Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
2015 Sociologia geral e da religião Prof. Gesiel Anacleto Copyright © UNIASSELVI 2015 Elaboração: Prof. Gesiel Anacleto Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 306.6 A532s Anacleto, Gesiel Sociologia geral e da religião /Gesiel Anacleto. Indaial : UNIASSELVI, 2015. 233 p. : il. ISBN 978-85-7830-917-6 1. Sociologia e religião. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. III apreSentação Olá, caro(a) acadêmico(a)! Seja bem-vindo(a) à disciplina de Sociologia Geral e da Religião. Nossa proposta nesta disciplina é ter uma visão geral da sociologia, dos principais temas sociológicos e também discorrer um pouco sobre o fenômeno religioso a partir de uma perspectiva sociológica. Este é um trabalho que representa um desafio, pois a religião é um fenômeno amplo e que merece muita atenção para que formulemos juízos de valores sobre as diferentes religiões. É importante que sua leitura do conteúdo deste Caderno de Estudos seja crítica e reflexiva, pois acreditamos que cada pessoa é capaz de, a partir de uma visão crítica, contribuir positivamente para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Este caderno está dividido em três unidades de estudo. Na Unidade 1 iremos nos debruçar um pouco na Sociologia Geral. Inicialmente discorreremos sobre o desenvolvimento histórico da sociologia perpassando sobre as mudanças ocorridas em decorrência do advento da modernidade e a origem da sociologia como ciência. No sentido de possibilitar uma visão geral da sociologia iremos estudar brevemente os sociólogos clássicos e para finalizar abordaremos a sociologia no Brasil. Na Unidade 2 vamos discorrer sobre Os Principais Temas da Sociologia. A estrutura social da qual fazemos parte é muito complexa, portanto, é fundamental que escolhas os temas principais que nos darão uma visão geral da sociedade. Nesse sentido, nessa unidade, iremos conhecer os conceitos de cultura, sociedade e indivíduo. Em seguida, trataremos de buscar compreender como está estruturada a sociedade e as instituições que dela fazem parte. Por fim, iremos discorrer sobre os grupos sociais que formam a sociedade no sentido de diferenciá-los sem excluí-los. Na Unidade 3 iremos nos dedicar a conhecer um pouco mais sobre A Sociologia da Religião. Trataremos de conhecer um pouco mais sobre os sociólogos da religião e suas contribuições para o entendimento do fenômeno religioso. Como a religião é vista na sociedade atual. Faremos ainda uma abordagem sobre o pluralismo religioso e a religiosidade brasileira no sentido de compreender o papel de cada religião na sociedade, enfatizando que as diferenças não devem ser motivos de discórdia e conflito. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! Esperamos que esta disciplina venha a contribuir para sua formação acadêmica e humana, pois qualquer conhecimento destituído de uma aplicação para a vida se torna irrelevante diante da própria existência humana. Por isso desejamos a você um excelente aprendizado e ótimo aproveitamento. Bons estudos e muito sucesso! UNI V VI VII UNIDADE 1 – SOCIOLOGIA GERAL ................................................................................................ 1 TÓPICO 1 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIOLOGIA ...................................................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 O QUE É SOCIOLOGIA ...................................................................................................................... 3 3 O OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA ................................................................................. 6 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 7 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 9 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 10 TÓPICO 2 – ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA ...................................................................................... 11 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 11 2 MODERNIDADE.................................................................................................................................. 11 3 A REFORMA PROTESTANTE ........................................................................................................... 13 4 O RENASCIMENTO CULTURAL .................................................................................................... 14 5 O ILUMINISMO ................................................................................................................................... 16 6 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL ......................................................................................................... 17 7 A REVOLUÇÃO FRANCESA ............................................................................................................. 19 8 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO ........................................................................................ 21 8.1 AUGUSTO COMTE E A FÍSICA SOCIAL .................................................................................... 24 9 HERBERT SPENCER............................................................................................................................ 26 9.1 SPENCER E A TEORIA DO DARWINISMO SOCIAL ............................................................... 27 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 29 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 32 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 33 TÓPICO3 – A SOCIOLOGIA CLÁSSICA ......................................................................................... 35 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 35 2 ÉMILE DURKHEIM ............................................................................................................................. 36 2.1 O FATO SOCIAL .............................................................................................................................. 37 3 MAX WEBER ......................................................................................................................................... 39 3.1 A AÇÃO SOCIAL............................................................................................................................. 40 4 KARL MARX ......................................................................................................................................... 42 4.1 MATERIALISMO DIALÉTICO ...................................................................................................... 43 4.2 MATERIALISMO HISTÓRICO ...................................................................................................... 44 4.3 INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA .............................................................................. 45 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 47 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 48 TÓPICO 4 – A SOCIOLOGIA BRASILEIRA ..................................................................................... 49 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 49 2 FLORESTAN FERNANDES................................................................................................................ 49 2.1 FLORESTAN FERNANDES E A SOCIOLOGIA CRÍTICA NO BRASIL ................................. 52 Sumário VIII 3 DARCY RIBEIRO ................................................................................................................................. 55 3.1 O POVO BRASILEIRO .................................................................................................................... 56 4 GILBERTO FREYRE ............................................................................................................................. 59 4.1 O PROCESSO CIVILIZADOR NO BRASIL ................................................................................. 61 4.1.1 Casa-Grande e Senzala ........................................................................................................... 61 4.1.2 Sobrados e Mocambos............................................................................................................ 64 5 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA ............................................................................................... 67 5.1 RAÍZES DO BRASIL ........................................................................................................................ 68 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 70 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 73 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 74 UNIDADE 2 – PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA ............................................................... 75 TÓPICO 1 – A CULTURA, A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO ....................................................... 77 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 77 2 A CULTURA ........................................................................................................................................... 