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DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO Caroline Corrêa Fortes Chequim Diversidade e inclusão Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever os vários tipos de deficiência e transtornos encontrados entre os estudantes. � Relacionar a prática inclusiva com a necessidade de uma educação aberta à diversidade. � Estabelecer um relacionamento adequado com os alunos com algum tipo de deficiência, de modo a oferecer-lhes um atendimento e uma educação de qualidade. Introdução A proposta de educação inclusiva reconhece e valoriza a diversidade como parte integrante da condição humana. Ela entende que esse pres- suposto possibilita que todos aprendam e compartilhem o conhecimento historicamente produzido de forma coletiva e no espaço regular de ensino. Essa proposta tende a fomentar que os profissionais da educação desenvolvam novas habilidades e competências que acompanhem as mudanças das escolas e da sociedade em geral. Neste capítulo, você vai estudar sobre as principais deficiências ob- servadas no contexto escolar e a definição do transtorno do espectro do autismo. Os temas inclusão e diversidade também fazem parte da discussão apresentada. Fechamos o capítulo com a apresentação de um relato de caso, para que você se aproxime da prática realizada com os alunos com alguma deficiência. Deficiências e transtornos: os tipos mais frequentes no contexto escolar No decorrer do processo de ensino e aprendizagem, a escola revela uma di- versidade de perfis de alunos, que ilustram diferentes maneiras de lidar com o conhecimento socialmente produzido. Nesse contexto de possibilidades, torna-se um desafio regular as práticas escolares de modo que todos possam aprender coletivamente. Nesta seção, você aprenderá sobre as principais defici- ências encontradas no contexto escolar e sobre a definição atual do transtorno do espectro do autismo (TEA), anteriormente definido como transtorno global do desenvolvimento. O que é deficiência? A Resolução n°. 4, de 2 de outubro de 2009, define a pessoa com deficiência como aquela com “[...] impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial [...]” (BRASIL, 2009a, documento on-line) que, diante de diversas barreiras, podem ter a sua parti- cipação plena e efetiva restringida na escola e na sociedade. O conceito de deficiência vem sendo discutido por diferentes segmentos sociais: médicos, psicólogos, educadores, terapeutas e pais. A sua definição acompanha a evolução histórica, social e científica, e pode ser compreendida tanto pela ótica da incapacidade (traço expresso somente pelo sujeito) como pelos condicionantes socioculturais. Nesse contexto, a convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência (BRASIL, 2009a) apresentou pela primeira vez um conceito mais amplo de deficiência. Esse conceito considera tanto os fatores intrínsecos (fruto da incapacidade física e orgânica) quanto os extrínsecos (efeito da produção social representada pelas barreiras e pelos apoios). Portanto, a deficiência deve ser compreendida a partir da interação desses dois fatores. Ao considerar a deficiência como uma expressão da interação entre indi- víduo, sociedade e ambiente, as limitações passam a ser compreendidas numa perspectiva de funcionamento individual, inseridas num contexto social. Em outras palavras, o que deve ser classificado não é o nível da deficiência (antigamente categorizada como leve, moderada e severa), e sim o nível de apoio (mediadores entre o indivíduo e as suas possibilidades). Esse conceito de deficiência está em harmonia com a concepção de desenvolvimento e aprendizagem proposta por Vygotsky. Diversidade e inclusão2 Vygotsky (1987, 1998, 2001) considerou que todos apresentam “capacidade de aprender”. Considerando essa afirmação, as possibilidades de desenvolvimento de uma pessoa com deficiência são determinadas não exclusivamente pelas suas incapacidades, mas sobretudo pela qualidade e variedade de interações oportunizadas. A singularidade do desenvolvimento da pessoa com deficiência está nos efeitos positivos da deficiência, ou seja, nos caminhos encontrados para a superação do déficit. Dessa forma, a pessoa com deficiência não é inferior aos seus pares, apenas apresenta um desenvolvimen- to qualitativamente diferente e único. O meio social pode facilitar ou dificultar a criação desses