Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Introdução à Ciência do Direito II - Prof. Paulo MacDonald Resumo feito por Enrico Barros Resumo de Retórica e Estado de Direito - Neil MacCormick (Cap. 2, 3 e 10) A ordem jurídica é uma ordem normativa institucional. Isso quer dizer que os órgãos institucionais moldam o sistema jurídico, criando normas para regular a conduta humana de um tipo que difere criticamente em relação às normas morais e aos costumes, justamente por conta de serem institucionalizadas. Os órgãos compõem a tradicional trindade do Legislativo, Judiciário e Executivo, e têm (respectivamente) as funções de criar essas normas dotadas de autoridade impessoal, interpretá-las e aplicá-las coercitivamente. Esses mesmos órgãos, por sua vez, são criados e limitados por normas institucionais. Assim sendo, nenhuma norma jurídica pode ser racionalmente interpretada se abstraída do seu lugar dentro de um contexto maior, é necessário que ela faça sentido (tenha coerência) dentro do todo. Cria-se, desse modo, um ciclo hermenêutico de compreensão do fenômeno das ordens normativas: a inteireza do Direito é composta por muitas partes, não podendo ser compreendida sem o entendimento das partes; do mesmo modo, as partes não podem ser interpretadas sem a compreensão de papel que elas têm dentro do todo que está inserida. MacCormick considera a noção de Estado de Direito uma virtude das sociedades civilizadas, a compreensão de que o Estado deve ser limitado e conduzido dentro da moldura do Direito. O Direito deve ser estritamente observado nesse contexto, sendo o princípio da segurança jurídica de extrema importância em uma sociedade que respeite o Estado de Direito. Ela protege o indivíduo e a sua liberdade contra arbitrariedades do Estado, permitindo o desenvolvimento jde vidas autônomas, baseadas na confiança mútua. Os participantes dessa comunidade precisa dessa segurança para poderem ser independentes dentro da interdependência das comunidades humanas. A segurança jurídica compreenderia dois aspectos: a previsibilidade, ou seja, o conhecimento das regras previamente, para saber o que pode esperar das autoridades; e a não-arbitrariedade, que pressupõe que as ações estatais tenham suporte no próprio ordenamento jurídico. Lon Fuller, por sua vez, estabelece que há oito requisitos mínimos necessários para o bom funcionamento de um sistema jurídico baseado nesses moldes. Eles estabelecem que as regras devem ser: 1 Gerais: não-específicas para determinados grupos 2 Públicas: acessíveis a todos aqueles submetidos ao sistema 3 Não-retroativas: casos ocorridos antes de aprovadas regras novas não podem ser julgados por essas regras novas, a não ser que o resultado seja positivo ao réu/condenado 4 Claras: para que se evite a chamada "zona de penumbra" 5 Consistentes: condizentes com outras regras, que não as contradiga 6 Factíveis: as regras devem ser possíveis de colocar em prática, para que os submetidos a elas possam respeitá-la dentro de padrões razoáveis 7 Estáveis: perdurem por tempo considerável no espaço, de modo que se reconheça as regras vigentes, sem mudança constante e desordenada do ordenamento 8 Efetivamente aplicadas: não haja descompasso do ordenamento com a realidade, com a prática forense (estejam atualizadas às novidades) Além disso, a instituição julgadora deve manter uma posição imparcial e independente, de modo que o seu reconhecimento de legitimidade seja notório. Deve-se julgar com base em razões universais fixadas de maneira prévia à ação das partes e considerando o resultado do devido processo legal - composto por oportunidades de defesas iguais a ambas as partes, que devem buscar o resultado positivo com base na persuasão racional -. Esse processo de transparência da segurança jurídica é, muitas vezes, contrastado com o caráter argumentativo, vindo a se crer que esses dois valores são opostos e impossíveis de serem pensados em conjunto. No entanto, MacCormick argumenta que o ponto de conciliação entre eles (segurança jurídica e caráter argumentativo do Direito) está justamente na Retórica. A Retórica tem uma má reputação por conta da possibilidade de um bom orador vencer um debate público, mesmo defendendo uma má ideia, mas o autor compreende que essa disciplina tem uma função diferente, sendo até louvável dentro do processo de argumentação jurídica. A Retórica deve ser vista como um freio fundamental nesse processo, em consonância com a "tese do caso especial" de Robert Alexy. Isso quer dizer que a argumentação jurídica deve estar em conformidade com as condições mais fundamentais de racionalidade e razoabilidade, sendo os argumentos confinados àquilo que é racionalmente defensável. Eles devem ser bem estruturados e planejados, partindo de ou caminhando em direção a um topos reconhecido "universalmente". Por topos (topoi), compreende-se as suposições dadas como certas sem maiores questionamentos; eles também são chamados de pré-compreensões ou lugares-comuns. O que traz a