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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA A síndrome nefrótica caracteriza-se por proteinúria maciça (> 3,5 g/dia) e lipidúria (p. ex., gordura livre, corpúsculos ovais ou cilindros gordurosos) com hipoalbuminemia (< 3 g/dℓ), edema generalizado e hiperlipidemia (colesterol > 300 mg/dℓ) associados. ❖ Tal síndrome não é uma doença glomerular específica, mas um conjunto de manifestações clínicas resultantes do aumento da permeabilidade glomerular e da perda de proteínas na urina. A síndrome nefrótica aumenta a permeabilidade glomerular, e as manifestações da disfunção fisiológica estão relacionadas com a perda maciça de proteínas plasmáticas na urina. EPIDEMIOLOGIA A epidemiologia da síndrome nefrótica varia de forma considerável de acordo com a glomerulopatia que a causa. De forma geral, considerando as etiologias mais importantes, pode- se dizer que a ordem decrescente de prevalência é: ❖ Glomeruloesclerose segmental e focal (GESF). ❖ Nefropatia membranosa (NM). ❖ Doença por lesão mínima e glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP). Crianças com síndrome nefrótica apresentam maior risco de infecções devido ao próprio status da doença e ao uso de vários agentes imunossupressores. Em grande parte, as infecções desencadeiam recidivas que exigem hospitalização, com risco aumentado de morbidade e mortalidade. Os dados epidemiológicos da síndrome nefrótica no Brasil são escassos. Embora a doença de lesão mínima seja a causa mais comum de síndrome nefrótica em crianças, a nefropatia membranosa idiopática e a glomerulosclerose segmentar focal (GESF) são as causas mais comuns em adultos, sendo a 1ª etiologia que é encontrada, com mais frequência, em brancos e a última em afro- americanos. ETIOLOGIA A síndrome nefrótica pode ser primária e idiopática ou pode ser causada por uma doença subjacente conhecida, como diabetes, amiloidose ou lúpus eritematoso sistêmico (LES). Embora a doença de lesão mínima seja a causa mais comum de síndrome nefrótica em crianças, nefropatia membranosa idiopática e glomerulosclerose segmentar focal (GESF) são as causas mais comuns em adultos, sendo a primeira etiologia em frequência em brancos e a última em afro-americanos. CAUSAS IDIOPÁTICAS/PRIMÁRIAS ❖ Doença de lesão mínima. ❖ Glomerulosclerose segmentar focal (GESF). ❖ Nefropatia membranosa. ❖ Glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP). ❖ Outras glomerulonefrites proliferativas e esclerosantes. CAUSAS ESPECÍFICAS/SECUNDÁRIAS Doenças sistêmicas: ❖ DM. ❖ LES e outras doenças do colágeno. ❖ Amiloidose. Infecções: ❖ Bacterianas -> pós-estreptocócica, sífilis congênita e secundária, endocardite bacteriana subaguda, nefrite relacionada a shunt cerebral ventriculoatrial. ❖ Virais -> hepatite B, hepatite C, infecção pelo HIV, mononucleose infecciosa, infecção por citomegalovírus. ❖ Parasitárias -> malária, toxoplasmose, esquistossomose, filariose. Relacionadas a medicamentos/substâncias: ❖ Ouro, mercúrio e metais pesados. ❖ Penicilamina. ❖ AINES, incluindo inibidores de COX-2. ❖ Lítio. ❖ Parametadiona, trimetadiona. ❖ Captopril. ❖ Heroína. Neoplasias: ❖ Linfoma de Hodgkin e leucemias/linfomas (com lesão mínima). ❖ Tumores sólidos (com nefropatia membranosa). Doenças hereditárias e metabólicas: ❖ Síndrome de Alport. ❖ Doença de Fabry. APG 20 - SÍNDROME NEFRÓTICA Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Anemia falciforme. ❖ Síndrome nefrótica congênita. ❖ Doenças da via alternativa do complemento. ❖ Síndrome nefrótica familiar. ❖ Defeitos genéticos de proteínas de podócitos com glomerulosclerose segmentar focal. ❖ Síndrome unha-patela. ❖ Lipodistrofia parcial. Outras: ❖ Relacionado à gravidez. ❖ Rejeição de transplante. ❖ Doença do soro. ❖ Nefrosclerose hipertensiva acelerada. ❖ Estenose unilateral da artéria renal. ❖ Apneia do sono da obesidade mórbida. ❖ Nefropatia de refluxo. DOENÇA DE LESÃO MÍNIMA Ou NEFROSE LIPOÍDICA Caracteriza-se por destruição difusa (causada por fusão) dos pseudópodos das células da camada epitelial da membrana glomerular. A nefrose lipoídica é encontrada mais comumente nas crianças, mas pode ocorrer ocasionalmente