas epifisárias dos ossos longos continuam a crescer. Isso vai resultar em um crescimento desproporcional dos ossos longos dos membros inferiores e superio- res em relação ao esqueleto axial. SAIBA MAIS! O hábito eunucoide é um crescimento desproporcional dos ossos longos dos membros infe- riores e superiores em relação ao esqueleto axial, com o surgimento de envergadura maior do que a altura (diferença envergadura–estatura > 5 cm), bem como uma relação vértice–púbis/ púbis–chão > 1 (o normal é < 1). • Os sinais e sintomas causados pela deficiência de testosterona que se iniciam após a puberdade não são tão evidentes. A Endocrine Society os classifica em mais es- pecíficos e pouco específicos. São considerados “mais específicos”: ginecomastia, diminuição da libido, diminuição das ereções espontâ- neas, disfunção erétil, diminuição dos pelos corporais, diminuição da massa óssea e fogachos. Seriam manifestações “menos específi- cas” a redução da massa muscular, o aumento da gordura corporal, as alterações do humor, a diminuição da capacidade de concentração, os distúrbios do sono, a astenia, bem como uma anemia leve, normocrô- mica e normocítica. SE LIGA! Para ficar mais fácil, devemos pensar que nestes pacientes são normais as proporções esqueléticas, o tamanho do pênis, a voz e o volume prostático, o que na deficiência de testosterona que se inicia antes da puberdade. 16HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO INÍCIO PRÉ-PUBERAL INÍCIO PÓS-PUBERAL Manifestações clínicas mais evidentes: Manifestações mais específicas: Volume testicular < 5 cm³ Ginecomastia Micropênis Diminuição da libido e disfunção erétil Criptorquidismo Diminuição das ereções espontâneas Anosmia (Síndrome de Kallmann) Diminuição dos pelos corporais Escroto hipopigmentado Diminuição da massa óssea Ausência de rugas escrotais Fogachos Ginecomastia Manifestações menos específicas: Proporções eunucoides Redução da massa muscular Diminuição da pilificação corporal Aumento da gordura corporal Voz aguda Alterações do humor Diminuição da libido e disfunção erétil Dificuldade de concentração Diminuição da massa óssea e muscular Distúrbios do sono Próstata pequena Anemia leve (normocrômica e normocítica) Tabela 2. Manifestações clínicas do hipogonadismo masculino de fogachos com sudorese são fortes indicativos, porém pouco frequentes, acometendo apenas 10 a 15% dos homens. Além disso, rugas finas po- dem ocorrer nos cantos da boca e dos olhos e, juntamente com a escassez do crescimento dos pelos faciais, re- sultam na clássica “fácies hipogoná- dica”. Aqui, também devemos atentar para a ocorrência de síndrome meta- bólica, resistência insulínica, obesida- de visceral, ginecomastia e diminui- ção das funções cognitivas. No caso de deficiência androgênica leve ou de início tardio em adultos, os pacientes podem não notar a dimi- nuição no crescimento da pilificação facial ou corporal. Aparentemente, níveis relativamente baixos de andro- gênios seriam suficientes para man- ter o crescimento dos pelos sexuais. Em casos de hipogonadismo de lon- ga duração, acontece diminuição do crescimento dos pelos faciais e da ne- cessidade de se barbear, com atrofia de testículos e da próstata. Episódios SAIBA MAIS! A ginecomastia que ocorre nesses casos se deve à baixa quantidade de testosterona para contrapor o efeito do estrogênio que estimula o crescimento das mamas. 17HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO Figura 4. Fácies hipogonádica clássica, com escassez de pelos e rugas finas nos cantos da boca e dos olhos. Fonte: Endocrinologia Clínica, 6ª ed. 5. DIAGNÓSTICO: De forma geral, o diagnóstico baseia- -se na presença de sinais e sintomas de hipogonadismo masculino e em concentrações séricas inequivoca- mente baixas de testosterona total entre 8 e 10 horas da manhã em pelo menos duas ocasiões. Os níveis séricos de testosterona to- tal (TT) são influenciados por altera- ções da globulina ligadora de hormô- nios sexuais (SHBG), a qual, por sua vez, pode variar devido a inúmeras razões, incluindo idade, medicamen- tos e comorbidades. SAIBA MAIS! Para interpretar melhor os níveis de testosterona, é importante levar em conta que ela circula ligada principalmente a duas proteínas plasmáticas, como dito acima: a albumina e a SHBG, produzida no fígado. Em homens adultos jovens, cerca de 40 a 60% da testosterona estão ligados à SHBG, e 35 a 40%, à albumina, enquanto 0,5 a 3% correspondem à fração livre do hormônio. A dosagem da testosterona plasmática reflete a fração ligada à SHBG e, assim, pode falsamente aumentar ou diminuir na presença de condições que elevem (p. ex., hipe- restrogenismo endógeno e exógeno, hipertireoidismo, envelhecimento etc.) ou diminuam a SHBG (obesidade, diabetes melito tipo 2, hipotireoidismo etc.). Diferentemente da forte liga- ção da testosterona à SHBG, a ligação à albumina é frouxa, permitindo uma rápida e fácil dis- sociação. Por isso, a soma da testosterona livre e da fração ligada à albumina é denominada testosterona biodisponível, cuja determinação oferece uma noção mais completa do hormô- nio prontamente utilizado. Em situações que alterem os níveis da SHBG, deve-se determinar a fração livre ou a biodisponível da testosterona, em vez da testosterona total. Anamnese: Na anamnese do paciente, é importan- te atentar para determinadas queixas, bem como para a realização de impor- tantes questionamentos, tais como: • História sexual completa: nes- se ponto, devemos indagar sobre mudanças na libido, que apare- ce como queixa de 62% dos ho- mens que possuem hipogonadis- mo; alteração de função erétil e 18HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO ejaculação; frequência de mastur- bação e de atividade sexual; e, por fim, indagar acerca da fertilidade, ou seja, se possui filhos, se já hou- ve tentativas antes etc. • Manifestações associadas: saindo do quesito sexualidade, é impor- tante a abordagem acerca de ou- tras possíveis alterações no orga- nismo do indivíduo, que envolvem: frequência do barbear, pois quan- do esta vem reduzindo, significa que o crescimento de pelos está prejudicado; mudança na pilifica- ção corporal; alterações no olfato, buscando um sinal da Síndrome de Kallmann; ocorrência de fratu- ras; diminuição de concentração; anemia. • Antecedentes médicos: o históri- co do paciente pode ajudar a con- duzir o diagnóstico de forma mais assertiva. É importante questio- nar se o paciente já foi submetido a alguma cirurgia paracorreção de criptorquidia, se já teve orquite ou traumatismo testicular, sobre a presença de doenças crônicas sis- têmicas, HIV, ITU, tumor na região selar e sobre o desenvolvimento puberal, bem como se já foram re- alizadas cirurgias do trato genitou- rinário. Outro ponto de suma im- portância é a indagação acerca dos hábitos de vida do paciente, como alcoolismo, exposição ao calor (sauna/banheira), uso de fármacos/ suplementos, e nunca esquecer de questionar de maneira enfática so- bre o uso de anabolizantes. Exame físico: No exame físico, o estágio de desen- volvimento das genitálias e dos pe- los pubianos devem ser avaliados, de forma separada, e classificados nos estágios 1 a 5, seguindo as caracte- rizações descritas abaixo. Desenvolvimento da genitália: • Estágio 1: é a genitália infantil, pré-puberal. • Estágio 2: aparece um afinamen- to e hipervascularização da bolsa escrotal, com aumento do volu- me testicular (4 ml de volume ou mais, o que corresponde a 2,5 cm ou mais no eixo longitudinal; para uma medição mais específica, uti- liza-se um orquidômetro). Sem au- mento do tamanho do pênis. • Estágio 3: ocorre aumento da bol- sa escrotal e do volume testicular, com aumento do comprimento do pênis (não há critérios definitivos para tamanho do pênis, como exis- te para o volume testicular). • Estágio 4: maior aumento e hi- perpigmentação da bolsa escrotal, maior volume testicular, com au- mento do pênis em comprimento e diâmetro, além de desenvolvimen- to da glande. 19HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO • Estágio 5: genitália adulta em ta- manho e forma. Desenvolvimento dos pelos pubianos: • Estágio 1: é pré-puberal. Pelos pubianos estão ausentes, poden- do haver pelugem natural. • Estágio 2: surgimento de pelos pubianos esparsos, finos, longos, lisos, um pouco mais escuros, na linha medial ou na base do pênis. • Estágio 3: pelos pubianos em quantidade um pouco maior, gros- sos, ligeiramente encaracolados, mais escuros, que se estendem para o meio do púbis, distribuídos em toda a região pubiana. • Estágio 4: pelos de características adultas, cobrindo os órgãos geni- tais externos (mas ainda em pe- quena quantidade), encaracolados, mas que não se estendem para a raiz/região medial das coxas. • Estágio 5: pelos de características adultas, cobrindo os órgãos geni- tais externos (em maior quantida- de), que se estendem para a raiz/ região medial das coxas. Também é considerado estágio 5 a exten- são dos pelos para linha alba ou região anterior da coxa. Estágio 1 Estágio 2 Estágio 3 Estágio 4 Estágio 5 Figura 5. Fonte: http://www.adolesc. com.br/curso/puberdade-aspec- tos-gerais-do-crescimento-e-do- -desenvolvimento-fisico-na-ado- lescencia/li%C3%A7%C3%B5es/ maturidade-sexual-nos-meninos/ Investigação laboratorial: A investigação laboratorial deve ser realizada apenas em pacientes com sinais e sintomas de hipogonadismo. É importante lembrar que nos homens idosos, doenças associadas, como depressão e diabetes melito, produ- zem sintomas semelhantes aos do 20HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO hipogonadismo; diferentemente da apresentação clássica da deficiência androgênica, nos jovens os sintomas são menos proeminentes, tornando o diagnóstico ainda mais desafiador. O primeiro passo no diagnóstico labo- ratorial do hipogonadismo é a dosa- gem de testosterona total (TT) sérica. A testosterona é secretada conforme o ritmo circadiano, com picos maio- res pela manhã e menores à noite. Por este motivo, a dosagem precisa ser sempre pela manhã. Com a idade, esse ritmo circadiano vai se perdendo. Doenças agudas e subagudas tam- bém podem causar queda da testos- terona, que se normaliza após a reso- lução da condição atual. Portanto, ela não deve ser dosada em situações de estresse. E, devido à grande variação diária da testosterona, um único nível baixo não é o suficiente para fazer o diagnóstico, sendo necessário repetir a dosagem alterada. Na vigência de testosterona baixa, deve-se avaliar o eixo hipotálamo-hi- pofisário com dosagem de LH e FSH para o diagnóstico diferencial entre causas de hipogonadismo hipo ou hi- pergonadotrófico. Uma testosterona baixa associada à FSH e LH elevados indica um hipogonadismo primário, ou seja, um defeito no próprio testícu- lo. Dessa forma, solicita-se cariótipo (Klinefelter? Homem XX?), avalia-se história de caxumba, trauma testicu- lar, cirurgias prévias, quimioterapia ou radioterapia e uso de medicamentos inibidores da esteroidogênese, como cetoconazol. Se, por outro lado, a tes- tosterona baixa estiver associada à FSH e LH também baixos ou até nor- mais, o defeito se encontra no eixo hipotálamo-hipófise, caracterizan- do um hipogonadismo secundário e, nesses casos, solicita-se a dosagem de prolactina, investigam-se os de- mais eixos hipofisários e a saturação de ferro (suspeita de hemocromato- se), e pesquisa-se anosmia (suspeita de síndrome de Kallmann). A RM da hipófise está prioritariamente indica- da na presença de hiperprolactinemia, sintomas de efeito de massa, defeitos nos campos visuais ou pan-hipopitui- tarismo. Na ausência dessas caracte- rísticas clínicas, a decisão de se obter uma RM deve ser individualizada. SE LIGA! Para os casos de hipogonadis- mo congênito, o diagnóstico não costu- ma ser tão difícil, uma vez que os sinais clínicos do hipogonadismo congênito são bastante específicos e, portanto, a dosagem de testosterona baixa nes- se contexto clínico sela o diagnóstico. No entanto, no caso de hipogonadismo masculino adquirido, principalmente nos casos de DAEM (déficit androgênico do envelhecimento masculino), que é uma causa funcional de hipogonadismo as- sociado ao envelhecimento, obesidade, síndrome metabólica e comorbidades, o hipogonadismo geralmente cursa com sintomatologia bem mais inespecífica. Portanto, para se fazer diagnóstico de hi- pogonadismo nesses casos, recomenda- -se destacar a presença de pelo menos três sintomas sexuais associados ao nível de testosterona abaixo do valor inferior de referência para homens jovens. 21HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO Outros exames importantes a se- rem solicitados incluem: avaliação do perfil lipídico, pois o hipogonadismo altera os níveis de colesterol; densi- tometria óssea para avaliar se o pa- ciente possui osteoporose; espermo- grama, que é a pedra fundamental do exame laboratorial na investigação de infertilidade e pode, eventualmente, ser útil na diferenciação entre hipogo- nadismo primário e secundário, pois a ocorrência de oligospermia grave/ azoospermia indica lesão testicular; perfil glicêmico, devido à associação da diabetes com o hipogonadismo; e, por fim, USG de abdome para avaliar esteatose hepática, pois a presença de gordura visceral está associada ao hipogonadismo. DIAGNÓSTICO DE HIPOGONADISMO MASCULINO Suspeita clínica de hipogonadismo 8-10 AM: Testosterona Total (TT) NORMAL Baixa 8-10 AM: Testosterona Total (TT) Repetir Dosar LH e FSH EUGONADAL T baixa + LH e FSH baixos T baixa + LH e FSH elevados Hipogonadismo secundário Hipogonadismo primário Prolactina, T4, Cortisol 8 AM, Fe, Transferrina, RM Dosar Cariótipo 22HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO SAIBA MAIS! Rastreamento do hipogonadismo: Deve-se rastrear o hipogonadismo em homens com: • Sintomas específicos e inequívocos de hipogonadismo • Infertilidade • Osteoporose ou baixa massa óssea • Massa ou doença em região hipotálamo-hipofisária • Radioterapia selar prévia • Uso crônico de corticoide ou opioides • Vírus da imunodeficiência humana (HIV) com perda progressiva de peso • Insuficiência renal crônica (IRC) dialítica • Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) graus 3 e 4. hiperprolactinemia, anorexia nervosa, síndrome de Cushing, tumores hipofi- sários, obesidade, diabetes melito tipo 2 ou uso de esteroides anabolizantes. A terapia de reposição androgênica é indicada para todos os homens que sofrem de hipogonadismo, exceto se houver uma ou mais dasseguintes contraindicações: • História de câncer de próstata: um homem com histórico de câncer de próstata geralmente não deve ser tratado com testosterona. Uma possível exceção é um homem hi- pogonadal que teve uma prostatec- tomia radical para câncer confinada à próstata e está livre de doença e tem um antígeno específico da próstata (PSA) indetectável por pelo menos dois anos, mas isso não é consenso entre os especialistas e muitos preferem não administrar a testosterona nesses casos. 