78 3 O INDIVÍDUO COMO PRODUTO SOCIAL ................................................................................. 81 4 O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO ................................................................................................ 82 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 87 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 89 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 90 TÓPICO 2 – ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL ............................................................... 91 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 91 2 FUNCIONALISMO: SISTEMAS SOCIAIS .................................................................................... 92 3 O GRUPO PRIMÁRIO E O GRUPO SECUNDÁRIO ................................................................... 96 4 FAMÍLIA, PARENTESCO E MATRIMÔNIO ................................................................................. 98 5 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL ............................................................................................................ 101 5.1 OS ESTAMENTOS E AS CASTAS SOCIAIS ................................................................................ 102 6 STATUS E PAPEL SOCIAL ................................................................................................................. 108 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 112 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 114 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 115 TÓPICO 3 – AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS ........................................................................................ 117 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 117 2 INSTITUIÇÕES ECONÔMICAS ...................................................................................................... 117 3 AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS ....................................................................................................... 123 4 EDUCAÇÃO .......................................................................................................................................... 125 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 128 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 133 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 134 TÓPICO 4 – CONTROLE SOCIAL E GLOBALIZAÇÃO ................................................................ 135 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 135 2 O CONTROLE SOCIAL ...................................................................................................................... 135 3 O COMPORTAMENTO DIVERGENTE E A DESORGANIZAÇÃO SOCIAL ........................ 137 4 A GLOBALIZAÇÃO .............................................................................................................................141 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 145 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 146 IX UNIDADE 3 – SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO .................................................................................. 147 TÓPICO 1 – OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO .................. 149 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 149 2 DURKHEIM E AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA ................................... 150 2.1 O QUE É RELIGIÃO PARA DURKHEIM .................................................................................... 151 2.2 O TOTEMISMO COMO FORMA DE EXPLICAR A RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E SOCIEDADE ..................................................................................................................................... 156 3 WEBER E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO ................................................................................... 161 4 BOURDIEU E O CAMPO RELIGIOSO ........................................................................................... 166 4.1 O CAMPO RELIGIOSO .................................................................................................................. 171 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 173 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 177 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 179 TÓPICO 2 – A RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL...................................................................... 181 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 181 2 A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL ........................ 182 3 A CRENÇA NA SOCIEDADE SECULARIZADA .......................................................................... 184 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 187 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 192 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 193 TÓPICO 3 – PLURALISMO E DIVERSIDADE RELIGIOSA ......................................................... 195 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 195 2 O PLURALISMO RELIGIOSO .......................................................................................................... 196 3 DIVERSIDADE RELIGIOSA ............................................................................................................. 197 4 COMPROMISSO DE PAZ GLOBAL ................................................................................................ 199 5 DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO ........................................................................................................ 203 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 205 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 208 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 209 TÓPICO 4 – UM RETRATO DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA............................................... 211 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 211 2 O CATOLICISMO ................................................................................................................................ 212 3 O PROTESTANTISMO BRASILEIRO ............................................................................................. 214 3.1 O PENTECOSTALISMO ................................................................................................................. 216 4 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS ................................................................................................... 219 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 224 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 225 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 227 X 1 UNIDADE 1 SOCIOLOGIA GERAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • conhecer a origem e o desenvolvimento da sociologia; • avaliar as mudanças sociais e o desenvolvimento das primeiras concep- ções sociológicas; • conhecer os principais clássicos da sociologia; • situar o pensamento de cada teórico frente à realidade social vivenciada; • conhecer a sociologia brasileira e seus principais representantes Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer dos estudos, você encontrará atividades que o(a) ajudarão a fixar os conteúdos estudados. TÓPICO 1 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIOLOGIA TÓPICO 2 – ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA TÓPICO 3 – A SOCIOLOGIA CLÁSSICA TÓPICO 4 – SOCIOLOGIA BRASILEIRA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIOLOGIA 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, neste primeiro tópico estaremos abordando de uma maneira geral o surgimento e o desenvolvimento da sociologia. Por mais que a disciplina de sociologia seja algo recente, as discussões em torno dos fenômenos sociais são muito antigas, pois remontam à Grécia clássica. Compreender o desenvolvimento da história da humanidade é um fator determinante para compreendermos a sociologia, pois não está desvinculada das transformações históricas pelas quais a humanidade passou e vem passando, como bem sabemos. Inicialmente, as discussões sobre as questões relativas à vida em sociedade eram feitas no campo da filosofia política. Todavia, com o passar do tempo, viu-se a necessidade de estabelecer uma disciplina específica para o estudo da sociedade e das relações sociais. A partir do surgimento da sociologia ficou estabelecido que seu campo ou objeto de pesquisa seria a sociedade e as relações que nela acontecem. Vamos então iniciar nossos estudos sobre a origem e o desenvolvimento desta tão importante disciplina. Mãos à obra! 2 O QUE É SOCIOLOGIA A partir do instante em que os seres humanos foram formando as comunidades como uma maneira de sobreviver, ao mesmo tempo em que esse ajuntamento facilitava a luta por sobrevivência, outros problemas foram surgindo, em decorrência das relações existentes nestes grupos. Nesse sentido, foi necessário que se criassem mecanismos que regulamentassem a vida em sociedade, para que a mesma permanecesse em harmonia e todos viessem a gozar de uma vida estável e feliz. A organização social surgiu devido às necessidades do grupo. À medida que os grupos foram crescendo, as relações foram se tornando mais complexas. Nesse momento começam a surgir as primeiras instituições, e dentre elas podemos destacar o Estado, que serve como mediador nas relações sociais,econômicas e políticas da sociedade. