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Introdução à Fenomenologia

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DEFINIÇÃO
Apresentação da Fenomenologia na filosofia contemporânea a partir do pensamento de Husserl e de Heidegger e das suas
influências nas ciências humanas.
PROPÓSITO
Compreender os principais conceitos e reflexões da Fenomenologia a fim de identificar questões importantes nas ciências
humanas e na interpretação do cotidiano.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Definir Fenomenologia e seus conceitos
MÓDULO 2
Descrever a Fenomenologia de Husserl e a de Heidegger
MÓDULO 3
Relacionar a Fenomenologia e suas influências com o desenvolvimento das ciências humanas
INTRODUÇÃO
A TAREFA DA FENOMENOLOGIA NÃO CONSISTE, PORTANTO, NA
AQUISIÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS EMPÍRICOS SOBRE CERTOS
FATOS INTRAMUNDANOS, MAS, AO CONTRÁRIO, NA COMPREENSÃO DA
RELAÇÃO BASAL COM O MUNDO, QUE SUSTENTA TODA A PESQUISA
EMPÍRICA.
(ZAHAVI, 2019)
ASSIM ACONTECE QUE A COISA EMERGE ATRAVÉS DE RETOQUES SEM
FIM.
(LYOTARD, 1967).
Neste tema, trataremos da Fenomenologia, importante corrente filosófica fundada na passagem do século XIX para o século XX.
Você conhecerá os dois principais nomes que contribuíram para o arcabouço teórico e as grandes reflexões fenomenológicas ao
longo do século passado, além de verificar que a Fenomenologia influenciou vários pensadores e trouxe questões relevantes
para pensar a contemporaneidade, como o conhecimento e a angústia, entre outros.
 
Fonte: Wikimedia
 Edmund Husserl, filósofo alemão, fundador da Fenomenologia.
MÓDULO 1
 Definir Fenomenologia e seus conceitos
O PROBLEMA A SER ENFRENTADO: O SURGIMENTO DA
FENOMENOLOGIA
Para compreendermos a Fenomenologia e o seu surgimento, inicialmente precisamos considerar o problema fundamental que os
fenomenólogos identificaram na filosofia moderna: por um lado o subjetivismo e por outro, o empirismo.
No subjetivismo, a Fenomenologia critica a posição ou o subjetivismo de Kant, que compreende o sujeito ou o aparato intelectual
separado do real, relacionando-se com o real a partir de estruturas internas como espaço e tempo. Ao produzir conceitos e
imagens acerca do real, do que está diante de nós, esse sujeito posicionaria as coisas reorganizando o mundo a despeito e
mesmo contra as coisas.
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Fonte: Rembrandtonline.org
 Filósofo em Meditação, Rembrandt, 1632.
SUBJETIVISMO
O subjetivismo defende a verdade como subjetiva, ou seja, o conhecimento não seria algo objetivo. Essa tendência
filosófica vincula o juízo de valor ou conhecimento da realidade a estados ou atos subjetivos, de consciência dos indivíduos
concretos.
EMPIRISMO
O empirismo compreende que a verdade ou o conhecimento, como realidade objetiva, podem ser alcançados somente por
meio dos sentidos. Para o empirismo, o conhecimento vincula-se à experiência sensorial, que se torna critério ou norma de
verdade.
KANT
Emmanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão e pensador central no pensamento moderno, elaborou o chamado idealismo
transcendental (uma teoria do conhecimento inovadora em sua época) e fundou o criticismo (que propunha delimitar os
limites do conhecimento humano).
De acordo com Dan Zahavi (2019), para a Fenomenologia, o sujeito não tem nenhuma prioridade sobre o mundo, e a verdade
não pode ser buscada no homem interior. Muito ao contrário: o homem é no mundo e só conhece a si mesmo com base em sua
permanência nesse mundo.
No empirismo, a crítica recai sobre a defesa da possibilidade de que as coisas se mostrem ao sujeito, para cada um de nós,
exatamente como elas são, sem que junto a elas também haja uma atividade subjetiva (do próprio sujeito).
 
Fonte: The Metropolitan Museum of Art
 O conhecedor, Honoré Daumier, 1860-1865.
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DAN ZAHAVI
Dan Zahavi é um fenomenólogo dinamarquês especialista nos pensamentos de Husserl e Heidegger. Atualmente, é
professor de Filosofia nas universidades de Copenhagen e de Oxford.
O problema, que nos ajuda a compreender o ponto de partida da Fenomenologia, é o que Husserl chamou de hipostasia, ou um
excesso, que pode ser subjetivista ou empirista. O questionamento da Fenomenologia a essas duas compreensões é o seguinte:
em relação ao subjetivismo, quem e como poderíamos comprovar efetivamente que determinado sujeito ao tematizar as coisas
ou determinado objeto não está, sem que ele saiba, é claro, orientado pelo o que está diante dele? Em relação ao empirismo
radical, quem e como se poderia efetivamente comprovar que aquilo que parece ou que aparece como a coisa mesma não está
ao menos também sendo constituído junto a determinado sujeito?
HUSSERL
Edmund Husserl (1859-1938), filósofo, astrônomo e matemático alemão, é considerado o fundador da Fenomenologia.
Como livre docente, ensinou Filosofia em várias universidades na Alemanha.
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SUJEITO SOLIPSISTA
Um sujeito solipsista é independente ou mesmo isolado em relação às coisas.
Uma resposta definitiva a favor do subjetivismo ou do empirismo não é nada simples, ou melhor, é sempre parcial, pois o
fenomenólogo poderia questionar novamente: e quem garante que o sujeito, que a percepção do sujeito, não está sendo
organizada também a partir do objeto, daquilo que o objeto informa?
