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Direito na Pós Modernidade

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FACULDADE PITÁGORAS
CURSO DE DIREITO
FELIPE HEBER SILVA
O DIREITO NA PÓS MODERNIDADE
POÇOS DE CALDAS 
2019
FELIPE HEBER SILVA
O DIREITO NA PÓS MODERNIDADE
Trabalho apresentado do segundo capítulo do livro O Direito na Pós Modernidade de Eduardo Bittar.
Professor: Filipe Augusto Caetano Sancho
POÇOS DE CALDAS 
2019
SUMÁRIO
2. A CONFIGURAÇÃO DA MODERNIDADE ...................................................04
2.1 A afirmação da modernidade ....................................................................04
2.2 A construção intelectual da modernidade: os arquétipos filosóficos ...05
2.3 A domesticação do mundo pela ordem: a eliminação da ambivalência ... ...........................................................................................................................06
2.4 O estado, a burocracia, a lei e a organização burguesa do mundo ........07
2.5 O positivismo e a sagração jurídica do espírito da modernidade ..........08
2.6 As ideias de legalidade e ordenamento jurídico: paradigmas modernos de ordem e sistematicidade ............................................................................10
2.7 O desmoronamento dos arquétipos modernos ......................................12
2.7.1 Progresso, ordem e desordem: o estado e o direito entre civilizações e barbárie .........................................................................................................12
2.7.2 A consciência da crise da modernidade: o balanço do projeto moderno na história ........................................................................................13
3. CONCLUSÃO ...............................................................................................14
A CONFIGURAÇÃO DA MODERNIDADE
2.1 A AFIRMAÇÃO DA MODERNIDADE 
A começar por uma avaliação da palavra, moderno (modernus, lat.) não foi uma palavra criada pela 'modernidade', pois suas origens remontam ao século V como afirma Habennasl encontrado forte reinserção semântica a cada nova época histórica dos sucessivos períodos transformação da Europa, especialmente durante o Renascimento. Apesar de ser curioso esse detalhe etimológico, o termo ganha uso vulgar sendo muito bem aceito empregado para designar, sinonimicamente, o novo, o inovador, o avançado, o desconhecido, como referência necessária para a oposição ao passado (antigo).
E permitido mesmo ao termo modernidade associar uma variedade de outros termos, que, em seu conjunto, acabam por traçar as características semânticas que contornam as dificuldades de se definir modernidade. Estes termos são: progresso; ciência; razão; saber, técnica; sujeito; ordem; soberania; controle; unidade: Estado; indústria; centralização; economia; acumulação; negócio; individualismo; liberalismo; universalismo; competiç4o. Estes termos não estão aleatoriamente associados à ideia do moderno, pois nasceram com a modernidade e foram sustentados, em seu nascimento, por ideologias e práticas sociais nascentes e que se afirmam como uma espécie de sustentáculo dos novos tempos, saudados com muita efusividade pelas gerações ambiciosas pela sensação (hoje tida como ilusória) da liberdade prometida pela modernidade.
A modernidade traz consigo a avalanche de transformações históricas que soterram o mundo medieval em diversas dimensões. O processo de germinação da modernidade dá-se uma vez plantada no espirito medieval a semente de sua própria corrosão: o anseio de liberdade e a crença na razão. A fé religiosa. a crença em valores espirituais como determinantes da vida temporal, que imperava na mentalidade e no sarnento medievais é paulatinamente substituída por uma fé racional, a crença explicações racionais tomando-se cosmovisão necessária para a laicização cultural do Ocidente. 
O pensamento moderno tentou extrair uma filosofia dessa visão das coisas, tal como se apresenta no pragmatismo. O centro dessa filosofia é a opinião de que uma ideia, um conceito ou uma teoria nada mais são do que um esquema ou plano de ação, e, portanto, a verdade é nada mais do que o sucesso da ideia.
2.2 A CONSTRUÇÃO INTELECTUAL DA MODERNIDADE: OS ARQUÉTIPOS FILOSÓFICOS
A intimidade dialética das ideias com seus tempos dá-se de modo muito curioso. Às vezes são as ideias as propulsaras de alterações culturais e ideológicas significativas em seu tempo. Às vezes são as ideias apenas o fruto das modificações ambientais sentidas e formalizadas no discurso das ciências e da filosofia. Nem tanto ao determinismo e nem tanto ao imanentismo das ideias, considera-se que as ideias são engendradas dialeticamente em condições sem as quais elas não seriam possíveis de serem trazidas à superfície do pensamento. Dessa forma é que se vê, no conjunto dos pensadores a seguir abordados, um processo claro de intensificação e apoio intelectual ao projeto da modernidade.