6. TRATAMENTO O tratamento do hipogonadismo masculino visa ao alívio dos sintomas, à restauração de níveis normais de testosterona, à melhora da qualidade de vida e à redução da mortalidade, a qual se mostra elevada em compara- ção à população geral. No manuseio de hipogonádicos, são fundamentais a restauração e a manutenção da função sexual e das características sexuais secundárias, e isso é possível a partir da terapia de reposição com testosterona (TRT). Em pacientes com hipogonadismo hipogonadotró- fico idiopático, também pode ser ten- tada a indução da espermatogênese, caso haja o desejo de fertilidade, por meio do uso de gonadotrofinas exó- genas ou GnRH administrado de ma- neira pulsátil. Também deve-se atuar, sempre que possível, sobre a causa subjacente do hipogonadismo, como 23HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO • Câncer de próstata: os homens de- vem ser avaliados quanto à possi- bilidade de câncer de próstata não diagnosticado anteriormente. Um homem acima de 50 anos (ou aci- ma de 40 anos, se for afro-ame- ricano ou tiver histórico de câncer de próstata em parente de primei- ro grau) deve fazer um exame re- tal digital e uma medida sérica de PSA. Se um nódulo da próstata for detectado ou o PSA for > 4 ng/mL ou > 3 ng/mL em um homem de alto risco, ele deverá ser encami- nhado para consulta urológica. • Câncer de mama: a testosterona é aromatizada com estradiol, por- tanto, homens que têm câncer de mama não devem ser tratados com testosterona. • Hiperplasia prostática benigna se- vera não tratada: os sintomas do trato urinário inferior devem ser ava- liados pelo International Prostate Symptom Score (IPSS) e a taxa de fluxo urinário e a urina residual pós- -miccional na bexiga por ultrassono- grafia devem ser medidas antes do início do tratamento. Se a sintoma- tologia do paciente é moderada a grave (pontuação maior que 19 no IPSS) devido à hiperplasia prostática benigna, esta deve ser tratada antes da administração de testosterona. • Eritrocitose: a terapia de reposição de testosterona é contraindicada caso haja um hematócrito > 50%. A testosterona estimula a eritropoie- se, ou seja, ocorre uma hipervisco- sidade sanguínea que pode levar, inclusive, à trombose. Portanto, o hematócrito deve ser medido antes de iniciar o tratamento e, se estiver elevado, a causa deve ser procu- rada e a condição tratada antes do início da reposição de testosterona. • Apneia obstrutiva do sono não tra- tada: a apneia do sono pode ser agravada pelo tratamento com tes- tosterona, por isso o clínico deve perguntar sobre sintomas, como sonolência diurna excessiva e ap- neia testemunhada durante o sono por um parceiro e se indicada, a po- lissonografia deve ser realizada. Pa- cientes cuja apneia do sono é bem tratada com pressão positiva contí- nua nas vias aéreas (CPAP) podem fazer tratamento com testosterona. • Insuficiência cardíaca descompen- sada: a testosterona possui proprie- dades de retenção hídrica e hiper- trofia dos cardiomiócitos, portanto, uma insuficiência cardíaca grave deve ser tratada antes do início do tratamento com testosterona. Terapia de reposição com testosterona: A testosterona pode ser adminis- trada por via oral, bucal, nasal, in- tramuscular, transdérmica (gel ou adesivos) ou subcutânea (implan- tes ou injeções) e a escolha entre as 24HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO diferentes preparações de testostero- na requer uma compreensão de sua farmacocinética. As principais formas de administração disponíveis no Brasil são as seguintes: Testosterona Injetável IM: é a forma mais comum, barata e disponível da testosterona no Brasil. No entanto, não mimetiza o ritmo fisiológico de secreção de testosterona, pois pro- picia pico sérico elevado de testoste- rona nos dias seguintes à aplicação. Apresentações comerciais: • Deposteron®, Testiormina® (ci- pionato de testosterona) 200 mg: administra-se uma ampola intra- muscular (IM) a cada 2 a 3 sema- nas. Faz pico sérico menor quando comparado ao Durateston®; • Durateston®, Estandron® (mistura de quatro ésteres de testosterona: propionato, fenilpropionato, isoca- proato e decanoato de testoste- rona) 250 mg: administra-se uma ampola IM a cada 2 a 3 semanas; • Nebido® (undecanoato de testos- terona) 1.000 mg: administra-se uma ampola IM a cada 3 meses. Pode-se administrar uma dose de ataque após 6 semanas da primeira dose, visando acelerar a obtenção de bom nível sérico de testosterona. Testosterona oral: o inconveniente da testosterona via oral é que esta tem passagem hepática e, por isso, pequena meia-vida, precisando ser ingerida várias vezes ao dia (3 a 4 ve- zes) para manter o nível sérico. Além disso, as formas 17-alfa-alquiladas de testosterona via oral podem causar hepatotoxicidade, mesmo em níveis fisiológicos, aumentando, portanto, o risco de hepatite, colestase e neopla- sias benignas e malignas do fígado. Por isso, essas formas de reposição não são habitualmente recomenda- das. As medicações existentes são: • Androxon® (undecanoato de tes- tosterona): a posologia é de 1 com- primido (40 mg), 3 a 4 vezes/dia, por ter efeito de primeira passagem hepática. Já está disponível no Bra- sil. É a única forma de testosterona oral segura, pois não há risco de he- patotoxicidade com o seu uso nas doses fisiológicas, já que chega à corrente sanguínea por via linfática e não por circulação porta. Pode ser manipulado (undecanoato de tes- tosterona 40 a 160 mg/dia). • Metiltestosterona (Gerosenil®, No- vosex®, Sexormom®, Testofran®, Testonus®): É uma forma de tes- tosterona 17-alfa-alquilada, e por isso pode causar hepatotoxicida- de mesmo nas doses fisiológicas. Disponível no Brasil. • Oxandrolona (Anavar®, Lipidex®): É outra forma de testosterona 17-alfa-alquilada e também pode provocar hepatotoxicidade. É mui- to utilizada por frequentadores de 25HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO academia, visando ao aumento de massa muscular e efeito anabólico. É uma derivada da di-hidrotestos- terona (DHT), por isso não é aro- matizada e não causa ginecomas- tia. Os comprimidos são de 5 ou 10 mg, e muitas vezes chegam-se a utilizar, em academias, doses al- tíssimas, como até 100 mg/dia. • Outras formas de testosterona 17-alfa-alquiladas (hepatotóxi- cas): Fluoximesterona, oximetolo- na, estanozolol. Gel de testosterona 1%: são sachês/ envelopes de 2,5 ou 5 g, correspon- dendo a 25 ou 50 mg de testosterona; ou apresentação em frascos, em que 4 puffs correspondem a 50 mg de tes- tosterona. Orienta-se passar 5 a 10 g do gel (correspondente a 50 a 100 mg de testosterona) 1 vez/dia em pele recoberta por roupa, geralmente om- bros, braços ou costas. Sempre se deve orientar a lavagem das mãos imedia- tamente após a aplicação. A absorção é rápida e eficiente, e mantém níveis séricos de testosterona adequados, não causando pico como as formula- ções intramusculares. Geralmente não causam irritação na pele, como pode acontecer com os adesivos (patchs). Como apenas 10% do gel é absorvi- do, conclui-se que a dose absorvida é equivalente a 5 a 10 mg de testoste- rona, semelhante à produção diária de testosterona pelo homem, que é algo em torno de 7 mg/dia. O uso é diário e tem alto custo. As apresentações co- merciais de testosterona em gel dis- poníveis atualmente no Brasil são: • Axeron® 2% (apresentação em puff de 1,5 mℓ, cada puff tem 30 mg): aplicar 2 a 4 puffs 1 vez/dia na pele das axilas): é uma solução hidroalcoólicade testosterona que atinge nível sérico estável em 7 dias de uso, e cuja monitorização já pode ser feita com dosagem da testoste- rona após 2 semanas de uso para ajuste de dose. Dose mínima e ini- cial de 60 mg/dia (2 puffs); • Androgel® (apresentações em sachês com 2,5 g e 5 g de gel, o que equivale a 25 mg ou 50 mg de testosterona). SE LIGA! A administração de testoste- rona suprime a secreção de LH e, assim, suprime a alta concentração de testos- terona intratesticular essencial para a espermatogênese. Embora o efeito das doses de reposição de testosterona em homens com graus leves de hipogona- dismo que ainda apresentem algum grau de espermatogênese não tenha sido es- tudado, os homens hipogonádicos que estão sendo considerados para reposição de testosterona devem ser informados do efeito supressor da testosterona na espermatogênese e perguntados se eles desejam fertilidade. Se o fizerem, outros tratamentos devem ser considerados. As alternativas de terapia de reposi- ção androgênica para os homens com hipogonadismo funcional que pos- suem desejo de fertilidade incluem a 26HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO administração de HCG, Clomifeno e FSH recombinante. O Clomifeno é um fármaco de ação antiestrogênica, que age inibindo a ação do estrógeno a ní- vel central, hipotalâmico e hipofisário. Desta maneira, inibe o feedback ne- gativo que o estrógeno exerce sobre o eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HHG) e consegue estimular a libera- ção de gonadotrofinas hipofisárias