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Tutoria Dor - SP 1.4 - Dor Visceral

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Lucas Ferraz
Medicina – 5ºP
2
Tutoria – sp 1.4
1. Caracterizar a dor visceral (fisiopatologia, vias neurológicas, fibras, manifestações clínicas, tratamento).
2. Abordar os visceroceptores, sua distribuição no corpo e os estímulos quer provocam a sua ativação.
3. Diferenciar a dor visceral da dor somática.
4. Diferenciar a dor referida da dor irradiada.
5. Caracterizar a nefrolitíase (epidemiologia, composição do cálculo, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento da crise aguda).
6. Discutir o mecanismo de ação, indicações e efeitos adversos dos antiespasmódicos.
1. Caracterizar a dor visceral (fisiopatologia, vias neurológicas, fibras, manifestações clínicas, tratamento).
INTRODUÇÃO 
Etimologicamente, víscera é de origem latina, plural de viscus, visceris. Relaciona-se com "visco", "viscoso". Este termo decorre do fato de que as vísceras são revestidas internamente por uma mucosa que secreta líquido, conferindo-lhe um aspecto viscoso, além de serem recobertas por uma membrana na maioria dos casos serosas (pleural, pericárdica e peritoneal). 
As vísceras são órgãos internos do corpo, alojadas especialmente no interior do tórax e abdômen e estão relacionadas com diversas funções vitais importantes do corpo, tais como respiração, irrigação sanguínea, digestão, excreção, reprodução, entre outras. 
Enquanto na Antiguidade, estes órgãos foram erradamente tidos como pouco sensíveis à dor (até mesmo em decorrência dos métodos incorretos de testagem), hoje têm sido alvo de inúmeras pesquisas. Este fato se deve à grande frequência com que estas afecções acometem o ser humano e de sua difícil interpretação. A dor visceral é mais comum do que dor somática e se origina de órgãos internos do tórax, abdômen e pelve, tais como: coração, grandes vasos e estruturas perivasculares (p. ex.: os gânglios linfáticos); estruturas das vias aéreas (faringe, traqueia, brônquios, pulmão, pleura); trato gastrintestinal (esôfago, estômago, intestino delgado, cólon e reto); estruturas abdominais (fígado, vesícula biliar, vias biliares, pâncreas e baço); estruturas urológicas (rins, ureteres, bexiga e uretra); órgãos reprodutivos (útero, ovários, vagina, testículos, canais deferentes e próstata); omento e peritônio visceraJ3. 
Realmente, o impacto das alterações viscerais é enorme. A isquemia miocárdica, por exemplo, é a Daniel Benzecry de Almeida Patrícia Westphal Marchiori maior causa de morte em muitos países desenvolvidos, como os Estados Unidos. A litíase renal afeta pelo menos um quinto da população, geralmente na idade ativa. A Síndrome do Intestino Irritável (SII) acomete pelo menos 25% da população e corresponde a cerca de metade das consultas na clínica gastroenterológica. A dismenorreia afeta cerca de 50% das mulheres e em pelo menos 10% provoca prejuízos em dias de trabalho. Por isso mesmo, as alterações dolorosas viscerais merecem ser conhecidas em detalhes tanto pelos especialistas em dor como por todos os profissionais de saúde5. 
Embora os sintomas de dor visceral sejam comuns, algumas vezes eles precedem causas fatais subjacentes como: infarto agudo do miocárdio, obstrução intestinal, pancreatite aguda ou peritonite. Uma pronta avaliação e um diagnóstico específico rápido é mandatário, porém, nem sempre é fácil. 
As dores viscerais podem ser de natureza orgânica ou disfuncional. Elas estão relacionadas à existência de lesões anatômicas, tais como neoplasias, litíases ou alterações vasculares. Por outro lado, as alterações funcionais se devem a uma perturbação no funcionamento do órgão e/ou sistema, no qual, na maioria das vezes, tem investigação anatômica normal. São exemplos de dores disfuncionais aquelas relacionadas, por exemplo, com a Sll, dismenorreia, cistite intersticial, entre outras. 
As vísceras estão predominantemente vinculadas ao chamado sistema nervoso autônomo, nome dado em virtude de seu pouco controle voluntário. De modo geral, não tomamos consciência do funcionamento normal dessas estruturas viscerais em nosso dia a dia, exceto quando existem modificações, que podem ocorrer em decorrência de fome ou sensação de plenitude, bem como por doenças. 
A dor visceral tem cinco características importantes, que merecem destaque: 
1. A dor não é evocada de todas as vísceras. Órgãos como fígado, rim, a maioria das vísceras sólidas e o parênquima pulmonar não são sensíveis à dor, enquanto membranas serosas de órgãos ocos são mais sensíveis à dor. Isto ocorre devido a propriedades funcionais de receptores periféricos dos nervos de certos órgãos viscerais e também pelo fato de que muitas vísceras são inervadas por receptores que não evocam percepção consciente
2. A intensidade da dor não é ligada diretamente com o grau de injúria visceral: o corte do intestino, por exemplo, não causa dor, sendo um exemplo de lesão sem dor, enquanto a distensão da bexiga é dolorosa e é um exemplo de dor sem lesão
3. A dor é difusa e pobremente localizada devido a poucos aferentes viscerais, quando comparada com vias somáticas. Particularmente, a ausência de vias sensoriais viscerais individualizadas e a extensiva divergência no sistema nervoso central (SNC) podem também levar a diagnósticos errôneos
4. A dor geralmente é referida para outros locais devido à convergência viscerossomática em vias de dor central. Pode ser, inclusive, a queixa mais importante, e pode confundir a exata localização da doença
5. A dor é frequentemente acompanhada de reflexos autonômicos e motores, como náusea, vômito e tensão muscular lombar baixa, como ocorre na cólica renal. Estas alterações podem servir como sistema mantenedor e facilitador da transmissão dolorosa
A ocorrência de dor visceral depende da natureza dos estímulos provocados. Estímulos adequados que produzem dor visceral são: distensão ou estiramento, isquemia e processo inflamatório (de origem infecciosa ou química, por exemplo). Órgãos ocos como o intestino são relativamente sensíveis à distensão e inflamação e insensíveis ao corte e queimadura. Logo, a gravidade da dor nem sempre reflete a gravidade da condição causadora da dor. Uma dor abdominal intensa pode estar associada à presença de gases ou cólica em casos de gastroenterite, enquanto uma dor relativamente leve ou ausente pode estar associada a condições fatais como câncer de cólon ou apendicite precoce. Em condições patológicas, por outro lado, estímulos levemente dolorosos ou até mesmo inócuos, como a passagem de gases e material fecal, podem causar dor (hiperalgesia e alodínea) quando passam por tecidos inflamados ou alterados (p. ex.: SII).
FISIOPATOLOGIA DA DOR VISCERAL
O trajeto dos aferentes viscerais tem estreita proximidade com o sistema nervoso autônomo e, devido à possibilidade de comunicação interneuronal, os sintomas relacionados aos nervos simpáticos e parassimpáticos são prevalentes.
Todas as vísceras abdominais e torácicas têm inervação aferente associada com nervos simpáticos e parassimpáticos, com exceção do pâncreas. O sistema nervoso autônomo é responsável pelo controle de reflexos cardiopulmonar, gastrointestinal e funções geniturinárias, transmitindo a informação da víscera para o SNC (Figura 48.1). A maioria destas informações não é percebida no nível consciente (por exemplo: respostas a nutrientes intraluminais, estímulo de barorreceptores, insuflação pulmonar, motilidade gastrintestinal etc.).
À esquerda, em azul, destacam-se as vias parassimpáticas, originadas de estruturas cranianas (no tronco do encéfalo), bem como da porção sacral. À direita, em vermelho, são demonstradas as vias simpáticas, originadas na medula espinhal em suas porções cérvico-torácicas. Após a sua saída, frequentemente se agrupam em cadeias (plexos), que em geral se localizam na porção pré-vertebral.
Os receptores dos neurônios aferentes viscerais primários são localizados na mucosa, músculo e serosa de órgãos ocos e respondem a estímulos químicos locais e luminais e a estímulos mecânicos (distensão). São geralmente polimodais, respondendo às múltiplas modalidades de estímulos: mecânicos, térmicos e químicos. Sua ativaçãoresulta em respostas a estímulos nocivos e reflete a sua intensidade. Há duas classes de nociceptores viscerais:
1. Receptores de alto limiar a estímulos naturais: que respondem a estímulos principalmente mecânicos de alcance nocivo. Estes receptores inervam exclusivamente órgãos cuja dor é a única sensação consciente, por exemplo: ureter, rim, pulmão, vias aéreas, coração, veias, vesícula biliar, esôfago, intestino delgado, cólon, bexiga e útero.
2. Receptores de baixo limiar para estímulos naturais: também principalmente mecânicos, que codificam a intensidade do estímulo na magnitude de suas descargas, desde estímulos inócuos até os de alcance nocivos, porém, são relativamente escassos em determinados órgãos, como por exemplo: cólon, estômago, esôfago, bexiga e testículos.
Os chamados nociceptores silenciosos estão presentes em larga escala nos órgãos viscerais e em condições normais são irresponsivos a estímulos, mas, geralmente se tornam ativados na presença de injúria tecidual: hipóxia ou inflamação, passando a transmitir estímulos de dor.
A nocicepção é iniciada pela ativação de receptores viscerais e, se estes estímulos forem suficientemente fortes, são transmitidos para a coluna dorsal da medula espinhal, através das fibras Adelta (pobremente mielinizadas) e C (amielinizadas).
Sensibilização periférica 
Na presença de um estímulo repetitivo, bem como na presença de um processo inflamatório, ocorre sensibilização de nociceptores. Estes podem reduzir seu limiar de ativação, ter um aumento de resposta a um dado estímulo ou ocorrer atividade espontânea. Esta sensibilização de nociceptores ocorre no tecido lesionado e resulta na liberação de diversos mediadores inflamatórios (histamina, prostaglandinas, serotonina, prótons, NGF e substância P). Alguns desses mediadores podem ativar diretamente os nociceptores e influenciar no limiar desses receptores, bem como ativar indiretamente a via de células inflamatórias. Em adição, um subgrupo de fibras que não são ativas sob condições normais, os nociceptores silenciosos, podem ser recrutados e ativados pelo processo inflamatório, passando a aumentar a aferência de transmissão da dor. Esta rede resulta em um aumento de sinais de transmissão de dor para a medula espinhal, levando à hiperalgesia visceral.