Os intentos classificatórios, delimitadores e consensuadores de convenções nesse terreno são muitos. As divergências surgem exatamente quando se tenta qualificar quem seria o pensador que carregaria o ônus de ter dado início consciente à modernidade. As afirmativas fazem com que se circule entre autores do século XVI até autores do século XIX, numa disparidade enorme de contrastes temporais e de concepções de mundo! Com o pensamento de cartesiano, segundo alguns, é que se teria iniciado a consciência da subjetividade cognitiva. Este seria o start da modernidade como forma de dominação e colonização do mundo pela razão. Isso, no entanto, não é consenso entre os autores, e os referenciais teóricos mudam. A modernidade, para Habermas, por exemplo, teria nascido com Hegel, e seu racionalismo onipresente seria a máxima manifestação da vontade colonizadora moderna do mundo. A modernidade, para Foucault, teria nascido com Kant, na medida em que ninguém melhor que Kant teria se pronunciado sobre a dimensão do indivíduo e sobre a consciência ética do dever que esse filósofo de Kõenigsberg, e a era crítica seria a Aujklãrung. Prefere-se identificar, com Castoriadis, que a modernidade possuiria três fases: a da formação do Ocidente, com as primeiras manifestações da acumulação e da revolução que se preparava no bojo do Idade Média; a da crítica da modernidade, com sua afirmação (XVIII até Segunda Guerra Mundial), quando se solidificam os grandes pilares da mudança social, econômica e politicadas sociedades; a da retirada para o conformismo (Segunda Guerra Mundial em diante), com a queda das hegemonias ideológicas e a retirada para a crítica dos arquétipos da modernidade.
O ilusionismo da razão figurando como uma espécie de cintilante sedutor dos espíritos modernos, que se tornam criticamente cegos aos defeitos de suas próprias concepções, não afasta a possibilidade de erro, apenas mascarando a dimensão do que traria para ser vivido ainda na dimensão dos anos em que a modernidade começa a ser colocada em questão. Ao se vangloriar a razão, cartesianamente, não se sabia que razão seria capaz de criar a bomba atômica? Ao se vangloriar a liberdade ética do dever, São se sabia que a liberdade ética é facilmente convertida em subjetivismo ético? Ao se pensar soberania e na centralidade fitaria do Estado, não se teria previsto ser o povo completamente alijado de qualquer participação na construção da sociedade? Ao se pensar a criação do comunismo, não? se estaria a correr o risco de o próprio Estado-transitivo em direção ao comunismo se transformar ele mesmo no novo detentor dos modos de produção, o que faria, portanto, a burocracia a nova classe burguesa, invertendo apenas o poder econômico de mãos?
2.3 A DOMESTICAÇÃO DO MUNDO PELA ORDEM: A ELIMINAÇÃO DA AMBIVALÊNCIA
A modernidade é guardiã de seu ideário e faz de seus princípios e ideologias fontes primordiais para a inspiração da consciência das gerações. Se tudo está para a razão, com a razão e em função da razão, a ordenação racional é o sistema que tudo penetra, determinando as condições para a preeminência do projeto moderno. Da pré-modernidade em direção à modernidade está-se a falar dapassagem à dimensão do impreciso para o preciso, da heterogeneidade à homogeneidade, do desordenado ao ordenado, do ambivalente ao certo, ao desconhecido ao conhecido, do natural ao artificial. O cálculo, o exército métrico da razão, que se imporá sobre o mundo das coisas, é parte do processo arquitetural e ordenador. Dominação, projeção, cálculo, configuração, organização, planejamento são atitudes de ação racional sobre o mundo da desordem, que precisa ser triado e esquadrinhado, antes de ser colocado à disposição para utilização.