PODERIA AINDA INDAGAR
Quem asseguraria que o acesso do sujeito em relação ao objeto, por mais que pareça ser absolutamente proveniente ou aberto
pela coisa, também não conta necessariamente com certa atividade do sujeito, do que podemos chamar dentro da tradição
fenomenológica de perspectiva?
Demos um primeiro passo importante: já sabemos que, a partir da crítica ao subjetivismo e ao empirismo, a Fenomenologia se
dedica a pensar a implicação recíproca entre sujeito e objeto, ou ainda, a correspondência, a correlação e a própria correção que
vai se dando entre eles, sujeito e objeto, e, por conseguinte, o quanto um comportamento e um enunciado sobre determinada
coisa só podem ser constituídos a partir dessa interdependência.
O SUJEITO E A COISA
O sujeito, sua atividade quer prática (o que faz com a coisa) quer teórica (o que pensa acerca e junto à coisa), só pode ser
pensado fenomenologicamente a partir da própria coisa, de uma relação íntima com ela. Diferentemente de como aparece na
tradição moderna de base mais kantiana (e mesmo muito distante do que a maior parte de nós pressupõe), o sujeito se mobiliza
com base no que está diante dele, do que chamamos de correlato. Não há atividade subjetiva, ou seja, nunca pensamos sem
que, para isso, já estejamos numa relação de intimidade com a coisa, experimentando parte dela (silhueta ou perfil, em alemão
Abschattung).
 
Fonte: Art Institute of Chicago
 Rodin, Le Penseur, Edward Steichen, 1902.
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ABSCHATTUNG
Conforme afirmou Husserl (1966), a percepção não cumpre o que promete. Ela nos apresenta perfis ou silhuetas.
(...) ENQUANTO A COISA SE DESENHA ATRAVÉS DAS SILHUETAS
SUCESSIVAS, SÓ UNILATERALMENTE TENHO ACESSO À COISA, POR
UMA DAS SUAS FACES; MAS SÃO-ME DADAS AS DEMAIS FACES DA
COISA, NÃO EM PESSOA, MAS SUGERIDAS PELA FACE DADA
SENSORIALMENTE. (...) A COISA, TAL COMO ME É DADA PELA
PERCEPÇÃO, ESTÁ SEMPRE ABERTA A HORIZONTES DE
INDETERMINAÇÃO, INDICA DE ANTEMÃO UMA VARIEDADE DE
PERCEPÇÕES, CUJAS FASES, PASSANDO CONTINUADAMENTE DE UMA
A OUTRA, FUNDEM-SE NA UNIDADE DE UMA PERCEPÇÃO.
(LYOTARD, 1967)
O que, portanto, é muito importante para a Fenomenologia é que se a coisa se doa a mim como uma parte ou um momento
apenas, e se, desde então, todas as minhas relações com essa coisa serão de algum modo determinadas por esse encontro e
pela comunicação inicial entre coisa e consciência, há também a própria atuação do que se chama de corpo vivo. Um corpo
sempre em movimento que, ao se mobilizar junto a determinadas coisas de maneira imediata (pré-reflexiva), acaba de alguma
forma resvalando, tocando a coisa e tornando possível, por sua vez, a posição a partir da qual ela se mostra, com base na qual
se torna possível a dação (Ato de dar, utilizado aqui com o sentido de semostrar ou mostração. ) .
RELAÇÃO ENTRE SUJEITO E COISA
O momento da relação entre sujeito e coisa poderia ser o momento zero ou absoluto que torna possível a própria organização
das coisas ao redor, a sua posição e a percepção que constituímos em seguida. Por isso, Sartre notou que não tenho
originariamente nenhuma consciência da coisa ou mesmo de mim, do meu corpo, mas que sou um corpo vivo, ou ainda, que só
me comporto dessa ou daquela maneira em relação às coisas, só as percebo deste ou daquele modo, só penso no meu próprio
corpo e na minha consciência a partir da atividade anterior de um corpo vivo, que sempre já está funcionando, para usar um
termo caro a Husserl.
SARTRE
Jean-Paul Sartre (1905-1980), filósofo, escritor e dramaturgo francês, é um dos principais expoentes do existencialismo,
corrente filosófica centrada na realidade da existência, ou seja, a existência concreta e real. No existencialismo, o ser
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humano é pura existência e deve construir seu próprio destino de forma livre e responsável. Por isso, o ser humano deve
dar um sentido à sua existência, pois ele será aquilo que fizer de si mesmo.
Numa linguagem fenomenológica, as coisas ao aparecerem ou se mostrarem o fazem diretamente para nós, para o sujeito, que,
por sua vez, não é um sujeito solipsista, independente e isolado. O sujeito, ou o que Husserl chama de subjetividade
transcendental, é mais uma atividade do que alguma coisa em si, uma atividade que precisa, que é requisitada e acompanha,
por sua vez, a própria aparição ou manifestação das coisas que estão diante de si, a partir do que chamamos dação do objeto.
Kant diz algo próximo a essa ideia ao escrever:
PENSAMENTOS SEM CONTEÚDOS SÃO VAZIOS, INTUIÇÕES SEM
CONCEITOS SÃO CEGAS.
(LYOTARD, 1967)
Ou como escreve Lyotard: A minha consciência não pode ser pensada se imaginariamente lhe retirarmos aquilo de que é
consciência; e nem se pode sequer dizer que seria, nesse caso, consciência de nada, porque esse nada seria
automaticamente o fenômeno de que seria a consciência. A variação imaginária operada na consciência mostra-nos
claramente a sua verdadeira essência, que é ser consciência de alguma coisa.