nos adultos. A causa dessa doença é desconhecida. Embora a doença de lesão mínima não evolua para insuficiência renal, pode produzir complicações significativas, inclusive predisposição às infecções por bactérias gram-negativas, tendência a episódios tromboembólicos, hiperlipidemia e desnutrição proteica. A DLM costuma manifestar-se como uma doença renal primária, mas pode estar associada a várias outras condições, incluindo doença de Hodgkin, alergias ou uso de anti-inflamatórios não esteroides; uma nefrite intersticial significativa frequentemente acompanha os casos associados ao uso de anti-inflamatórios não esteroides. Na biópsia renal, a DLM não demonstra nenhuma lesão glomerular evidente à microscopia óptica, e é negativa para depósitos à imunofluorescência ou, ocasionalmente, revela pequenas quantidades de IgM no mesângio. Entretanto, a microscopia eletrônica demonstra consistentemente um apagamento dos pedicelos que sustentam os podócitos epiteliais com enfraquecimento dos poros da membrana da fenda. A fisiopatologia dessa lesão é obscura. A maioria concorda em que existe uma citocina circulante, talvez relacionada com uma resposta à célula T que altera a carga dos capilares e a integridade dos podócitos. A evidência de uma lesão imune relacionada com as citocinas é circunstancial e sugerida pela presença de alergias precedentes, imunidade celular alterada durante infecções virais e alta frequência de remissões com esteroides. GLOMERULONEFRITE MEMBRANOSA É uma causa mais comum de nefrose primária dos adultos, mais comumente entre a 5ª e a 6ª décadas de vida, quase sempre depois dos 30 anos. É causada por espessamento difuso da MBG em consequência da deposição de imunocomplexos. Pode ser idiopática ou estar associada com distúrbios, inclusive doenças autoimunes (LES), infecções (hepatite B crônica) e transtornos metabólicos (diabetes). Em geral, a glomerulonefrite membranosa começa com síndrome nefrótica de início insidioso ou, em uma porcentagem pequena dos casos, com proteinúria fora da faixa nefrótica. Também, pode haver hematúria e hipertensão branda. Alguns pacientes têm remissões completas, outros apresentam remissões e recidivas repetidas e, por fim, outros evoluem para insuficiência renal terminal e até mesmo morte. GLOMERULOSCLEROSE SEGMENTAR FOCAL Caracteriza-se por esclerose (aumento da deposição de colágeno) de alguns glomérulos e, além disso, nas unidades glomerulares afetadas, apenas uma parte do tufo glomerular está afetada. ❖ Essa é uma causa, especialmente, comum de síndrome nefrótica nas populações afro-americana e hispânica. Embora, geralmente, seja uma síndrome idiopática, também, pode estar associada com uma redução da concentração de oxigênio no sangue, com infecção pelo HIV ou com uso de substâncias IV, além de poder ser um distúrbio secundário associado à fibrose glomerular, em consequência de outros tipos de glomerulonefrite. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA A maioria dos pacientes evolui para insuficiência renal em 5 até 10 anos. FISIOPATOLOGIA A hipoalbuminemia, que é, em grande parte, uma consequência da perda de proteína urinária, pode ser causada pelo: ❖ Catabolismo tubular proximal da albumina filtrada. ❖ Redistribuição da albumina no corpo. ❖ Redução da síntese hepática de albumina. A retenção de sal e volume na síndrome nefrótica pode ocorrer por meio de, pelo menos, 2 mecanismos principais diferentes: ❖ A descrição clássica é que a hipoalbuminemia reduz a pressão oncótica do plasma, com isso, a depleção de volume intravascular resultante leva à ativação do eixo renina- angiotensina-aldosterona, aumentandoa retenção de sódio e o fluido renal. ❖ A retenção primária de sal no néfron distal, também, pode ocorrer independentemente do eixo renina-angiotensina- aldosterona, sendo, provavelmente, a principal razão para a retenção de sal e de água na nefrose. A trombose venosa, frequentemente, ocorre em pacientes com síndrome nefrótica, por conta de perda urinária de antitrombina III, de proteína C e de proteína S, que são responsáveis por prevenir uma trombose, bem como uma síntese aumentada de reagentes de fase aguda, que promovem uma trombose. HIPOALBUMINEMIA