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1 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P MEDICINA Distúrbios Da Junção Neuromuscular A junção neuromuscular está localizada na interface dos axônios do nervo motor e músculo esquelético. • Serve para controlar a contração muscular. Após a despolarização, os terminais nervoso pré- sinápticos liberam acetilcolina (ACh) na fenda sináptica. Sarcolema = membrana da miofribrila. O sarcolema pós-sináptico é caracterizado por enovelamentos complexos e exibe especializações distintas com agrupamento localizados dos receptores de ACh. Esses receptores são responsáveis pela iniciação de sinais que levam à contração muscular. Independentemente da causa, os pacientes com distúrbios que prejudicam a função das junções neuromusculares se queixam de fraqueza e fadiga indolores. • Autoanticorpos que reconhecem proteínas- chave da junção neuromuscular são a causa mais comum de interrupção da transmissão neuromuscular, como a encontrada na miastenia gravis (literalmente, “fraqueza grave”). • Defeitos hereditários em proteínas especializadas da junção neuromuscular também estão associados a síndromes miastênicas. • Distúrbios causados por toxinas que alteram a transmissão neuromuscular raramente são encontrados. DOENÇAS MEDIADAS POR ANTICORPOS DA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR: MIASTENIA GRAVIS: • Doença autoimune que geralmente está associada a autoanticorpos direcionados contra receptores de ACh. • Apresenta distribuição de idade bimodal. • Em adultos jovens, a proporção de mulheres para homens é de 2:1, mas em adultos mais velhos há uma predominância masculina. Patogênese: Aproximadamente 85% dos pacientes têm autoanticorpos contra receptores de ACh pós- sinápticos, enquanto a maioria dos pacientes restantes tem anticorpos contra a tirosinoquinase receptora específica da proteína muscular do sarcolema. • Esses autoanticorpos parecem ser patogênicos – manobras terapêuticas que diminuem os níveis de autoanticorpos estão associadas a uma redução dos sintomas. • O mecanismo de ação dos vários autoanticorpos parece ser diferente. Acredita-se que os anticorpos antirreceptor de ACh levem à agregação e degradação dos receptores, bem como danifiquem a membrana pós-sináptica por meio da fixação do complemento. Como resultado, as membranas pós-sinápticas mostram alterações na morfologia e são depletadas de receptores de ACh. Isso limita a capacidade das miofibrilas de responder à ACh. Autoanticorpos dirigidos contra a tirosinoquinase receptora específica do músculo não fixam o complemento. Ao contrário, esses anticorpos parecem interferir no tráfico e agrupamento dos receptores de ACh dentro da membrana sarcolemal, sendo o efeito líquido novamente a diminuição da função do receptor de ACh. Associação entre autoanticorpos patogênicos antirreceptor de ACh e anormalidades tímicas: • Aproximadamente 10% dos pacientes com miastenia gravis tem um timoma, uma neoplasia das células epiteliais tímicas. • Outros 30% dos pacientes (e sobretudo pacientes jovens) têm uma anormalidade tímica diferente, chamada hiperplasia tímica. Essa condição peculiar é marcada pelo aparecimento de folículos de células B no timo, que normalmente contém um pequeno número de células mioides, células estromais que expressam antígenos do músculo esquelético. É uma hipótese que tanto o timoma quanto a hiperplasia tímica interrompem a função tímica normal de uma maneira que promove autoimunidade contra os receptores de ACh expressos nas células mioides tímicas. Em contraste, as anormalidades tímicas geralmente estão ausentes nos casos de miastenia gravis que ocorrem em pacientes mais velhos; a base para o desenvolvimento de autoanticorpos nesses casos é desconhecida. Características clínicas: • Pacientes com anticorpos antirreceptor de ACh tipicamente se apresentam com fraqueza flutuante que piora com o esforço e muitas vezes ao longo do dia. • Diplopia e ptose devido ao envolvimento dos músculos extraoculares são comuns e distinguem a miastenia gravis de miopatias, nas quais o envolvimento dos músculos extraoculares é incomum. • Em alguns pacientes, os sintomas estão confinados aos músculos