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Após descrevermos, a partir da relação de interdependência entre sujeito e coisa (ou objeto), a própria possibilidade dos
comportamentos quer mais práticos quer mais teóricos, um passo adiante é tematizar de que modo um mundo como o nosso é
possível, por que determinada sociedade é de uma forma e não de outra e, ainda, por que e como ela pode ser, já foi e será
necessariamente diferente.
REALIDADE E REALIDADES
Em primeiro lugar, precisamos tematizar e descrever o que seria a noção de realidade efetiva (em alemão, Wirklichkeit). A língua
alemã tem dois conceitos distintos para o que nós, em português, chamamos de realidade:
Realität se refere a uma realidade que está acabada, que já existe predeterminada diante de nós e autônoma ou mesmo
independente em relação aos nossos comportamentos práticos e teóricos. Uma realidade que já estaria delimitada, que teria uma
lógica interna e que poderia ser ou não percebida a partir de uma atividade teórico-científica;

Wirklichkeit aponta para uma compreensão de realidade bem diferente, que se constitui a partir da atividade e de uma relação
entre os humanos em geral, de uma correlação entre consciências transcendentais que, por sua vez, também só se mobilizam a
partir de uma relação com o que está fora. A realidade, nesse sentido, é construída a partir da relação pré-temática (experiência
intencional originária ou mundo das experiências imediatas) da consciência com as coisas e com outras consciências. Essa
relação inicial e imediata acaba fornecendo a perspectiva que organizará, por sua vez, as experiências subsequentes que
determinadas consciências terão de determinadas coisas (correlatos), tornando possível uma espécie de critério responsável pelo
nexo ou pela síntese a qual organiza, a partir de então, determinado âmbito.
Temos, então:
Uma relação inicial ou imediata entre consciências e determinadas coisas, e de consciências entre si

A constituição de uma perspectiva possível a partir da qual determinadas coisas se tornam visíveis e ocupam certo espaço,
exercendo uma função específica

A constituição de uma relação ou âmbito mais estável, sedimentado, que chamaremos de mundo ou de realidade efetiva
(Wirklichkeit)
A realidade efetiva (Wirklichkeit) pode se diferir (devir) ou se transformar a partir de outras relações possíveis – no futuro – entre
consciências e coisas e entre consciências. Assim, a realidade efetiva torna possível a emergência (Entstehung) de um mundo
diferente do anterior, mas que, de algum modo, também guarda determinados traços. Isso porque todas as relações possíveis
entre consciências e coisas e entre consciências, por mais que permitam a mostração (dação) e a percepção (doação de sentido)
de outras imagens de determinadas coisas e relações (entre consciências), mantêm ainda a perspectiva inicial que acaba sendo
determinante à sua constituição.
INTERSUBJETIVIDADES
O tema da intersubjetividade é muito rico e fundamental no que diz respeito à tradição fenomenológica, mas não vamos tematizá-
lo mais detalhadamente. Entretanto, uma questão que ainda precisa ficar clara é que a condição de possibilidade para conhecer
alguém é, de alguma forma, a de já compartilhar determinado mundo com esse alguém. Mas não apenas isso, pois se eu ocupo
exatamente o mesmo lugar desse alguém em meio a um mundo específico, poderia me confundir com ele e, assim, não haveria
diferença alguma entre mim e ele; logo, não seria possível perguntar diante desse alguém sobre parte dos seus comportamentos
específicos.
INTERSUBJETIVIDADE
A intersubjetividade, a relação pré-teórica que sempre temos com outros ao nosso redor, em determinado mundo, não suprime as
diferenças que temos. A intersubjetividade aponta mais para as relações entre as pessoas que compartilham um mundo, mas que
também são marcadas por diferenças específicas as quais se constituem a partir de trajetórias e memórias próprias, por exemplo.
A atividade da percepção, da produção de compreensões e juízos em relação ao outro que está, de alguma forma, também
diante de mim necessita, por um lado, que eu pare diante dele, olhe para o seu entorno e compreenda justamente o que esse
âmbito requisita e torna possível a ele; por outro lado, como acontece diante de uma coisa, essa atividade também precisa da
constituição de sentido possível a partir da própria consciência que pergunta, que direciona.
A consciência se constrói a partir das vivências e do nexo provisório que vai sendo possível a partir delas, emergindo de
trajetórias, memórias que tendem ao singular. Essa consciência, também singular, é responsável pela constituição de sentidos em
relação às coisas e às outras consciências como nós. Exatamente por isso, por mais que determinadas consciências
compartilhem um âmbito comum, sempre haverá juízos e enunciados distintos aos mesmos objetos e especialmente a outras
consciências.
Segundo a Fenomenologia, sempre teremos compreensões e juízos que variam dependendo da consciência porque, como afirma
Lévinas, coisas e consciências (pessoas) tendem a se resguardar, a resguardar partes de si quando se mostram, bem como se
apresentam de acordo com o contexto no qual se mobilizam.
LÉVINAS
Emmanuel Lévinas (1906-1995) foi um filósofo francês muito influenciado pela fenomenologia de Husserl.
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A AUTODAÇÃO DO OUTRO ME É, PORÉM, INACESSÍVEL, MAS
JUSTAMENTE ESSA INACESSIBILIDADE OU ESSE LIMITE É ALGO QUE EU
POSSO EXPERIMENTAR: CASO FAÇA UMA AUTÊNTICA EXPERIÊNCIA DO
OUTRO SUJEITO, EU EXPERIMENTO PRECISAMENTE QUE ELE SE
SUBTRAI A MIM.