Transmissão e processamento central
As vias aferentes viscerais são consideradas parte do sistema nervoso visceral e constituem 10% de toda a entrada a ferente na medula espinhal. Estas vias aferentes viscerais são organizadas de forma difusa, tanto periférica, quanto centralmente. As fib ras nervosas aferentes primárias que inervam as vísceras se projetam para o SNC por três vias: a) o nervo vago e seus ramos; b) dentro e ao longo de vias eferentes simpáticas (cadeias simpáticas e ramos esplâncnicos, inclusive ramos torácicos e lombares maior, menor e mínimo) e; c) no nervo pélvico, com eferentes parassimpáticos, e seus ramos20.
A passagem por meio dos gânglios periféricos ocorre por meio do contato sináptico, por exemplo: nervos do plexo celíaco, mesentérico superior e hipogástrico. O trato gastrintestinal e os gânglios periféricos formam grandes plexos neuronais que controlam as funções autonômicas. No entanto, sua função na sensação dolorosa não é totalmente conhecida.
Os corpos celulares de aferentes primários que vão em direção ao SNC se localizam principalmente no gânglio nodoso (vagai) e nos gânglios das raízes dorsais T2- L2 e Sl-SS (associados aos eferentes simpáticos e nervo pélvico ). Pode haver função dos aferentes vagais na nocicepção. Alguns, mas não todos os aferentes espinhais estão associados à nocicepção.
Ao entrar na coluna dorsal da medula espinhal, os aferentes viscerais terminam nas lâminas de Rexed I, 11, V e X na medula espinhal. Aferentes viscerais constituem 10% de toda entrada aferente na medula espinhal. Este é um número relativamente pequeno, considerando a grande superfície de área de alguns órgãos. Estudos anatômicos e eletrofisiológicos demonstram haver uma convergência viscerossomática no corno dorsal da medula espinhal, no qual fibras aferentes somáticas e viscerais terminam no mesmo nível (embora fibras sensoriais sejam anatomicamente distintas nos tecidos periféricos e em centros supraespinhais). Os aferentes viscerais frequentemente ativam o mesmo neurônio espinhal, como aquele ativado por estímulos nocivos somáticos. Consequentemente, a dor é conscientemente percebida erradamente como originada de tecidos somáticos, fenômeno conhecido como dor referida. Em algumas situações, as dores de origem nas estruturas somáticas podem predomina r no quadro de dores viscerais, tais como a dor irradiada para o dorso na pancreatite e a dor irradiada para a escápula direita na colecistite aguda.
Há também a ocorrência de convergência víscero-visceral nos neurônios de segunda ordem. Esta tipicamente provoca alodínea (dor decorrente de estímulos que usualmente não provocam dor) e hiperalgesia (aumento da dor por estímulos que usualmente provocam dor) em estruturas viscerais que são distantes da víscera que provocou primariamente a dor (por exemplo: hiperalgesia de cólon retossigmoide em pacientes com pancreatite crônica).
A partir da medula espinhal, a entrada nociceptiva até o cérebro é transmitida por várias vias. A maioria dos aferentes ascende pelo trato espinotalâmico até o táJamo. Outras vias conhecidas são: o trato espino-hipotalâmico, o trato espinorreticular, o trato espinosolitário, o trato espinoparatraqueal entre outros. Por sua vez, o tálamo projeta para ínsula, hipotálamo, amígdala e áreas corticais altas (córtex pré-frontal e cingular). A ínsula integra a atividade motora e sensorial víscera! com a entrada do sistema límbico. Este é um fator importante na percepção da dor de órgãos como o intestino. O córtex pré-frontal e cingular anterior mediam vários componentes cognitivos, emocionais e afetivos na experiência de dor. A coluna dorsal tem também a função de mediar a dor do cólon para o SNC.
Finalmente uma parte de aferentes ascende pelo trato espinomesencefálico, que se refere a uma rede neuronal complexa, incluindo a substância cinzenta periaquedutal, o núcleo rostroventral da medula e o tegmento pontino dorsolateral. Esta rede compreende a base estrutural de controle de dor descendente e modula o processo de dor no nível espinhal através de inibição descendente ou de vias facilitadoras.
Sensibilização central
Um aumento na entrada do estímulo nocivo na medula espinhal pode resultar em um aumento na capacidade de resposta na transmissão neuronal central da dor. Este fenômeno é conhecido como sensibilização central da dor e se refere a um aumento na eficácia sináptica em neurônios sensoriais no SNC, devido a um intenso estímulo nocivo periférico, ocasionado em casos como aqueles relacionados ao grande dano tecidual ou a alterações neuropáticas.
Vários mecanismos têm sido associados a este fenômeno e um dos mais importantes é a ativação do receptor NMDA (N-metil-0-aspartato), revelando um envolvimento chave do glutamato neste processo.
A sensibilização central tem sido estudada extensivamente em dores somáticas e se manifesta tipicamente como alodínea e hiperalgesia, sendo que este último também ocorre em pacientes com dores viscerais. A hiperalgesia visceral é vista como um aumento da sensibilidade à dor em um órgão interno (por exemplo: inflamação devido ao fenômeno de sensibilização periférica e central).
A manutenção do estado de hiperexcitabilidade central generalizada, com a ativação de determinados receptores, é crucial em dor crônica visceral e hiperalgesia. As evidências experimentais têm demonstrado o papel central do receptor NMDA nesta situação. Ao contrário do sistema somático, onde a somação de estímulos repetidos, bem como a presença de estímulos prolongados, como ocorrida durante uma inflamação, são necessários para ativar os receptores NMDA, pa rece que o receptor neste caso pode ser ativado por estímulos viscerais de baixa intensidade e curta duração.
Uma especial forma de hiperalgesia, que estáfrequentemente presente em síndromes dolorosas viscerais é a chamada hiperalgesia víscero-viscera, que reflete um aumento na percepção de dor de dois diferentes órgãos internos, dividindo pelo menos parte de suas projeções sensoriais centrais, provavelmente devido ao fenômeno de sensibilização central de neurônios convergentes víscero-viscerais. Deve ser enfatizado que, em dor crônica víscera), com hiperalgesia víscero-visceral, o tratamento da condição de uma víscera pode efetivamente aliviar os sintomas da outra víscera (por exemplo, o tratamento hormonal de dismenorreia pode diminuir sintomas de Sll).
Há evidências de que alterações neuroplásticas no SNC são diferentes e de fato mais prevalentes em processos de dor visceral quando comparadas com a dor somática.
Outro mecanismo relacionado à geração do fenômeno de sensibilização central são as mudanças ocorridas nas células da glia26. Estas células do SNC e periférico que, até há pouco pareciam ter funções estáticas na homeostase do sistema nervoso, têm sido demonstradas como tendo a capacidade de sofrer mudanças anatômicas e funcionais, que em última análise, culminariam com o desenvolvimento de geração de uma dor persistente. Dodds et a/., em 2016, demonstraram que as células gliais da medula espinhal contribuem para a geração de uma inflamação neurogênica e uma facilitação da transmissão do impulso sináptico, parecendo estar envolvidas com a maior predisposição do sexo feminino em desenvolver quadros dolorosos.
Diversos fatores genéticos podem também contribuir no aparecimento e manutenção de quadros dolorosos somáticos e viscerais. Concomitantemente, alguns mecanismos epigenéticos, tais como a metilação do DNA, alterações nas histonas e micro RNAs, parecem contribuir na gênese das alterações dolorosas.
Modulação da dor
Entende-se por modulação ou supressão da dor a todos os mecanismos que geram uma diminuição na transmissão dos impulsos dolorosos, funcionando como uma espécie de "sistema filtro", que bloquearia parcial ou totalmente a passagem (e consequentemente, a percepção) do fenômeno doloroso.
Existem vários mecanismos do sistema de modulação da dor. A modulação descendente da dor pode resultar em um aumento (facilitação), ou uma diminuição (inibição) na transmissão espinhal. O balanço entre inibição e facilitação define a qualidade de força da transmissão do sinal da dor. Na transição de dor aguda para crônica, e em alguns casos de dores neuropáticas, têm sido demonstradas alterações, nas quais os estímulos passam da inibição para a facilitação. Isto envolve estruturas do tronco cerebral e pode levar à geração e manutenção de sensibilização central e hiperalgesia.
No nível cortical, o córtex do cíngulo anterior é a fonte mais importante de modulação descendente, projetando do mesencéfalo para a amígdala e substância periaquedutal. A substância periaquedutal controla a transmissão nociceptiva por meio de conexões através de neurônios na medula ventromedial rostral e tegmento pontino dorsolateral. Estas duas regiões projetam através do funículo dorsolateral da medula espinhal e seletivamente atingem a lâmina do corno dorsal que realiza a transmissão de estímulos nociceptivos. Este circuito pode seletivamente modular a transmissão nociceptiva por seus nociceptores aferentes primários anatomicamente próximos na coluna dorsal da medula espinhal. A estimulação destes locais inibe a resposta de neurônios espinais aos estímulos nocivos. Na parte inferior do tronco cerebral, o locus coeruleus (noradrenérgico), o núcleo da rafe (serotoninérgico) e a medula ventral rostromedial recebem estímulos da amígdala e substância periaquedutal e projetam para o corno dorsal da medula espinhal, onde a transmissão da entrada pode ser fechada. Embora muitas dessas informações venham de estudos de dores somáticas, alguns confirmam que as estimulações desses locais podem ter efeitos analgésicos na modulação da entrada visceral.
Finalmente, a organização central do circuito da dor pode diferir em doenças somáticas e viscerais, tal como a ínsula, que parece exercer a maior função na dor visceral onde conexões entre a ínsula e outras estruturas do sistema límbico são prevalentes.