oculares, enquanto outros desenvolvem fraqueza generalizada que pode ser tão grave a ponto de exigir ventilação mecânica. • Os casos que cursam com anticorpos contra a tirosinoquinase receptora específica do músculo diferem dos casos típicos por exibirem envolvimento mais focal dos músculos (músculos do pescoço, ombro, facial, respiratório e bulbar). Diagnóstico: 2 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P MEDICINA • É baseado no histórico clínico, achados físicos, identificação de autoanticorpos e estudos eletrofisiológicos. • Os estudos eletrofisiológicos revelam um decréscimo na resposta muscular com estimulação repetida, uma característica desse transtorno. Tratamento: • A mortalidade geral caiu de mais 30% na década de 1950 para menos de 5% com as terapias atuais. • Inibidores da acetilcolinesterase que aumentam a meia-vida da ACh é a primeira linha de tratamento. • Outros tratamentos, como plasmaférese e medicamentos imunossupressores (p. ex., glicocorticoides, ciclosporina, rituximabe), podem manter os sintomas sob controle, diminuindo a produção de autoanticorpos. • A timectomia costuma ser eficaz em pacientes com timoma, mas é de benefício incerto em pessoas com hiperplasia tímica ou sem anormalidades tímicas. SÍNDROME MIASTÊNICA DE LAMBERT- EATON: Distúrbio autoimune causado por anticorpos que bloqueiam a liberação de ACh por meio da inibição de um canal de cálcio pré-sináptico. • Em contraste com a miastenia gravis, uma estimulação repetitiva rápida aumenta a resposta muscular. • A força muscular aumenta após alguns segundos de atividade muscular. • Os pacientes geralmente apresentam fraqueza de suas extremidades. • Em cerca de metade dos casos, há é uma malignidade subjacente, na maioria das vezes carcinoma neuroendócrino do pulmão. • Os sintomas podem preceder o diagnóstico de câncer, às vezes em anos. • Acredita-se que o estímulo para a formação de autoanticorpos em casos paraneoplásicos pode ser a expressão do mesmo canal de cálcio nas células neoplásicas. • Pacientes sem câncer muitas vezes têm outras doenças autoimunes, como vitiligo ou doenças da tireoide. • O tratamento consiste em medicamentos que aumentam a liberação de ACh por despolarização das membranas sinápticas e agentes imunossupressores, como como aqueles usados para tratar a miastenia gravis. SÍNDROMES MIASTÊNICAS CONGÊNITAS: Esses distúrbios raros, que mais comumente têm um modo de herança autossômico recessivo, são marcados por vários graus de fraqueza muscular. Mutações causativas foram identificadas em genes que codificam várias proteínas pré-sinápticas, sinápticas ou pós-sinápticas diferentes. As mais comuns destas são as mutações com perda de função no gene que codifica a subunidade ε do receptor de ACh. Outro grupo de mutações afeta proteínas que são importantes no agrupamento normal dos receptores de ACh em membranas pós-sinápticas. Muitos pacientes com síndromes miastênicas congênitas se apresentam no período perinatal com tônus muscular pobre, fraqueza muscular externa do olho e dificuldades respiratórias, mas outros apresentam formas mais leves da doença e podem não receber atenção clínica até a adolescência ou idade adulta. A apresentação clínica, resposta a medicamentos como inibidores da acetilcolinesterase e o prognóstico dependem em grande parte da mutação subjacente. ELA – ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA SNC – Doença neurodegenerativa A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é um distúrbio progressivo em que há perda de neurônios motores superiores no córtex cerebral e de neurônios motores inferiores na medula espinal e tronco encefálico. A perda destes neurônios resulta em desnervação dosmúsculos, produzindo fraqueza que se torna profunda à medida que a doença progride. A doença tem uma incidência geral de cerca de 2 casos a cada 100 mil pessoas, afeta os homens um pouco mais frequentemente do que as mulheres e comumente surge na quinta década de vida ou mais tarde. A ELA esporádica é mais comum do que a ELA familiar, que pode representar até 20% dos casos. Patogênese: Tanto a ELA esporádica quanto a familiar estão associadas a degeneração dos neurônios motores superiores e