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 4 A sociologia como ciência veio surgir apenas no século XIX, mas as discussões sociológicas são anteriores ao nascimento de Cristo. A ciência que se ocupava das discussões sociais, até então, era a filosofia política. De acordo com Sell (2002, p. 29), Ao longo de sua história, a filosofia política teve dois momentos fundamentais. O primeiro está ligado ao mundo grego e ao surgimento das teorias políticas de Platão (427 a-347 a.C.) e Aristóteles (348-322 a.C.). O segundo está ligado ao início da era moderna e é representado pelas teorias do contrato social de Hobbes (1588-1689), Locke (1632- 1704) e Rousseau (1712-1778). Platão e Aristóteles fazem parte de um importante período da filosofia política clássica, que tinha como objeto de estudo a pólis grega, que eram as cidades-estados independentes, que tinham seus próprios governos e tinham autonomia para criar suas leis. Nesse período, as questões de ordem política se tornaram o centro das discussões filosóficas. Um exemplo disso é a importante obra de Platão, a República. Dentre os temas discutidos nos diálogos da obra de Platão está o da justiça, pois esta é, sem dúvida, a questão que mais incomoda a vida em sociedade, pois a injustiça é um fator determinante no surgimento de revoltas populares e violência. Se observarmos, veremos que ao longo da história os grupos de pessoas lutaram por justiça, ou por aquilo que acreditam ser justo. Na República nós percebemos os diferentes conceitos apresentados pelos interlocutores de Sócrates e as concepções divergentes sobre o mesmo tema. Tanto as obras de Platão como as de Aristóteles contribuíram para a estruturação da filosofia e cultura helenista, lembrando que o helenismo foi um período cuja principal característica é a ênfase dada à ciência e ao conhecimento. NOTA O conceito de Helenismo foi usado pela primeira vez pelo historiador alemão Johann Gustav Droysen (1808-1884) para caracterizar o processo de expansão da cultura helênica, isto é, grega, para outras regiões do mundo antigo após a morte do Imperador Alexandre, O Grande. FONTE: Disponível em: <http://www.historiadomundo.com.br/idade-antiga/helenismo.htm>. Acesso em: 18 maio 2015. O segundo momento da filosofia política está ligado ao início da modernidade, e seus principais representantes foram Hobbes, Locke e Rousseau. TÓPICO 1 | A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIOLOGIA 5 Se na filosofia política clássica o objeto de estudo era a pólis, na filosofia política moderna o objeto de estudo será o Estado. Hobbes, em sua obra Leviatã, defendeu a tese de que o Estado deveria ser a instituição principal na regulamentação das relações sociais. Locke defendia a ideia de que o poder não reside no Estado, mas na população. Ele não estava com isso diminuindo o poder do Estado, mas defendia que o próprio Estado precisava se sujeitar às leis naturais e civis. Dentre outras coisas, defendia a separação entre a Igreja e o Estado. Rousseau, em seu Contrato Social, reflete sobre como é possível criar uma sociedade mais justa e igual. Em sua opinião, o homem nasce livre, mas a sociedade o acorrenta. De acordo com Strauss e Crospey (2013, p. 502), “Rousseau é republicano; é republicano porque acredita que os homens são livres e iguais por natureza. Só uma sociedade civil, que é um reflexo dessa natureza, pode ter esperança de fazer felizes os homens”. Segundo Sell (2002, p. 29), “O surgimento da sociologia no século XIX representa uma terceira onda na história do pensamento social”. Esta terceira onda da história do pensamento social foi denominada por Comte de Sociologia. A sociologia consiste numa área importante das ciências humanas, ao lado da antropologia, história e geografia, que estudam a sociedade em seus diversos aspectos, e pode ser definida como o Estudo científico das relações sociais, das formas de associação, destacando-se os caracteres gerais comuns a todas as classes de fenômenos sociais, fenômenos que se produzem nas relações de grupos entre seres humanos. Estuda o homem e o meio humano em suas interações recíprocas. A sociologia não é normativa, nem emite juízos de valor sobre os tipos de associação e relações estudadas, pois baseia-se em estudos objetivos que melhor podem revelar a verdadeira natureza dos fenômenos sociais. A Sociologia, desta forma, é o estudo e o conhecimento da realidade social. (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 25). Desde os primórdios da história da humanidade o homem vem estabelecendo relações, como forma de sobreviver e superar os desafios impostos pela natureza. À medida que o tempo vai passando, essas relações vão se tornando mais complexas e os homens vão sentindo a necessidade de se organizarem para desenvolver estratégias de sobrevivência, cada vez mais eficientes, que garantam o bem-estar de todos. Não é função da sociologia emitir juízos de valor sobre os fatos históricos e sociais, pois este julgamento compete às instituições criadas para isso. Para Weber (1994, apud SELL, 2002, p. 180), “sociologia significa uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la em seu curso e seus efeitos”. A função principal da sociologia é estudar objetivamente os fatos através de métodos científicos, procurando fugir das análises subjetivas características do UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 6 senso comum. É importante ressaltar que a sociologia não consiste num conjunto de afirmações baseadas no senso comum, pois “enquanto o senso comum apresenta ideias familiares e não testadas, a sociologia, utilizando o método científico, apresenta ideias fundamentadas que podem ser permanentemente verificadas”. (DIAS, 2011, p. 16). O fato de a sociologia utilizar métodos científicos em suas pesquisas é o que lhe confere o status de ciência. 3 O OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA O objeto de estudo da sociologia é basicamente a vida em sociedade, os fenômenos sociais. Enquanto a psicologia, por exemplo, estuda o ser humano em seu aspecto particular, a sociologia estuda os grupos sociais. Consiste num estudo mais amplo e crítico, sobretudo aquilo que diz respeito à vida social dos indivíduos. De acordo com Lakatos e Marconi (2006, p. 26), “compete, portanto, à sociologia o estudo do homem e do universo sociocultural como um todo, analisando as inter-relações entre os diversos fenômenos sociais”. Tal estudo é por natureza complexo, pois seu campo de ação está relacionado a tudo aquilo que diz respeito à vida social. Por este motivo é que a sociologia está dividida em várias áreas básicas, como, por exemplo, a sociologia sistemática, sociologia descritiva, sociologia comparada, sociologia diferencial, sociologia aplicada e sociologia geral ou teórica. A palavra sociedade é um termo muito utilizado quando estudamos sociologia. Nesse sentido, podemos nos perguntar o que é sociedade do ponto de vista sociológico? De acordo com Chinoy (1967, p. 55), A sociedade, portanto, é antes de tudo o grupo dentro do qual os homens vivem uma vida comum total, uma organização limitada a um propósito ou a propósitos específicos. Desse ponto de vista, uma sociedade consiste em indivíduos não apenas aparentados uns com os outros, mas também em grupos interligados (sic) e justapostos. A sociedade é composta de indivíduos que pensam de maneiras diferentes, possuem hábitos, costumes e crenças diferentes. No entanto, mesmo sendo tão diferentes, as pessoas possuem relações sociais com os diversos grupos, pois que estes estão ligados ou interligados de diversas maneiras, alguns estão ligados aos outros por laços familiares, outros pela crença em uma religião comum, outros ainda por uma ideologia política ou por relações econômicas etc. Isso significa que o indivíduo que está inserido em uma sociedade possui relações com os demais, sejam elas espontâneas ou não. Vamos usar um exemplo de interligação no campo econômico. Um eletricista que pertenceao segmento religioso adventista e guarda o sábado, mas tem relações econômicas com um ateu. O ateu não considera o sábado um dia sagrado e não vê problema algum em trabalhar no sábado. No entanto, ao contratar TÓPICO 1 | A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIOLOGIA 7 os serviços deste eletricista, sabe que não poderá contar com ele no sábado para consertar algum problema elétrico, apenas depois das seis da tarde. Observe que aqui há um caso em que os indivíduos estão ligados por laços econômicos, mas quando se trata de religião, possuem uma visão completamente diferente. Essa interação social entre os indivíduos com valores e ideias diferentes é possível quando a sociedade está organizada no sentido de que as diferentes crenças, valores, concepções de mundo são respeitadas. Em algumas sociedades isso ainda não é possível, pois