Qualquer aumento da permeabilidade da membrana glomerular possibilita que proteínas saiam do plasma e entrem no filtrado glomerular. O resultado disso é proteinúria maciça, que acarreta hipoalbuminemia. EDEMA O edema generalizado (marca característica da síndrome nefrótica) é causado pela redução da pressão coloidosmótica do sangue, com acumulação subsequente de líquidos nos tecidos intersticiais. Também, há retenção de sódio e de água, agravando o edema. ❖ Isso parece atribuível para vários fatores, como aumento compensatório da aldosterona, como estimulação do SN simpático e como redução da secreção dos fatores natriuréticos. Inicialmente, o edema acumula-se nas partes inferiores do corpo, mas torna-se generalizado à medida que a doença avança. Os pacientes com síndrome nefrótica podem ter dispneia, que é causada por edema pulmonar, derrames pleurais e compressão diafragmática pela ascite. HIPERLIPIDEMIA A hiperlipidemia caracteriza-se por níveis altos de triglicerídeos e de lipoproteínas de densidade baixa (LDL). Os níveis das lipoproteínas de densidade alta (HDL), geralmente, estão normais. Por causa da elevação das concentrações de LDL, é mais provável que pacientes com síndrome nefrótica desenvolvam aterosclerose. PERDA DE PROTEÍNAS E ÍONS A maior parte das proteínas perdidas na urina é representada por albumina, ainda que globulinas, também, sejam perdidas. Por isso, os pacientes com nefrose podem ser suscetíveis às infecções, principalmente, causadas por estafilococos e por pneumococos. Essa resistência reduzida às infecções está relacionada com perdas urinárias de imunoglobulinas e de componentes de baixo peso molecular do sistema complemento. Algumas proteínas de ligação, também, são perdidas na urina. Por essa razão, os níveis plasmáticos de determinados íons (ferro, cobre e zinco) e hormônios (tireóideos e sexuais) podem estar reduzidos. FÁRMACOS Alguns fármacos dependem de proteínas para seu transporte. A hipoalbuminemia reduz o número de locais de ligação proteica disponíveis e, assim, aumenta uma porcentagem do fármaco livre (forma ativa). MANIFESTAÇÕES CL ÍNICAS Os pacientes podem apresentar ganho de peso, edema periférico ao sentar-se ou ficar em pé e edema periorbital ao acordar. Além disso, a hipertensão é comum e vários graus de hematúria podem estar presentes. Os pacientes nefróticos, frequentemente, apresentam um estado hipercoagulável, sendo predispostos para uma trombose venosa profunda, êmbolos pulmonares e trombose venosa renal. A maioria dos pacientes nefróticos apresenta níveis elevados de colesterol total e de lipoproteína de baixa densidade (LDL), com colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL) baixa ou normal. Com isso, apresentam um risco aumentado de complicações ateroscleróticas. Os níveis de lipoproteínas, também, estão elevados e se normalizam com uma remissão da síndrome nefrótica. Uma amostra de urina de 24 horas, geralmente, mostra mais de 3 até 3,5 gramas de proteinúria. DIAGNÓSTICO A avaliação inicial do paciente nefrótico inclui exames laboratoriais para definir se o paciente apresenta síndrome nefrótica primária ou uma causa secundária relacionada com uma doença sistêmica, toxina ou medicamento. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Os exames de rastreamentos incluem: ❖ Glicemia em jejum e hemoglobina glicosilada para diabetes. ❖ Teste de anticorpo antinuclear para doença vascular do colágeno. ❖ Nível de complemento sérico, que permita um rastreamento de muitas doenças mediadas por imunocomplexos. Em determinados pacientes, os testes de crioglobulinas, as sorologias para hepatite B e para hepatite C, o teste de HIV, os anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos (ANCA), os anticorpos anti-GMB, a proteína sérica e uma imunoeletroforese podem ser úteis. Após uma exclusão das causas secundárias, frequentemente, é necessária uma biópsia renal no paciente adulto nefrótico. Os resultados da biópsia em pacientes com proteinúria intensa e com síndrome nefrótica, provavelmente, fornecem um diagnóstico específico, determinam um prognóstico e orientam uma terapia. SÍNDROMES NEFRÓTICAS IDIOPÁTICAS/PRIMÁRIAS DOENÇA DA LESÃO