QUADRO CLÍNICO
A dor visceral tem uma evolução temporal e em seu estágio inicia l pode ser insidioso e difícil de identificar. A dor é vaga, difusa, além de pobremente definida. Independentemente do órgão específico de origem, é usualmente percebida na linha mediana no nível inferior do esterno ou abdômen superior. Se a origem da dor é do coração, esôfago, estômago, duodeno, vesícula biliar ou pâncreas, a dor visceral na fase inicial pode ser percebida em geral no mesmo local. A dor visceral pode ser minimizada e negligenciada quando não é claramente descrita ou então quando descrita como sendo vaga, com sensação de desconforto, mal-estar ou opressão.
Com frequência, é tipicamente associada com fenômenos autonômicos como: palidez, sudorese, náusea, vômito, alteração da pressão arterial e da frequência cardíaca, distúrbios gastrointestinais (por exemplo: diarreia) e alterações na temperatura corporal. Fortes reações emocionais estão comumente presentes, tais como: ansiedade, angústia e algumas vezes até mesmo sensação iminente de morte.
Algumas enfermidades viscerais podem se manifestar principalmente através de reações vegetativas e emocionais, com mínima dor e desconforto. Um exemplo típico é o infarto do miocárdio sem dor, que pode se apresentar com sensação de plenitude gástrica, peso, pressão, compressão ou dispneia. Estes sintomas podem levar a um incorreto diagnóstico de doenças gastrointestinais, principalmente quando acompanhados de náuseas e vômitos.
Sendo assim, a dor víscera! deve ser sempre suspeitada, quando sensações vagas de mal-estar na linha média são relatados pelos pacientes, especialmente se forem idosos.
Apresentação clínica da dor visceral
a) Dor visceral verdadeira: dor usualmente vaga, difusa e de localização imprecisa. Ocorre devido à baixa densidade de inervação sensorial visceral e à extensiva divergência de entrada dos estímulos com o sistema nervoso autônomo. Tem uma evolução temporal e pode ser difícil de identificar no estágio inicial. Algumas vezes apresenta-se somente como uma vaga sensação de desconforto, mal-estar ou opressão. Pode estar associada com marcados fenômenos autonômicos e com fortes reações emocionais, conforme descrito anteriormente. Um exemplo típico é a dor do infarto agudo do miocárdio. Não tem correlação direta entre a intensidade da dor e a extensão da injúria. A correlação entre dor visceral e emoções negativas pode aumentar a ocorrência de dor relacionada à memória de dor- -sensibilização central.
b) Dor referida e hiperalgesia (convergência viscerossomática): a dor visceral pode se apresentar numa localização somática. Ocorre devido à convergência da inervação dos órgãos viscerais e áreas somáticas no mesmo neurônio sensorial espinhal. Esta dor se apresenta tipicamente como somática profunda, mais localizada e não acompanhada de francas reações simpáticas e emocionais. Pode estar associada com hiperalgesia e é usualmente limitada aos músculos, mas pode se estender superficialmente para o tecido subcutâneo e pele. A hiperalgesia referida de órgãos internos resulta provavelmente de um processo de sensibilização central, envolvendo neurônios da convergência viscerossomática (facilitação da convergência). Pode persistir até mesmo após o estímulo primário ter cessado. Hiperalgesia referida é com frequência acompanhada por alterações tróficas, tipicamente um espessamento do tecido subcutâneo e algum grau de atrofia muscular local. Estes eventos são presumidamente decorrentes da ativação de reflexos viscerossomáticos.
c) Hiperalgesia visceral: definida como um aumento da sensibilidade de um órgão interno, de tal modo que até mesmo um estímulo não patológico ou normal pode produzir dor desse órgão. Isto é comumente associado com dor visceral e acredita-se ser decorrente de sensibilização periférica e central. Exemplo: dor após a ingestãode comida ou líquido em um esôfago ou estômago quando a mucosa está inflamada, ou dor na bexiga devido à distensão de um grau normal durante um processo inflamatório do trato urinário baixo.
d) Hiperalgesia víscero-visceral: é o aumento da dor devido à interação sensorial entre dois diferentes órgãos internos que dividem pelo menos parte de seus circuitos aferentes. Consiste de um aumento de ambos: sintomas diretos e referidos de toda a víscera envolvida, produzindo um quadro clínico complexo. Por exemplo: pacientes com doença cardíaca coronariana associada a cálculo biliar podem experimentar crises mais frequentes de angina e cólica biliar em comparação com pacientes com uma condição única. Isso ocorre devido à sobreposição parcial de vias aferentes em T5 do coração e da vesícula biliar. Hiperalgesia víscero-visceral é provavelmente produzida por processo de sensibilização, envolvendo neurônios em convergência víscero-visceral no SNC
A dor crônica visceral também pode ser considerada como orgânica ou funcional dependendo se o fator etiológico da patologia específica pode ser identificado. A dor funcional visceral se refere à dor sem evidência de anormalidades anatômicas, inflamatórias, metabólicas ou neoplásicas. O exemplo mais prevalente de dor funcional visceral é a SII
TIPOS ESPECÍFICOS DE DOR
Rim e ureter
A secção cirúrgica do parênquima renal não evoca dor em indivíduos sob anestesia local, porém, a distensão da cápsula renal, tais como ocorrem nas obstruções das vias urinárias, provoca uma dor geralmente bastante intensa. Os receptores sensoriais no rim têm sido classificados como mecanorreceptores, ativados por aumento da pressão renal, e quimiorreceptores ativados por isquemia ou inflamação.
Alguns quimiorreceptores estão presentes na pelve renal e próximos a ela, ao longo do sistema vascular renal. Os receptores sensoriais são ativados por estímulos nocivos como oclusão da artéria renal, veia, ou ureter e por distensão da pelve renal. Os mecanorreceptores são localizados na pelve renal, parênquima, artéria, veia e ureter.
A distensão da pelve renal provoca dor, enquanto a estimulação e pressão da cápsula renal, bem como o traumatismo no parênquima renal, de modo geral, não causam dor. Os aferentes transmitem somente dor, não havendo reconhecimento de calor ou frio.
A dor renal é usualmente localizada no ângulo costovertebral, ipsilateral, logo abaixo da décima segunda costela. A dor pode irradiar-se através do flanco, anteriormente em direção ao abdômen superior e fossa ilíaca. A dor renal pode ser confundida com dor radicular. A dor é frequentemente em cólica.
A dor ureteral é em geral referida para o quadrante inferior direito ou esquerdo e para o testículo e grandes lábios. Obstrução ureteral baixa usualmente produz sintomas de irritabilidade da bexiga (frequência, urgência) além de dor suprapúbica, que pode irradiar ao longo da uretra, até mesmo para a região mediai da coxa.
A hipersensibilidade víscero-visceral e viscerossomática ocorre após os primeiros episódios e se acentua após episódios repetidos. Está presente em períodos livres de dor e ultrapassa o período de eliminação dos cálculos. Isto explica porque pacientes com cálculos recorrentes podem apresentar cólicas cada vez mais severas e também porque pequenos cálculos em pacientes com cálculos recorrentes podem ocasionar dores intensas.
Bexiga e uretra
A bexiga urinária tem duas funções: armazenamento de urina (até 500 mL num adulto normal) e esvaziamento completo. O armazenamento ocorre com baixa pressão de parede, enquanto o esvaziamento ocorre com aumento de pressão sustentada da parede, suficiente para ultrapassar a contração do músculo detrusor65. Estes dois sistemas são controlados pelo SNC e modulados pela interação de diferentes tipos de células nas camadas da parede da bexiga. Em condições patológicas, podem ocorrer sensações desagradáveis de urgência ou dor.
A parede da bexiga responde a estímulos mecânicos e químicos. O urotélio age com um sensor na parede da bexiga, embora tenha que se determinar qual é o atual estressar físico: estresse de parede, pressão transmural, acidose proveniente de isquemia, inflamação, etc. O urotélio responde liberando mediadores químicos, que ativam nervos aferentes e influenciam a função muscular local. A mucosa oferece uma estrutura sensorial dinâmica que permite que a bexiga responda diretamente ao volume e à composição de urina e otimize a função contrátil. A principal questão é se alterações patológicas da função da bexiga como bexiga hiperativa ou síndrome da bexiga dolorosa são determinadas por alterações do comportamento da mucosa.
A dor vesical é referida na região suprapúbica, dorso, face interna das coxas, panturrilhas e lateral dos pés.
A dor uretra! caracteriza-se por manifestação de dor à micção e pode associar-se à polaciúria e à dor suprapúbica. Irradia-se para o meato urinário e mantém-se durante a micção por alguns segundos ou minutos após o seu término. É descrita como sendo em queimar, aperto ou pontadas. Geralmente é causada por uretrite. Na mulher, geralmente em menopausa, a síndrome de dor uretra! não se associa frequentemente a anormalidades do exame físico ou do exame da urina. Além das infecções urinárias, a dor uretra! pode ser decorrente de afecções dos órgãos vizinhos, tais como litíase uretra! distai, litíase vesical, tumor trigonal, trigonite membranosa, neoplasias invasivas genitais e colônicas, traumatismos trigonais por sondagens vesicais repetitivas, etc.
TRATAMENTO
A relativa escassez de conhecimento da nocicepção visceral, em comparação com as síndromes nociceptivas somáticas, leva a um maior desafio no tratamento das síndromes nociceptivas viscerais. O melhor entendimento dos diferentes processos envolvendo a nocicepção visceral e mecanismos analgésicos levam a um tratamento mais efetivo de dor visceral.
Considerando os diversos mecanismos e a complexidade de estratégias de tratamento, a intervenção terapêutica deve ser baseada na doença específica, bem como nos mecanismos de dor subjacentes. A distinção entre disfunção visceral orgânica ou funcional é importante na decisão da opção do tratamento, embora seja um desafio, pois elas podem coexistir.