há sociedades em que uma determinada religião é dominante e, portanto, todos devem se submeter às suas crenças, mesmo que isso seja contra sua vontade. A sociologia toma esses elementos e fenômenos sociais como objeto de estudo no sentido de compreender a dinâmica da sociedade. Busca, por meio de seus métodos, superar as concepções baseadas no senso comum e compreender cientificamente o comportamento humano e suas relações com os demais indivíduos ou grupos. Esses conhecimentos elaborados pelos estudos sociológicos, dentre outras coisas, servem aos governos para desenvolverem políticas públicas mais eficientes no sentido de combater as desigualdades sociais, econômicas e culturais. LEITURA COMPLEMENTAR SOCIEDADE Sociedade é um tipo especial de sistema social que, como todos os sistemas sociais, distingue-se por suas características culturais, estruturais e demográficas/ ecológicas. Especificamente, é um sistema definido por um território geográfico (que poderá ou não coincidir com as fronteiras de nações-estados), dentro do qual uma população compartilha de uma cultura e estilo de vida comuns, em condições de autonomia, independência e autossuficiência relativas. É necessário especificar “relativa”, porque se trata de questões de grau no mundo moderno, de sociedades interdependentes. É seguro dizer, no entanto, que elas figuram entre os mais autônomos e independentes de todos os sistemas sociais. Outra característica distintiva das sociedades é que tendem a ser o maior sistema com o qual os indivíduos se identificam como membros. É improvável, por exemplo, que japoneses, americanos ou britânicos pensem em si mesmos como pertencendo a alguma entidade social reconhecível maior do que, respectivamente, o Japão, os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha. Mas ainda isso pode ser uma questão de grau, na medida em que confederações de nações tornam-se mais comuns. Unificando-se a Europa, como ora acontece, é concebível que pessoas comecem a pensar nesse continente de uma maneira antes reservada às nações-estado. Como tal, a Europa pode começar a adquirir as características de uma sociedade. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 8 Sociedade é um conceito fundamental em sociologia, porque é nesse nível que são criados e organizados os elementos mais importantes da vida social. Virtualmente, todos os sistemas sociais de que participamos – da família e religião às ocupações e aos esportes – são, de certa maneira, subsistemas de uma sociedade que define seu caráter básico. Até mesmo grupos subversivos e revolucionários operam e se definem principalmente em relação à sociedade e suas instituições. No entanto, importante como sejam, não devemos imputar-lhes características que não possuem. Esse fato é bem evidente na prática comum de falar em sociedades como se elas fossem pessoas, capazes de pensar, sentir, querer, necessitar e agir. Como sistema social, ela é em grande parte abstrata, mesmo que possa ser experimentada como tendo realidade concreta. FONTE: JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. 9 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico você viu que: • A sociologia é uma disciplina recente, mas as discussões sobre os fenômenos sociais remontam à filosofia clássica grega. • O objeto de estudo da sociologia é basicamente a vida em sociedade, os fenômenos sociais. • A sociedade é composta de indivíduos que pensam de maneiras diferentes, possuem hábitos, costumes e crenças diferentes. • Busca por meio de seus métodos superar as concepções baseadas no senso comum. 10 1 De que maneira você compreende a sociologia enquanto ciência que estuda as relações sociais? 2 De acordo com os estudos realizados, sabemos que a filosofia política, por muito tempo, ocupou o lugar da sociologia nos assuntos que diziam respeito à vida em sociedade. Nesse sentido, analise as sentenças a seguir e assinale V para as verdadeiras e F para as falsas: ( ) Para explicar a sociedade, Locke escreveu uma importante obra, Leviatã, na qual ele entende que o Estado deveria ser a instituição principal na regulamentação das relações sociais. ( ) Para Rousseau, o homem nasce livre, mas a sociedade o acorrenta. ( ) Os principais representantes do segundo momento da filosofia política foram Hobbes, Locke e Rousseau. Agora, assinale a sequência CORRETA: a) ( ) F – V – F. b) ( ) V – V – F. c) ( ) F – V – V. AUTOATIVIDADE 11 TÓPICO 2 ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A modernidade é um período da história humana que causou muitas rupturas em relação ao sistema medieval. Tais rupturas foram sentidas nas instituições sociais mais comuns, como é o caso da família, a religião e o Estado. Para entendermos o que foi a modernidade, inicialmente iremos tratar de entender seu conceito. Na essência deste período estão as mudanças. Lembrando que essas mudanças acontecem nas mais diversas áreas da vida humana, seja na política, na economia, nas artes, na filosofia, na religião e na vida social. Juntamente com essas mudanças vieram os desafios, as questões que precisavam de respostas, os problemas que precisavam de solução e as decisões que precisavam de uma justificativa. Em meio a este turbilhão de acontecimentos e mudanças, surge a sociologia como ciência para compreender e explicar pelo menos uma parte destas mudanças, ou seja, aquelas que dizem respeito à vida social e às relações sociais. Nosso objetivo neste tópico é conhecer o cenário em que se deu o surgimento da sociologia como ciência. A seguir, veremos alguns fatos históricos importantes que antecederam o surgimento da sociologia. Portanto, te convido a trilhar por esta fascinante jornada! 2 MODERNIDADE O período que antecede a modernidade é um momento da história humana marcado pelo obscurantismo, misticismo e ignorância. Infelizmente, a religião, neste caso o cristianismo, foi usado como um instrumento de domínio por parte da Igreja Católica, para controlar a vida das pessoas. No entanto, o poder absoluto da Igreja teve seu auge, mas começou a dar sinais de que estava se fragmentando UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 12 devido às intensas disputas políticas internas. Como consequência, o poder da Igreja enfraquece e os pensadores começam a questionar tudo aquilo que era tomado como verdade absoluta. Surge uma nova fase da história humana: a modernidade, que pode ser entendida de diversas maneiras. Segundo Abbagnano (2012, p. 791- 792), a modernidade é interpretada de diferentes formas pelos pensadores: a) a de Weber, que identifica o Moderno com a época da racionalização técnico-científica e com o consequente “desencantamento do mundo”; b) a da Escola de Frankfurt, que vê no Moderno a manifestação extrema da dialética suicida que caracteriza a civilização “burguesa”; c) a de Heidegger, que vê no Moderno a época do niilismo e da tecnologia planetária; d) a de Löwith, que reconhece no Moderno uma espécie de cópia secularizada da escatologia hebraico-cristã; e) a de Blumenberg, que, em oposição a Weber e Löwith, identificano Moderno não uma obra de mundanização de valores religiosos, mas o efeito da “autoafirmação humana” contra “o absolutismo teológico”, negando a existência de uma linha de continuidade entre escatologia e ideia de progresso; f) a de Habermas, que identifica o Moderno com a “tradição iluminista da civilização ocidental” e com sua luta a favor da emancipação humana. Não está em questão aqui qual a concepção mais correta sobre a modernidade. O que temos que observar é que cada teórico observa algum aspecto que possa explicar os acontecimentos deste período e a maneira como isso afetou a vida das pessoas. O que é possível perceber claramente é que o conhecimento científico é um elemento fundamental da modernidade. A sociologia surge com a finalidade de entender e explicar os problemas decorrentes deste novo cenário que se configurava nas cidades europeias. Todavia, vale ressaltar que a sociologia surge como disciplina somente em meados do século XIX, com a consolidação do capitalismo. A modernidade, dentre outras coisas, é marcada por revoluções, ou seja, movimentos que surgiram no meio do povo e que foram capazes de reconfigurar a estrutura social europeia. De acordo com Sell (2002, p. 20), As revoluções Industrial e Francesa e o Iluminismo iniciaram um movimento de transição entre os períodos históricos da Idade Média e da Idade Contemporânea. A Idade Moderna alterou definitivamente os aspectos culturais, políticos e econômicos da sociedade e deu início à estruturação do mundo no qual vivemos hoje. As duas revoluções e o Iluminismo carregam em seu bojo elementos desencadeantes de reações sociais tanto positivas quanto negativas, que afetaram diretamente a estrutura social vigente. Isso significa dizer que a história da humanidade nunca mais seria a mesma. O modo de pensar, viver e agir seguirá outro curso, se emancipando do estilo de vida medieval. TÓPICO 2 | ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 13 De acordo com Sell (2002, p. 21), “o conjunto de transformações geradas pela Revolução Industrial, Revolução Francesa e pelo Iluminismo precisava ser explicado e compreendido pela razão humana. Eles geravam a sensação de que o mundo estava em ‘crise’ e de que algo precisava ser feito”. Esse conjunto de mudanças mexeu profundamente com a ordem social, política, cultural e econômica comum na Idade Média. O futuro era algo incerto, novos valores vão sendo assimilados pela sociedade. Se por um lado há otimismo e esperança, por outro lado as pessoas se deparam com as dificuldades inerentes desta nova realidade. O progresso será experimentado de maneira diferente pelas pessoas, pois, dependendo das condições de cada um, o progresso poderia ser símbolo de realização para alguns, enquanto para outros se tornava símbolo de exploração e sofrimento. 