(ZAHAVI, 2019)
ENTRE O EXISTENCIALISMO E A FENOMENOLOGIA
Vejamos a importante relação entre a Fenomenologia e certa tradição existencialista. É muito clara a aproximação, por exemplo,
entre Sartre, por um lado, e Husserl eHeidegger por outro.
HEIDEGGER
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Martin Heidegger (1889-1976), filósofo, escritor e professor alemão, foi assistente de Husserl na Universidade de Freiburg,
onde também se tornou professor e, por um breve período, reitor.
Sartre é reconhecido como um dos nomes mais importantes do existencialismo, mas também como integrante da tradição
fenomenológica.
Heidegger também se aproxima muito de elementos que seriam mais propriamente existencialistas, por mais que ele mesmo
tivesse questionado Sartre – e sua noção de humanismo – na sua Carta Sobre o Humanismo.
A importância de Heidegger para o pensamento sartreano, por exemplo, é indiscutível. Especialmente se nos referimos a Ser e
Tempo, obra na qual Heidegger investiga o Dasein, ou seja, a existência (o “homem”), como cada um de nós se comporta, por
mais que tenha insistido que seu objetivo mais significativo seria tematizar e descrever o Ser (o ente na totalidade) ou ainda a
própria lógica ou como a realidade se mobiliza.
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Fonte: Wikimedia
 Capa da primeira edição de Ser e Tempo, obra de Jean-Paul Sartre.
DASEIN
Palavra alemã significa tanto “existência” como a junção de “ser” (sein) com “aí” (da), sendo “aí” usado como uma espécie
de metáfora para “mundo”. Ou seja, o “modo de ser do homem” tanto pode ser visto como sua própria existência quanto
como o ato de ser no mundo.
Um dos elementos que torna possível a intimidade entre a Fenomenologia e o existencialismo é essa espécie de necessidade,
própria aos dois, de pensar o ato da percepção com base na experiência. Perceber precisa, antes de tudo, ser a experiência de
algo que está diante de nós. Mais do que isso, o próprio ato da percepção conta com a necessidade da reexperienciação de
determinada coisa ou de certa relação com outras consciências. Ao reexperimentar parte do que está diante ou junto a nós a
partir da epoché e da redução fenomenológica, ou seja, de uma abertura significativa, deixando que isso se mostre novamente a
partir de outras posições, torna-se possível a correção de um juízo prévio e a organização de outros mais complexos ou densos.
Aqui, complexidade e densidade estão diretamente relacionadas à possibilidade de reexperimentação daquilo que a consciência
percebe.
EPOCHÉ
Termo grego para suspensão do juízo, que Husserl usa com o sentido de redução fenomenológica.
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A VERDADE NÃO PODE, EVIDENTEMENTE, DEFINIR-SE AQUI PELA
ADEQUAÇÃO DO PENSAMENTO E DO SEU OBJETO, POIS SEMELHANTE
DEFINIÇÃO IMPLICARIA QUE O FILÓSOFO QUE DEFINE CONTEMPLE,
POR UM LADO, TODO O PENSAMENTO E, POR OUTRO, TODO O OBJETO
NA SUA RELAÇÃO DE EXTERIORIDADE TOTAL. QUALQUER
JUSTIFICAÇÃO POSSÍVEL DO JUÍZO DEVERÁ PASSAR POR ESSA
EXPERIÊNCIA PRESENTE DA PRÓPRIA COISA. A EVIDÊNCIA É, DESSE
MODO, O SENTIDO DE TODA A JUSTIFICAÇÃO, OU DE TODA A
RACIONALIZAÇÃO.
(LYOTARD, 1967)
Podemos declarar que conhecer algo, ao menos no interior da Fenomenologia e do existencialismo, também é perverter, ou seja,
reexperimentar e reconstituir a percepção inicial mais comum (mais disponível) acerca de algo ou de alguém. Essa percepção,
aliás, é a que está na base de outra tradição filosófica como a desconstrução.
DESCONSTRUÇÃO
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Desconstrução é um conceito recorrente em ciências humanas; remete ao exercício de despactuar as fórmulas estruturais,
percebendo quais são os interesses e as montagens que ofertam a esse discurso condição de aceitação, tornando possível
a emergência e evidência de compreensões, contextos e relações possíveis.
AS BASES DA FENOMENOLOGIA
A Fenomenologia se preocupa com certa suspensão em relação a compreensões e comportamentos mais sedimentados e
congelados, ou seja, que passaram a aparecer como naturais (como os únicos possíveis). Um quadro, um romance ou um
contexto histórico é sempre mais complexo do que uma narrativa mais geral permite que o seja. Desse modo, a Fenomenologia
se dedica à liberação de determinado ente, um quadro, um romance ou um contexto histórico, das compreensões mais gerais
que até então os apresentavam.
Para a liberação e restituição de algo à sua complexidade, é importante o que Husserl chama de epoché ou de redução
fenomenológica, ou seja, uma posição mais aberta em relação à coisa, uma reexperimentação que não seja determinada pelas
interpretações vigentes. É preciso se colocar junto à coisa, suprimindo o quanto possível aquilo que até então se conhecia. O que
já conhecíamos sobre determinada coisa não é necessariamente falso, mas é apenas parte do que se pode saber com base na
reexperimentação e reorganização da percepção.
Antes de prosseguir, vejamos o vídeo a seguir que aprofunda o conceito de epoché, fundamental ao pensamento de Edmund
Husserl.
Até aqui, falamos de um tipo de relação intencional específica, a da percepção, ou seja, a relação que se dá entre consciência e
coisas, de modo que, com base na experiência da coisa – ela se mostra a partir de determinada posição –, a consciência constitui
sentido. Mas a pergunta agora é sobre a possibilidade de a Fenomenologia tematizar outras consciências. Como se daria uma
relação, como tematizar ou conhecer outras consciências?