A ordem é somente a expressão da racionalidade, projetada para as diversas dimensões da economia, da cultura, do comportamento social, do saber médico etc. Medir 0 mundo é dispô-lo numa ordem que convém aos olhos do espírito moderno. Não se afugentar diante dos destinos reatribuídos às coisas (pela natureza ou por Deus), mas determinar as coisas pelo seu próprio destino. reconstruindo o mundo numa malha profunda de interesses humanos. Em suma, a ordem é a escravização das coisas às vontades humanas, na medida em que estas convêm, e enquanto convêm. Onde não há ordem, há a ambivalência, ou mesmo, há o caos, e o caos é o descontrole incompreendido pela razão, que tudo ordena e tudo calcula ... Por causa da nossa capacidade de aprender/memorizar, temos um profundo interesse em manter a ordem no mundo. A ambivalência confunde o cálculo dos eventos e a relevância dos padrões de ação memorizados
2.4 O ESTADO, A BUROCRACIA, A LEI E A ORGANIZAÇÃO BURGUESA DO MUNDO
A expressão do crescimento da consciência da subjetividade, da individualidade e da racionalidade se dá especialmente na aparição do pensamento kantiano, com a construção do imperativo categórico (expressão de uma ética do dever pelo dever), e com as regras ~e um idealismo filosófico que coloca o sujeito na condição plenipotenciária de elencado dos universos do dever (ético, social e jurídico). A máxima representação do espirito de modernidade se arquiteta enquanto fermenta a própria condição de afirmação histonca da modernidade, que haverá de sagrar o ideário revolucionário ao seu máximo, fazendo da liberdade o bastião fundamental da constituição dos espaço sociais e, por consequência, da própria consciência da necessidade de criação, sagração e proclamação de direitos.
Quando se pensa que o Direito possa ser uma espécie de instrumento neutro de controle social, na medida e~ que olha objetivamente os conflitos sociais e procura praticar-lhes o confronto, deixa-se de pensar que, já em seu nascedouro, 0 Direito nasce comprometido com a ordem burguesa, e liberal em ascensão, como pane de um panneaux de grandes dimensões amplificado por grandes teorias, justificado por sistemas de pensamento e desejado por grandes contingentes humanos, especialmente pelas elites detentoras de riquezas. O Direito passa a assumir um papel fundamental na constituição da arquitetura moderna. De fato, quando se fala mesmo em modernidade, e, especialmente, em modernidade jurídica, ,está-se falar que "a modernidade representa o equivalente a um censo e inusitado grau de complexidade que a organização do direito adquiriu em nossa civilização" (Adeodato, Modernidade e direito, Revista de Cimdas Sociais, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 1997, p. 265). De acordo com Adeodato, pode-se mesmo falar que a modernidade traz consigo os pressupostos para a afirmação paulatina do Direito, quais sejam: o monopólio da produção normativa; a sobrevalorização das fontes formais do Direito com relação a fontes espontâneas do Direito; a auto reflexibilidade do Direito como sistema sobre si mesmo.
Toda a história do desenvolvimento do Estado moderno, particularmente, identifica-se com a da moderna burocracia e da empresa burocrática, da mesma forma que toda a evolução do grande capitalismo moderno se identifica com a burocratização crescente das empresas econômicas. As formas de dominação burocrática estão em ascensão em todas as partes.
Aos poucos, a modernidade foi desempenhando suas funções precípuas proteção da propriedade privada, valorização da iniciativa privada, sedimentação das forças produtivas, arregimentação de mão de obra, insculpindo alguns valores no lugar de outros. Isso importou em um deslocamento de concepções, e, se a riqueza tem de ser acumulada, algum custo social deve estar presente na garantia dessa mecânica, sendo que alguns pagam até mesmo com o corpo para a manutenção do. espírito de construção da modernidade e da acumulação. Estão criadas as condições para o afastamento do banditismo (inimigo da propriedade), para o banimento do louco, para o ensurdecimento da sociedade diante das desigualdades.
No século XVIII a convicção de que o homem é dotado de cercos direitos não era uma repetição de crenças sustentadas pela comunidade, nem mesmo uma repetição de crenças transmitidas às gerações posteriores pelos ancestrais. Era um reflexo da situação dos homens que proclamam esses direitos; expressava uma crítica das condições que clamavam imperiosamente por uma mudança. e tal exigência foi compreendida por aqueles que a transformaram em pensamento filosófico e ações históricas. Os pioneiros do pensamento moderno não inferiram das leis o que fosse o bem tendo eles mesmos provocado uma ruptura das leis, mas tentaram reconciliar as leis com o bem. Seu papel na. História não foi adaptar suas palavras e ações ao. texto de velhos documentos ou doutrinas geralmente aceitas: eles mesmos criaram os documentos e causaram a aceitação das suas doutrinas.