3 A REFORMA PROTESTANTE O surgimento da sociologia teve influência de várias áreas da vida humana, entre elas podemos destacar os campos filosófico, político, econômico, cultural, e não podemos esquecer-nos do campo religioso. A Idade Média é caracterizada pela autoridade da Igreja Católica nos diversos campos da vida humana. Nesse sentido, a vida social da Idade Medieval era orientada pelas determinações da Igreja, pois, por meio dos dogmas, a sociedade concebia a ideia de justiça, princípios de comportamento e das relações sociais. A ideia predominante da Idade Média é a de que o ser humano deveria prezar por seu relacionamento com Deus devendo obediência irrestrita aos dogmas da Igreja Católica. Era pregada uma anulação do indivíduo em detrimento da Igreja e de Deus. Tal ideia criou uma sociedade cativa à vontade da Igreja Católica e sujeita aos desmandos de um clero inescrupuloso, com raras exceções. Sem contar o fato da cobrança de indulgências para a absolvição do pecado, responsável pelo enriquecimento da Igreja. Tal prática dava grande poder sobre a vida do indivíduo, pois sem os sacramentos não haveria perdão dos pecados, e, por outro lado, o dinheiro arrecadado com a venda de indulgências aumentava o poder econômico da Igreja. A Reforma Protestante foi um passo importante para as mudanças que se iniciaram no século XVI, pois a partir de então a luta pela liberdade e não reconhecimento do poder da Igreja Católica possibilitou avanços importantes em diversas áreas, inclusive na constituição da sociedade. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 14 Um aspecto que teve peso significativo para a mudança cultural das pessoas foi o acesso às escrituras, ou seja, para Lutero cada cristão tem o direito de ler a Bíblia e buscar compreendê-la. O simples fato de os indivíduos terem acesso à leitura possibilitou uma mudança estrutural na sociedade medieval, pois abriu o caminho para que as pessoas tivessem acesso à informação e se tornassem mais participativos da vida social. Os reformadores desejavam e expressavam isso em seus ensinamentos, que as pessoas tivessem uma conduta cristã que agradasse a Deus, mas precisavam estar introduzidas no mundo social como seres vocacionados por Deus para serem prósperos e influentes onde estivessem. Isso é possível perceber na vida do político William Wilberforce no século XVIII, quando liderou o movimento abolicionista do tráfico de negros. Suas convicções religiosas o levaram a abraçar a causa abolicionista travando uma dura batalha no Parlamento britânico que culminou com a aprovação do Ato Contra o Comércio de Escravos, em 1807. Observe que a Reforma Protestante foi um fato histórico fundamental para as mudanças que viriam depois. Isso se deve ao fato de que com a Reforma se percebeu a fragilidade da Igreja Católica, que não foi capaz de conter um reformador e suas ideias de igualdade, pois para Lutero não poderia haver distinção entre os filhos de Deus, qualquer pessoa pode se achegar a Deus sem a necessidade de um mediador humano, este é o princípio do sacerdócio universal, ponto fundamental da Reforma Protestante. 4 O RENASCIMENTO CULTURAL A produção artística e científica surgida na Europa nos séculos XV e XVI produziu mudanças no estilo de vida das pessoas. Um exemplo disso foram as viagens marítimas, que culminaram com a chegada dos europeus em outros continentes, desencadeando uma euforia muito grande, pois agora o homem acreditava ser capaz de mudar as coisas e criar o seu próprio destino. A visão teocêntrica dá lugar a uma visão antropocêntrica, onde o homem é capaz de intervir diretamente nos destinos da história do mundo. Uma das imagens mais populares do Renascimento é a obra de Leonardo da Vinci, a Mona Lisa. Por que esta obra chama tanto a atenção? Discuta com seus colegas sobre essa pergunta. TÓPICO 2 | ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 15 FIGURA 1 - MONA LISA FONTE: Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/ renascimento/>. Acesso em: 17 abr. 2015. De acordo com Moraes (1993, p. 164), “na verdade não existe um Renascimento, mas inúmeras experiências renascentistas que se manifestaram de diferentes formas naquele período. Esses novos valores renascentistas atingiriam todas as áreas do conhecimento humano, em quase toda a Europa”. O Renascimento cultural se opunha diretamente à Igreja Católica, que até então ditava as regras de vida espiritual, social, econômica e política da Europa. Isso não significa dizer que o homem renascentista ignorava por completo as questões religiosas, pelo contrário, o que vemos é a Reforma Protestante que revigorou a fé de muitas pessoas. A questão é que o homem moderno não aceitava mais o grau acentuado de interferência da Igreja Católica em assuntos que não lhe diziam respeito. O homem desejava andar por sua própria conta, não tendo que dar satisfação a uma instituição religiosa sobre sua conduta ou opções. O ponto principal do Renascimento cultural consiste no fato de que se acreditava que o homem é capaz de criar, mudar, destruir, ou seja, a razão humana deveria estar acima de qualquer dogmaou instituição. O mundo e a sociedade não devem ser coisas estáticas, pois, de acordo com os renascentistas, o homem é capaz de criar o seu próprio mundo. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 16 Conforme Silva e Silva (2009, p. 359), “o contexto histórico do Renascimento está associado à crise do Feudalismo e ao surgimento do Capitalismo na Europa ocidental no século XIV. Essa crise histórica se manifestou tanto no campo econômico, político e social, quanto no intelectual e cultural”. Este cenário, que estava se desenhando na Europa, foi uma oportunidade para algumas classes de pessoas se posicionarem contrárias, principalmente à Igreja Católica, que estava sofrendo sérios problemas em decorrência da corrupção do clero. O Renascimento foi, acima de tudo, uma nova concepção de mundo concebida pela classe burguesa que estava em ascensão. 5 O ILUMINISMO O Iluminismo é um movimento de caráter global, no sentido de que envolve diversas áreas da vida humana. Este movimento pregava o uso da razão como o elemento-chave para as mudanças necessárias que melhorariam a vida das pessoas, tirando-as das trevas da ignorância. Tal movimento promoveu mudanças importantes nas áreas política, social e econômica. Uma das características principais do Iluminismo era o constante debate das ideias. As verdades passam a ser questionadas pelos pensadores. Na figura a seguir você pode observar um grupo de pessoas debatendo sobre algum assunto. Converse com seus colegas sobre qual seria o assunto mais debatido pelas pessoas neste período. Você arriscaria algum palpite? FIGURA 2 - DEBATE PÚBLICO FONTE: Disponível em: <http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/41/ artigo158650-2.asp>. Acesso em: 17 abr. 2015. TÓPICO 2 | ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 17 “O Iluminismo surgiu, então, ao mesmo tempo como uma tradição filosófica militante de crítica e também de fundamentação de novas propostas e valores baseados nas ideias de que a humanidade caminharia no sentido do progresso, da liberdade e da busca da felicidade”. (MORAES, 1993, p. 200). A vida terrena passa a ser valorizada a partir desta concepção, pois o homem é visto como agente indispensável para o progresso da humanidade. O conhecimento científico é profundamente valorizado, pois seria este o caminho para melhorar a vida das pessoas. Os dogmas religiosos vão gradativamente sendo substituídos por um pensamento crítico e inovador, que possa formular teorias capazes de explicar os fenômenos naturais e sociais. Até aqui nós podemos observar que a humanidade estava caminhando para um conjunto de mudanças que aconteceriam de maneira efetiva naquilo que denominamos de modernidade. A mentalidade do homem moderno deixa de ser teocêntrica e o ser humano passa a ter lugar de destaque no mundo, o que ficou conhecido como antropocentrismo, onde o homem é o centro do universo. Essa é uma mudança radical em relação àquilo que perdurou por toda a Idade Média, de que todas as respostas estavam em Deus e tudo convergia para Ele. O homem moderno começa a buscar realização aqui na Terra e não mais em um paraíso na eternidade. Tais ideias mudaram o comportamento humano em relação à vida e a tudo o que lhe diz respeito. 