Há uma diferença inicial a respeito da percepção de uma coisa e da percepção de outra consciência, pois, como afirma Zahavi
(2019), falar de um sujeito alheio, falar do outro significa falar de algo que ultrapassa necessariamente sua dação. Uma
coisa não tem consciência; sua mobilidade se dá inteiramente a partir de uma rede relacional no interior da qual ela ocupa um
papel e tem funções específicas, por mais que tenhamos compreensões de serem próprias ou âmbitos autônomos no interior dos
quais a mesma coisa possua funções razoavelmente diferentes.
Uma cadeira, por exemplo, tem certa função dentro de um museu, outra numa sala de aula e outra ainda quando nos
posicionamos à sua frente e pensamos sobre ela. Não penso sobre a cadeira quando estou sentado na sala de aula atento à
professora, por exemplo, bem como também não sou capaz de prestar atenção e participar de uma aula de História ou de
Biologia se estiver atento à cadeira na qual estou sentado (de qual material é feita, quais são suas medidas, capacidade, se é ou
não confortável para esta ou para aquela circunstância etc.).
 
Fonte: MoMA Learning
 One and Three Chairs, obra de Joseph Kosuth.
Uma coisa é muito claramente constituída a partir do contexto no qual se encontra, mas os homens em geral, não. Os nossos
comportamentos também estão relacionados e são, em parte, determinados pela atividade da consciência. Se eu me atento a
determinada coisa a partir da epoché ou da redução fenomenológica, ou ainda, buscando me suspender em relação às teorias e
interpretações mais gerais ou vigentes, se olho para essa coisa com atenção, posso ter acesso a ela e descrevê-la de modo
muito mais simples. Basta, para isso, e a partir da epoché, prestar atenção no espaço, no âmbito ou na rede relacional na qual
ela se encontra.
Olhar para a coisa é necessariamente olhar para fora, para o que está junto a ela constituindo certo contexto pragmático (De
ordem prática ou objetiva. ) : a caneta numa sala de aula; a caneta no bolso de um médico numa consulta; a caneta no interior de
uma exposição; a caneta na orelha de um pedreiro ou a caneta no bolso de um político em meio à campanha eleitoral.
MAS AS PERGUNTAS QUE SE APRESENTAM SÃO SOBRE OUTRA
CONSCIÊNCIA
Para que eu possa compreender ao menos parte dos comportamentos de alguém (de uma outra consciência), seria suficiente
olhar para fora? Não somos todos constituídos pela atividade do que estamos chamando de consciência? Ao menos parte de
nossas atividades e nossos comportamentos não são também organizados a partir da consciência? De certa interioridade? Então
como olhar apenas para fora, para o contexto, quando se trata de tematizar e descrever determinados comportamentos de fulano
ou de sicrano?
Realmente há uma distinção entre a percepção relativa a algo e a quese dá em relação a outras consciências, a alguém. Mas
não podemos exagerar e recair no equívoco próprio à filosofia idealista que compreende a consciência como independente do
mundo ao seu redor, ou seja, como uma atividade que confere sentido ao que está diante de si, mas sem nenhuma relação mais
íntima com a coisa. Desse modo, o que está em questão é: se por um lado perceber e descrever os comportamentos de alguém
é complexo, tendo em vista a própria atividade da consciência que esse alguém também é, por outro lado a consciência sempre
se mobiliza exatamente a partir, junto ao exterior, das relações na qual está enredada antes de constituir juízos e enunciados.
Se alguém age de uma maneira e não de outra, isso está ligado à atividade da consciência, mas de uma consciência que pensa a
partir de uma posição em meio a outras coisas e consciências, a partir da relação pré-teórica com o que está diante e junto a ela.
Assim, também é importante, ao buscar compreender e descrever os comportamentos de alguém, olhar para fora, para a rede ou
o contexto no interior do qual ele se encontra e apenas a partir do qual pode e precisa pensar isto ou aquilo, desta ou daquela
maneira.
Esta consciência que está diante de mim e a qual busco compreender também se relaciona comigo antes mesmo de eu
perguntar sobre ela, sobre seus comportamentos, quer em relação a mim, quer em relação a outras coisas ou consciências. Para
que eu possa me perguntar sobre os comportamentos de alguém, esse alguém e eu já devemos possuir uma relação pré-teórica
que torna possível, por exemplo, o meu interesse teórico por ele e, também, me informa previamente no que diz respeito às
dúvidas, perguntas, hipóteses e juízos possíveis.
Quando me relaciono com alguém a partir do modo teórico, buscando compreender e descrever parte dos seus comportamentos,
eu já estou em uma relação pré-teórica não apenas com esse alguém diante de mim, mas também com parte do mundo, das
relações no interior das quais esse alguém se mobiliza (e é mobilizado). Assim, compartilhamos determinado mundo, constituindo
uma intersubjetividade de base ou, como afirma Zahavi (2019), eu posso encontrar um outro precisamente porque minha
experiência de mim mesmo mais própria abarca originariamente sempre já uma dimensão de estrangeiridade.
MINHA EXISTÊNCIA CORPORAL NO MUNDO É DESDE SEMPRE
INTERSUBJETIVA E SOCIAL. PRECISAMENTE PORQUE EU NÃO SOU
NENHUMA INTERIORIDADE PURA, MAS UM SER CORPÓREO, QUE VIVE
FORA DE SI, QUE TRANSCENDE A SI MESMO, EU POSSO ENCONTRAR E
COMPREENDER OS OUTROS QUE EXISTEM DA MESMA MANEIRA.