tona a dita racionalidade e razoabilidade é o fato de que todos os argumentos, os fatos, as interpretações e os topos devem ser passíveis de questionamentos dentro do devido processo legal. O que difere, entretanto, os topos dos demais é que esses são considerados aceitáveis até que sejam questionados com sucesso. As teorias procedimentais têm um papel importante nesse processo de questionamento: elas postergam e reduzem o escopo de apelos a intuição ou a sentimentos instintivos. As soluções oferecidas precisam fundar-se elas mesmas em alguma proposição que possa ser apresentada ao menos com alguma credibilidade, estando em consonância com o sistema (coerência) e não o contradizendo (consistência). Até mesmo os governos, que dispõem de poderes para agir com autoridade sobre os demais, não podem apoiar suas decisões tão somente na força coercitiva: há uma necessidade de justificação racional e normativa, fundada na "matéria-prima" do sistema jurídico - a lei (lato sensu) -. Qualquer tipo de elemento discricionário, dentro do âmbito do Estado, deve traduzir-se em um tipo de discricionariedade que ocorra apenas dentro de certos limites bem estabelecidos. "Uma regra jurídica é uma disposição normativa estabelecida em ou interpretada a partir de uma fonte jurídica reconhecida que tem a característica de relacionar uma determinada consequência normativa a um determinado conjunto de fatos operativos", nos moldes de: Sempre que Fato Operativo, então Consequência Normativa Desse modo, para ser julgado por uma regra nesses moldes, é necessário que os fatos operativos previstos na norma se reproduzam na realidade, que algum tipo específico e contestável de acusação ou alegação seja feita, que ela seja fundada em provas, que o processo ocorra de modo transparente, no qual a parte acusada possa contestar cada elemento probatório contra si, podendo apresentar contraprovas. Após o decorrer deste devido processo legal, em se comprovando o ato referente ao fato operativo, pode-se estabelecer as consequências normativas. Compreende-se, pois, que o caráter dialético-argumentativo dos procedimentos jurídicos é uma característica inerente ao arranjo constitucional, de tal modo que a determinação do direito no ato concreto resulta de uma indeterminação desse. Isso ocorre por conta da "dúvida" que o juiz deve carregar até o momento da sentença, necessária para manter a legitimidade de sua decisão. Essa dúvida provém dos questionamentos às alegações de fato ou de direito feitos na exceção. Portanto, o reconhecimento do direito de defesa (exceção) resulta na indeterminação do Direito, pois faz surgir disputas acerca da interpretação dos materiais jurídicos e das provas, da caracterização dos fatos em relação ao dispositivo ou da sua relevância quanto ao Direito. A petição inicial traz em si um "silogismo jurídico inicial", que argumenta um dever ou direito com base em dispositivos previamente estabelecidos. Após ouvir a parte ré, a decisão é proferida com um "silogismo final" - raramente(ou nunca) idêntico ao inicial -, que afirma uma nova certeza ao caso concreto. Essa decisão, por mais caprichosa que seja, será passível de alteração posterior, tornando-se não mais do que uma certeza excepcionável, sujeita a mudanças. Um caráter construtivo e provisório do Direito se forma, com base no caráter argumentativo do Direito, comungando com a proteção do indivíduo contra a ação arbitrária dos governos. As decisões passadas (com ou sem efeito vinculante) constrangem os tomadores de decisão, por conta da necessidade de saber quais formas servem para se manter fiel (até certo ponto) ao passado, à tradição. Isso, contudo, não impossibilita a superação de decisões passadas, desde que bem fundamentadas e condizentes com o princípio de racionalidade e razoabilidade da "tese do caso especial", de Alexy. Assim sendo, o caráter argumentativo do Direito não se torna a antítese do Estado de Direito, mas um de seus componentes. O Silogismo Jurídico desempenha um papel estruturante fundamental no pensamento jurídico, ainda que esse não seja exaurido por essa estrutura apenas. Ele serve como um parâmetro para um julgamento imparcial, estabelecido nos moldes de: Premissa maior: Regra/Lei --> Se "X" é , "Y" deve ser Premissa menor: Fatos concretos --> "X" é Conclusão: Pedido/Decisão--> "Y" deve ser ** "Se 'X' é", compreende o suporte fático e "'Y' deve ser" a consequência normativa da regra** Para ajuizar ações acerca de questões jurídicas, é preciso nomear e citar todas as leis em que o caso se baseia, sendo uma consequência disso o princípio de que ninguém pode se basear em uma lei, sem dizer em qual lei está se baseando. Deve, também, haver questões de fato relevantes na ação, tendo em vista os trechos de lei citados. Para descobrir o que é relevante ao Direito, basta ler e interpretar os dispositivos. Portanto, para se ter um fundamento jurídico consistente na ação, as circunstâncias particulares do caso concreto devem ser conectadas com as