A educação e informação do paciente é muito importante no manuseio de qualquer síndrome dolorosa. O paciente deve ser informado sobre todos os resultados das investigações e o provável diagnóstico. Isto ajudará a diminuir a ansiedade, que pode ter um efeito significativo na dor. Prover informações aos pacientes os empodera com o conhecimento e os ajudam a realizar escolhas para o manuseio da dor dentro de expectativas realistas.
O tratamento da dor visceral deve ocorrer de forma paralela, direcionado para a doença subjacente, quando identificada e para alívio de sintomas. A enfermidade subjacente pode compreender um grande número de condições em muitos órgãos e seu diagnóstico definitivo e tratamento frequentemente requerem consultas especializadas (por exemplo com o cardiologista para dor torácica e com o gastroenterologista para dor pancreática) e procedimentos, desde angioplastia para isquemia cardíaca, cirurgia para condições como aderências intestinais, litotripsia para cálculos renais e ablação laparoscópica de focos de endometriose. É importante o reconhecimento de uma causa potencial de risco de vida.
Na prática, há muitos casos onde uma causa exata para a dor não é identificada ou ainda quando, apesar de ser realizado um ótimo tratamento, a dor ainda persiste. Investigações prolongadas e infrutíferas devem cessar antes que ocorra dor relacionada aos procedimentos ou que os problemas psicológicos se tornem intransponíveis.
Quanto mais prolongado e repetitiva a aferência visceral no SNC, maior o risco de longo tempo de sensibilização e suas consequências como hiperalgesia referida e alterações tróficas.
O tratamento sintomático da dor visceral depende principalmente de farmacoterapia: não somente analgésicos clássicos, mas também com medicações que, mesmo não sendo analgésicos, reduzem a dor emcircunstâncias específicas, diminuindo o estímulo nociceptivo. Por exemplo os nitratos, que reduzem a dor anginosa por promover vasodilatação arterial coronariana; antagonistas do receptor histamina no estômago ou inibidor da bomba de prótons, que aliviam a dor de úlceras e gastrites, pela redução da acidez gástrica, e antiespasmódicos, que aliviam a dor de vísceras ocas por interromper a contração reflexa da víscera.
A escada analgésica foi desenvolvida pela organização mundial da saúde para o manuseio de dor em câncer e seu uso tem sido estendido também para o tratamento de dor visceral crônica.
Os analgésicos simples como o paracetamol, assim como anti-inflamatórios não hormonais (AINH), têm função limitada na dor visceral. O paracetamol, um fraco inibidor da cicloxigenase-2 e um seletivo inibidor da cicloxigenase-3, é usado para dor, mas pouco se conhece sobre sua resposta à dor visceral, desde que muitos estudos não têm focado neste tipo de dor.
Os AINHs são efetivos na redução da dor no câncer. Muitos estudos têm demonstrado que eles são tão efetivos quanto opioides no tratamento da cólica biliar, com menos efeitos adversos.
Um dos mecanismos do AINH em cólica renal ou biliar pode envolver o bloqueio da acetilcolina. O diclofenaco também bloqueia a acetilcolina induzida pela contração da musculatura lisa.
É provável que opioides por curto período de tempo representem uma opção custo-efetiva para pacientes com dor visceral orgânica (por exemplo: pancreatite crônica), embora sua função para o manuseio de desordens funcionais viscerais permaneça incerta.
Além disso, a dor contínua pode induzir a sensibilização central e a alteração na modulação da dor, o que torna o opioide menos efetivo. Finalmente, fenômenos tais como: a tolerância, a adição, a hiperalgesia induzida por opioide, as alterações intestinais como dismotilidade e constipação, e outros efeitos adversos, podem limitar seu uso74. Laxativos devem ser prescritos concomitantemente aos opioides fortes, porém deve-se observar que laxantes osmóticos como magnésio e lactulona podem ocasionar distensão e dor visceral, assim como os procinéticos.
Os antidiarreicos como a loperamida, um análogo opioide agonista, reduz a peristalse intestinal e secreção, sendo utilizado em quadros selecionados de diarreia, porém, não alivia a dor nem a distensão abdominal.
Os analgésicos convencionais, como o paracetamol, anti-inflamatórios e opioides têm resposta limitada em dores funcionais.
Os antiespasmódicos podem ter uma função importante no manuseio da dor visceral devido à presença de espasmos excessivos da musculatura lisa, por exemplo na dor associada da cólica renal, da dismenorreia e em casos de SII.
Com o objetivo de otimizar o manuseio de dor crônica visceral, o maior foco precisa ser o manuseio do processo de sensibilização central e as alterações psicológicas e não somente melhora r a nocicepção periférica.
Os analgésicos adjuvantes exercem a função principal no manuseio de dor visceral crônica e, em particular, devem ser iniciados quando sinais de sensibilização central (hiperalgesia e alodínea) estão presentes.
Os antidepressivos como os tricíclicos, inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina, bem como os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, também são utilizados no tratamento da dor visceral crônica, especialmente em desordens funcionais. Antidepressivos tricíclicos demonstram ter propriedades analgésicas e neuromodulatórias, sendo importante iniciar em baixas doses e aumentá-la, titulando-a lentamente em semanas.
A avaliação da literatura de antidepressivos em síndromes dolorosas viscerais orgânicas são insuficientes para realizar qualquer conclusão.
Finalmente, deve ser notado que há diferenças grandes em propriedades de receptores e mecanismos analgésicos entre as diferentes classes de antidepressivos: tricíclicos, inibidores seletivos da receptação da serotonina e inibidores da receptação da serotonina e noradrenalina. Além do mais uma abordagem individual é necessária.
As medicações para dores neuropáticas podem ter sua utilidade, uma vez que sua fisiopatologia divide algumas características com a dor visceral, incluindo contribuições da sensibilização periférica e central, alteração da inibição descendente e alvos moleculares similares14. Tanto a gabapentina como a pregabalina, têm demonstrado, em estudos experimenta is, a capacidade de reduzir a dor em casos de pancreatite crônica e SII.
Em estudo randomizado e controlado, a pregabalina adjuvante resultou em maior efetividade no alívio da dor em três semanas e melhora da saúde geral em paciente com pancreatite crônica, em comparação ao placebo. Os autores concluíram que a pregabalina deve ser considerada como um passo a mais em pacientes cujos sintomas são refratários à terapia estândar.
Há muitos outros agentes farmacológicos que têm sido usados para tratamento de dor visceral. Nitratos são úteis para a isquemia cardíaca e anti-histamínicos têm função na dor epigástrica. O octreotide reduz a hiperalgesia visceral e é uma escolha lógica à morfina em obstrução intestinal maligna.
Tem sido sugerido que o manuseio da dor visceral deve seguir a mesma abordagem geral que aquela utilizada para outras síndromes dolorosas, portanto, a abordagem fisioterápica pode ser utilizada para dor visceral. Exercícios e movimentos são importantes componentes no manuseio de dor crônica, mas não há evidências que suportem a superioridade de exercícios específicos sobre exercícios gerais. Podem haver alterações musculares e subcutâneas subsequentes à patologia da dor visceral, onde a fisioterapia poderia ter uma função específica (por exemplo: hiperalgesia do assoalho pélvico secundário à síndrome da bexiga dolorosa).
As atuais evidências de acupuntura em síndromes dolorosas viscerais são limitadas, mas como é um procedimento de baixo risco, pode ser útil no manuseio de pacientes com maiores dificuldades no controle da dor.
As intervenções invasivas, tais como: bloqueio do sistema nervoso simpático (plexo celíaco, lombar, hipogástrico, esplâncnico e gânglio ímpar) têm importante valor no diagnóstico e tratamento da dor visceral. Lesões seletivas de vias de dor viscerais (DREZ, cordotomia e mielotomias) têm indicação apenas em casos bastantes selecionados.
A estimulação elétrica transcraniana, uma técnica não invasiva usada para tratamento de dor crônica de várias origens, tem sido pesquisada quanto a sua efetividade nas dores viscerais.
O modelo biopsicossocial de dor descreve uma complexa interação entre dor, comportamento, cognição, emoção e contexto social. A intervenção psicológica tem uma função importante no manuseio de dor visceral. O efeito da dor visceral se estende para relação com a família, amigos, vida social, trabalho e estudo. Técnicas cognitivas comportamentais são destinadas a melhorar o impacto da dor, mas a experiência de dor pode também usualmente melhorar.
Os tratamentos interdisciplinares resultam em alívio significativo da dor e do sofrimento, sendo de fundamental importância a educação cognitivo comportamental, enfatizando os métodos ativos de enfrentamento.
FONTE: TRATADO DA DOR – SBED – VOLUME 1
2. Abordar os visceroceptores, sua distribuição no corpo e os estímulos que provocam a sua ativação.
ESTÍMULOS QUE PRODUZEM DOR VISCERAL 
Os estímulos viscerais que desencadeiam queixas de dor podem ser classificados em quatro grupos principais: 
1. Estímulos químicos secundários aos processos inflamatórios localizados. 
2. Estímulos químicos secundários à isquemia. 
3. Estímulos mecânicos desencadeados por processos compressivos e obstrutivos, que podem ser modificados por inflamação ou isquemia. 
4. Estímulos "funcionais", que são mecânicos ou químicos e ocorrem naturalmente; em geral, quando são avaliados, esses estímulos estão dentro da faixa fisiológica, mas por motivos desconhecidos causam desconforto intenso.
O câncer, com seus desequilíbrios generalizados dos processos fisiológicos, pode gerar estímulos químicos ou mecânicos, às vezes confundidos com estímulosfuncionais. Os estímulos isquêmicos, principalmente quando originados nas estruturas cardíacas ou mesentéricas, exigem tratamento imediato para reduzir a demanda metabólica ou aumentar a irrigação sanguínea e a oxigenação.
3. Diferenciar a dor visceral da dor somática.
Dor visceral ocorre quando os estímulos que vão produzir a sensação de dor provêm das vísceras.
Ela pode ser:
representada ou direta referida
dor de cálculos renais, vesiculares, de úlceras e de apendicites
(vísceras)
Ao contrário da dor somática, a dor visceral é causada quase unicamente por distensão ou estiramento dos órgãos.