2.5 O POSITIVISMO E A SAGRAÇÃO JURÍDICA DO ESPÍRITO DA MODERNIDADE
Dentro dessas perspectivas críticas sobre a ascensão e afirmação do espírito moderno, é possível entrelaçar o fortalecimento da consciência social moderna e o estabelecimento de uma cultura jurídica, a positivista, favorável ao assentamento destes intentos pseudocientíficos do Direito. Há, portanto, um paralelo crescimento do Direito, com um crescimento da ordem (que se toma parte da bandeira positivista}, da expansão do mercado, da intensificação da acumulação do capital, da fetichização do progresso (que se torna parte da bandeira positivista), e do aparelhamento do Estado. Nisso, a transição dever-se-ia produzir com o auxílio do instrumental jurídico, daí a necessidade de uma cumplicidade entre o progresso material e o progresso dos saberes jurídicos, que redunda na formação da Rehtswissenchaft de Savigny. A transição significava a passagem de uma era pré-moderna (fragmentação dos centros de poder; pulverização das fontes jurídicas; dispersão do direito estatal; concorrência e superposição entre direito canônico, direito romano, direito estatal; costumes bárbaros) a · uma era moderna (centralização do poder; estatização das responsabilidades sociais; unificação das fontes jurídicas; concentração do direito no Estado; positivação de todo o direito aplicável).
Reflexo do positivismo científico do século XIX, o positivismo jurídico, como movimento de pensamento antagônico a qualquer teoria naturalista, metafisica, lógica, histórica, antropológica ... adentrou de tal forma nos meandros jurídicos que são concepções se tornaram estudo indispensável e obrigatório para a melhor compreensão lógico-sistemática do Direito. O paulatino esvaziamento da noção de Direito _ como uma dimensão de poder temporal fundada em uma ordem metafisica, ou natural, ou transcendental-natural, faculta o aparecimento de uma noção de Direito tecnizada, esvaziada de conteúdo axiológico, voltado mais para a compreensão da ideia de que ... o Direito só pode ser entendido como Direito positivo (ius positum) e o que está fora dele, ou é invenção ou é idealismo relativista. Assim, o direito moderno"[ ... ] pode ser visto dentro de um contexto de progressivo esvaziamento de conteúdo axiológicos, os quais tradicionalmente forneciam as bases consensuais do direito positivo. Em outras palavras, a modernidade caracteriza-se pelo abandono do essencialismo ontológico em prol de um nominalismo semântico e de positivismo funcionalista.
O Código Civil Francês, 1804, trouxe consigoum conjunto de promessas afirmadoras dos ideais da modernidade, e também dá própria Revolução Francesa de 1789 (liberdade, igualdade, fraternidade), corroborada pela doutrina e jurisprudência de seu tempo, conforme o que o próprio espírito de época entendia como missão do Direito legislado codificado, tornando nítida a homogeneização e unificação do direito no mundo moderno.
Todo este arcabouço que entrelaça poder e saber jurídico é que será extremamente favorável à intensificação da positivação dos direitos e à formação dos grandes sistemas de direitos contemporâneos. A intensificação do aparecimento de documentos legislativos se dá a partir do século XVIII,51 obviamente, não por coincidência. Como se pode perceber, o século XIX é o momento de convergência das ideologias que determinariam a formação dos sistemas legislados contemporâneos (Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789; Código Civil Francês, 1804; Código Civil Austríaco, 1811; Código Penal Alemão, 18 71; Código Civil Alemão, 1900; Constituição de Weimar, 1919; Carta dei Lavoro da Itália, 1927; Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).
2.6 AS IDEIAS DE LEGALIDADE E QRDENAMENTO JURÍDICO: PARADIGMAS MODERNOS DE ORDEM E SISTEMATICIDADE
"Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (Art. 52, inciso II da CF 88). Eis o princípio da legalidade da vigente ordem constitucional brasileira. Citado por uns como sendo o alfa e o ômega do ordenamento jurídico brasileiro, e citado por outros como o princípio e o fim de! toda a ideia de Direito, trata-se de linha mestra do texto constitucional e de regra matriz da organização dos direitos e deveres dentro do sistema jurídico nacional.