6 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL O conjunto de mudanças que ocorreram na Europa nos séculos XVIII e XIX é denominado de Revolução Industrial. Nesse período as máquinas a vapor ganharam importância fundamental para o aumento da produção, tornando-se símbolo dessa era de elevada produtividade e consumo. Na figura a seguir você poderá observar como eram os interiores das fábricas de tecidos na Inglaterra. FIGURA 3 - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL FONTE: Disponível em: <http://www.sohistoria.com.br/resumos/ revolucaoindustrial.php>. Acesso em: 17 abr. 2015. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 18 Para aumentar a produção e o lucro, a burguesia industrial buscou alternativas que melhorassem a produtividade e, consequentemente, a lucratividade de suas indústrias. A Inglaterra foi a pioneira nesta nova fase da economia ocidental, pois o fato de seu território dispor de grandes reservas de carvão mineral e minérios de ferro deu aos ingleses as condições necessárias para impulsionar o desenvolvimento e a produção industrial. O desenvolvimento de técnicas de produção não consiste num aspecto exclusivo da Revolução Industrial do século XVIII, o que diferencia a indústria deste período é o fato de que A indústria moderna, para existir, precisa de alguns pré-requisitos: a utilização de utensílios e máquinas que substituem o trabalho pesado do homem; o aumento do número de pessoas empregadas nas fábricas; a automação das etapas de produção; a divisão e especialização do trabalho, entre outras coisas. (SILVA; SILVA, 2009, p. 371). É possível perceber que as relações sociais foram alteradas profundamente a partir do momento em que a indústria passou a ser o elemento-chave na formação das cidades. Tal situação alterou a estrutura da sociedade, estabelecendo aspectos totalmente novos nas relações sociais. O próprio consumo dos produtos industrializados aumentou, pois as pessoas que trabalhavam nas indústrias também eram consumidoras. Em decorrência do aumento do mercado consumidor foi necessário investir cada vez mais em métodos produtivos mais eficientes, nesse sentido iniciou um forte investimento para o desenvolvimento tecnológico das indústrias. Outro aspecto importante foi que a Revolução Industrial aumentou o contingente populacional das cidades, a consequência imediata foi o êxodo rural intenso e a elevada oferta de mão de obra que, por sua vez, ocasionou a desvalorização do trabalhador e o aumento da exploração, pois os operários se submetiam a jornadas de trabalho extenuantes por um salário muito pequeno. Em decorrência disso houve o aumento da violência, prostituição e casos de suicídio nas cidades. O crescimento das cidades inicialmente não foi planejado, consistiu num crescimento desordenado, o que ocasionou os problemas já citados. Em meio a este novo cenário iniciaram-se as discussões sobre a sociedade de maneira mais específica, ou seja, era necessário desenvolver uma ciência social para estudar a sociedade que estava emergindo da Revolução Industrial. Os problemas sociais precisavam ser discutidos de maneira mais específica, papel que a sociologia assumiu por ocasião de seu surgimento. TÓPICO 2 | ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 19 DICAS SUGESTÃO DE FILME Durante o século XIX, no transcorrer da Revolução Industrial, os trabalhadores franceses eram explorados pela aristocracia burguesa, dona do capital e dos meios de produção, que dava aos seus empregados condições miseráveis para desenvolver suas atividades produtivas. Em uma cidade francesa, os trabalhadores de uma grande mineradora decidem realizar uma greve e se rebelam contra seus chefes, causando o caos. Esse filme é baseado na importante obra de Émile Zola, que viveu entre os mineradores por três meses para conhecer a realidade vivenciada nas minas de carvão. O filme está disponível no Youtube, em: <https://www. youtube.com/watch?v=6GPAlH4I9ug>. 7 A REVOLUÇÃO FRANCESA O descontentamento provocado pela divisão da sociedade francesa em três estados (clero, nobreza e povo) gerou uma onda de descontentamento por parte do terceiro estado (o povo), porque este arcava com a custa dos demais, ou seja, trabalhava para pagar a conta. Nesta época a população francesa estava enfrentando problemas com o clima, secas e/ou inundações. Tais fatores mexiam profundamente com a economia francesa, pelo fato de a metade da população trabalhar no campo. Altos impostos, somados aos problemas econômicos e uma série de outras desigualdades sociais, tornaram-se um campo fértil para o germe de uma revolução que estourou em 1789. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 20 FIGURA 4 - REVOLUÇÃO FRANCESA FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/revolucao-francesa/>.Acesso em: 17 abr. 2015. O absolutismo na França não condizia com os ideais de liberdade pregados pelos pensadores iluministas franceses. Tais ideais tinham despertado o sentimento de revolta em vários países do mundo, como é caso dos Estados Unidos, e também da Conjuração Mineira, em Minas Gerais, em que seus representantes, influenciados pelos ideais iluministas franceses, lutavam contra a tirania de seus governantes ou países colonizadores. Enquanto que países alcançavam sua independência a partir dos ideais franceses, o povo francês, contudo, permanecia apático frente à exploração da nobreza, do governo e do clero. De acordo com Silva e Silva (2009, p. 371), “a Revolução Francesa não foi apenas mais um evento que abalou as estruturas do Antigo Regime, mas um fato de consequências mais fundamentais para a contemporaneidade do que qualquer outro, visto que foi uma revolução social de massa”. O ideal da Revolução Francesa consistia no anseio por liberdade, igualdade e fraternidade. A busca por uma sociedade igualitária, livre e fraterna despertou nos franceses um sentimento de inconformismo diante daquilo que vinham enfrentando ao longo de sua história. Nesse sentido, “a Revolução Francesa não foi uma revolução comum, mas foi uma revolução que sacudiu as instituições vigentes e propôs novas instituições e valores ao mundo” (SILVA; SILVA, 2009, p. 367). Se, por um lado, a Revolução Industrial teve um forte impacto sobre o campo econômico, a Revolução Francesa teve um impacto mais abrangente, pois seus efeitos são sentidos nas mais diversas áreas da vida humana. Naturalmente, este evento marca o início das discussões sobre os direitos universais do homem. TÓPICO 2 | ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 21 8 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO Augusto Comte (1798-1857) foi um filósofo francês, nascido em Montpellier, França. É conhecido como o criador da corrente de pensamento denominada “Positivismo”. Comte realizou seus primeiros estudos em sua cidade natal. Em Paris, ingressou na Escola Politécnica, mas com o fechamento temporário desta, retornou a Montpellier para continuar seus estudos na Faculdade de Medicina. Em 1817 retomou os estudos em Paris, até ser expulso da Escola Politécnica. No mesmo ano, tornou-se secretário do socialista Saint- Simon, quem o apresentou à intelectualidade francesa. Nessa época, começou a escrever o livro “Curso de Filosofia Positiva”, que seria uma filosofia das ciências. De um lado, originou uma classificação das ciências, por ordem de complexidade; de outro, formulou a Lei dos Três Estados, que é o alicerce fundamental de sua obra. Em 1826, Comte foi internado em uma clínica de saúde mental para tratar de problemas psiquiátricos. Já no ano de 1832, voltou à Escola Politécnica para lecionar, mas saiu em 1844 por não obter cátedra. Em 1848 o pensador francês criou uma “Sociedade Positivista”, que obteve muitos seguidores. Comte faleceu em Paris, França, no dia 5 de setembro de 1857. FONTE: Disponível em: <http://www.estudopratico.com.br/biografia-de-auguste-comte/>. Acesso em: 28 abr. 2015. FIGURA 5 - AUGUSTO COMTE FONTE: Disponível em: <http://www.estudopratico.com.br/biografia-de- auguste-comte/>. Acesso em: 6 abr. 2015. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 22 QUADRO 1 – OS TRÊS ESTADOS DA HUMANIDADE TEOLÓGICO METAFÍSICO POSITIVO • Fetichismo Culto de objetos materiais. Magias. Místico. • Politeísta Presença de vários deuses para explicar e justificar a natureza das coisas. • Monoteísta Substituição da legião de deuses por um único Deus. Período em que se fazem algumas abstrações. Reunião de todas as forças numa só, chamada natureza. Explicação da realidade por abstrações racionais. Autodestrutível, levando o homem ao terceiro estado, que é o positivo. Científico: conhecimento da realidade e das suas explicações, através da observação e da experimentação, buscando leis científicas que regem a natureza das causas das coisas. • Matemática • Astronomia • Física • Química • Biologia • Sociologia Igreja Positiva. FONTE: OLIVEIRA, 1999, p. 20 O pensamento de Comte é profundamente influenciado pelas ideias de Henri de Saint-Simon, do qual se tornou discípulo. Saint-Simon pregava a tese de que o sistema católico-feudal entraria em decadência. A Teologia seria substituída pela ciência e pela indústria, onde os nobres, padres e soldados que serviam aos interesses das classes dominantes e dos Estados dariam lugar às figuras dos engenheiros, dos donos de indústrias e operários. Este seria um novo estágio, em que a indústria seria guiada pela ciência, modificando profundamente a vida social. Sob a influência destas ideias e das mudanças que vinham ocorrendo na sociedade, Augusto Comte começa a