•	Dor visceral referida - É transmitida pela via visceral propriamente dita , que leva à percepção da sensação dolorosa em regiões distantes do órgão de origem da dor no ponto do segmento medular onde ela se insere no corno posterior da medula. É sentida como se fosse superficial , porque esta via faz sinapse na medula espinhal com alguns dos mesmos neurônios de segunda ordem que recebem fibras de dor da pele. Assim, quando as viscerais para a dor são estimuladas, os sinais de dor das vísceras são conduzidos por pelo menos alguns dos mesmos neurônios que conduzem sinais de dor procedentes da pele. Freqüentemente, a dor visceral referida é sentida no segmento dermatotópico do qual o órgão visceral se originou embriologicamente. Isso se explica pela área que primeiro codificou a sensação de dor no córtex cerebral. Um exemplo, seria o caso do infarto do miocárdio onde a dor é sentida na superfície do ombro e face interna do braço esquerdo. Um outro caso é a cólica de origem renal que é comum o paciente sentir dor na face interna da coxa.
•	Dor visceral direta - É transmitida pela via parietal, a partir do peritôneo parietal , pleura ou pericárdio, que leva à percepção da dor diretamente sobre a área dolorosa.
4. Diferenciar a dor referida da dor irradiada.
Dor Referida
É definida como uma dor sentida em um local que se encontra a distância dos tecidos responsáveis pela dor, porém mantendo relação com o ponto do estímulo primário.
A dor referida de origem visceral geralmente se manifesta em porções definidas da superfície corporal, de maneira isolada ou acompanhada de sensação concomitante de dor concebida como de origem visceral. Pode também se manifestar em outra área profunda do corpo não coincidente com a localização da víscera que a produz. O fenômeno da dor referida ocorre não somente em doenças viscerais. Pode ser observado em afecções da superfície das cavidades, tais como a pleura e o peritônio (dor referida parietal), bem como em lesões ou doenças das estruturas somáticas profundas (músculos, articulações, ligamentos e periósteo). Pode também ocorrer referência de dor de uma área da pele a outra.
Geralmente, a área de referência toma-se dolorosa somente quando os estímulos já existem há algum tempo e são suficientemente intensos, ou quando o limiar da dor, de uma víscera ou órgão, estiver diminuído por alguma lesão prévia (inflamação. isquemia etc.). Esta área dolorosa pode inclusive persistir após ter-se esvaecido a dor do local primário.
No segmento onde se manifesta a dor referida podem ocorrer alterações das atividades efetoras ou motoras. como contração da musculatura esquelética. Advém então, uma rigidez reflexa, constituindo, assim, a defesa muscular. O estímulo de vasos sanguíneos e glândulas produz alterações vasomotoras que se manifestam através de uma diferença de temperatura e umidade da pele. Podem, ainda, ocorrer hiperestesia e hiperalgesia secundárias a um aumento da sensibilidade e a uma diminuição do limiar para estímulos táteis e dolorosos.
Tanto a dor quanto as demais alterações cutâneas são referidas não à pele que está sobre a víscera estimulada, mas à que recobre as regiões inervadas pelo mesmo segmento espinhal daquele órgão. Estas áreas cutâneas, ou zonas de Head, para as várias vísceras, coincidem grosseiramente com a distribuição segmentar das fibras sensitivas somáticas que têm origem nos mesmos segmentos medulares das fibras (geralmente simpáticas) das vísceras em questão. Nem sempre está distribuição está restrita aos dermátomos esperados, podendo espalhar-se para áreas mais extensas. Também pode não ocorrer o comprometimento de todo um dermátomo ou segmento medular.
A explicação do mecanismo da dor referida é de que os impulsos provenientes dos órgãos viscerais e das estruturas somáticas, superficiais ou profundas, compartilham vias comuns do interior do sistema nervoso central. Deste modo, os ramos das fibras aferentes da dor visceral fazem sinapse na medula espinhal com alguns dos neurônios de 2ª ordem que recebem fibras de dor provenientes da pele.
Dor Irradiada
A dor irradiada, também chamada de dor radicular, é produzida pelo estiramento, torção, compressão ou irritação de uma raiz espinhal, central ao forame intervertebral. Apesar de possuir muitas das características da dor referida, ela difere quanto à intensidade, aos fatores agravantes e atenuantes e ao tipo de disseminação.
Suas características são de uma dor aguda e muito intensa, que quase sempre se inicia em uma região central, próxima à coluna, e se dirige para uma parte da extremidade inferior. Seu melhor exemplo é a compressão da 4ª e da 5ª raízes lombares e 1ª raíz sacral por uma hérnia de disco intervertebral, produzindo a dor ciática. Ela se estende caudalmente através da parte posterior da coxa, ântero-lateral e posterior da perna até o pé.
Parestesia ou perda da sensibilidade da pele e diminuição da sensibilidade de algumas regiões ao longo do nervo geralmente estão associadas. Se coexistir envolvimento das raízes anteriores, podem, ainda, ocorrer perda de reflexos, atrofia, diminuição da força muscular, fasciculações e edema de estase.
Ações que causam estiramento do nervo (flexão do tronco sobre as pernas estendidas, elevação das pernas em extensão) ou aumento da pressão intra-espinhal (compressão da veia jugular, tosse, espirro) agravam a dor radicular.
Existe, na literatura, muita confusão entre dor referida e irradiada, chegando alguns autores a usá-las, inclusive, como sinônimos. Isto ocorre porque os sinônimos de irradiar são: espalhar, propagar, difundir, transmitir, entre outros. Na maioria das vezes, esta palavra é usada com este sentido. Ao dizermos que a dor da cólica nefrética se inicia na região lombar e se irradia para a virilha e/ou testículos, estamos nos referindo apenas a sua propagação e não a sua classificação. Esta é definida somente como dor referida.
FONTE: HTTPS://WWW.BIBLIOMED.COM.BR/BIBLIOMED/BMBOOKS/CIRURGIA/LIVRO9/CAP/CAP01.HTM
5. Caracterizar a nefrolitíase (epidemiologia, composição do cálculo, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento da crise aguda).
Cálculos renais são comuns e são associados à morbidade significativa. Nefrolitíase refere-se à formação de cálculo dentro dos túbulos renais ou do sistema coletor, embora os cálculos sejam, na maioria das vezes, achados nos ureteres ou na bexiga. 1-3 A maioria dos cálculos renais é de oxalato de cálcio, fosfato de cálcio, estruvita, ácido úrico e cistina. A apresentação clínica varia de pequenos cálculos assintomáticos a cálculos obstrutivos coraliformes que ocasionam danos à função renal e causam doença renal crônica (DRC). A gravidade da nefrolitíase depende da patogênese, assim como do tamanho, tipo e localização do cálculo. Nefrolitíase classicamente se apresenta como um cólica ureteral, mas também pode se apresentar como hematúria e infecção do trato urinário (ITU). Calcificação difusa do parênquima renal é denominada nefrocalcinose. Essas calcificações são usualmente de fosfato de cálcio ou oxalato de cálcio e podem se depositar no córtex ou na medula renal, dependendo da causa.
Epidemiologia
Cálculos renais são comuns em nações industrializadas, com incidência anual de cerca de 1/1.000 pessoas, e o risco de formação de cálculos por toda vida é de cerca de 5% em mulheres e de aproximadamente 13% em homens. 1,3,4 Nos EUA, a prevalência de nefrolitíase aumentou de 3,2%, no fim da década de 1970, para 5,2%,na década de 1990, e para 8,8% na década de 2000, em paralelo com a incidência crescente de obesidade, resistência insulínica e diabetes melito tipo 2. 6-8 A incidência tem picos nas terceiras e quartas décadas de vida, e a prevalência aumenta com a idade até cerca de 70 anos em homens e 60 anos em mulheres. Fatores que determinam a prevalência incluem idade, sexo, raça e distribuição geográfica. Nos EUA, caucasianos são mais propensos a desenvolver cálculos renais que afroamericanos, latinos ou americanos de descendência asiática, mas a prevalência também tem aumentando em não caucasianos. 8 Homens são mais propensos à formação de cálculos que mulheres. 8 Nos EUA, a tendência de formação de cálculo também depende da localização geográfica, com aumento da prevalência no norte em relação ao sul, e, em menor grau, no oeste em relação ao leste. O aumento nas temperaturas ambientais é associado ao crescimento nas taxas de formação de cálculos. Taxas aumentadas de nefrolitíase podem ser resultado de maior exposição solar, levando a perdas insensíveis maiores através do suor e urina mais concentrada. A excreção aumentada de cálcio urinário em um menor volume urinário pode aumentar o risco de supersaturação para cristais contendo cálcio, promovendo, portanto, a formação de cálculos. O tipo de cálculo varia com a geografia mundial e a predisposição genética. No Mediterrâneo e no Oriente Médio, 75% dos cálculos são compostos de ácido úrico, enquanto, nos EUA, a maioria deles são de oxalato de cálcio ou fosfato de cálcio (> 70%), com menos de 10% sendo cálculos de ácido úrico puro. Cálculos de fosfato de amônio magnesiano (estruvita) contabilizam 10- 25% dos cálculos formados (com maior incidência no Reino Unido) e cálculos de cistina constituem 2% de todas as litíases (Fig. 59-1). 
Surtos de litíase renal também podem ocorrer como resultados de suplementos dietéticos ou medicações. Um grande número de bebês e crianças chinesas desenvolveu litíase renal e, em alguns, falência renal por causa de obstrução por cálculos. Esse surto foi associado à contaminação de fórmulas infantis e de leite em pó com melamina, como modo de aumentar aparentemente a concentração de proteína desses produtos.
TIPOS ESPECÍFICOS DE CÁLCULOS
Cálculos de Cálcio
Cálculos renais que contêm cálcio constituem cerca de 70% de todas as litíases formadas. A maioria dos cálculos de cálcio é composta de oxalato de cálcio, quer sozinho, quer em combinação com fosfato de cálcio ou ácido úrico. Uma pequena porcentagem de cálculos é composta inteiramente de fosfato de cálcio. 1 A maioria dos cálculos de cálcio não deve exceder 1 a 2 cm de largura, embora a intervenção cirúrgica seja muitas vezes necessária para pedras maiores que 5 mm.