que, por sua vez, estimulam a espermato- gênese. Costuma ter boa resposta, por exemplo, no tratamento do hipogona- dismo da obesidade e da síndrome metabólica, uma vez que o excesso de aromatização periférica dos hormô- nios esteroides no tecido adiposo sub- cutâneo pode cursar com aumento da produção estrogênica nessa popula- ção e inibição hipotálamo-hipofisária. Monitoramento do tratamento: A medida da testosterona sérica é a melhor maneira de monitorar se a dose da testosterona e/ou o intervalo de ad- ministração estão adequados. A infor- mação dos pacientes sobre a melhora dos sintomas também é útil. De modo geral, recomenda-se que se almejem níveis de testosterona total (TT) entre 400 e 700 ng/dℓ (400 e 500 ng/dℓ, nos pacientes mais idosos). A época ideal para essa dosagem va- ria com formulação de testosterona utilizada. Por exemplo, nos pacientes tratados com Durateston®, enanta- to ou cipionato de testosterona, essa avaliação deve ser feita na metade do intervalo de aplicação (após 7 a 10 dias). No caso do undecanoato de testosterona (Nebido®), a avaliação deve ser feita antes da nova aplicação do fármaco. Se os níveis de TT estive- rem abaixo ou acima do alvo, o inter- valo de aplicação deve ser reajustado. Alternativamente pode-se modificar a dose da medicação (p. ex., 100 mg de cipionato de testosterona semanal- mente, em vez de 200 mg a cada 15 dias). Muitas vezes, a própria resposta clínica do paciente pode servir de in- dício da necessidade de modificação da frequência das injeções ou da dose. No caso de fármacos de administra- ção diária (formulações oral, transdér- mica, bucal ou nasal), pode-se apenas aumentar ou diminuir sua dose. Além da dosagem da testosterona, deve-se realizar uma avaliação se- riada do PSA e hematócrito, devendo suspender a reposição: • Se houver aumento do PSA para > 1,4 ng/mℓ em 1 ano ou PSA > 4 ng/mℓ; • Se houver aumento maior que 0,4 ng/mℓ ao ano por 2 anos seguidos; • Se o hematócrito for maior do que 55%. Outros exames a serem solicitados para o seguimento do paciente são o perfil lipídico, as transaminases e en- zimas canaliculares hepáticas, além da densitometria óssea anual. 27HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO TRATAMENTO DO HIPOGONADISMO MASCULINO Contraindicações TRT Monitoramento Indicação Objetivos Hematócrito Perfil lipídico, transaminases, enzimas hepáticas e densitometria óssea PSA seriado Testosterona total sérica Se maior que 55% → suspender reposição A testosterona suprime o LH → infertilidade Testosterona oral Aumento para 1,4 ng/mL em 1 ano; PSA > 4 ng/mL; aumento de 0,4 ng/mL/ano por 2 anos Entre 400 e 700 ng/dL Suspender reposição Valores alterados → reajuste no intervalo das aplicações Eritrocitose Apneia obstrutiva do sono não tratada IC descompensada HPB severa não tratada Câncer de mama História de câncer de próstata Avaliar possíveis exceções e pacientes de alto risco → avaliação com urologista Todos os homens que sofrem de hipogonadismo Testosterona IM Restauração dos níveis normais de testosterona e função sexual Redução da mortalidade Alívio dos sintomas Melhora da qualidade de vida Para homens que desejam fertilidade as opções de terapia de reposição androgênica são: HCG, Clomifeno e FSH recombinante. Testosterona gel Axeron, androgel Androxon, metiltestosterona, oxandrolona Primeira passagem hepática → hepatotoxicidadeDeposteron, Durateston, Nebido 28HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO HIPOGONADISMO FEMININO 1. DEFINIÇÃO: O hipogonadismo feminino, assim como o masculino, é caracterizado por uma disfunção do eixo gonadotrófico, seja por uma perda de oócitos, pela falta de foliculogênese ou de cunho hormonal, pela própria deficiência na produção de estrogênio ovariano. Qualquer uma dessas disfunções resulta na infertili- dade, que é, muitas vezes, o sinal que leva a mulher a procurar o especialista. HORA DA REVISÃO! Para entendermos a disfunção e suas possíveis causas, é necessário relembrar- mos a fisiologia do eixo gonadotrófico fe- minino, caracterizado pelo ciclo menstrual. De forma simples e resumida, sabemos que tudo se inicia no hipotálamo, com a produção do GnRH, hormônio que irá estimular a hipófise a produzir FSH e LH que, por sua vez, irão agir nos ovários estimulando a ovulação. Para além disso, é importante a compre- ensão de forma mais detalhada da ação do FSH e do LH nos ovários, que se dá da seguinte forma: Primeiramente a hipófise produz o FSH, ou seja, ele é o primeiro hormônio do ciclo menstrual. O FSH age nos ovários pro- movendo o recrutamento dos folículos ovarianos e estes iniciam a produção de estrogênio, principalmente porque o FSH estimula a zona granulosa dos folículos, que produz esse estradiol. O estrogênio produzido vai gerar um feedback nega- tivo na hipófise, inibindo a produção de FSH. Em resposta ao aumento expo- nencial da secreção do estradiol na fase folicular, os níveis de LH aumentam 10 vezes, e este hormônio vai estimular a teca do ovário a produzir a progesterona que irá promover a ovulação. Caso o óvu- lo seja fecundado, a progesterona será mantida pelo próprio embrião, evitando a descamação do endométrio. No entanto, caso o óvulo não seja fecundado, haverá uma queda da progesterona e, com isso, a menstruação. HIPOTÁLAMO Produz GnRH Estimula Produz FSH LH Estimula Teca do ovário Produz Estímula Ovários → recrutamento de folículos ovarianos Progesterona Hipófise Feedback negativo Estimula Ovulação Zona granulosa dos folículos Produz Estradiol EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE-OVÁRIO 29HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO 2. EPIDEMIOLOGIA A falência ovariana precoce pode ser considerada uma síndrome frequente na população feminina, acometendo 1 em cada 100 mulheres acima dos 40 anos, 1:250 em torno dos 35 anos e 1:1000 antes dos 30 anos. Em uma pequena parcela dos casos, cerca de 5 a 10%, pode haver regressão es- pontânea da falência. Das mulheres que sofrem dessa sín- drome, cerca de 5% têm história fa- miliar de menopausa precoce. 3. ETIOLOGIAS Entendida a fisiologia normal do eixo gonadotrófico, podemos identificar as possíveis etiologias que levam à sua disfunção. Se a deficiência é própria do ovário, classificamos como uma etiologia pri- mária, caracterizada laboratorialmen- te por LH e FSH altos. Isso se deve ao feedback positivo na hipófise pro- vocado pela baixa de estrogênio e progesterona.Por outro lado, se a de- ficiência não está no ovário, mas sim em outra parte do eixo, classificamos como de etiologia secundária. Disfunção ovariana primária: Em primeiro lugar, é preciso identifi- car se a falência ovariana é precoce ou é devido à própria menopausa, e isso será definido a partir da idade da mulher: a falência ovariana é con- siderada precoce em mulheres com menos de 40 anos, enquanto em mu- lheres com mais de 40 anos já é con- siderada como menopausa. As etiologias da disfunção ovariana primária se dividem em causas gené- ticas e adquiridas, sendo que em 75 a 90% dos casos a etiologia permane- ce desconhecida. Causas genéticas: Entre as causas genéticas, as anor- malidades do cromossomo X são as mais frequentes, seguidas da pré- -mutação do X frágil (FMR1). Esta última é observada em cerca de 2 a 3% das falências ovarianas precoces esporádicas e em até 15% dos ca- sos familiares. Dois cromossomos X intactos são necessários para a ma- nutenção dos oócitos durante a em- briogênese, e a perda ou alteração nos cromossomos sexuais leva a uma perda folicular acelerada. A síndrome de Turner ocorre em 1:2.000 a 1:5.000 meninas ao nas- cimento e é caracterizada pelo carió- tipo 45, X ou mosaico 45, X/46, XX. As meninas nascem com baixo peso, linfedema e, na infância, apresentam baixa estatura, retardo puberal, im- plantação baixa do cabelo, pescoço alado, além de malformações cardía- cas e renais. O aumento dos níveis de gonadotrofinas inicia-se a partir dos 7 ou 8 anos de idade, e a amenorreia 30HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO primária é quase uma regra. Entre- tanto, a síndrome pode se expressar de maneira incompleta, e 5% das pacientes evoluem com amenorreia secundária, apesar de apresentarem ovários disgenéticos. Figura 6. Síndrome de Turner. Fonte: https:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi- d=S0104-59702009000200005 Outras causas mais raras para falên- cia ovariana precoce de origem gené- tica decorrem de deficiências enzimá- ticas. A deficiência da 17β-hidroxilase ou da 17,20-liase resulta em compro- metimento da secreção de hormônios adrenais e gonadais. A galactosemia, de ocorrência muito rara, decorre da deficiência de uma enzima do metabolismo da galactose que, então, acumula-se em vários ór- gãos, incluindo os ovários, e provoca efeito tóxico. Têm sido também descritas mutações no receptor de LH associadas a um qua- dro de amenorreia primária com desen- volvimento mamário normal. Mutações e polimorfismos no gene do receptor de FSH já foram igualmente relatados e estão relacionados com insuficiência ovariana hipergonadotrófica, caracte- rizada por amenorreia primária ou se- cundária antes dos 20 anos. Causas adquiridas: As causas adquiridas de insuficiência ovariana primária, levando à meno- pausa precoce, são: ooforite autoimu- ne, radioterapia pélvica, quimioterapia, medicamentos, cirurgias pélvicas, oofo- rectomia, torção ovariana, síndrome de Savage (ovários resistentes às gona- dotrofinas, com folículos ovarianos pre- sentes, mas hipogonadismo hipergona- dotrófico), idiopática (50% dos casos). A destruição ovariana autoimune tem um diagnóstico de difícil confirmação, 31HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO a menos que ela ocorra no contexto de uma das síndromes poliglandulares autoimunes. Estima-se que cerca de 20 a 30% das pacientes com falência ovariana precoce tenham uma doença autoimune concomitante, e a associa- ção mais forte é com os distúrbios ti- reoidianos. Além disso, 10 a 20% das pacientes com doença de Addison au- toimune apresentam a falência. A associação entre doenças sis- têmicas e falência ovariana é bem estabelecida. Algumas doenças de- correntes de alterações imunológicas, como artrite reumatoide juvenil, lúpus eritematoso sistêmico e outras cola- genoses, glomerulonefrite, distúrbios da tireoide (tireoidite de Hashimoto e doença de Graves), hepatite crônica ativa, miastenia gravis e asma, podem se associar a insuficiência ovariana. Infecções por caxumba ou citomega- lovírus também podem gerar disfun- ção ovariana. SAIBA MAIS! A amenorreia é a ausência ou interrupção da menstruação e pode ser manifestação de vá- rias doenças, endócrinas ou não endócrinas, classificando-se como primária ou secundária. Amenorreia primária é a ausência de menarca após os 13 anos de idade, em meninas que não possuem caracteres sexuais secundários, ou aos 15 anos, na presença de característi- cas sexuais secundárias. A amenorreia secundária é a interrupção das menstruações por 3 meses consecutivos em uma mulher que já tenha menstruado previamente ou a interrupção da menstruação por mais de 6 meses em mulheres que possuíam o ciclo menstrual irregular. SE LIGA! Anovulação crônica com estrogênio presente: pacientes com amenorreia secundária e, eventualmente, com amenorreia pri- mária podem apresentar níveis estrogênicos normais. Nessas pacien- tes, ocorrem alterações no mecanismo de feedback entre os este- roides sexuais e os gonadotrofos, de modo que não há sincronia na produção hormonal, que perde seu ritmo e sua ciclicidade, ocorrendo então anovulação e infertilidade. Sem ovulação, o corpo lúteo não se forma, nem aumenta a produção de progesterona na segunda me- tade do ciclo e, desse modo, não ocorre a queda dos níveis séricos de progesterona que antecede o sangramento menstrual. Esse grupo de pacientes tem risco aumentado de carcinoma de endométrio de- vido ao excesso de estrogênio não adequadamente equilibrado pela produção de progesterona. Portanto, deve ser feito o tratamento da causa de base ou com anticoncepcionais ou progestágenos cíclicos, visando a antagonizar a ação proliferativa que o excesso de estróge- nos exerce sobre o endométrio dessas pacientes. 32HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO Disfunção ovariana secundária: A insuficiência ovariana secundária, hipotalâmica ou hipofisária, caracteri- za-se por níveis normais ou reduzidos de gonadotrofinas. Pode ser decor- rente de patologias neoplásicas, infla- matórias/infiltrativas e infecciosas da região selar, bem como de deficiência isolada de gonadotrofinas, amenor- reia “funcional” hipotalâmica (AFH) e distúrbios endócrinos extraovarianos. Distúrbios genéticos raros podem também resultar em hipogonadismo central. Aqui, dividiremos as causas em hipotalâmicas e hipofisárias. Hipotalâmicas: A Síndrome de Kallmann se desta- ca como causa hipotalâmica e ge- nética da falência ovariana precoce. Essa síndrome é caracterizada pela associação entre o hipogonadismo e a anosmia ou hiposmia e ocorre por deficiência congênita de GnRH, com incidência estimada de 1:50.000 mu- lheres. A síndrome de Kallmann pode aparecer como uma herança ligada ao X, mas pode também ter herança autossômica dominante ou autossô- mica recessiva. Variações fenotípi- cas costumam ser encontradas entre familiares com a mesma mutação, incluindo indivíduos saudáveis nor- mais. Além disso, já foram descritos na literatura casos de reversibilidade do hipogonadismo em diferentes ge- nótipos da síndrome de Kallmann. SE LIGA! Tríade da Síndrome de Kall- mann: anosmia/hiposmia + amenor- reia primária + crescimento mamário incompleto. Hipofisárias: As causas hipofisárias da falência ovariana precoce são bastante varia- das e incluem: • Hemorragia: atentar para a cefa- leia como sintomatologia; • TCE com infarto hipofisário: a dis- função pode aparecer na fase aguda ou até 6 meses após o traumatismo; • Prolactinoma: a prolactina inibe os pulsos de GnRH; • Tumor hipofisário: mesmo que o tumor não seja próprio dos gona- dotrofos, ele pode provocar a des- truição dessas células, impedindo sua função de secretar FSH e LH; • Infecções: são raras e geralmente associadas a imunodeficiências. As principais infecções a serem pesquisadas são a tuberculose, a toxoplasmose e as infecções fún- gicas (pneumocistose, aspergilose, histoplasmose); • Síndrome da sela vazia: é a ausên- cia da sela túrcica, seja poruma causa congênita ou devido à cirur- gia, radioterapia ou infarto hipofisá- rio. A hipófise repousa sobre essa 33HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO sela túrcica, portanto a sua ausên- cia resulta na “queda” da hipófise, provocando a tração da haste hi- pofisária que conecta o hipotálamo à hipófise, enfraquecendo essa co- nexão. Essa síndrome pode ser as- sintomática ou se manifestar com hipopituarismo com hiperprolacti- nemia. A prolactina é inibida pela dopamina hipotalâmica e na perda da conexão hipotálamo-hipófise, a prolactina passa a ser continua- mente produzida pela hipófise. ETIOLOGIAS DO HIPOGONADISMO FEMININO Disfunção ovariana primária Disfunção ovariana secundária Hipofisárias: Hemorragia, TCE, prolactinoma, tumor hipofisário, infecções, S. da sela vazia LH e FSH baixos Hipotalâmica: S. de Kallmann Adquiridas: idiopática, autoimune, radioterapia e cirurgias pélvicas, medicamentos, quimioterapia, torção ovariana, S. de Savage Precoce: mulheres com menos de 40 anos; Menopausa: mais de 40 anos LH e FSH altos Genéticas: anormalidades do cromossomo X (como S. de Turner) e deficiências enzimáticas 4. QUADRO CLÍNICO: As manifestações clínicas do hipogo- nadismo feminino vão depender da faixa etária da paciente. Nas crianças, ocorre o atraso do desenvolvimento 34HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO puberal, caracterizado principalmen- te pela menarca acima dos 13 anos. Já nas mulheres adultas, as altera- ções incluem amenorreia, redução de libido, infertilidade, queda de pelos, atrofia