A ideia de legalidade e de um ordenamento jurídico sistematizado de fontes jurídicas, escalonado, hierárquico, positivado, rigidamente organizado na distribuição das competências, encontram um eco muito forte na tradição kelseniana acerca do sistema jurídico. É seu positivismo-normativista o grande dispersar de fones tendências teóricas que influenciaram os juristas do século XX, dentre as quais se destacam aquelas principais questões que distinguem seu pensamento: a metodologia da ciência funcionando como uma forte bitola de delimitação das áreas de conhecimento, onde somente se entendia como concebível áquea forma de saber capaz de isolar-se das contaminações estranhas e externas através de um purismo e de um· hermetismo científicos capazes de produzir objetos delimitados e circunscritos; a centralidade das reflexões jurídicas sobre o princípio da validade, questão que se tomado foco de atenção de toda a esquemática de funcionamento do sistema jurídico; a redução do Direito às regras· postas pelo Estado, não importando os juízos de valor e a axiologia que viessem acopladas à moldura da norma jurídica; a impossibilidade de fundamentação do sistema piramidal e hierárquico de normas por princípios externos ao próprio Direito, para o que a norma fundamental de conteúdo indeterminado, cumpre destacado papel de fechamento e pressuposto lógico para a fundamentação última da validade das normas pertencentes ao sistema. Esses quatro grandes traços formam a lógica do pensamento kelseniano, que se toma a linguagem do Direito do Século XX.
Como já vimos, era um dos objetivos de o pensamento positivista estabelecer a autonomia da lei como um sistema de normas positivas cuja validade pode ser determinada dentro da estrutura b4sica do próprio sistema jurídico, sem recurso a nenhum outro sistema, seja religioso, moral etc. Além disso, a ideia de Direito positivo parece também acarretar a noção de uma regra estabelecida por algum legislador humano identificável. A teoria de que todo o Estado independente possuía necessariamente o poder soberano de legislação apontou O caminho para mostrar como a lei escava apta a possuir essa autonomia sem recorrer a alguma autoridade externa. Pois a própria soberania era um conceito jurídico e se o direito positivo podia ser definido em termos de soberania, então aí estava um padrão-suficiente pelo qual a validade legal podia ser testada e demonstrada, livre de quaisquer considerações extrajurídicas" 
Deve-se lembrar aqui que a própria delimitação do Estado, de seus poderes e de suas características, dos limites de exercício do poder e de suas competências passam a ser determinados por uma lei, a chamada Lei Magna de todo Estado, a Constituição. mas que não deixa de ser um texto normativo escrito. A emergência concomitante das ideias de legalidade e constitucionalidade com a Modernidade é fato incontestável, assim como comprovável pela opinião e pelos estudos dos historiadores especializados. Paulatinamente, na transição de final do Medievo em direção à Modernidade, a lei vai ganhando mais força que qualquer outra fonte de direito, sufocando a existência das demais, sobretudo mitigando a força do costume nas decisões jurídicas.
A intocabilidade plástica do Estado é a representação perfeita da consubstanciação do espírito da legalidade e da burocraticidade dos procedimentos escudados por uma forte ideologia da cientificidade, da ordem, da legalidade, do controle e da regulação da sociedade. Trata-se da própria encarnação do Estado burguês, capitalista e liberal, idealizado ao longo do século XIX, a partir de concepções advindas dos séculos anteriores.
Ao reduzir as ricas tradições epistemológicas do primeiro período do Renascimento à ciência moderna e as ricas tradições jurídicas desde a recepção do direito romano ao direito estatal, o Estado liberal oitocentista teve um papel fundamental, e concedeu a si próprio um extraordinário privilégio político enquanto forma exclusiva de poder. Esta tripla redução do conhecimento à ciência do direito ao direito estatal e dos poderes sociais à política liberal -por muito arbitrária que tenha sido nas suas origens -atingiu uma certa dose de verdade à medida que se foi inserindo na prática social, acabando por se tomar uma ortodoxia conceptual.
Em poucas palavras, na pós-modernidade. o sistema jurídico carece de sentido. até mesmo de rumo, e sobretudo de eficácia (social e técnica), tendo em vista ter-se estruturado sobre paradigmas modernos inteiramente caducos para assumirem a responsabilidade pela 1itigiosidade contemporânea. Assim, a própria noção de justiça vê-se profundamente contaminada por esta falseada e equívoca percepção da realidade (uma realidade distante. infra estatal. tormentosa, carente de imposições normativas.
2.7 O DESMORONAMENTO DOS ARQJJÉTIPOS MODERNOS
2. 7 .1 Progresso, ordem e desordem: O Estado e o Direito entre civilização e barbárie.