novos caminhos de desenvolvimento (MARQUES, 2001, p. 85). Observe que compreender a deficiência sob a ótica das relações sociais possibilita entendê-la como um processo de atribuição social. Logo, desloca- -se o olhar do indivíduo e passa-se a considerar as influências do ambiente nesse processo. Assim, a deficiência é interpretada por meio da reação do grupo social. Essa concepção poderá implicar agravamento da deficiência pelo preconceito ou incompreensão ou alívio pela empatia ou compreensão (BEYER, 2005). Nessa perspectiva, as interações que o sujeito estabelecer com o ambiente é que vão determinar a qualidade de suas aprendizagens e do seu processo de desenvolvimento. No âmbito escolar, podemos observar com maior frequência a presença de alunos com deficiência intelectual, visual, auditiva, física, múltipla e transtorno de espectro autista (TEA). De acordo com o CID-10 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1995), a deficiência intelectual corresponde a um desenvolvimento incompleto do funcionamento intelectual, caracterizando prejuízos cognitivos que interferem diretamente na capacidade de aprender e compreender. O DSM 5 (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014) estabelece três critérios (A, B, C) para a identificação da deficiência intelectual e enfatiza que, além da avaliação cognitiva, é fundamental avaliar a capacidade funcional adaptativa. O critério A diz respeito a déficits no funcionamento intelectual e nas habilidades gerais, isto é, o quociente de inteligência (QI). O critério B refere-se a déficits no funcionamento adaptativo em três domínios: os conceituais (como habilidades acadêmicas), os sociais (como linguagem, comunicação, habilidades interpes- soais) e os práticos (como habilidades de vida, autocuidado). O critério C define o início no período de desenvolvimento, antes dos 18 anos. 3Diversidade e inclusão Após apresentar a definição do modelo clínico de deficiência intelectual, é importante considerar que a proposta de educação inclusiva é norteada principalmente pela concepção interacionista da aprendizagem e do desenvol- vimento, cujos principais representantes são Piaget e Vygotsky. Ela aponta a necessidade de discutir a construção de um novo espaço discursivo no campo da deficiência intelectual na escola, de forma a superar a ideia de que as competências das pessoas com deficiência intelectual se restringem a ações mecânicas e repetitivas de aprendizagem. A deficiência visual caracteriza aqueles indivíduos que apresentam perda total ou parcial da visão. É causada por diversas anomalias ou doenças ocu- lares que ocasionam lesões ou prejuízos na capacidade de percepção visual. A deficiência visual pode ser categorizada como: � cegueira — tem como consequência a perda total da visão. Pode ser congênita, quando a incapacidade visual ocorre antes do nascimento ou nos primeiros meses do bebê, ou adquirida, que pode ter origem orgânica ou ser decorrente de um acidente que cause lesões. � baixa visão ou visão subnormal — é uma condição complexa e vari- ável, na qual há comprometimento funcional da visão, mas o indivíduo mantém resíduos visuais. Na prática, pessoas com visão subnormal veem os objetos, mas podem ter dificuldade em reconhecê-los (visão embaçada). Além disso, não conseguem ler sem recursos ópticos ou material impresso ampliado e em geral apresentam limitações para enxergar, dependendo da iluminação do ambiente. Para determinar se uma pessoa tem cegueira ou baixa visão, são necessárias informações precisas sobre a acuidade visual ou o campo de visão. Nos links aseguir, você encontrará mais informações sobre a visão subnormal, bem como sobre a Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB). Fundada em 2008, a ONCB visa a “assegurar a todos os brasileiros com cegueira, surdo-cegueira ou baixa visão o direito constitucionalmente garantido de determinar os rumos de suas próprias vidas”. https://goo.gl/t1Za4X https://goo.gl/WAcijK Diversidade e inclusão4 A deficiência auditiva corresponde à perda parcial ou total da habilidade de detectar sons, que pode ter causas genéticas, como má formação, ou ser decorrente de lesões no ouvido ou na composição do aparelho auditivo. Já a surdez caracteriza o indivíduo com ausência total da audição. Na prática, um indivíduo surdo é aquele que, por não escutar som algum, interage com o mundo a partir de uma