inferiores, muitas vezes acompanhada do acúmulo de proteínas tóxicas. Cerca de duas dezenas de loci gênicos foram identificados como causadores de ELA e praticamente todos representam distúrbios autossômicos dominantes. Uma das primeiras formas hereditárias de ELA descobertas tem mutações no gene que codifica a cobre-zinco superóxido dismutase (SOD1) no cromossomo 21; esta variante é responsável por cerca de 20% dos casos familiares. Inicialmente, a identificação de mutações em SOD1 sugeriu que a lesão neuronal da ELA pode refletir um comprometimento da capacidade de eliminar radicais livres, mas agora se acredita que as mutações levam a um fenótipo de ganho de função adverso associado a proteína SOD1 mutante. Parece que a proteína SOD1 mutada se dobra incorretamente e forma agregados (que incluem proteínas de tipo 3 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P MEDICINA selvagem), os quais causam lesão celular por meio de uma variedade de mecanismos postulados, como desregulação do catabolismo proteassomal e autofágico, bloqueio do transporte axonal e da função mitocondrial e sequestro de outras proteínas dentro dos agregados. O acúmulo de agregados de proteínas pode, eventualmente, desencadear a resposta à proteína mal enovelada, com iniciação subsequente de apoptose. A importância geral das vias de degradação de proteínas é reforçada pela descoberta de uma gama de mutações incomuns em genes implicados na degradação de proteínas que também estão associados a ELA familiar. Morfologia: As raízes anteriores da medula espinal são finas devido à perda de axônios do neurônio motor inferior e o giro motor pré-central do córtex pode ser atrófico em casos especialmente graves. Há uma redução no número de neurônios do corno anterior ao longo de todo o comprimento da medula espinal, associada a gliose reacional. Achados semelhantes são observados nos núcleos dos nervos cranianos hipoglosso, ambíguo e motor do trigêmeo. Os neurônios restantes frequentemente contêm inclusões citoplasmáticas PAS-positivas chamadas corpúsculos de Bunina (que parecem ser remanescentes de vacúolos autofágicos) e inclusões citoplasmáticas TDP-43-positivas (que são vistas em casos esporádicos e casos familiares causados por mutações nos genes C9orf72 e da TDP-43 [TARDBP], mas estão ausentes em casos SOD1-mutante e FUS- mutante). Os músculos esqueléticos inervados pelos neurônios motores inferiores degenerados mostram atrofia neurogênica. A perda dos neurônios motores superiores leva à degeneração dos tratos corticospinais, resultando em perda de volume e ausência de fibras mielinizadas, o que pode ser particularmente evidente nos níveis segmentares inferiores. Características clínicas: Sintomas precoces: • Fraqueza assimétrica das mãos – manifestam como queda de objetos e dificuldade de realizar tarefas motoras finas • Cólicas • Espasticidades dos braços e pernas. Conforme a doença progride, a força e o volume musculares diminuem e ocorrem contrações involuntárias de unidades motoras individuais, denominadas fasciculações. A doença eventualmente envolve os músculos respiratórios, levando a episódios recorrentes de pneumonia. Embora os indivíduos mais afetados tenham uma combinação de envolvimento de neurônios motores superiores e inferiores, outros padrões são observados. • O termo atrofia muscular progressiva se aplica aos casos incomuns cujo envolvimento de neurônios motores inferiores predomina, • Enquanto esclerose lateral primária refere-se aos casos com envolvimento principal de neurônios motores superiores. Em alguns indivíduos afetados, a degeneração dos núcleos motores cranianos do tronco encefálico inferior ocorre cedo e progride rapidamente, um padrão conhecido como paralisia bulbar progressiva ou ELA bulbar. Nesses indivíduos, anormalidades de deglutição e fala predominam, e o curso clínico é inexorável durante um período de 1 ou 2 anos. Quando o envolvimento bulbar é menos grave, cerca de metade dos indivíduos afetados sobrevivem 2 anos após o diagnóstico. Os neurônios motores que inervam os músculos extraoculares estão entre os últimos a serem afetados pela ELA; porém, em casos de sobrevivência por tempo prolongado, geralmente associados ao uso de suporte ventilatório, mesmo esse tipo de neurônio motor falha. Casos familiares desenvolvem sintomas mais precocemente do que a maioria dos casos esporádicos, embora o curso clínico seja comparável. Embora a ELA seja considerada uma doença do sistema motor, uma fração significativa dos indivíduos afetados tem evidências de doença cortical cerebral mais disseminada. 