Cálculos à base de cálcio mais frequentemente se desenvolvem como resultado da excreção excessiva de cálcio (hipercalciúria). Outras causas de cálculos de cálcio são excreção excessiva de oxalato (hiperoxalúria) e ácido úrico (hiperuricosúria), excreção de citrato insuficiente (hipocitratúria), acidose tubular renal, certos medicamentos e anormalidades congênitas do trato genitourinário (Fig. 59-6). Terapia específica para pacientes com cálculos de cálcio depende das alterações metabólicas subjacentes detectadas na avaliação. Terapia não específica ou geral, conforme descrito anteriormente, deve ser sempre instituída; no entanto, tratamento mais definitivo é muitas vezes necessário para diminuir significativamente a taxa de recorrência de formação de cálculos.
Cálculos de Ácido Úrico
Causas de hiperuricosúria incluem excesso de purina na dieta ou excessiva ingestão de proteínas, distúrbios associados à desagregação celular (síndrome de lise tumoral, desordens mieloproliferativas, anemia hemolítica), gota, medicamentos uricosúricos, certos erros inatos do metabolismo e possivelmente ingestão excessiva de frutose.
Três fatores principais influenciam a formação de cálculos de ácido úrico: pH urinário baixo, baixo volume de urina e níveis elevados de ácido úrico urinário (Quadro 59-5). Dos três, baixo pH urinário é o distúrbio metabólico principal encontrado em pacientes com nefrolitíase de ácido úrico. O ácido úrico é pouco solúvel em pH abaixo de 5,5. A solubilidade aumenta com a alcalinidade urinária, tal que uma urina de pH de 6,5 pode conter seis vezes mais quantidades de ácido úrico do que uma urina com pH de 5,3, sem exceder a supersaturação. A crescente incidência de obesidade e resistência à insulina nos EUA tem levado a um aumento paralelo de litíase por ácido úrico. A acidose urinária é provavelmente um resultado da amoniogênese prejudicada, o que resulta na excreção excessiva de ácido não tamponado e um pH urinário muito baixo.
Cálculos de Estruvita
Cálculos de estruvita são também referidos como “cálculos de infecção” ou “cálculos de fosfato triplo”. Os cálculos crescem rapidamente a um grande tamanho, podem reduzir a função renal no rim afetado e são difíceis de se erradicar. Devido a morbidade significativa em pacientes com cálculos renais, eles também foram chamados de “pedra câncer”. A maioria dos cálculos coraliformes, grandes cálculos que penetram em mais de um cálice renal, são compostas de estruvita. A sua formação requer a presença de bactérias produtoras de urease na urina (Quadro 59-6).
Cálculos de estruvita são compostos de fosfato de amônio magnesiano e carbonato de cálcio apatita. Eles se formam quando a produção de urease por certas bactérias urinárias decompõem a ureia a amônio (NH4 +) e um grupo carboxilo (OH-). A urina torna-se bastante alcalina; o fosfato urinário tornase insolúvel e forma uma fase sólida com o magnésio, o cálcio e os sais de amônio. As mulheres são mais propensas à nefrolitíase de estruvita do que os homens por causa de um aumento da propensão para a ITU. Outros predispostos a desenvolver cálculos de estruvita através de infecções ou estase urinária incluem pacientes com cateter vesical, bexiga neurogênica, anormalidades do trato genitourinário e lesões da medula espinhal. Uma urina alcalina (pH 7), cultura de urina com bactérias produtoras de urease e grandes cálculos sugerem o diagnóstico de nefrolitíase de estruvita.
Um certo número de bactérias Gram-negativas e Gram-positivas tem sido implicado na produção de urease e consequente formação de estruvita, com as espécies mais comuns sendo Proteus (Quadro 59-6). Escherichia coli, que é frequentemente presente em culturas de urina, não é um produtor de urease. Se existe uma forte suspeita de cálculos renais, mas nenhum organismo é detectado na urina, um pedido específico de cultura de Ureaplasma urealyticum deve ser considerado, pois este não costuma crescer nos meios de culturas da rotina.
Os cálculos de estruvita podem preencher toda a pelve renal, formando um cálculo coraliforme que, se não for adequadamente tratado, eventualmente leva à perda renal.
Manejo de Cálculo Coraliforme: Um cálculo coraliforme geralmente deve ser tratado com intervenção, pois os relatos de terapia conservadora mostram uma alta taxa de eventual nefrectomia (até 50%) e um aumento na mortalidade (até 28%) e morbidade associada (sobretudo insuficiência renal). As opções cirúrgicas são monoterapia com LECO, completa remoção endoscópica do cálculo e uma abordagem combinada com uso de NLPC redutora (debulking) seguida por LECO. A vantagem da abordagem combinada é a menor necessidade de acesso renal adicional e procedimentos endourológicos secundários. A escolha do tratamento depende de muitos fatores, como a idade e a função renal do paciente. Na maioria das vezes, a LECO não tornará o paciente inteiramente livre do cálculo (o objetivo ideal do tratamento), sobretudo no tratamento de grandes cálculos coraliformes; no entanto, pode ser considerado bem-sucedido quando se alcança a persistência de menos de 40% de um cálculo coraliforme como fragmentos. Raramente, a remoção cirúrgica aberta do cálculo pode ser indicada.
Cálculos de Cistina
Cistinúria é um distúrbio autossômico em que ocorre um defeito no transporte tubular aminoácido dibásico, resultandonum aumento da excreção de cistina, ornitina, lisina e arginina (Cap. 50). O padrão de herança pode ser autossômico recessivo ou autossômico dominante com penetrância incompleta. A doença litiásica é, na maioria das vezes, clinicamente manifesta nas segunda e terceira décadas de vida. Devido ao alto teor de enxofre da molécula de cistina, os cálculos são aparentes em radiografias simples (Fig. 59-4, A) e, muitas vezes presentes como cálculos coraliformes ou vários cálculos bilaterais.
Cistina é fracamente solúvel, apenas cerca de 300 mg/L (1,25 mmol/L), a um pH neutro. A excreção normal de cistina de cerca de 30 a 50 mg (0,12 mmol para 0,21) por dia é facilmente solúvel na produção de urina diária habitual de cerca de 1 L. No entanto, muitas vezes cistinúricos homozigotos excretam 250 a 1.000 mg (1,04 para 4,20 mmol) de cistina por dia, com os heterozigotos excretando uma quantidade intermediária. O tratamento é dirigido à diminuição da con-centração urinária de cistina para abaixo dos limites de sua solubilidade. Por ser o precursor dietético de cistina, metionina, um aminoácido essencial, é impraticável reduzir significativamente a sua ingestão. O aumento do volume de urina, de modo que a cistina permaneça abaixo dos limites de solubilidade, por vezes requer 4 L de urina por dia. Uma dieta de baixo teor de sódio é capaz de reduzir a excreção de cistina urinária, embora o mecanismo para que isso ocorra não esteja claro. 75 Aumentar o pH da urina acima de 7,5 tornará a cistina mais solúvel, o que é difícil de conseguir a longo prazo. D-penicilamina (dose inicial de 250 mg por dia, dose máxima de 2 g por dia) ou tiopronina (800 mg/dia, em três doses divididas) irão ambos se ligar a cistina e reduzir a supersaturação urinária; no entanto, os efeitos colaterais podem limitar a sua utilização. O inibidor da enzima de conversão da angiotensina, o captopril, pode ser eficaz por formar uma ligação dissulfureto cisteína-tiol que é mais solúvel do que a cistina.
Cálculos Associados a Exposição a Melamina
No final de 2008, mais de 50.000 crianças chinesas com idade inferior a três anos tinham sido relatadas por terem nefrolitíase associada a produtos lácteos contaminados. Leite e fórmulas infantis em pó foram notificados por conter melamina, uma substância nitrogenada sintetizada a partir de ureia que aumenta aparentemente o teor de proteína do produto. Fatores de risco para nefrolitíase após a exposição a melamina podem incluir depleção de volume, pequena superfície corporal, uricosúria e baixo pH urinário.
Embora as crianças afetadas muitas vezes apresentassem disúria e hematúria, muitas crianças que foram posteriormente rastreadas estavam assintomáticas, apesar de cálculos renais identificados no exame de ultrassom. No exame de urina, algumas crianças apresentavam cristais em forma de leque. Os cálculos formados nos rins eram radiolucentes e frágeis. Muitos eram compostos por uma combinação de ácido úrico com melamina e foram passíveis de dissolução por hidratação e alcalinização. Em estudos com animais com exposição à melamina, a deposição de cristais distais tubulares pode levar a inflamação e fibrose tubulointersticial. Desconhece-se se um processo semelhante possa ocorrer em humanos.
Patogênese
Cálculos ocorrem em uma urina que está supersaturada em relação aos componentes iônicos de cada tipo específico de cálculo. Supersaturação é dependente do produto da atividade de íons livres dos componentes do cálculo mais do que de suas concentrações molares. Enquanto uma concentração crescente dos componentes dos cristais aumenta a sua atividade do íon livre, outros fatores a diminuem. Quando o cálcio e o oxalato são dissolvidos na água pura, por exemplo, a solução torna-se saturada quando a adição de qualquer quantidade de cálcio ou oxalato não resulta em posterior dissolução. Entretanto, a urina, diferentemente da água pura, contém numerosos íons e moléculas que podem formar complexos solúveis com os componentes solúveis do cálculo. As interações com esses outros solutos (p. ex., citrato) podem resultar em redução da atividade de íons livres, o que possibilita que os constituintes dos cálculos aumentem em concentração total a níveis que poderiam normalmente levar à formação de cálculos na água. O pH urinário também influencia a atividade do íon livre. O nível de atividade do íon químico livre em que os cálculos não vão crescer ou serem dissolvidos é referido como produto de solubilidade de equilíbrio, ou o limite superior de metaestabilidade. Acima desse nível, a urina ficará supersaturada e qualquer cálculo presente irá aumentar de tamanho.