(ZAHAVI, 2019)
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A FENOMENOLOGIA PODE SER DEFINIDA A PARTIR DE UMA CRÍTICA CONTUNDENTE A QUE
OUTRAS ESCOLAS FILOSÓFICAS?
A) Empirismo e desconstrução.
B) Idealismo e empirismo.
C) Desconstrução e existencialismo.
D) Existencialismo e pós-estruturalismo.
2. O QUE É FUNDAMENTAL À FENOMENOLOGIA?
A) A negação de todo e qualquer juízo.
B) A percepção definitiva do que as coisas são.
C) A epoché, reexperimentação das coisas e de outras consciências e a constituição de outros juízos possíveis.
D) O negacionismo.
GABARITO
1. A Fenomenologia pode ser definida a partir de uma crítica contundente a que outras escolas filosóficas?
A alternativa "B " está correta.
 
A Fenomenologia se constitui a partir do final do século XIX com o claro objetivo de questionar duas compreensões específicas:
1- a de que o conhecimento do mundo se torna possível a partir da atividade de um sujeito independente ou isolado, o que
chamamos de idealismos; 2- a de que um conhecimento preciso e definitivo das coisas se tornaria possível a partir da simples
compreensão do que elas comunicam, e isso sem nenhuma participação da consciência, o que podemos chamar de empirismo.
2. O que é fundamental à Fenomenologia?
A alternativa "C " está correta.
 
Podemos dizer que o movimento da suspensão em relação às orientações mais disponíveis é fundamental à Fenomenologia,
sendo também conhecido como epoché. A partir desse movimento, há outras relações possíveis com coisas ou consciências e,
por fim, a constituição de outros juízos sempre parciais.
MÓDULO 2
 Descrever a Fenomenologia de Husserl e a de Heidegger
A FENOMENOLOGIA DE HUSSERL
TODA A CONSCIÊNCIA É A CONSCIÊNCIA DE ALGO.
(HUSSERL apud FRAGATA, 1959)
(...) A PALAVRA INTENCIONALIDADE SIGNIFICA APENAS QUE ESTA
PARTICULARIDADE INTRÍNSECA E GERAL QUE A CONSCIÊNCIA TEM DE
SER CONSCIÊNCIA DE QUALQUER COISA, DE TRAZER, NA SUA
QUALIDADE DE COGITO, O SEU COGITATUM EM SI PRÓPRIO.
(HUSSERL, 2001)
A intencionalidade é a primeira noção husserliana que descreveremos, fundamental para compreendermos outros conceitos do
filósofo alemão, como redução fenomenológica (epoché) e mundo da vida (Lebenswelt).
Intencionalidade, noção cara a Husserl e à Fenomenologia em geral, descreve a relação mais originária que temos com as coisas
e com os outros. A compreensão moderna de que o sujeito é independente da realidade é equivocada para Husserl. Antes de
qualquer relação possível entre a consciência e as coisas e entre consciências, temos uma intimidade radical, pré-teórica, entre
elas, porque a consciência tende a se exteriorizar ou a se lançar para fora de si.
A primeira relação com as coisas é sempre imediata, de tal forma que estamos junto às coisas e aos outros realizando algo,
sendo determinados por certa rede relacional, por mais que posições teóricas ou científicas sejam não apenas possíveis como
também necessárias. Só a posteriori, quando há algum tipo de crise no interior dessa relação, é que comportamentos teóricos se
tornam possíveis. Esse questionamento posterior pode ser ou não responsável pela constituição de enunciados e juízos capazes
de reestruturar determinada relação na qual nos encontramos, transcendentalizando ou generalizando-se, passando a orientar a
atividade das consciências sem que elas sejam capazes de perceber.
Assim, temos a própria reestruturação possível de uma rede relacional que, a partir de então, volta a determinar as consciências
em geral até que outra crise significativa reivindique ou torne necessários posicionamentos teóricos capazes de responder
(sempre provisoriamente) a tais problemas contextuais ou históricos. O que torna possível a relação mais básica com as coisas e
com outros, relação essa anterior aos posicionamentos teóricos e científicos, é a intencionalidade, ou seja, essa tendência da
consciência de ir ao encontro de determinadas coisas e de outros e de ser orientada inicialmente junto a elas no interior de uma
relação ou rede relacional.
A epoché e a redução fenomenológica são dois momentos de uma redução transcendental que significa suspensão. Trata-se de
uma suspensão exatamente em relação ao que Husserl chama de ingenuidade pré-filosófica ou posicionamento natural. A
epoché e a redução fenomenológica apontam, portanto, para a necessidade de uma suspensão – de “pôr entre parênteses” –
relacionada ao modo inicial, segundo o qual nos comportamos na maior parte das vezes, a partir de um conjunto de sentidos,
significados e afetos sedimentados que não são questionados e que parecem ser naturais, ou seja, parecem estar aí desde e
para sempre.
Há uma espécie de tendência à continuação da realidade efetiva ou do mundo no qual nos mobilizamos. Não se trata, porém, de
um sair da realidade efetiva na qual estamos, pois isto não é possível. Trata-se de mais de um questionamento significativo em
relação a como:
A relação entre consciências e coisas se constitui;
As consciências constituem enunciados e juízos;
O nosso próprio mundo se organiza, emerge e se diferencia;
Indagamos e recolocamos determinadas orientações e concepções que temos das coisas.