4 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P MEDICINA A apresentação clínica da doença cerebral é geralmente demência frontotemporal, com achados patológicos que com grande frequência correspondem àqueles encontrados na DLFT associada a inclusões de TDP-43. A ligação mecanística entre esses dois processos é mais fortalecida pela presença de inclusões contendo TDP- 43 em muitos casos de ELA, bem como sobreposição de alterações genéticas em ELA e DLFT. DISTÚRBIOS CAUSADOS POR TOXINAS: O botulismo é causado pela exposição a uma neurotoxina (toxina botulínica, popularmente conhecida como Botox) produzida pelo organismo anaeróbio gram-positivo Clostridium botulinum. O Botox atua bloqueando a liberação de ACh dos neurônios pré-sinápticos. Curare é o nome comum para os relaxantes musculares derivados de plantas que bloqueiam os receptores de ACh, resultando em paralisia flácida. Foi inicialmente descoberto e usado como veneno nas pontas das flechas por populações nativas da floresta tropical amazônica. Ao mesmo tempo, foi usado como relaxante muscular durante certos tipos de cirurgia, mas agora foi suplantado por outros fármacos relacionados com um mecanismo de ação semelhante. BOTULISMO: Infecção por bactéria anaeróbica – clostrídios: C. botulinum, a causa do botulismo, cresce em alimentos inadequadamente cozidos e libera uma potente neurotoxina, que bloqueia a liberação sináptica de acetilcolina e provoca paralisia flácida dos músculos respiratórios e esqueléticos. SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ • Neuropatia periférica específica – inflamatória • Polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda A síndrome de Guillain-Barré é uma neuropatia periférica desmielinizante imunologicamente mediada que pode levar a uma paralisia respiratória com risco de vida. A incidência anual geral é de aproximadamente 1 caso a cada 100 mil pessoas. A doença é caracterizada clinicamente por fraqueza começando nos membros distais, que avança rapidamente para afetar a função muscular proximal (“paralisia ascendente”). As características histológicas são inflamação e desmielinização das raízes nervosas espinais e nervos periféricos (radiculoneuropatia). Patogênese: Na maioria dos casos, a síndrome de Guillain-Barré é considerada uma neuropatia desmielinizante imunomediada de início agudo. Aproximadamente dois terços dos casos são precedidos por um quadro agudo de doença semelhante à influenza da qual o indivíduo afetado se recuperou no momento em que a neuropatia se torna sintomática. Infecções por Campylobacter jejuni, citomegalovírus, vírus Epstein- Barr e Mycoplasma pneumoniae, bem como vacinação prévia têm associações epidemiológicas significativas com a síndrome de Guillain-Barré. Nenhum agente infeccioso foidemonstrado nos nervos afetados e uma reação imunológica é considerada como sendo a causa subjacente. Uma doença inflamatória semelhante pode ser reproduzida em animais experimentais pela imunização com uma proteína da mielina do nervo periférico. Uma resposta imune mediada por células T se segue, acompanhada pela desmielinização segmentar induzida pelas ações de macrófagos ativados. A transferência destas células T para um animal naive resulta em lesões comparáveis. Além disso, os linfócitos de indivíduos com síndrome de Guillain-Barré produzem desmielinização em culturas teciduais de fibras nervosas mielinizadas. Anticorpos circulantes que reagem de forma cruzada com componentes dos nervos periféricos também podem desempenhar um papel. Morfologia: • O achado dominante nas seções coradas com hematoxilina e eosina é a inflamação dos nervos periféricos, manifestada como infiltração perivenular e endoneural por linfócitos, macrófagos, e alguns plasmócitos. • A desmielinização segmentar que afeta nervos periféricos é a lesão mais