experiência visual. Por isso, diz-se que o seu instrumento natural de comunicação é a língua de sinais, e a segunda língua é a escrita. Em relação ao indivíduo com surdez, cabe ressaltar que a sua inclusão no sistema comum de ensino ainda é muito polêmica, pois exige dos sistemas de ensino conhecimento e acolhimento da cultura surda. Toda escola deve ter consciência da importância da educação bilíngue, de forma que a instrução e o ensino da língua de sinais e do português para alunos surdos estejam presentes nesse espaço (CASARIN, 2012). A deficiência física refere-se ao comprometimento dos órgãos responsáveis pela locomoção (sistemas osteoarticular, muscular e nervoso), a qual pode ser ocasionada por lesões ou doenças. A limitação física pode ser manifestada em diferentes graus de complexidade, de acordo com o tipo de lesão ocorrida e as partes corporais atingidas. Na prática, a deficiência física está relacionada a limitações e dificuldades nas capacidades básicas de mobilidade e locomoção. Esse tipo de deficiência pode ser definitivo, temporário ou progressivo, e pode vir ou não associado a déficits nas áreas cognitiva, sensorial e perceptiva, na linguagem e na adaptação social (BRASIL, 2006). De acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, In- capacidade e Saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003), deficiência física pode ser compreendida a partir da tríade deficiência, atividade e participação. Essa conceituação estabelece uma relação entre as condições de saúde e o meio sociocultural, de modo que a deficiência pode levar a diferentes graus de incapacidade, dependência e limitação no desempenho funcional do sujeito. Além dos aspectos citados, deve-se levar em conta também: 5Diversidade e inclusão � os graus de comprometimento das capacidades individuais; � as condições socioeconômicas e culturais; � as oportunidades de acesso a estímulos e recursos. O transtorno global do desenvolvimento, atualmente chamado de transtorno do espectro autista (TEA) caracteriza-se, segundo o Manual Diagnóstico e Esta- tístico de Transtornos Mentais (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014), pela presença de alterações qualitativas numa tríade de dificuldades: interação social, comunicação e comportamento restrito-repetitivos. Esse conceito considera que os indivíduos podem apresentar diferentes níveis de comprometimento dentro do espectro. A Lei nº. 12.764, de 27 de dezembro de 2012, instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Esse documento considera pessoas com transtorno do espectro autista aquelas que apresentam as seguintes características: Deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento. Padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos (BRASIL, 2012, documento on-line). A pessoa com TEA é considerada uma pessoa com deficiência para todos os efeitos legais. A deficiência múltipla caracteriza aqueles indivíduos que têm mais de uma deficiência associada. Trata-se de uma condição hete- rogênea que pode revelar diversas combinações de deficiências, as quais afetam o funcionamento individual e o relacionamento social do sujeito em diferentes graus. Pessoas com deficiência múltipla constituem um grupo com características específicas e peculiares e, consequentemente, com necessidades únicas. Diversidade e inclusão6 A presença da deficiência no contexto escolar é bastante ampla. Em cada realidade escolar, você pode observar diferentes alunos incluídos e com condições e necessi- dades específicas. Complemente os seus estudos sobre deficiências física, visual, auditiva e mental acessando os materiais sugeridos nos links a seguir, disponíveis no portal do MEC. https://goo.gl/N9rm3E https://goo.gl/WSf7J5 https://goo.gl/S207T https://goo.gl/yY2g0w A prática inclusiva e a necessidade de uma educação aberta à diversidade Diversidade e inclusão são termos frequentemente utilizados no discurso daqueles que se empenham em desenvolver uma proposta de ensino que aco- lha todos os estudantes. Educar para a diversidade representa inserir alunos, professores e familiares no mundo das diferenças. Para isso, é necessário: � compreender a diversidade como uma característica da existência humana; � refletir sobre modelos e agrupamentos ideias de alunos; � abandonar antigos padrões que julgavam os alunos como aptos ou não a frequentar a escola regular; � desfazer ideias