O progresso é uma ideologia moderna por excelência. É do alento a essa ideia que parece que se nutre um consenso social otimista com relação aos prognósticos de desenvolvimento da história. Se os medievais acreditavam em Deus, e sacralizavam rituais de vida em nome de Deus, e cometiam barbaridades -em nome de Deus, os modernos descobriram um novo Deus, a quem se devota igualmente a mesma dedicação febril e cega: o progresso. Totemizado, esse novo Deus da era das luzes polariza as energias sociais focando olhares entusiasmados no amor abstrato ao futuro prometido, ao mesmo tempo em que dá alento a processos de desintegração social e provoca profundas distorções na vida social. A ilusão de que investir em progresso conduziria ao bem-estar continua operando no interior de uma sociedade encantada com o primário básico que alimenta o materialismo social-hodierno. Afirma Marcuse: O sacrifício compensou bastante: nas áreas tecnicamente avançadas da civilização, a conquista da natureza está praticamente concluída, e mais necessidades de um maior número de pessoas são satisfeitas numa escala nunca anteriormente vista. Nem a mecanização e padronização da vida, nem o empobrecimento mental, nem a crescente destrutividade do atual progresso fornecem bases suficientes para pôr em dúvida o 'princípio' que tem governado o progresso da civilização ocidental. O continuo incremento da produtividade tornacada vez mais realista, de um modo constante, a promessa de uma vida melhor para todos
A razão instrumental, que converteu a natureza em objeto da volúpia do progreso incremento do poder (Macht), acessória da planificação capitalista é a mesma orienta e dá condições de expansão ao capital global contemporâneo, que fundando ilusões de vida que se esgotam em consumo e posse, faz com que se respire atualmente uma atmosfera na qual se sente em suspensão o cheiro de morte. Nosso mundo tem odor de morte porque foi convertido em praça de convergência das múltiplas forças do capital mundial. A carnificina implícita provocada pela volúpia do ter é tolerada por parecer não ter autoria e nem culpados diretos. E, quando não há a quem imputar direta e visualmente a culpa, parece que a responsabilidade se dilui para o sistema. E, quando se olha para o sistema, ele parece automaticamente responder: "É assim que as coisas funcionam. Não há outro modo." Ao menos, essa é a lei de Fukuyama.
2.1.2 A consciência da crise da modernidade: o balanço do projeto moderno na história
A história é a maior testemunha das mudanças socioeconômicas, político-jurídicas e culturais ocorridas nos últimos tempos. Ora, se o surgimento da pós-modernidade está contextualizado em finais do século XX, como já se viu anteriormente, nada melhor do que aumentar o grau de compreensão do momento histórico inerente ao período, como forma de se enriquecerem os argumentos que demonstram o destronamento da modernidade e a ascensão de indícios da progressão de novos valores e novas ideias.81 O mister da reflexão histórica, portanto, se instaura aqui exatamente com o fito de elucidar à análise a contextual idade na qual se inserem as mudanças responsáveis pelo advento a pôs-modernidade. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se dizer que está parada h1stóna empreende um importante papel descritivo e informativo: recensear e identificar pontos de maior significação informativa dados carregados de um alto valor simbólico e paradigmático, sem dúvida alguma, relevantes para fins desta abordagem.
É desnecessário repetir, pois todos se recordam, que essas tornadas de partido produziram o melhor e o pior das práticas intelectuais deste séculos: a denúncia do caso Dreyfus; o pacifismo durante a Primeira Guerra Mundial; a luta contra o fascismo e o nazismo; a complacência e a cumplicidade com o autoritarismo soviético; a defesa da Revolução Cubana diante da prepotência dos Estados Unidos, mas também a defesa da Revolução Cubana diante da prisão de homossexuais, velhos revolucionários e intelectuais dissidentes; as campanhas pela paz no Vietnã e a impossibilidade de compreender de imediato, com senso crítico, que tipo de sociedade estava surgindo ali; as lutas contra o antissemitismo, mas também o silêncio diante do racismo árabe a denota do fundamentalismo muçulmano, mas também o silêncio diante dos excessos cometidos nas guerras contra os árabes; o apoio à Revolução Argelina, mas também a total ausência de crítica a seus métodos revolucionários e às lutas intestinas que dali emergiram; a gigantesca mobilização do feminismo, mas também a estreiteza de algumas de suas intervenções em episódios típicos do cenário americano, porém não só dele; o movimento pelos direitos dos negros, mas também o racismo negro.
Conclusão
Entende-se que um balanço consciente das questões inerentes aos tempos contemporâneos permita e favoreça a ampliação dos horizontes de reflexão e de discussão dotando de características mais especificamente tematizáveis as rápidas, enervantes e vigorosas mudanças pelas quais a sociedade contemporânea passa. É interessante que se atente para o fluxo dos acontecimentos, para que deles se extraiam condições reflexivas necessárias para a análise da significação da história, e de seus reflexos sobre as relações socio jurídicas.

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