proeminente, mas danos aos axônios também são vistos, sobretudo quando a doença é grave. • A microscopia eletrônica identificou um efeito precoce nas bainhas de mielina. • Os processos citoplasmáticos dos macrófagos penetram na membrana basal das células de Schwann, particularmente na vizinhança dos nódulos de Ranvier, e se estendem entre as lamelas de mielina, removendo a bainha de mielina do axônio. • Em última análise, os remanescentes da bainha de mielina são englobados pelos macrófagos. • A inflamação e a desmielinização do sistema nervoso periférico podem ser generalizadas, mas são geralmente mais proeminentes na região proximal, perto das raízes nervosas. Características clínicas: O quadro clínico é dominado por paralisia ascendente e arreflexia. • Os reflexos profundos do tendão desaparecem no início do processo. • Envolvimento sensitivo, incluindo perda da sensação de dor, com frequência se apresenta, mas não costuma ser uma característica proeminente. • As velocidades de condução nervosa são reduzidas em decorrência de destruição multifocal dos segmentos de mielina em muitos axônios dentro de um nervo. 5 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P MEDICINA • Os níveis proteicos do líquido cefalorraquidiano (LCR) estão elevados devido à inflamação e à alteração da permeabilidade da microcirculação dentro das raízes espinais à medida que atravessam o espaço subaracnóideo. • Por outro lado, as células inflamatórias permanecem confinadas às raízes; portanto, há pouca ou nenhuma pleocitose do LCR. • Muitos pacientes passam semanas na unidade de terapia intensiva (UTI) antes de recuperar as funções normais. • Com melhorias nos cuidados respiratórios de suporte, monitoramento cardiovascular e profilaxia contra trombose venosa profunda, a taxa de mortalidade tem caído. • Plasmaférese e terapia com imunoglobulina intravenosa aceleram a recuperação, aparentemente porque removem anticorpos patogênicos e suprimem a função imune, respectivamente. • No entanto, de 2 a 5% dos pacientes afetados vão a óbito em decorrência de paralisia respiratória, instabilidade autonômica, parada cardíaca ou complicações relacionadas, e até 20% dos sobreviventes hospitalizados sofrem de incapacidades a longo prazo. DISTROFIA DE BECKER: Doença hereditária do músculo esquelético – distrofia muscular. As distrofias musculares mais comuns são ligadas ao X e derivam de mutações que interrompem a função de uma grande proteína estrutural chamada distrofina. Como resultado, estas doenças às vezes são chamadas de distrofinopatias. A forma de início precoce mais comum é referida como distrofia muscular de Duchenne, que tem uma incidência de 1 a cada 3.500 nascidos vivos do sexo masculino e um fenótipo progressivo grave. A distrofia muscular de Becker é uma segunda distrofinopatia relativamente comum caracterizada pelo início tardio da doença e um fenótipo mais leve. Patogênese: A distrofia muscular de Duchenne e a de Becker são causadas por mutações de perda de função no gene da distrofina presente no cromossomo X. O gene distrofina é um dos maiores genes humanos, abrangendo 2,3 milhões de pares de bases e composto por 79 éxons. A proteína codificada, distrofina, é um componente-chave do complexo distrofina-glicoproteína. Esse complexo atravessa a membrana plasmática e serve como um elo entre o citoesqueleto dentro da miofibrila e a membrana basal fora da célula. Ao fazer isso, acredita-se que distrofina forneça estabilidade mecânica à miofibrila e sua membrana celular durante a contração muscular. Defeitos no complexo podem levar a pequenas rupturas na membrana que permitem influxo de cálcio, desencadeando eventos que resultam em degeneração da miofibrila. Além de sua função mecânica, a distrofina pode ter um papel nas vias de sinalização; por exemplo, sua porção carboxiterminal interage com a óxido nítrico sintase, que gera óxido nítrico (NO). A identificação e caracterização de mutações específicas do gene distrofina fornecem uma explicação para algumas das variações fenotípicas em pacientes com distrofinopatias. A distrofia muscular de Duchenne está tipicamente associada a deleções ou mutações com mudança de quadros de leitura (frameshift) que