padronizadas; � identificar representações do outro para então desconstruir os “pré-conceitos”; � conceber a prática pedagógica como um processo de trocas e interações recíprocas; 7Diversidade e inclusão � compreender que o aluno da educação inclusiva não representa uma identidade única e determinada por modelos e padrões preestabelecidos; � oportunizar diferentes espaços de aprendizagem e temáticas adequadas aos diferentes estilos de aprender (um desafio para a gestão da escola inclusiva). Todos esses aspectos reafirmam a educação como um direito natural e indispensável. Esse fundamento critica a “normalização” e impulsiona o desencadeamento de ideias e atitudes em prol do direito às diferenças. Essas transformações podem ser representadas pelas políticas educacionais inclu- sivas, e consequentemente, pela proposta de educação inclusiva. Seguindo esse pensamento, Mantoan e Pietro (2006, p. 40) comentam sobre um dos objetivos da educação inclusiva: [...] é tornar reconhecida e valorizada a diversidade como condição humana favorecedora de aprendizagem. Nesse caso, as limitações dos sujeitos devem ser consideradas apenas como uma informação sobre eles, que, assim, não pode ser desprezada na elaboração dos planejamentos de ensino. A ênfase deve recair sobre a identificação de suas possibilidades, culminando com a construção de alternativas para garantir condições favoráveis a sua autono- mia escolar e social, enfim, para que se tornem cidadãos de iguais direitos. Para ampliar o seu conhecimento sobre inclusão, leia o texto disponível no link a seguir, intitulado Precisamos falar sobre Inclusão. Nele as autoras refletem sobre os termos incluir e inclusão e o que eles representam. Elas consideram que “não podem jamais indicar atributo pejorativo ou rótulo”; caso contrário, o discurso de respeito e valorização da diferença se acaba em preconceito e discriminação. https://goo.gl/mo1fhU Uma educação aberta à diversidade identifica as necessidades dos alunos e as considera na hora de planejar a ação pedagógica. Essa ação deverá contemplar alternativas que possibilitem que o aluno com deficiência acesse o currículo, respeitando as suas condições de aprendizagem. Para isso, a realização de uma avaliaçãopedagógica é fundamental. Nessa avaliação, será possível identificar as barreiras que impedem ou dificultam o pro- Diversidade e inclusão8 cesso de aprendizagem, bem como as potencialidades a serem investidas. Além disso, é importante que se reflita sobre as condições e a estrutura do ambiente escolar para atender esses alunos e desenvolver as atividades pedagógicas. Imagine que, numa turma do 2º ano do Ensino Fundamental, há um aluno com defi- ciência física. Para que ele consiga participar ativamente do processo de ensino, será necessário utilizar algumas alternativas. Podemos pensar, por exemplo, na utilização da tecnologia assistiva (TA). De acordo com Bersch e Machado (2012), a TA é toda a gama de recursos e serviços que visam a proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência, promovendo independência e inclusão. Selecionar a tecnologia assistiva que atende à demanda do aluno pressupõe que o professor do ensino comum ou do atendimento educacional especializado (AEE) conheça o potencial motor desse aluno, de forma a definir a competência operacional que a TA poderá promover. As informações relativas às necessidades educacionais especiais do aluno são tão importantes quanto a formação do professor para desenvolver e utilizar as tecnologias assistivas no espaço escolar. Vale lembrar que é o professor que observa as barreiras que o aluno com deficiência enfrenta no acesso e na participação nas atividades escolares. Também é ele que vai ensinar o aluno a utilizar os recursos de tecnologia assistiva, como tecnologias da informação e da comunicação, a comunicação alternativa e aumentativa, a informática acessível, o soroban, os recursos ópticos e não ópticos, os softwares específicos, os códigos e linguagens, as atividades de orientação e mobilidade (BRASIL, 2009b). A TA pode ser utilizada para auxiliar a escrita (engrossadores de lápis, fixadores de mão, pulseira com peso, computadores), a leitura (livro em relevo, material ampliado, vocalizadores, mouse e acionadores, teclado com colmeias, linha braile, plano inclinado), a comunicação (prancha de comu- nicação, sintetizadores de voz), a locomoção (cadeira de