Quando a solução se torna supersaturada em relação à fase sólida, íons podem se unir e formar uma fase mais estável e sólida, um processo chamado de nucleação. A nucleação homogênea refere-se à união de íons similares em cristais. As nucleações heterogêneas mais comuns e termodinamicamente favorecidas ocorrem quando cristais crescem adjacentes a outros cristais ou outras substâncias na urina, como as células epiteliais destacadas. Cristais de oxalato de cálcio, por exemplo, podem se nuclear com cristais de ácido úrico. Esses pequenos cristais podem, então, agregar-se e formar cálculos maiores, que irão passar na urina, caso eles não ancorem no urotélio, causando cristalúria.
Cristais de oxalato de cálcio ancoram-se em áreas de depósitos de fosfato de cálcio, chamadas de placas de Randall, que estão localizadas na papila renal e são compostas de cristais de apatita (um complexo com maior parte de cálcio e um pouco de fosfato). Essa apatita parece originar-se nas proximidades da alça fina de Henle, na membrana basal tubular, e estender-se ao interstício sem preencher o lúmen tubular ou danificar as células tubulares. Cristais de oxala-to de cálcio grudam nas placas de Randall, possibilitando crescimento significativo do cálculo. 13-15 Doença litiásica clinicamente aparente ocorre quando os cristais de oxalato de cálcio separam-se das placas de Randall e causam lesão ou obstrução.
Manifestações Clínicas
Os sintomas característicos de nefrolitíase são dor e hematúria. Outras apresentações incluem ITUs e lesão renal aguda (LRA), causada por uropatia obstrutiva, quando cálculos causam obstrução renal bilateral ou obstrução unilateral em um único rim funcionante (Tabela 59-1).
Dor
A apresentação clássica de dor em pacientes com nefrolitíase é cólica ureteral. A dor é de início abrupto e se intensifica com o tempo até uma dor grave e excruciante no flanco que se resolve apenas com a passagem ou a remoção do cálculo. A dor pode migrar anteriormente pelo abdome e inferiormente pela virilha, testículos ou grandes lábios, à medida que o cálculo se move pela junção ureterovesical. Hematúria macroscópica, urgência urinária, polaciúria, náusea e vômitos podem ocorrer. Cálculos menores que 5 mm podem passar espontaneamente com hidratação, enquanto os maiores podem requerer intervenção urológica (Fig. 59-2). 14,16 Cólica ureteral pode ocorrer também pela passagem de coágulos de hematúria de qualquer causa (“cólica por coágulo”) ou com necrose de papila. Além de cólica, a nefrolitíase pode provocar dor dorsal menos específica que se localiza ao redor do rim e, portanto, apresenta amplo diagnóstico diferencial, particularmente se não associada a sintomas urinários. O achado de cálculo em um exame radiológico não exclui uma causa coincidente de dor de outra fonte.
Hematúria
Doença calculosa é a uma causa comum de hematúria. Hematúria macroscópica ocorre mais comumente com cálculos maiores e quando há ITU e cólica. Embora tipicamente associada à cólica ureteral ou dor dorsal, a hematúria da nefrolitíase pode ser indolor. O diagnóstico diferencial de hematúria é, portanto, vasto (Quadro 59-1). Hematúria microscópica indolor em crianças pode ocorrer com hipercalciúria na ausência de litíase demonstrável.
Síndrome de Dor Lombar e Hematúria
A síndrome da dor lombar e hematúria é uma condição mal compreendida que sempre deve ser considerada no diagnóstico diferencial de nefrolitíase. É diagnósticode exclusão quando o paciente (a maioria tipicamente mulheres de meia-idade e jovens) apresenta dor lombar, hematúria microscópica persistente e hematúria macroscópica intermitente. 17,18 Avaliação cuidadosa é requerida para excluir pequenos cálculos, tumores, ITU e doença glomerular. Anormalidades angiográficas com vasoespasmo intrarrenal ou oclusão têm sido relatadas, assim como alterações na biópsia renal como deposição de C3 na parede vascular arteriolar. Entretanto, esses achados não são consistentes nem fornecem um quadro coerente para explicar a patogênese dessa condição.
Em um estudo, 43 pacientes com manifestações clínicas de síndrome de dor lombar e hematúria foram avaliados por meio de biópsia renal depois que outras causas de seus sintomas foram excluídas com pelo menos dois exames de imagem. 17 Trinta e quatro pacientes foram considerados como portadores de síndrome de dor lombar e hematúria após nove casos terem sidos excluídos por evidência histológica de nefropatia por IgA. Destes, 66% apresentavam membrana basal glomerular espessa ou fina na microscopia eletrônica, e 47%, um histórico de litíase renal, embora nenhum tivesse cálculos obstrutivos no início da avaliação. Evidência de hematúria glomerular foi mais comum em biópsias de pacientes com síndrome de dor lombar e hematúria comparada a doadores de rins vivos e saudáveis que também foram submetidos à biópsia. Os investigadores postularam que a membrana basal glomerular, estruturalmente alterada na maioria desses pacientes, poderia levar à ruptura das paredes capilares glomerulares, com consequente hemorragia dentro dos túbulos renais. Obstrução tubular por células sanguíneas vermelhas ou potencialmente seguida por microcristais. Edema parenquimatoso local e global segue, em última análise, resultando em estiramento da cápsula renal e em grave dor lombar.
Síndrome de dor lombar e hematúria são condições crônicas que requerem confirmação diagnóstica, manejo cuidadoso de analgesia e apoio psicológico contínuo. A condição usualmente remite após vários anos. Denervação do rim por autotransplante é raramente bem-sucedida. 18 A medida extrema de nefrectomia pode ser usada; porém, na maioria das vezes, a dor recorre prontamente no rim contralateral. Nefrectomia bilateral e terapia de substituição renal são relatadas com uma abordagem de último recurso. Referência para o médico especialista em dor pode ajudar no aconselhamento psiquiátrico, analgesia e exclusão de outras desordens. Em um estudo retrospectivo, pacientes que eventualmente aceitavam uma abordagem não cirúrgica, juntamente com estratégias de combate à dor que não envolvesse analgésicos narcóticos, tiveram os melhores desfechos.
Litíase Assintomática
Até cálculos grandes podem ser assintomáticos e descobertos apenas durante a investigação de sintomas não relacionados abdominais ou musculoesqueléticos. Uropatia obstrutiva causada por cálculo pode ser indolor; portanto, nefrolitíase pode ser considerada no diagnóstico diferencial de falência renal aguda não explicada. 
No surto de nefrolitíase associada à melamina de bebê chineses, a maioria dos acidentes trazidos para rastreio não tinham sinais ou sintomas de litíase, e o diagnóstico de nefrolitíase foi feito apenas por ultrassom em bebês e crianças sob risco.
Tratamento Geral
Intervenção para remoção de cálculo pode ser necessária quando a dor, obstrução e/ou infecção resultantes de litíase renal não respondem ao tratamento conservador. Manejo cirúrgico de cálculos inclui litotripsia por ondas de choque extracorpóreas (LECO) e tanto a remoção endoscópica de cálculos quanto a cirúrgica (Cap. 60). O risco de desenvolver disfunção renal varia com o tipo de cálculo, o que deve ser considerado no planejamento do tratamento.
Manejo Clínico
Os pacientes que são vistos por “especialistas” em litíase têm muitas vezes uma diminuição da recorrência do cálculo, mesmo sem intervenção farmacológica. 39 Esse fenômeno, denominado “efeito clínico no cálculo” é provavelmente um resultado de modificações na dieta e ingestão de líquidos. Essas medidas não farmacológicas incluem: aumento na ingestão de líquidos, o que aumenta o volume urinário; restrição de sódio na dieta, o que leva à redução da excreção urinária de cálcio; restrição de proteína animal, o que também leva à redução da excreção de cálcio na urina e ao aumento na excreção do citrato que é um inibidor de calcificação; e ingestão de uma quantidade adequada para idade e para o gênero de cálcio na dieta. Embora a restrição dietética de cálcio continue a ser prescrita por muitos médicos, evidência crescente indica que isso não é benéfico e pode realmente aumentar a taxa de formação de cálculos (discussão sobre cálculos de cálcio mais adiante).
Ingesta de Fluidos. Um aumento no volume de urina para mais de 2 a 2,5 L por dia reduz comprovadamente a incidência de cálculos. 39-41 Grandes volumes de urina reduzirão a supersaturação de oxalato de cálcio, assim como a precipitação de outros cristais. O aumento da ingestão de líquidos para aumentar o volume da urina é também a pedra angular da terapia para pacientes com cálculos de ácido úrico e cistina. O período de risco máximo para a formação de cálculos é a noite, quando a concentração de urina é fisiologicamente aumentada. Os pacientes devem ser encorajados a beber bastante líquido à noite para provocar noctúria e beber ainda mais fluido, antes dormir.
Ingesta de Sódio. Excreção urinária de sal se correlaciona diretamente com excreção urinária de cálcio; 1,2 assim, restrição dietética de sal está associada à excreção de cálcio diminuída na urina. Os pacientes devem ser instruídos a limitar a ingestão diária de sódio a 2 g (87 mmol de sódio).
Ingestão de Proteína Animal. A ingesta de proteína na dieta aumenta a frequência de formação de cálculos renais por uma série de mecanismos. O metabolismo de certos aminoácidos conduz à produção de íons de sulfato, que diminuem a solubilidade de íons de cálcio urinário. 42,43 A acidose metabólica resultante da ingestão de proteína provoca a liberação de cálcio a partir do osso e um consequente aumento da carga filtrada de cálcio. 42,43 A acidose também diminui a reabsorção tubular de cálcio, resultando em hipercalciúria. A excreção urinária de citrato também é dependente do pH, com a acidose levando à diminuição na excreção de citrato. O resultado do acréscimo da ingestão de proteína animal é um aumento na excreção urinária de cálcio que é liberado menos solúvel por causa de concomitante excreção de sulfato e da hipocitratúria. O pH urinário baixo, juntamente com o aumento da excreção de ácido úrico a partir do metabolismo de proteínas animais, pode resultar em cálculo de ácido úrico. Por isso, formadores de cálculo devem consumir apenas uma dieta moderada em proteínas (0,8 a 1,0 g/kg/dia). 1 Frutose na dieta também pode aumentar a litíase de ácido úrico.