desenvolver pesquisas no sentido de compreender as dinâmicas dessa nova sociedade. De acordo com Oliveira (1999, p. 19), O criador da Sociologia e do Positivismo, aos exaustivos estudos da estática e da dinâmica sociais, termos emprestados da Física para poder explicar os fenômenos sociais, acreditava ser possível criar uma sociedade-modelo, tendo o amor como princípio, a ordem como base e o progresso como fim. A humanidade, de acordo com o pensamento de Comte, teria passado por três estados no que se refere à sua concepção de mundo e da vida: o estado teológico, o estado metafísico e o positivo. Estes três estados pelos quais a humanidade passou significam, na verdade, os três estágios do conhecimento científico. Essa teoria de Comte tenta explicar o desenvolvimento das concepções intelectuais da humanidade. A seguir você poderá observar um resumo da ideia comtiana dos três estágios ou estados. TÓPICO 2 | ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 23 A organização da sociedade, para Comte, é de responsabilidade dos industriais e dos sábios, sendo que o primeiro grupo é possuidor do poder material e o segundo grupo possui o poder espiritual. (OLIVEIRA, 1999). Para Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 42), “No estado teológico, o espírito humano [...] apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias existentes no universo”. Neste estado as explicações partem da ideia de que há deuses (posteriormente surge a ideia de um único Deus – monoteísmo) que regem os destinos do universo, ou seja, Deus está presente em tudo e tudo o que acontece parte da vontade Dele. O segundo estado da humanidade, denominado de metafísico, é entendido como o momento em que se conhecem os fenômenos a partir das causas primeiras. Nesse sentido, Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 42) escreveu que: No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que uma simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidos como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada um uma entidade correspondente. Neste segundo estado os fenômenos são explicados a partir de forças ocultas, a ideia da existência de um Deus, que rege todas as coisas, vai dando lugar a explicações menos místicas. Em termos simples, significa dizer que os agentes sobrenaturais dão lugar a forças ocultas. As fundamentações deste estado são mais racionais que o primeiro, mas ainda têm o caráter metafísico, porque não são demonstráveis experimentalmente. No terceiro e último estágio, o positivo, a filosofia é substituída pelo conhecimento científico. Nesse sentido, Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 43) afirma que, Enfim, no estágio positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter as noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, parapreocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso do bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. Nesse estágio o espírito humano renuncia a procura pelos fins últimos, ou seja, abandona a busca de respostas para os últimos ‘por quês’. O ser humano, ao abandonar as respostas religiosas, busca, por meio do conhecimento científico, compreender as leis que regem os fenômenos, no sentido de prever qual deve ser o próximo passo a ser dado para se antecipar ao que irá acontecer. É o estado da capacidade humana, porque consegue superar todas as especulações metafísicas e constrói um conhecimento resultante da verificação e comprovação. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 24 8.1 AUGUSTO COMTE E A FÍSICA SOCIAL No pensamento de Comte a sociologia ganha o status de ciência suprema, pois ele a concebe como uma física social com rigorosos critérios de pesquisa. Sobre isso, Augusto Comte (1989, apud SELL, 2002, p. 45) disse: Entendo a Física Social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos às leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial de suas pesquisas [...]. O espírito dessa ciência consiste, sobretudo, em ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do presente e a manifestação geral do futuro. Comte defendia a ideia da objetividade no estudo da sociedade, pois acreditava que tanto os fenômenos sociais quanto os fenômenos físicos possuíam uma origem natural e, portanto, seguiam uma ordem natural de funcionamento. Nesse sentido, a ciência social deveria obedecer a critérios objetivos de investigação da mesma maneira que a física, a matemática e outras ciências exatas seguem para chegar às suas conclusões. Ao se referir a Comte, os sociólogos Lakatos e Marconi (2006, p. 45) dizem que “este pensador francês lutava para que, em todos os ramos de estudos, se obedecesse à preocupação da máxima objetividade”. Essa deve ser a característica elementar da sociologia enquanto ciência, pois a objetividade científica fortalece a credibilidade teórica dos argumentos elaborados. Por este motivo, “defendia o ponto de vista de somente serem válidas as análises das sociedades quando feitas com verdadeiro espírito científico, com objetividade e com ausência de metas preconcebidas, próprios das ciências em geral”. (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 45). A física social consiste exatamente na objetividade dos fenômenos observados e não na subjetividade do observador. Segundo Comte (1983, apud SUPERTI, 2015, p. 2), O caráter fundamental da filosofia é tomar todos os fenômenos como sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número possível constituem o objetivo de todos os nossos esforços, considerando como absolutamente inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam as primeiras, sejam as finais. TÓPICO 2 | ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 25 Comte entendia que a evolução da sociedade estava sujeita a leis naturais que não poderiam ser modificadas pela intervenção humana. Nada é por acaso, tudo o que acontece na sociedade obedece às leis naturais; nesse sentido, o desenvolvimento da sociedade não pode ser impedido, pois qualquer resistência é inútil, os fenômenos possuem causas que precisam ser observadas no sentido de compreendê-las, mas sem a possibilidade de intervenção. Seu pensamento resulta numa compreensão determinista em que nada poderá parar o avanço científico. Os passos do progresso humano estão encadeados uns aos outros, isso significa dizer que os fenômenos sociais não são isolados, tudo está interligado, e precisam ser estudados a partir das causas que os mantêm ligados. A evolução social é vista por Comte como estando sujeita a leis naturais que não podem ser modificadas pela natureza humana, cabendo à física social, pois, alertar para a inutilidade da resistência ao desenvolvimento que, afinal, é inevitável, podendo, ao mesmo tempo, mitigar ou acelerar artificialmente tal desenvolvimento [...]. E, fiel a tal perspectiva, ele recusa a noção de acaso: tudo está interligado, todo fenômeno pode ser estudado a partir de causas precisas que o motivaram. (SOUZA, 2008, p. 140) Observe que esta evolução social não é resultado do acaso, segue um conjunto de leis, que, se forem compreendidas devidamente, possibilitam que o homem conheça, de certa maneira, qual será o próximo fenômeno a ser desencadeado por aquele que o precede. A base do sistema de pesquisa positivista é a observação, pois de acordo com Suassuna (1999, SOUZA apud 2008, p. 139), “O objeto da sociologia são os fatos sociais observáveis, aqueles objetos que não podem ser observados sistematicamente, dentro de um exercício metódico, não podem ser objeto da sociologia”. Assim como a astronomia elabora suas teorias a partir daquilo que é possível observar, a sociologia deve ocupar-se dos fatos que sejam passíveis de observação, pois do contrário, na visão de Comte, a sociologia deixaria de ser uma ciência e se tornaria um conhecimento baseado no senso comum. O estado positivo somente seria alcançado em decorrência da evolução social da humanidade. O conhecimento científico possibilitaria que a humanidade chegasse neste estado. O que podemos perceber na teoria de Comte é sua visão determinista da história da humanidade, não havendo espaço para o acaso, e que a natureza humana pouco pode fazer para mudar o curso do progresso científico da humanidade. O ser humano está fadado a adequar-se ao progresso científico sem a possibilidade de escolher um retrocesso como forma de escapar de tal estágio da humanidade. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 26 IMPORTANT E O positivismo teve fortes influências no Brasil, tendo como sua representação máxima o emprego da frase positivista “Ordem e Progresso”, extraída da fórmula máxima do Positivismo: "O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim", em plena bandeira brasileira. A frase tenta passar a imagem de que cada coisa em seu devido lugar conduziria para a perfeita orientação ética da vida social. Embora o positivismo tenha tido grande aceitação na Europa e também em outros países, como o Brasil, e talvez seja a base do pensamento da sociologia, as ideias de Comte foram duramente criticadas pela tradição sociológica e filosófica marxista, com destaque para a Escola de Frankfurt. FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/sociologia/positivismo.htm>. Acesso em: 18 maio 2015. 