rodas, andadores), promoção de maior independência e autonomia nas atividades da vida diária (adaptação para talheres, utensílios pessoais). Além disso, essas tecnologias podem ser utilizadas em brincadeiras de carrinho, de boneca, de faz de conta, entre tantas outras atividades. A promoção do uso de TA no ambiente escolar envolve tanto a organização da escola para investir nessas tecnologias como 9Diversidade e inclusão o interesse do professor em buscar essas soluções para as necessidades que ele observa no seu aluno. Alguns recursos de TA têm baixo custo e outros podem ser produzidos pelo professor com material de sucata. A escola que considera a perspectiva inclusiva reconstrói as suas práticas nos desafios diários, na flexibilização do currículo, na implementação de recursos tecnológicos, na organização do ambiente e mobiliário, na adequação da iluminação e nos pequenos ajustes realizados pelo professor no planejamento pedagógico. Todas essas mudanças ampliam a participação dos alunos no processo de aprender e tornam o ambiente escolar acolhedor e acessível a todos. Ropoli et al. (2010, p. 9) complementam essa ideia afirmando que “[...] a escola comum se torna inclusiva quando reconhece as diferenças dos alunos diante do processo educativo e busca a participação e o progresso de todos, adotando novas práticas pedagógicas [...]”. Quando o aluno tem liberdade para participar ativamente do seu processo de aprendizagem, com as suas habilidades e características, as diferença não representam exclusão, e sim desafio. Essa perspectiva significa a adoção de práticas da escola inclusiva. Redimensionar o ensino requer dos profissionais o desejo de fazer parte desse novo projeto de escola. Nesse sentido, é necessário que haja estudo, formação e atualização do professor, para que este construa conceitos de ensinar e aprender compatíveis com a inclusão. O desafio de fazer esse projeto acontecer é de todos os que compõem o sistema escolar. Deficiência e educação de qualidade: estabelecendo relações A temática da inclusão escolar passou a ser debatida com maior intensidade no cenário educacional nacional a partir da década de 1990, com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem. Esse documento resultou da Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990. A declaração nos lembra que a educação é um direito fundamental de todos, independentemente de gênero e idade, no mundo inteiro e que ela “[...] serve de contribuição para conquistar um mundo mais seguro, próspero e ambientalmente mais seguro, favorecendo, ao mesmo tempo, o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional [...]”. Além desse aspecto, reconhece que a educação oferecida atualmente tem muitos problemas e, por isso, “[...] é preciso torná-la mais relevante e melhorar sua qualidade e que ela deve estar universalmente disponível [...]” (UNESCO, 1990, p. 2). Diversidade e inclusão10 O amplo debate no contexto da proposta de educação inclusiva nos im- pulsiona a refletir sobre o fato de que a garantia legal do direito à educação não se reduz a termos de matrícula e permanência no espaço regular, mas está também na relevância e na qualidade do ensino oferecido às pessoas com deficiência. Como operacionalizar essas garantias no sistema escolar? Presume-se que, para tal, a escola deve passar por mudanças e trans- formações na sua estrutura pedagógica. Essas mudanças não acontecem igualmente em todas as escolas, pois não se efetivam somente pelos decretos e regulamentações legais: exigem movimentação e motivação do grupo que compõem a escola para encarar essa nova experiência educacional. Nessa ótica: Reconhece-se a necessidade de que os professores, sejam eles do atendi- mento educacional especializado ou da classe regular, discutam e reflitam determinadas atitudes, compreendam determinadas ações, pensamentos e comportamentos que legitimam preconceitos ocorridos na escola, para que possam efetivamente contribuir no processo de inclusão de alunos com dife- rentes potencialidades (MENEZES; CANABARRO; MUNHOZ, 2012, p. 172). Reconhecer os fundamentos que regulam a proposta de educação inclu- siva e sobretudo compreender que os indivíduo aprendem conforme as suas capacidades não é uma mudança que ocorre por meio da leitura de cartilhas ou mesmo de recomendações legais. Essas mudanças devem acontecer por meio da experiência prática e da sensibilidade do docente de observar os diferentes modos de se relacionar com o conhecimento. Nesse sentido, Ropoli et al. (2010, p. 15) pontuam que “[...] opor-se a inovações educacio- nais, resguardando-os no despreparo para adotá-las, resistir e refutá-las simplesmente, distancia o professor da possibilidade de se formar e de se transformar pela experiência [...]”