Cálcio Dietético. Não obstante a sabedoria convencional, vários estudos têm demonstrado diminuição na incidência de cálculo quando as pessoas consomem dietas adequadas em cálcio. 41,44-46 Esse efeito benéfico é atribuído a ligação intestinal de oxalato ingerido (que é altamente litogênico) com o cálcio da dieta. Embora mulheres tenham reduzido a formação de cálculo sob ingestão de uma quantidade adequada para a idade de cálcio na dieta, este benefício não pode ser estendido àquelas que tomam cálcio sob a forma de suplementos. 47 Os dados são inconsistentes quanto ao fato de os suplementos de cálcio aumentarem o risco de nefrolitíase. 48,49 Alguns postularam que qualquer aumento de risco pode ser um resultado da escolha do horário da ingestão de suplementos de cálcio fora das refeições, o que iria aumentar a absorção de cálcio sem redução da absorção do oxalato. Além disso, os suplementos de cálcio podem dissociar-se rapidamente, levando a uma rápida absorção, aumento da carga filtrada de cálcio e hipercalciúria transitória, e consequentemente ao aumento da supersaturação. Aconselhamos os pacientes que, em vez de utilizar suplementos, é melhor obtercálcio de produtos lácteos.
Alguns estudos recentes, mas não todos, têm demonstrado que as mulheres que ingerem suplementos de cálcio têm grande risco de doença cardiovascular e morte. 51-52 Em um estudo de longo prazo de mais de 60.000 mulheres suecas, aqueles com ingestão de cálcio superior a 1.400 mg/dia tiveram um risco aumentado de mortalidade cardiovascular com uma taxa de risco de 1,49 (1,09-2,02, 95% intervalo de confiança [IC]). O risco de mortalidade por todas as causas subiu para 2,57 (1,19-5,55, IC 95%), quando qualquer suplemento de cálcio foi adicionado a uma dieta rica em cálcio. 50 Bolland et al. revisaram a mortalidade cardiovascular em mais de 15 estudos envolvendo a suplementação de cálcio versus placebo. Eles observaram um aumento do risco de infarto do miocárdio em pessoas randomizadas para uso de suplementos de cálcio com uma taxa de risco de 1,31 (1,02-1,67, IC 95%) que subiu para 1,85 (1,28-2,67, IC 95%) em pacientes que já estavam tomando mais do que 805 mg de cálcio por dia na dieta. 51 O Institute de Medicine recentemente ajustou sua recomendação de ingestão de cálcio para 1.000 mg por dia para adultos com mais de 19 anos, e para 1.200 mg para as mulheres com idade acima de 50 anos. 53 Como observado anteriormente, nós recomendamos, na maioria das vezes, que as mulheres tomem a quantidade adequada de cálcio sob a forma de alimentos, com a ingestão de suplementos limitada, exceto em casos de osteoporose grave com consumo alimentar insuficiente.
Anteriormente, os pacientes hipercalciúricos eram divididos em vários grupos, incluindo aqueles com a excreção renal do cálcio excessivo (“perda renal”) e aqueles que absorviam quantidades excessivas de cálcio pelo trato gastrointestinal (“hipercalciúria de absorção”). No entanto, é evidente que os pacientes hipercalciúricos, em regra, não têm um defeito de transporte limitada a um único sítio; eles parecem ter uma desregulação sistêmica de transporte de cálcio nos principais locais de transporte de cálcio, como intestino, rim e osso. Em ambos, ratos e seres humanos hipercalciúricos submetidos a uma dieta pobre em cálcio, há um amplo espectro contínuo de excreção de cálcio. Pacientes hipercalciúricos podem parecer ter excesso de excreção renal em um exame e hipercalciúria de absorção em outro. 1,2 Alguns pacientes excretam mais cálcio do que consomem, indicando um equilíbrio negativo do cálcio corporal total. Esse cálcio deve ser derivado das fases minerais do osso, que contêm, de longe, o maior depósito de cálcio do corpo. 27 Apoio para a utilização de uma quantidade apropriada à idade e ao gênero de cálcio na dieta foi fornecido recentemente por um estudo prospectivo randomizado que comparou a taxa de formação de cálculos em homens de acordo com a dieta, com um grupo designado para receber dieta pobre em cálcio e outros grupos designados para receber dieta com cálcio normal, baixo teor de sódio e baixa proteína animal. 26 Os homens designados à dieta pobre em cálcio tiveram duas vezes mais propensão a ter cálculos recorrentes durante um período de cinco anos em comparação com os de dieta com cálcio normal, com baixo teor de sódio ou com baixa proteína animal. A supersaturação de oxalato de cálcio urinário também diminuiu mais rapidamente naqueles com dieta rica em cálcio e manteve-se mais baixa do que a dos homens com a dieta pobre em cálcio durante a maior parte dos cinco anos de estudo. Essa redução da supersaturação era o resultado de uma queda maior do oxalato urinário nos homens que ingeriam dietas normais em cálcio, baixo teor de sódio e baixo conteúdo de proteína animal.
Os pacientes que recebem prescrição de uma dieta pobre em cálcio podem evitar hiperoxalúria excessiva quando adequadamente instruídos a consumir também uma dieta com baixo conteúdo de oxalato. 55 Alguns afirmam que essa abordagem pode beneficiar pacientes com absorção intestinal excessiva de cálcio associada a hipercalciúria grave, possibilitando a restrição de cálcio sem o risco de osteopenia significativa. Recomenda-se, no entanto, uma ingestão adequada de cálcio para idade e gênero, mais bem derivada de uma dieta contendo uma quantidade adequada de produtos lácteos. Porque a formação de cálculo pode ser reduzida com a ingestão normal de cálcio e há risco de desmineralização óssea com restrição de cálcio, consideramos a dieta pobre em cálcio obsoleta. 26,27,54 Ingestão de cálcio superior à recomendada para idade e gênero e suplementos de cálcio devem ser evitados em pacientes com cálculo renal de cálcio.
Vitamina D. Em função da grande deficiência e insuficiência de vitamina D em latitudes do norte, a suplementação de vitamina D é muito comum. 56 Os pacientes e os médicos muitas vezes expressam preocupação de que isso possa exacerbar litíase renal, dado o papel da vitamina D no metabolismo mineral. Na verdade, os estudos não mostraram nenhuma associação entre a suplementação de vitamina D ou níveis de 25-hidroxivitamina D no soro e a excreção de cálcio, nem um aumento da taxa de formação de cálculo em pacientes hipercalciúricos sob suplementação de vitamina D. É razoável tratar a deficiência de vitamina D (níveis de 25-hidroxivitamina D abaixo de 20 ng/mL), com colecalciferol ou ergocalciferol, sem medo de agravamento de hipercalciúria ou aumento de formação de cálculo.
FONTE: LIVRO NEFROLOGIA CLÍNICA
Diagnóstico
O diagnóstico é feito mais comumente pelo raio-x de abdômen ou pela ecografia de vias urinárias. Se um dos exames for negativo (raio-x ou ecografia), sugere-se solicitar o outro exame caso a dúvida diagnóstica persista. O exame de maior probabilidade de identificar o cálculo é a tomografia computadorizada helicoidal sem contraste, porém tem a desvantagem de exposição à irradiação e acesso restrito na Atenção Primária a Saúde. Em resumo, apesar de a tomografia computadorizada ter mais sensibilidade e especificidade que a urografia excretora ou a ultrassonografia, a ultrassonografia é capaz de detectar praticamente todas as pessoas que não eliminaram o cálculo urinário espontaneamente.
Investigação Metabólica
Após a eliminação dos cálculos existentes, o paciente pode ser submetido a investigação metabólica para determinar a causa da urolitíase e planejar o tratamento necessário. Não há consenso se avaliação metabólica completa deve ser realizada após o aparecimento do primeiro cálculo. Avaliação metabólica completa, em adição aos testes laboratoriais básicos, está indicada em todos os pacientes com múltiplos cálculos na primeira apresentação, em pacientes com história familiar fortemente positiva para litíase renal e em indivíduos com doença ativa, que é definida como formação recorrente de cálculos, aumento de cálculo pré-existente ou com passagem recorrente de cristais. A avaliação também está indicada em nefrolitíase em crianças ou adolescentes. A avaliação metabólica completa consiste em dosagem de sangue e urina, incluindo pelo menos duas coletas de urina de 24 horas com dosagem urinária de cálcio, ácido úrico, oxalato, fósforo, cistina, citrato, sódio e creatinina. A mensuração da excreção urinária de creatinina permite a avaliação da coleta correta da urina de 24h. Deve ser realizada determinação sérica de cálcio, fósforo, albumina, creatinina, bicarbonato e ácido úrico. Nos pacientes com valores de cálcio urinário acima do normal ou próximos ao limite superior, recomenda-se a solicitação de paratormônio (PTH) para investigação de hiperparatireoidismo.
Os parâmetros bioquímicos em urina de 24 horas usualmente definidos como dentro da normalidade são os seguintes: 
 cálcio urinário: < 4mg/Kg/dia em adultos e crianças de ambos os sexos ou < 250mg/dia em mulheres e < 300mg/dia em homens; 
 ácido úrico urinário: < 750mg/dia em mulheres e < 800mg/dia em homens; 
 oxalato urinário: < 44 mg/dia em ambos os sexos; 
 citrato urinário: ≥ 320mg/dia em ambos os sexos; 
 cistinúria: amostra qualitativa negativa ou < 100mg/dia em urina de 24 horas; 
 creatinina urinária: em pacientes com menos de 50 anos – 20 a 25mg/Kg/dia em homens e 15 a 20mg/Kg/dia

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