das mamas, redução da força muscular e da massa óssea. Além das alterações clínicas, algumas alterações laboratoriais estão presen- tes, como a hipercolesterolemia, com aumento do LDL, e uma baixa densi- tometria que leva à osteoporose. INÍCIO PRÉ-PUBERAL INÍCIO PÓS-PUBERAL Atraso do desenvolvi- mento puberal Amenorreia Menarca acima dos 13 anos Redução de libido Mamas não desenvolvidas Infertilidade Pouco ou nenhum pelo pubiano Queda de pelos Atrofia das mamas Diminuição da massa óssea e muscular Tabela 1. Manifestações clínicas do hipogonadismo feminino 5. DIAGNÓSTICO Anamnese: Na anamnese da paciente é impor- tante explorar o histórico sexual de forma completa, indagando sobre mudanças na libido, secura vaginal, frequência de masturbação e ativida- de sexual e avaliar fertilidade. Deve-se pesquisar ainda o histórico familiar de puberdade e de menarca, bem como se Síndrome de Turner ou X frágil, histórico pessoal de peso, ali- mentação e uso de álcool, exercícios físicos extenuantes, cirurgias prévias, uso de medicamentos e suplementos, quimioterapia ou radioterapia prévias, doenças autoimunes, doenças sistê- micas, gestações ou abortos prévios, presença de galactorreia, cefaleia, alterações visuais, traumas, queixas neurológicas (redução na concentra- ção, insônia), história dos ciclos mens- truais prévios e presença de irregula- ridade menstrual prévia e de sinais de hipoestrogenismo (instabilidade de temperatura, fogachos, ondas de ca- lor, sintomas vasomotores). Dentre as doenças sistêmicas pre- sentes, nos chama atenção o HIV, a infecção do trato urinário de repetição e o tumor na região selar. SE LIGA! O uso de anabolizantes deve ser questionado ativamente! Exame físico: No exame físico, deve-se avaliar peso, altura, curva de crescimento, presença ou não de caracteres sexuais secun- dários, galactorreia, hirsutismo, viriliza- ção, acne ou sinais de hiperandroge- nismo, calvície de padrão androgênico, acantose nigricans e sinais de síndro- me de Cushing (estrias grossas violá- ceas, giba, obesidade central). 35HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO As mamas também devem ser exa- minadas e classificadas quanto ao seu estágio de desenvolvimento de 1 a 5. Os estágios 1 e 2 indicam pouca ou quase nenhuma exposição estro- gênica anterior, enquanto os estágios mais avançados indicam que essa exposição ocorreu por um período de tempo suficiente para um melhor de- senvolvimento mamário. • Estágio 1: é a mama infantil, pré- -puberal. Sem tecido mamário pal- pável, com pequena aréola no pla- no da parede torácica. • Estágio 2: presença de “botão” mamário imediatamente sob a aréola, cujo diâmetro começa a aumentar. O broto mamário for- ma-se com uma pequena saliên- cia, com elevação da mama e da papila, e ocorre aumento do diâ- metro areolar. Melhor visualizado lateralmente. • Estágio 3: extensão do tecido ma- mário além dos limites da aréola. Maior aumento da aréola e da pa- pila, sem separação do contorno da mama. • Estágio 4: a aréola, mais escure- cida e com diâmetro aumentado, forma um montículo acima do res- tante do tecido mamário, chamado de “duplo contorno”. • Estágio 5: mama com aspecto adulto, com volta do contorno da aréola para o contorno da mama, e projeção da papila além do contor- no da aréola e da mama. O desenvolvimento dos pelos pubia- nos femininos também é classificado em estágios, da seguinte forma: • Estágio 1: é pré-puberal. Pêlos pubianos estão ausentes, poden- do haver pelugem natural. • Estágio 2: surgimento de elos pu- bianos esparsos, finos, longos, li- sos, um pouco mais escuros, ao longo da vulva, na linha central da região pubiana. • Estágio 3: elos pubianos em quan- tidade um pouco maior, grossos, ligeiramente encaracolados, mais escuros, que se estendem para o meio do púbis, distribuídos em toda a região pubiana. • Estágio 4: elos de características adultas, cobrindo os órgãos geni- tais externos (mas ainda em pe- quena quantidade), encaracolados, mas que não se estendem para a raiz / região medial das coxas. • Estágio 5: elos de características adultas, cobrindo os órgãos geni- tais externos (em maior quantida- de), que se estendem para a raiz / região medial das coxas. Também é considerado estágio 5 a exten- são dos elos para linha alba ou re- gião anterior da coxa. 36HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO Figura 7. Fonte: http://www.adolesc.com.br/curso/puberdade-aspectos-gerais-do- -crescimento-e-do-desenvolvimento-fisico-na-adolescencia/li%C3%A7%C3%B5es/ maturidade-sexual-nas-meninas/ desconfiamos de um prolactinoma e solicitamos uma RM da hipófise para fechar o diagnóstico. No entanto, se a prolactina estiver em seus níveis normais, passamos para a avaliação do TSH: se este estiver alterado, de- vemos avaliar e tratar a doença na ti- reoide; se o TSH é normal, passamos para o próximo passo, que é a avalia- ção do FSH juntamente com o estró- geno. Quando o FSH está elevado e o estrógeno está baixo, significa que a hipófise e o hipotálamos estão traba- lhando de maneira adequada e, por- tanto, a deficiência é primária, ou seja, dos ovários. Caso o FSH se encontre normal ou baixo, se o estrógeno tam- bém está baixo, estamos diante de um hipogonadismo hipogonadotró- fico e devemos realizar uma RM da hipófise para descartar um tumor se- lar, além de investigar outras causas, Estágio 1 Estágio 1 Estágio 2 Estágio 2 Estágio 3 Estágio 3 Estágio 4 Estágio 4 Estágio 5 Estágio 5 Figura 8. Fonte: http://www.adolesc.com.br/curso/puberdade-aspectos-gerais-do- -crescimento-e-do-desenvolvimento-fisico-na-adolescencia/li%C3%A7%C3%B5es/ maturidade-sexual-nas-meninas/ Avaliação laboratorial: Paciente com amenorreia secundária: O primeiro passo é afastar a gravidez como causa da amenorreia, solicitando a dosagem de hCG sérico. Afastada a gravidez, solicitamos os testes labora- toriais iniciais, que incluem a dosagem do FSH (exame mais sensível para ava- liar se o hipogonadismo é primário ou central), estrógeno, TSH e prolactina. SE LIGA! A dosagem da testosterona deve ser solicitada quando houver evi- dência de hiperandrogenismo, como au- mento de pelos e hipertrofia de clítoris. Se a prolactina vier elevada, devemos repetir o exame para confirmar a hi- perprolactinemia e, caso confirmada, 37HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO como: amenorreia hipotalâmica fun- cional, doença sistêmica e outros dis- túrbios hipotalâmicose hipofisários. Por outro lado, a associação do FSH baixo ou normal com um estrógeno normal pode ser ainda um hipogona- dismo hipogonadotrófico, no entanto, existem outras causas que devem ser afastadas anteriormente e estão as- sociadas à presença de hiperandro- genismo. Nesses casos, a síndrome do ovário policístico (SOP) é o diag- nóstico mais provável, mas se a tes- tosterona estiver muito aumentada (> 150 ng/dl) ou se houver virilização, é necessária uma avaliação adicional para descartar causas mais graves de hiperandrogenismo, como um tumor produtor de testosterona. Por último, se o FSH está baixo ou nor- mal, o estrógeno está normal e a pa- ciente não possui hiperandrogenismo, a história de cirurgia uterina deve ser novamente pesquisada e, nesses ca- sos, seguiremos a seguinte conduta: • Realizar teste de progesterona: ad- ministram-se 10 mg/dia de MPA por via oral, durante 5 a 10 dias. Uma resposta positiva (sangra- mento menstrual) corresponde a trato genital íntegro e pérvio e, de maneira indireta, sugere que o eixo hipotalâmico-hipofisário-ovariano é competente para a produção de es- trogênio, com endométrio responsi- vo. Caso o resultado seja negativo (ausência de sangramento mens- trual), devemos prosseguir com o teste de estrógeno + progesterona. • Teste de estrógeno + progestero- na: pode-se utilizar os estrogênios conjugados 1,25 mg/dia ou o va- lerato de estradiol 2 mg, durante 21 dias, associados nos últimos 10 dias a medroxiprogesterona ou didrogesterona (10 mg/dia), ou a combinação de 2 mg de valera- to de estradiol e 0,25 mg de levo- norgestrel durante 21 dias, com a finalidade de testar a resposta endometrial e a permeabilidade uterina. A resposta positiva cor- responde ao fluxo menstrual, e a resposta negativa, a ausência de fluxo menstrual. Nas amenorreias secundárias com teste negativo, as causas mais frequentes são sinéquias uterinas (síndrome de Asherman) e deve-se dar segui- mento à investigação com a reali- zação de uma histeroscopia. 38HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO DIAGNÓSTICO DA AMENORREIA SECUNDÁRIA + + + (+)(-)(-) (+) ↑ PRL TSH anormal FSH E2 Disfunção ovariana primária Dosar PRL, TSH, FSH, E2 *Dosar testosterona se evidência de hiperandrogenismo* AFASTAR GRAVIDEZ Hiperprolactinemia Distúrbio da tireoide Prolactinoma? Tratar etiologia RM de hipófise FSH alto FSH baixo ou normal FSH baixo ou normal E2 baixo E2 baixo E2 normal Sem hiperandrogenismo Hipogonadismo hipogonadotrófico Pesquisar tumor selar (RM), doenças sistêmicas SOP ou causas mais graves Teste da progesterona Trato genital pérvio Anovulação Teste do estrógeno + progesterona Trato genital pérvio Histeroscopia Com hiperandrogenismo 39HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO Paciente com amenorreia primária: Todas as mulheres com amenor- reia primária devem ter gonadotro- fina coriônica humana sérica (hCG), FSH, hormônio estimulador da tireoi- de (TSH) e prolactina (PRL) medi- das, semelhante à abordagem para mulheres com amenorreia secundá- ria. Alguns médicos sugerem testes adicionais, incluindo estradiol sérico (E2) para avaliar o status de estrogê- nio, no entanto, as medidas séricas de E2 podem ser variáveis em mu- lheres com falência ovariana precoce ou amenorreia hipotalâmica funcio- nal durante a recuperação e podem não refletir a exposição ao estradiol durante semanas. Por outro lado, E2 pode ser útil ao tentar interpretar os valores de FSH. Medimos o T4 livre apenas quando há suspeita de hipo- tireoidismo central. Uma alta concentração sérica de hor- mônio folículo-estimulante (FSH), principalmente se a paciente não possui características sexuais secun- dárias, é indicativa de insuficiência ovariana primária. Um cariótipo é en- tão necessário e pode demonstrar a exclusão completa ou parcial do cro- mossomo X (síndrome de Turner) e/ ou a presença de cromatina Y. A pre- sença de um material cromossômico Y (SRY) está associada a um maior risco de tumores gonadais e torna obrigatória a gonadectomia. Por outro lado, uma concentração baixa ou nor- mal de hormônio folículo-estimulante sérico (FSH) na ausência de caracte- rísticas sexuais secundárias sugere um processo hipotalâmico-hipofisário central, tornando necessário a reali- zação do teste com o GnRH. Se após administração de GnRH a paciente passa a sangrar, o teste é positivo e conclui-se que o problema se encon- tra no hipotálamo, devendo-se pes- quisar amenorreia hipotalâmica fun- cional, questões nutricionais, doenças sistêmicas e tumores (realizar RM). No entanto, se ainda assim a paciente permanece sem sangramento, a con- clusão é que o problema se encontra na hipófise (também se faz necessá- ria a realização de RM). É importante lembrar que, caso a paciente tenha desenvolvido características sexuais secundárias, a causa mais provável da amenorreia é um distúrbio do trato de saída devido a uma anormalidade anatômica e deve ser realizada uma USG pélvica para investigação. 40HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO 6. TRATAMENTO: A terapia de reposição hormonal (RH) feminina pode ser feita com estróge- nos, progestágenos e andrógenos, com doses e prescrições diferencia- das, dependendo das indicações e dos objetivos de cada tipo de trata- mento. No hipogonadismo feminino na menina pré-púbere, o tratamento visa desenvolver os caracteres sexu- ais secundários femininos, iniciar os ciclos menstruais e promover ganho e manutenção de massa óssea. Na me- nopausa com sintomas climatéricos importantes nos primeiros 5 anos, estrogênicas que impactem na quali- dade de vida, como os fogachos. Nes- se último caso, a reposição só estará indicada até 5 anos após a menopau- sa, pois depois desse período pode haver indução de problemas cardio- vasculares. Ademais, as mulheres só poderão realizar o tratamento caso não possuam nenhuma das contrain- dicações absolutas descritas abaixo: DIAGNÓSTICO DA AMENORREIA PRIMÁRIA (+) (-) FSH alto FSH normal ou baixo Alteração hipotalâmica Ausência de características sexuais secundárias Presença de características sexuais secundárias Dosar PRL, TSH, FSH, E2 AFASTAR GRAVIDEZ Provável causa anatômica USG pélvica Realizar cariótipo Teste do GnRH Alteração hipofisária Realizar RM Realizar RM visa a reduzir a sintomatologia clínica relacionada com o hipoestrogenismo. Quem devemos tratar? O tratamento de reposição hormonal está indicado para todas as mulheres abaixo dos 40 anos, devido ao risco de desenvolvimento de osteoporose, e para mulheres acima de 40 anos que apresentem sintomas de deficiência 41HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO • Antecedente pessoal ou sus- peita de câncer de mama ou de endométrio; • Doença arterial obstrutiva recente (como infarto agudo do miocárdio, angina); • Doença hepática ativa; • Porfiria cutânea tardia; • Hipersensibilidade conhecida aos agentes da terapia. SE LIGA! Existem contraindicações a reposição apenas por via oral, podendo administrar o hormônio por via transdér- mica. São elas: história de tromboembo- lismo venoso e hipertensão arterial sis- têmica não controlada. Quais são as opções de tratamento? Estrógenos: Estrogênios equinos conjugados (EEC): São naturais, extraídos da urina de éguas grávidas. Consistem na com- binação de mais de dez substâncias com atividade estrogênica, a maioria delas inexistente no organismo huma- no. Portanto, apesar de ser um estro- gênio natural, não existe naturalmente na espécie humana. É um estrogênio barato e muito utilizado na prática clíni- ca para terapia de reposição hormonal (RH) em mulheres na pós-menopausa, sob o nome comercial de Premarin ®. A dose habitual para RH na menopau- sa é de 0,625 mg/dia, mas podem ser usadas doses mais baixas, como 0,3 mg/dia, ou mais altas, como 1,25 mg/ dia, para as pacientes que mantiverem fogachos ou sintomas de hipoestro- genismo, mesmo na dose habitual de 0,625 mg/dia. 17-beta-estradiol micronizadoVO: É o estrógeno natural produzido pelo corpo humano. É muito utilizado na RH em mulheres no climatério e na pós- -menopausa. A dose habitual é de 0,5 a 2 mg VO, 1 vez/dia. 1 mg de 17-beta- -estradiol equivale a 0,625 mg de EEC. 17-beta-estradiol tópico: É a forma de reposição mais fisioló- gica, pois não produz pico sérico e mantém nível sérico estável. Não tem efeito de primeira passagem hepática e, por isso, pode ser administrado em doses bem menores do que a RH via oral. Não causa aumento de triglicéri- des e de pressão arterial e traz risco bem menor de eventos tromboembó- licos (por não ter o metabolismo de primeira passagem hepática). Dose fisiológica = 1 patch (adesivo) sobre a pele, trocado 2 vezes por semana, o que causa uma liberação hormonal de 25 a 50 μg de estra- diol por dia, dependendo de qual é a apresentação comercial escolhida – 50 μg de estradiol transdérmico por 42HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO dia equivale a uma dose de 1 mg de estradiol oral por dia ou 0,625 mg de EEC via oral por dia. Também exis- te a forma de implante subcutâneo, que libera o equivalente a 25 µg de estradiol por dia, devendo-se trocar o implante a cada 6 meses, ou sob ma- nipulação, com 0,5 a 2 mg/mℓ, sen- do indicado passar 1 mℓ sobre a pele limpa e seca diariamente. Valerato de estradiol: É um tipo de estrogênio natural, uti- lizado muito comumente para RH na pós-menopausa, em dose habitual de 0,5 a 2 mg, via oral (VO), 1 vez/dia. 1 mg de valerato de estradiol equivale a 0,625 mg de EEC. SE LIGA! Mulheres que possuem útero devem associar a progesterona micro- nizada