. Portanto, oferecer um ensino de qualidade ao aluno com deficiência está diretamente relacionado com a formação continuada do professor. Essa formação não necessariamente acontece nos espaços formais de en- sino, como cursos de capacitação ou de pós-graduação que contemplem a temática da inclusão. Ela pode ocorrer também por meio das interações do professor com outros sujeitos da escola, como o professor do atendimento educacional especializado — em conjunto, ambos os professores poderão ref letir e decidir quais estratégias utilizar para superar os entraves no processo de inclusão. No contexto das ideias expostas, vale questionar quais as habilidades e com- petências os profissionais da educação devem desenvolver para atuar de forma efetiva na escola inclusiva. Freire (2009, p. 20) aponta que “[...] ensinar exige risco, 11Diversidade e inclusão aceitação do novo e rejeição a qualquer formade discriminação [...]”. Esse processo de conhecer o outro — nesse caso, o aluno — pode ser a primeira competência a ser desenvolvida. Além disso, pode-se elencar também as seguintes atitudes: � articular o ensino regular com a educação especial; � compreender que a construção do conhecimento é um processo indivi- dual, do qual o aluno é participante ativo e é influenciado pelas trocas que estabelece no seu contexto social; � elaborar o planejamento pedagógico com base em uma prática reflexiva, que deve contemplar o conhecimento do aluno a partir de sua realidade familiar e social, e identificar características, interesses, potencialidades, entre outros aspectos; � possibilitar metodologias de ensino utilizando estratégias pedagógicas que se aplicam às necessidades do grupo escolar, minimizando as barreiras que impedem o aluno de aprender; � considerar a avaliação como processual e contínua. Podemos dizer que esse conjunto de habilidades e competências favorece o desenvolvimento de práticas pedagógicas inclusivas. Para isso, torna-se relevante reduzir a lacuna entre a formação inicial e os desafios que a inclusão impõe. Seguindo essa ótica, a formação continuada do professor parece ser o caminho de superação desse distanciamento (PLETSCH, 2009). A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva define a proposta de educação inclusiva como: [...] uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os estudantes de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2008, documento on-line). Diversidade e inclusão12 Diante do que foi exposto, a inclusão vem sendo apresentada ao longo dos anos como uma realidade necessária e possível de ser implementada nos espaços escolares. Porém, ainda há muitos questionamentos sobre como garantir a efetivação dessa proposta. Algumas alternativas têm sido apresentadas: � esforços expressos na legislação política educacional; � ampliação dos programas sociais; � transformação dos espaços escolares para efetivação da política educa- cional, por exemplo, por meio da oferta e organização do atendimento educacional especializado para os alunos público-alvo da educação especial; � ampliação das oportunidades de formação continuada, tanto em cursos de modalidade presencial como a distância. Toda essa movimentação em prol de uma educação para todos impulsiona os alunos considerados da educação especial a se matricularem no ensino regular, sob a garantia do direito e da valorização à diversidade. Nessa pers- pectiva, a concepção de diferença não se limita à deficiência; ademais, os tempos de aprender de cada estudante devem ser considerados na elaboração das propostas pedagógicas. Observe que a educação especial na perspectiva da educação inclusiva é reposicionada como atendimento educacional especializado, focalizando o trabalho do professor a partir da disponibilização de recursos e materiais adaptados, de forma que o aluno incluído acompanhe o ensino regular com base nas suas necessidades e possibilidades educacionais. Para ilustrar o desenvolvimento do trabalho pedagógico na perspectiva da educação inclusiva, conheça o recorte da