resultam em ausência total de distrofina. Em contraste, as mutações presentes na distrofia muscular de Becker normalmente permitem a síntese de uma versão truncada da distrofina, que presumivelmente retém função parcial. Morfologia: As mudanças morfológicas básicas que as distrofias musculares provocam no tecido muscular esquelético podem diferir em gravidade, mas não discriminam entre as diferentes formas de distrofia. As alterações da distrofia muscular de Duchenne servem como exemplo. Essa doença é marcada por dano muscular crônico que ultrapassa a capacidade para reparo (Figura 27.11). Biopsias musculares em meninos jovens mostram danos em andamento na forma de degeneração e regeneração segmentar das miofibrilas associadas a uma mistura de miofibrilas atróficas. A arquitetura fascicular está preservada neste estágio da doença, e geralmente não há inflamação, exceto pela presença de miofagocitose. Conforme a doença progride, o tecido muscular é substituído por colágeno e adipócitos (“substituição gordurosa” ou “infiltração gordurosa”). As miofibrilas restantes neste ponto do curso da doença mostram variação proeminente no tamanho, desde pequenas fibras atróficas a grandes fibras hipertrofiadas. Esse remodelamento distorce a arquitetura fascicular do músculo, que se torna marcadamente anormal ao longo do tempo. Estudos imuno-histoquímicos para distrofina mostram ausência do padrão de coloração normal do sarcolema na distrofia muscular de Duchenne e coloração reduzida na distrofia muscular de Becker. Características clínicas: • Tipicamente se apresenta no final da infância, adolescência ou vida adulta; • Tem progressão mais lenta; • Pode ter uma expectativa de vida quase normal. Tratamento: O trabalho nesta área é encorajado pelo reconhecimento de que a expressão de alguma proteína distrofina (como em pacientes com distrofia muscular de Becker) é suficiente para melhorar substancialmente o fenótipo da doença. DISTROFIA MIOTÔNICA: A distrofia miotônica é um distúrbio autossômico dominante multissistêmico associado a fraqueza do 6 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P MEDICINA músculo esquelético, catarata, endocrinopatia e cardiomiopatia. Esse distúrbio afeta cerca de 1 a cada 10 mil indivíduos. A miotonia, uma contração involuntária sustentada dos músculos, é uma característica fundamental da doença. Raramente, os pacientes se apresentam com “miotonia congênita”, marcada por graves manifestações na infância. Patogênese: A doença é causada por expansões de trinucleotídios CTG, repetidos na região 3’ nãocodificadora do gene da proteinoquinase miotônica distrófica (DMPK). Entretanto, não se sabe precisamente como essa aberração genética produz o fenótipo da doença. A correlação entre o comprimento da expansão e a gravidade da doença é variável em comparação a alguns outros distúrbios da expansão de repetições de trinucleotídios como a doença de Huntington. Estudos experimentais sugerem que o fenótipo do músculo esquelético decorre de um ganho de função “tóxico” causado pela expansão da repetição de trinucleotídios. Especificamente, as repetições CUG expandidas no transcrito de mRNA de DMPK parecem ligar e sequestram proteínas como o regulador de processamento alternativo muscleblind-like 1, que tem um papel importante no processamento do RNA. O resultado da disrupção dos eventos normais de processamento provoca erros de processamento de outros transcritos de RNA, incluindo o transcrito para um canal de cloreto denominado CLC1. Acredita-se que a deficiência resultante de CLC1 seja responsável pela miotonia característica. Em concordância com este cenário, uma forma rara de miotonia congênita é causada por mutações da linhagem germinativa com perda de função em CLC1, indicando que CLC1 é necessário para o relaxamento muscular normal. Capítulos 8, 27 e 28 Kumar, V., Abbas, A. K., & Aster, J. C. (2023). Robbins & Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças (10th ed.). Grupo GEN. https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/978 8595159167 https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/9788595159167 https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/9788595159167