É ESTA A VERDADEIRA SIGNIFICAÇÃO DO PÔR ENTRE PARÊNTESES:
REFERE O OLHAR DA CONSCIÊNCIA SOBRE SI MESMA, TRANSFORMA A
DIREÇÃO DESSE OLHAR E LEVANTA, AO SUSPENDER O MUNDO, O VÉU
QUE OCULTAVA AO EU A SUA PRÓPRIA VERDADE. ESSA SUSPENSÃO
REVELA QUE O EU CONTINUA SENDO O QUE É,ISTO É, ENTRELAÇADO
COM O MUNDO, E QUE O SEU CONTEÚDO CONCRETO É EFETIVAMENTE
O FLUXO DAS ABSCHATTUNGEN (SILHUETAS), POR MEIO DAS QUAIS A
COISA SE DESENHA.
(LYOTARD, 1967)
Parece, assim, que há um mundo perfeito diante de nós, muito bem delimitado e a-histórico, além de consciências que podem e
precisam compreender esse mundo definitivo. Essa seria a nossa posição inicial e mais comum de acordo com Husserl, e a
epoché seria um método a partir do qual seria possível compreender apropriadamente essa realidade efetiva diante de nós, como
se comporta a consciência, como se dá a constituição de enunciados e juízos e, por fim, como a própria realidade se organiza e
emerge.
A EPOCHÉ SE TORNA FUNDAMENTAL PARA COMPREENDERMOS QUE:
• Consciências e coisas se mobilizam reciprocamente;
• Não há atividade da consciência constituindo enunciados e juízos se o algo (que é o correlato, o que está diante de nós) não se
mostra (dação); 
• Não há mostração da coisa que também não se direcione e requisite a atividade da consciência, a qual constitui determinadas
sentenças a partir da própria orientação disponibilizada pelo o que está à sua frente (pela coisa).
Não há, portanto, um exterior perfeito que não seja também constituído a partir da atividade das consciências, e não há uma
atividade consciente que se dê de maneira isolada, pois ela precisa da mostração das próprias coisas. A epoché aponta para a
necessidade de uma reexperimentação das coisas a partir de uma suspensão, mesmo que provisória, em relação à nossa
posição natural no interior de determinada realidade efetiva ou mundo.
Precisamos questionar a compreensão pré-filosófica de que tudo o que está diante de nós é perfeito e a-histórico e que a nossa
consciência se mobiliza de maneira superior e isolada no sentido de conhecer definitivamente (e de maneira privilegiada) as
coisas (e as outras consciências) que estão diante dela. É necessária, assim, uma suspensão também em relação a parte das
orientações próprias à realidade efetiva na qual nos mobilizamos para que as próprias coisas nos mostrem um pouco mais delas
e assim se torne possível a correção (adensamento) de posições anteriores e a compreensão mais evidente de como funciona a
relação entre consciência e coisas e entre as consciências, de como enunciados e juízos são possíveis e de como a própria
realidade efetiva na qual nos mobilizamos se constitui, emerge e se transforma.
“ÀS COISAS MESMAS”
A fenomenologia husserliana se constitui a partir de uma espécie de lema do pensamento fenomenológico em geral: “às coisas
mesmas”. Trata-se de um pensamento que destaca a importância ou a necessidade de que a experiência das coisas esteja
sempre em primeiro lugar, em oposição à possibilidade de que, em algum momento, a consciência possa constituir enunciado e
juízos definitivos sobre as coisas. Se tendemos ao posicionamento natural, a nos relacionarmos com as coisas e com os outros
como se tudo tivesse uma identidade específica e definitiva, como se o mundo ou a realidade efetiva fosse a única possível,
Husserl lembra que a experiência é fundamental.
Nossa relação com a coisa que buscamos conhecer é sempre anterior ao momento no qual a pensamos ou a descobrimos. Essa
experiência mais imediata (ou prévia) das coisas fornece uma perspectiva específica que se mantém determinante no segundo
momento da relação com a coisa (momento teórico ou científico).
Assim, quando pensamos e produzimos conhecimento em relação às coisas ou mesmo consciências (outros), o que produzimos
não é um saber privilegiado e definitivo dessa coisa ou consciência, mas sim enunciados e juízos determinados pela nossa
primeira relação (imediata) com elas, pela perspectiva que se tornou visível a partir dessa relação prévia.
“Às coisas mesmas” é, portanto, uma espécie de convite a uma ou a outras reexperiências junto a determinadas coisas ou
consciências para que se torne possível uma correção (adensamento, complexificação) daquela perspectiva inicial com base na
própria mostração.
Não se trata, porém, da possibilidade de ir conhecendo cada vez mais a coisa mesma até que uma percepção privilegiada e
definitiva seja possível, pois:
Essas outras relações (ou experiências) que temos junto às coisas e a consciências ainda são possíveis a partir daquela primeira
perspectiva que se tornou possível com base numa experiência prévia, anterior;
A própria coisa ou cada um de nós tende a se resguardar, a nunca se mostrar plenamente.
Husserl adverte que não devemos nos cegar pelas compreensões e pelos métodos das ciências exatas, como se suas
percepções teórico-metodológicas fossem privilegiadas. Ao invés de permitir que teorias determinem a experiência, é necessário
que as experiências tornem possível o conhecimento, o qual vai se complexificando na medida em que nos relacionamos
novamente com as coisas e com as pessoas. A questão é deixar que as coisas mesmas se mostrem e não se adiantar a elas.
A FENOMENOLOGIA DE HEIDEGGER
Dasein (ser-aí) é a noção mais fundamental do pensamento heideggeriano, usada para se referir ao que chamamos de homens.
Conforme Heidegger, há algo que todos nós somos a despeito das coordenadas espaço-temporais, gênero, etnia, idade, posição
social, profissão etc. Somos marcados por isso que é ser-aí, ou ainda, estamos sempre nos comportando a partir de um horizonte
ou mundo no interior do qual nos mobilizamos.