escolarização de um aluno com deficiência intelectual, matriculado no 6º ano do ensino fundamental de uma escola regular. O relato foi publicado por Andreazza, Chequim e Rosa (2012, p. 83–84): Edson (nome fictício) tem quinze anos e possui deficiência intelectual, realiza o atendimento educacional especializado no turno inverso com a frequência de uma vez na semana. A partir dos encontros na sala de recursos, foi possível conhecer os aspectos que envolvem a aprendizagem e desenvol- 13Diversidade e inclusão vimento do aluno, que apresenta pensamento intuitivo, ou seja, não consegue realizar operações envolvendo o raciocínio abstrato. Em relação à compreensão e à execução de ordens, o aluno compreende ordens simples, necessitando de mediação em ordens que envolvam mais de dois comandos. Edson gosta de ouvir histórias, porém sua interpretação é parcial, sendo necessário a utilização de recursos concretos para que ele acesse à memória e ordene os fatos da história trabalhada. Edson está em processo de alfabetização, lê e escreve pequenas frases e produz textos com mediação da professora e auxílio de fichas e imagens. A partir dos encontros no AEE e do que Edson produziu na sala de recur- sos, foi possível identificar as necessidades apresentadas acima em relação à aprendizagem, e um dos objetivos iniciais do plano de atendimento educa- cional especializado do aluno no primeiro semestre deste ano foi trabalhar a expectativa dos professores em relação a Edson, considerando que pelos relatos colhidos já o destinavam para o fracasso escolar, ocupando a posição do aluno que não aprende e não é capaz. As atividades pedagógicas propostas no lócus da sala de recursos com o aluno, tiveram como objetivo estimular a criação de estratégias de acesso às informações, favorecendo, assim, a capacidade cognitiva do aluno, de forma que ele pudesse acessar à memória, internalizando os conceitos e respondendo de maneira mais adequada às atividades no contexto da sala de aula regular. Um dos recursos utilizados foi a confecção de materiais de apoio para o aluno, que denominamos de “portfólio de novas aprendizagens”. Esse portfólio foi construído a partir dos temas propostos pelos profes- sores da turma regular. Por exemplo, o professor de matemática relatou que Edson poderia participar de forma mais ativa das aulas se tivesse material concreto para contagem. Assim, numa aula em que a maioria dos alunos está realizando atividades de resolução de problemas envolvendo cálculos e expressões numéricas, Edson consegue participar realizando cálculos mais simples envolvendo soma e adição, com o suporte do material concreto. Foi confeccionado também, um alfabeto concreto com o suporte de figuras, letras e palavras para auxiliar o aluno no processo de alfabetização e novas fichas, figuras e palavras são adicionadas a partir das aprendizagens que o aluno relata das suas interações na sala de aula regular. Outro exemplo que compõe o “portfólio de novas aprendizagens” é a utilização da bagagem cultural do aluno. Por exemplo, em um dos encontros na sala de recursos, Edson Diversidade e inclusão14 O relato exposto ilustra a articulação do atendimento educacional espe- cializado com a sala de aula regular. Como você pode observar, o AEE é um serviço da educação especial fundamental para a efetivação da inclusão escolar. Assim, cada escola deve ser potencialmente capaz de repensar a sua atuação e oferecer uma educação de qualidade para todos os seus alunos. demonstrou interesse no conhecimento do sistema solar, assim iniciamos a construção de um álbum contendo inicialmente o conceito sobre o planeta terra e suas principais características. A partir desse relato, é possível identificar que diferentes habilidades estão sendo estimuladas durante as atividades realizadas no AEE, como atenção, concentração, planejamento, memória, raciocínio lógico, contribuindo também para o fortalecimento dos aspectos emocionais, como autoestima e motivação e esse trabalho tem refletido na postura do aluno na sala de aula regular, pois de acordo com as suas possibilida- des vem demonstrando que é capaz de produzir e interagir com os conhecimentos propostos na sala de aula regular e dessa forma, os professores passam a olhar Edson como um sujeito capaz de aprender. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. 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