MÍNIMA A doença de lesão mínima, que é o padrão mais comum de síndrome nefrótica em crianças, é responsável por apenas cerca de 5-10% dos casos de síndrome nefrótica idiopática em adultos. Na doença de lesão mínima verdadeira, a microscopia óptica, geralmente, não costuma revelar anormalidades histopatológicas glomerulares. Os túbulos podem exibir um acúmulo de gotículas lipídicas de lipoproteínas absorvidas. Na microscopia eletrônica, a MBG está normal e observa-se um apagamento dos podócitos ao longo de, praticamente, toda a distribuição de cada alça capilar. O prognóstico da doença de lesão mínima é excelente. No entanto, mais de 50% dos pacientes com doença de lesão mínima apresentam recidivas e 20% podem se tornar dependentes de esteroides. GLOMERULOSCLEROSE SEGMENTAR FOCAL A incidência de GESF está aumentando em todas as raças, mas é, especialmente, comum em afro-americanos. Pode ser primária (associada com fatores de permeabilidade glomerular), associada com genética, induzida por fármacos, relacionada com infecções virais (HIV) ou secundária à hiperfiltração glomerular. Recentemente, o SARS-CoV-2 foi associado com forma uma colapsante de GESF. À microscopia óptica, inicialmente, apenas alguns glomérulos apresentam áreas de fibroses segmentares. À medida que a função renal diminui, na repetição das biópsias, há visualização de mais glomérulos com lesões esclerosantes segmentares. À microscopia eletrônica, entretanto, não exibe depósitos imunes e observa-se apenas apagamento do podócito da célula epitelial visceral. A GESF recorre no rim transplantado em até 30% dos casos. A evolução da GESF não tratada, geralmente, consiste em proteinúria progressiva e queda progressiva da TFG. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA NEFROPATIA MEMBRANOSA A nefropatia membranosa é o padrão mais comum de síndrome nefrótica idiopática em pacientes caucasianos. Também, pode estar associada com infecções (sífilis, hepatite B e hepatite C), LES, medicamentos e certos tumores (tumores sólidos e linfomas). A nefropatia membranosa, geralmente, se manifesta com proteinúria e com edema. A nefropatia membranosa é o padrão mais comum da síndrome nefrótica associada com um estado hipercoagulável e trombose da veia renal. Dor súbita na crise, deterioração da função renal ou sintomas de doença pulmonar em um paciente com nefropatia membranosa deve levar à investigação de trombose venosa renal e de embolia pulmonar. Na microscopia óptica, as alças capilares glomerulares aparecem, com frequência, rígidas ou espessadas, mas não há proliferação celular. A coloração imunofluorescente e a microscopia eletrônica mostram depósitos imunes densos subepiteliais ao longo de todas as alças capilares glomerulares. Na maioria dos grandes estudos de acompanhamento, a sobrevida renal é de mais de 75% em 10 anos, com uma taxa de remissão espontânea de 30%. Em geral, pacientes mais velhos, homens e aqueles com proteinúria persistente intensa têm maior probabilidade de progredir para insuficiência renale, portanto, de se beneficiarem da terapia. GLOMERULONEFRITE MEMBRANOPROLIFERATIVA A GNMP idiopática era, anteriormente, dividida em 3 tipos (I, II e III), com base na localização dos depósitos eletrondensos. Atualmente, a classificação baseia-se em achados de imunofluorescência e é dividida em GNMP mediada por imunoglobulina e mediada por complemento. ❖ Imunoglobulina -> está associada com doenças causadas por imunocomplexos, incluindo LES, infecções, como hepatite C, e gamopatia monoclonal. ❖ Complemento -> inclui doença de depósito denso (DDD) e GN por C3. A maioria dos pacientes são crianças ou adultos jovens que apresentam proteinúria ou síndrome nefrótica. Níveis baixos de complemento sérico (C3 e C4) são encontrados, intermitentemente, na GNMP associada à imunoglobulina, enquanto apenas o nível de C3, geralmente, está reduzido na doença de depósito denso. O diagnóstico demanda biópsia renal, que mostra o complemento C3 em um padrão característico, em forma de fita, ao redor das alças capilares. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA SÍNDROMES NEFRÓTICAS SECUNDÁRIAS
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