na dose de 200 mg/dia durante 10 dias no mês ou 100 mg diariamen- te. A função da progesterona é evitar a hiperplasia do endométrio, no entan- to alguns cânceres de mama são res- ponsivos à progesterona e, por isso, ela deve ser evitada caso a mulher seja histerectomizada. A dosagem da reposição vai depen- der do momento em que se encontra a paciente. Quando tratada na pré- -menopausa, a paciente deve receber doses fixas de reposição e, quando tratada na pós-menopausa, a dosa- gem deve ser a menor possível para melhora dos sintomas. Prescrição da reposição hormonal pós-menopausa: Deve-se iniciar com dose plena de es- trógeno e progesterona diários. Não é preciso fazer progesterona cíclica, uma vez que não se deseja obter ci- clos menstruais, mas apenas prote- ger o útero de carcinoma endometrial. As doses de estrogênio utilizadas são: • 17-beta-estradiol, patch: 25 a 50 μg 2 vezes/semana (100 μg na menopausa precoce); • 17-beta-estradiol micronizado VO: 1 a 2 mg/dia (3 a 4 mg/dia na menopausa precoce); • 17-beta-estradiol gel: 0,5 a 2 mg/ mℓ. Aplicar 1 mℓ/dia, em pele lim- pa e seca; • EEC: 0,3 a 0,625 mg/dia (1,25 mg/ dia na menopausa precoce). Prescrição da reposição hormonal em meninas pré-púberes: No hipogonadismo em meninas pré- -púberes, visando ao desenvolvimen- to de caracteres sexuais secundários, deve-se iniciar o tratamento da se- guinte forma: • EEC 0,07 a 0,15 mg VO 1 vez/dia (ou doses equivalentes de outros estrogênios, como 17-beta-estra- diol VO 5 μg/kg/dia; ou 17-beta- -estradiol tópico 0,1 μg/kg/dose de 43HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO 3/3 dias) por 1 a 2 anos até obter desenvolvimento mamário com- patível com mamas M3/M4 do es- tágio puberal de Tanner; • Aumenta-se a dose para EEC 0,30 mg VO 1 vez/dia, durante mais 6 a 12 meses (ou doses equivalentes dos outros tipos de estrógenos); • Aumenta-se a dose para EEC 0,625 mg/dia (ou 1 a 2 mg de 17- beta estradiol VO ou 25 μg de 17 beta estradiol patch a cada 3 dias) e associar acetato de medroxipro- gesterona 5 a 10 mg VO, por 10 a 12 dias no mês (a progestero- na não precisa ser iniciada desde o início da reposição, pois o útero demora um tempo para amadure- cer e se estrogenizar). Deve se ini- ciar a progesterona após 2 anos do início do estradiol, ou quando hou- ver mencarca, ou ainda, se o útero possuir volume maior que 30 cm e endométrio maior que 0,6 cm na USG. • Manter o estrogênio durante os dias 1 a 21 do ciclo, manter a pro- gesterona nos dias 10 a 21 do ci- clo, suspender os hormônios entre os dias 21 e 28 do ciclo, e então iniciar novo ciclo. Monitoramento durante o tratamento: • Mamografia ou USG das mamas (se jovens, com mamas densas, que são visualizadas melhor na USG do que na mamografia) antes de iniciar a RH e então anualmente; • Ultrassonografia transvaginal (US- GTV) antes de iniciar RH e então anualmente; • Densitometria mineral óssea (DMO) antes do tratamento e anu- almente, se alterada (ou a cada 5 anos, se normal); • FSH (ter um basal e um controle após RH para verificar a adequa- ção da dosagem). A RH deve di- minuir, mas não normalizar o FSH; • Estradiol: deve ser mantido em va- lores de referência dentro da fase folicular durante a RH, ou seja, cerca de 40 pg/mℓ na mulher com menopausa fisiológica; • Progesterona: deve ser mantida em valores dentro da fase lútea nos dias em que estiver em uso. Deve-se lembrar que a única pro- gesterona que pode ser dosada laboratorialmente é a micronizada natural, pois as outras sintéticas não são dosáveis; • Globulina ligadora de hormônio sexual (SHBG): deve se elevar com a terapia de RH • Glicemia, perfil lipídico, homocis- teína, fibrinogênio: avaliar risco cardiovascular. 44HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO TRATAMENTO DO HIPOGONADISMO FEMININO Contraindicações TRH Monitoramento Indicação Objetivos Hipersensibilidade aos agentes Porfíria cutânea tardia Doença hepática ativa Doença arterial obstrutiva recente História de CA de mama ou endométrio Reposição VO: história de TEV e HAS não controlada Progesterona SHBG Perfil lipídico, glicemia, homocisteína, fibrinogênio Estradiol FSH basal e controle Manter em valores da fase lútea Deve se elevar 40 pg/mL A TRH reduz mas não normaliza o FSH Valerato de estradiol 17-beta-estradiol tópico 17-beta-estradiol micronizado VO EEC Mulheres não histerectomizadas devem associar progesterona micronizada na dose de 200 mg/dia por 10 dias ou 100 mg diariamente. Mulheres acima dos 40 anos com sintomas que reduzem a qualidade de vida Todas as mulheres hipogo- nádicas abaixo dos 40 anos Menopausa Paciente pré-púberes Melhora da qualidade de vida Desenvolver caracteres sexuais secundário, iniciar ciclos menstruais e ganho e manutenção de massa óssea 45HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO Definição Etiologias Hipogonadismo masculino Hipogonadismo feminino Anamnese Exame físico Laboratorial Definição Disfunção na produção e oócitos e/ou estrogênio Etiologias Disfunção ovariana secundária Disfunção ovariana primária Hipofisárias: Hemorragia, TCE, prolactinoma, tumor hipofisário, infecções, S. da sela vazia Hipotalâmica: S. de Kallmann Adquiridas: idiopática, autoimune, radioterapia e cirurgias pélvicas, medicamentos, quimioterapia, torção ovariana, S. de Savage Genéticas: anormalidades do cromossomo X (como S. de Turner) e deficiências enzimáticas Quadro clínico Mulheres adultas Crianças pré-púberes Atraso do desenvolvimento puberal (menarca acima de 13 anos) Amenorreia, redução de libido, infertilidade, perda de massa óssea e muscular, queda de pelos e atrofia das mamas Aumento de LDL e osteoporose Tratamento Diagnóstico Laboratorial Exame físico Anamnese Desenvolvimento mamário e de pelos pubianos História sexual, familiar e antecedentes Amenorreia secundária Amenorreia primária Beta HCG, PRL, TSH, FSH, E2 E2 baixo, FSH alto = disfunção ovariana primária E2 baixo, FSH baixo = disfunção hipotalâmica/hipofisária Indicação: mulheres com menos de 40 anos ou com mais de 40 anos com sintomas de def. estrogênica Terapia de reposição hormonal com estrógeno ou estrógeno + progesterona Avaliar contraindicações Disfunção na produção de testosterona e/ou espermatozoides Congênitos: síndrome de Klinefelter, criptorquidismo,regressão testicular, hipoplasia das células de Leydig, distúrbios da biossíntese de andrógenos e distrofia miotônica Adquiridos: infecções, traumatismo, torção, radiação, fármacos, toxinas, doenças sistêmicas Síndrome de Kallmann, deficiência isolada de LH/ FSH, distúrbios adquiridos funcionais ou orgânicos, hemorragia, síndrome da sela vazia, síndrome da insensibilidade androgênica Primário/ hipergona- dotrófico Secundário/ hipogona- dotrófico Quadro clínico Hipogonadismo entre o 2º e 3º mês de desenvolvimento fetal: Hipogonadismo no 3º trimestre da gestação Pré-puberal Pós-puberal Graus variados de am- biguidade de genitália Criptorquidismo e micropênis Ausência de virilização Pouco evidentes. Redução de libido Tratamento Diagnóstico Infertilidade Alívio dos sintomas HCG, Clomifeno, FSH recombinante TRT: injetável, oral e gel História sexual, manifestações associadas e antecedentes Desenvolvimento das genitálias e dos pelos pubianos TT, LH, FSH TT baixa, LH, FSH baixos = hipogonadismo secundário TT baixa, LH, FSH altos = hipogonadismo primário RM 46HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Endocrinologia Clínica, 6ª edição; O Essencial em Endocrinologia; Endocrinologia Feminina; Manual de Ginecologia Endócrina, 2015; UpToDate 2020: Clinical features and diagnosis of male hypogonadism; UpToDate 2020: Testosterona treatment of male hypogonadism; UpToDate 2020: Causes of primary hypogonadism in males; UpToDate 2020: Causes of secondary hypogonadism in males; UpToDate 2020: Preparations for menopausal hormone therapy; UpToDate 2020: Evaluation and management of secondary amenorrhea; UpToDate 2020: Evaluation and management of primary amenorrhea; 47HIPOGONADISMO MASCULINO E FEMININO