categorias gerais utilizadas pela lei de forma exitosa. O que é transformado pela alteração do Direito são os fundamentos possíveis nos quais os argumentos jurídicos, as pretensões jurídicas e as decisões que usam esses argumentos podem se apoiar. O silogismo jurídico fornece a moldura dentro da qual os outros argumentos fazem sentido enquanto argumentos jurídicos. A retórica mais eficiente será,pois, aquela que se fundamenta em uma clara compreensão das implicações lógicas desse processo. Há, então, quatro formas de derrotar um silogismo jurídico: 1 Questões relacionadas à prova: ocorre quando alega-se que o autor não trouxe fontes probatórias suficientes para os parâmetros exigidos pela lei: sem provas, sem procedência do pedido; 2 Problema de classificação/caracterização/qualificação: é a dúvida em relação a se os fatos alegados e provados podem ser inscritos na aplicação da regra universal - se a regra incide sobre o caso/fato explicitado no sentido próprio exigido pelo Direito -; 3 Problema de interpretação: referente ao fato de a regra ser formulada em uma interpretação equivocada do ordenamento jurídico, havendo mais de uma interpretação aceitável. *Observação*: anteriormente à decisão do STF que passou a dar reconhecimento de casamentos homoafetivos, nos tribunais, não se dava procedência a pedidos de pagamento de pensão a relacionamentos dessa natureza, alegando uma interpretação implausível do direito de pensão; 4 Problema de relevância do precedente: argumenta-se que o grau de incidência e de semelhança do precedente ao caso concreto não são efetivamente reconhecidos. No caso do Common Law, as narrativas são similares, mas sutilmente diferentes, de modo que a habilidade do jurista reside em apontar essas semelhanças e evitar as diferenças, por meio de analogias a esses precedentes. No entanto, MacCormick argumenta que essas diferenças entre o Common Law e o sistema Romano-Germânico são superestimadas, visto que as regras gerais de conduta e responsabilidade (no Common Law) são consideradas como estando implícitas nas decisões dos precedentes. Nesse sistema, os precedentes judiciais são tratados como fontes de Direito. Assim sendo, a abordagem silogística não é impedida de ser adotada para moldar denúncias e conduzir julgamentos. As premissas, nesse contexto, são mais fracas, provisórias e sujeitas a alteração do que nas argumentações contruídas a partir de leis escritas. A consistência normativa, já explicitada ao abordar os 8 requisitos de Lon Fuller, é de extrema importância para o bom funcionamento do Direito. Da mesma forma, é o conceito de coerência normativa, havendo a necessidade de distinguir esses dois termos. A consistência é interpretada pelo autor como sendo a satisfação da não contradição, enquanto a coerência diz respeito a propriedade de um grupo de proposições que, tomadas em conjunto, fazem sentido na sua totalidade. Pode-se dizer que um conjunto de regras é coerente quando todas elas satisfazem ou são concretizações de um princípio mais geral, superior. Há, portanto, uma questão de subordinação comum de um conjunto de leis a um valor ou a valores relevantes. Os valores são, por sua vez, um estado de coisas cuja busca é legítima, desejável, valiosa ou (até mesmo) obrigatória. Em consonância com essa ideia, está o conceito de princípios jurídicos; esses diriam respeito a esses valores operacionalizados localmente dentro de um sistema jurídico estatal ou de outra ordem jurídica análoga. Os princípios fornecem orientação ampla sobre a busca de um valor em um contexto de atividade regulada por regras. A coerência pode ser uma questão de grau, não sendo estritamente essencial a coerência completa. Além disso, a consistência completa não é condição necessária da coerência, podendo, inclusive, ser essa perfeita consistência obra de uma história falsa e preparada. Tudo que se espera da coerência normativa é que ela faça sentido dentro do todo que está inserida, respeitando os valores e princípios "superiores" e evitando conflito com regras e princípios análogos. Em suma: "a coerência de um conjunto de normas é a função de sua justificabilidade sob princípios e valores de ordem superior, desde que os princípios e valores de ordem superior ou suprema pareçam aceitáveis, quando tomados em conjunto, no delineamento de uma forma de vida satisfatória" Por fim, considerando o caráter construtivo e provisório do Direito - estabelecido pela certeza excepcionável das sentenças judiciais -, deve-se considerar que um novo Direito está sendo criado em cada decisão. A sustentação dessa sentença deve ter como base o Direito existente e a tradição da prática desse ordenamento jurídico, sendo inteiramente coerente com ele. Desenvolve-se, dessa maneira, o Direito. A argumentação analógica para preencher as lacunas (que se apresentam no cotidiano) ou "desenvolver" o Direito pertence clara e confortavelmente à moldura da coerência enquanto um valor jurídico de escala mais abrangente.
Compartilhar