9 HERBERT SPENCER Herbert Spencer, nascido em 27 de abril de 1820 em Derby, morreu em 8 de dezembro de 1903, em Londres, é um filósofo inglês e sociólogo. Defende, em 1857, uma filosofia evolutiva. A evolução é uma transição gradual do homogêneo para o heterogêneo e contraditório consistente. Um fenômeno evoluindo no sentido de aumentar a diferenciação e integração. Vindo de uma família de radicais, muito cedo se interessou em questões políticas. É por isso que ele se juntou a muitas associações. Tornou-se membro da Anti-Corn Law League, fundada por Richard Cobden. Se ele ficou conhecido como um sociólogo, no entanto, praticou os caminhos de ferro na profissão de engenharia. Colaborador na The Economist, ele escreveu muitas obras originais, incluindo a Estática Social. [...] Seu grande trabalho consistiu em desenvolver os Princípios da Sociologia. Ao longo de sua vida, Spencer era um inimigo da guerra e do imperialismo, é por isso que ele se opôs à Guerra Hispano-Americana de 1898 e tentou fundar uma Liga contra a agressão. FONTE: Disponível em: <http://elmaxilab.com/definicao-abc/letra-h/herbert-spencer.php>. Acesso em: 28 abr. 2015. TÓPICO 2 | ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 27 FIGURA 6 - HERBERT SPENCERFONTE: Disponível em: <http://global.britannica.com/EBchecked/ topic/559249/Herbert-Spencer>. Acesso em: 7 abr. 2015. Diferentemente de muitos outros pensadores, seus livros ficaram muito conhecidos em seu tempo, tornando-se verdadeiros best-sellers, pois de acordo com estimativas, Spencer foi o único filósofo a ter vendido mais de um milhão de cópias enquanto ainda vivia. Isso definitivamente mostra o alcance de suas ideias. Uma de suas teses é a de que a sociedade se desenvolve de maneira muito semelhante à evolução natural, tal ideia ficou conhecida como a teoria do darwinismo social, assunto sobre o qual iremos discorrer a seguir. 9.1 SPENCER E A TEORIA DO DARWINISMO SOCIAL O capitalismo criou um cenário desafiador para a sobrevivência. Assim como a natureza exige que os que desejam sobreviver desenvolvam mecanismos que lhes deem condições para vencer as intempéries, na sociedade capitalista vai imperar a lei do mais forte, daquele que recebeu melhor formação, herança, ou posição social. O mundo político, econômico e social assemelha-se, na visão de Spencer, ao mundo natural, os fenômenos se repetem. Para explicar os fenômenos sociais, Spencer aplicou as ideias das ciências naturais à sociologia. Sua teoria é elaborada a partir das ideias de Charles Darwin. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 28 Segundo a concepção desse pensador, a sociedade assemelha-se a um organismo biológico, sendo o crescimento caracterizado pelo aumento da massa; o processo de crescimento dá origem à complexidade da estrutura; aparece nítida interdependência entre as partes; tanto a vida em sociedade como a do organismo biológico são muito mais longas que a de qualquer de suas partes ou unidades. (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 47). A teoria de Spencer tem gerado muitas controvérsias e debates. Alguns argumentam que tal teoria contribuiu ao longo da história para justificar a existência dos regimes opressores, pois se na evolução natural o mais forte subjuga e se sobrepõe ao mais débil, logo, no desenvolvimento da sociedade seria aceitável que isso ocorresse e fosse encarado como um processo natural. Talvez a maneira mais correta de ver a teoria de Spencer não seja partindo do princípio de que ele tentou justificar a exploração e o domínio, mas tentou explicar o funcionamento da sociedade constituída destes elementos. Para muitos, Spencer concebe a ideia de dominação e a exploração como algo natural. Seria realmente isso o que Spencer tinha em mente ao desenvolver tal teoria? Para refletir um pouco sobre essa questão podemos observar, por exemplo, o que Spencer diz sobre o direito das mulheres. Portanto, se homens e mulheres são considerados seriamente como membros independentes da sociedade e cada um deles tem que fazer o melhor para si próprio(a), disso se deduz que não se pode estabelecer limitações equitativas às mulheres com respeito a ocupações, profissões ou outras carreiras que possam querer seguir. Devem ter igual liberdade para se preparar e igual liberdade para se beneficiar dessa informação e habilidades que adquirirem. (1978, apud RICHARDS, 2015, p. 1). A ideia de igualdade entre homem e mulher encontrava muita resistência em uma sociedade predominantemente machista. Spencer acreditava que uma sociedade experimentaria o verdadeiro desenvolvimento se as pessoas fossem livres no sentido de desenvolver suas potencialidades. Com a colocação citada acima é possível perceber que Spencer não entendia a dominação masculina sobre a feminina como algo natural, o princípio da igualdade pode ser visto de maneira muito clara em tal afirmação. Os homens, ao longo da história, foram naturalmente criando mecanismos de controle e os governos foram se estabelecendo naturalmente em decorrência da necessidade que as comunidades tinham de se organizar. Sobre o governo, Spencer faz uma observação muito importante: Então, para que querem um governo? Não para regular o comércio, não é para educar o povo, não é para ensinar a religião, não é para administrar a caridade, não é para construir rodovias ou ferrovias, senão simplesmente para defender os direitos naturais do homem: para proteger a pessoa e a propriedade, para impedir as agressões dos poderosos aos mais fracos, em uma palavra, para administrar a justiça. Essa é missão natural e original de um governo. Não se pretende que faça menos: não deveríamos permiti-lo a fazer mais. (1981, apud RICHARDS, 2015, p. 1). TÓPICO 2 | ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 29 Podemos observar que a função principal do governo, na visão de Spencer, é salvaguardar os direitos dos mais fracos. Em sua argumentação é possível perceber que os mais fracos não podem ser deixados à mercê do destino, pois cabe ao Estado o dever de administrar a aplicação da justiça. O que se pode observar na sociedade são as políticas de dominação muito comuns, mas não podem ser encaradas como naturais. É dever da sociedade se organizar no sentido de garantir direitos iguais a todas as pessoas. Não é natural que alguns sejam explorados para que outros sejam bem-sucedidos, isso é uma invenção da sociedade que se utiliza da força e do poder para garantir seus privilégios. A construção de uma sociedade justa resulta de uma mobilização coletiva no sentido de garantir justiça e dignidade a todos, sem distinção de gênero, raça ou classe social. LEITURA COMPLEMENTAR A SOCIOLOGIA COMO TEORIA DA MODERNIDADE A sociologia não é a única ciência social envolvida com a compreensão da vida social moderna. Ao longo deste período, praticamente toda a reflexão sobre a ordem política, econômica e cultural procurou adaptar-se ao surgimento da ciência. Aplicando o método científico ao estudo destes diferentes aspectos da vida social, os estudiosos fundaram as principais disciplinas que tratam do homem em sociedade. Entre as principais ciências humanas e sociais (às vezes também chamadas de humanidades) existentes atualmente, convém lembrar especialmente: 1. História: embora a história, como forma de conhecimento, já possa ser localizada na Grécia com os textos de Heródoto e Tucídides, no século XIX autores como Leopoldo Ranke (1795-1886) e Friedrich Meinecke (1862-1954) buscaram adaptar a pesquisa histórica aos métodos da ciência, fundando, assim, a “ciência da história”. 2. Economia: os primeiros autores a tratar da produção de bens e mercadorias de forma científica foram Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823), ao longo dos séculos XVIII e XIX. 3. Ciência política: a aplicação dos métodos científicos para um estudo empírico da política começa apenas no final do século XX, com Gaetano Mosca (1856- 1941) e Vilfredo Pareto (1848-1923). 4. Antropologia cultural: o estudo das chamadas “sociedades primitivas” ou “sociedades tribais” também começa nos séculos XIX e XX, com autores como Edward Taylor (1832-1917) e Franz Boas (1858-1942), prosseguindo, após, com as pesquisas de Malinowsky (1882-1942), Radcliffe-Brown (1881-1955) e Levi- Strauss (1908), entre outros. UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL 30 A lista acima mereceria ainda ser ampliada, incorporando-se a ela disciplinas como o direito, a psicologia, a psicologia social, a pedagogia e outras mais. Mas, se em relação ao uso do método científico, a sociologia se iguala ao conjunto das ciências sociais e humanas, em que medida ela se diferencia de cada uma delas? Seguindo a argumentação de Jürgen Habermas, podemos perceber que o marco distintivo da sociologia é o fato de ela não ter se fixado em apenas uma das dimensões da vida social moderna, como fazem as outras ciências, como a economia (que trata da produção de bens), a ciência política (que trata do poder) ou a antropologia (que trata da cultura). Habermas procura ilustrar isto através do seguinte esquema: Economia (Ciência econômica) Política (Ciência política) Cultura (Antropologia) Comunidade societal É o próprio Habermas (1987, p. 20) que explica que: Naturalmente, não
Compartilhar