 
Fonte: Wikimedia
 Martin Heidegger
Assim, se lidamos no dia a dia com determinada pessoa ou coisa, pensando e questionando a respeito do que ela é e para o que
ela serve (atitude teórica ou científica), isso se torna possível porque já estamos sempre imediatamente lançados, como diz
Heidegger, num “aí”, num contexto específico que nos orienta sem que sejamos capazes de conhecê-lo à exaustão ou
plenamente. Além desse estar lançado num “aí” ou mundo mais transcendental ou geral, tornando possível e orientando nossos
comportamentos mais práticos e teóricos, há também o que Heidegger chama de “poder-ser”.
MAS DO QUE SE TRATA O “PODER-SER”?
Trata-se da tendência de nos abrirmos para o que está ao nosso redor, algo próximo à noção de intencionalidade husserliana. Por
um lado, somos determinados pelo mundo ou “aí” no qual nos mobilizamos, por outro, isso só se dá porque também somos
estruturas que se abrem àquilo que nos rodeia. Por isso mesmo somos orientados pelo “aí” no qual estamos. Somos orientados
porque nos abrimos e permitimos que essas orientações nos atravessem de alguma maneira e, com base numa relação imediata
e pré-predicativa, podemos nos comportar, em seguida, de forma mais pragmática, teórica ou científica.
Há uma espécie de circularidade ao longo da nossa existência. De alguma forma e na maior parte do tempo, repercutimos
automaticamente um contexto, uma relação ou um “aí”. No entanto, também nos abrirmos em alguns momentos para outras
relações possíveis com as mesmas coisas e “pessoas” ou com outros objetos ou seres-aí. Para essa abertura ser possível, não é
suficiente pensar e querer. A atividade teórica (penso) e volitiva (quero) não é suficiente para que aconteça essa abertura porque
ela é pré-consciente. Para que ela seja possível, é fundamental já estar se mobilizando no interior de um mundo específico, junto
aos entes em geral, às coisas e aos seres-aí. Isso é o que Heidegger chama de “descerramento”.
A partir do descerramento de mundo, de um estar aí envolvido e comprometido com determinadas atividades e determinados
projetos que vão se tornando possíveis, há uma abertura a outros e à possibilidade da reconstituição ou reorganização do mundo
no qual me mobilizo e das próprias existências (vidas, cotidianos). As noções de poder-ser e de ser-aí estruturam o ser humano
em geral ou cada um de nós, conforme Heidegger. Ou seja, somos orientados pelo nosso “aí” e marcados pelo o que é o poder-
ser.
A tematização dos homens em geral, chamada por Heidegger de Dasein, é parte do interesse fundamental da sua
fenomenologia: acompreensão do Ser, do ser do ente, ou ainda, da realidade na sua totalidade ou como a realidade se constitui.
Segundo Heidegger, desde a filosofia na Grécia antiga, há o esquecimento do ser. Os filósofos se perguntariam, desde então,
pelo Ser ou pela realidade na sua totalidade equivocadamente, como se fosse uma coisa propriamente dita, como se
determinado predicado fosse suficiente à descrição e compreensão do que é a realidade na totalidade (o Ser).
De acordo com Heidegger, ao perguntar pelo Ser a partir da pré-compreensão de que ele é alguma coisa a ser conhecida de uma
maneira definitiva, a tradição acabou esquecendo do Ser ou se afastando de alguma maneira dele porque o Ser ou a realidade na
plenitude não é uma coisa e não pode ser descrita a partir de determinadas características (ou categorias).
Para Heidegger, o Ser é marcado pelo caráter de possibilidade. A realidade em sua plenitude se constitui e se diferencia tornando
possível horizontes ou contextos específicos, organizados a partir de determinados sentidos, significados e afetos. Lembrar e
perguntar pelo Ser só é possível se o tematizamos a partir do seu caráter de possibilidade, ao invés de pretendermos ter uma
resposta precisa sobre o que ele é a despeito das coordenadas espaço-temporais.
A fenomenologia heideggeriana se preocupa em relacionar a compreensão do Ser ou da realidade plena à estrutura do Dasein ou
dos homens em geral. Haveria, assim, uma relação íntima entre Ser e Dasein, ou ainda, entre o caráter de possibilidade próprio
ao Ser, por um lado, e o que constitui os homens em geral, por outro: ser o seu “aí” e ser marcado pelo caráter de “poder-ser” ou
de abertura. Lembrar do Ser é perguntar por ele o mais próximo do que ele realmente é, e não a partir de uma mobilidade teórica
objetivante que apenas o confundiria com uma coisa qualquer (entre outras).
Há uma diferença de qualidade entre a coisa e o Ser.
Para que uma coisa seja isso ou aquilo é necessário um horizonte ou contexto específico no interior do qual essa posição se
torna possível. O Ser precisaria se diferenciar da coisa para tornar possível que determinado horizonte ou contexto se
constituísse, ou constitua-se desta ou daquela forma, para que, apenas desse modo, determinada coisa possa ser compreendida
como isto ou aquilo e tenha um significado específico.

Já o Ser é o movimento de constituição de horizontes ou contextos mais sedimentados, por um lado, e também a própria
diferenciação desses contextos e sua reorganização (reestabilização) em outros mundos possíveis – aparece como sendo a
própria condição de possibilidade para que uma coisa signifique isto ou aquilo.
 SAIBA MAIS
O que, porém, é exatamente esse ser? Na Carta sobre o humanismo, Heidegger dá a seguinte resposta: “Mas o ser – o que é o
ser? Ele ‘é’ ele mesmo.”. 
Segundo Zahavi (2019), uma interpretação mais ousada, de qualquer modo talvez também mais elucidativa, compreende a
questão do ser como uma questão acerca daquilo que possibilita ao ente se mostrar como aquilo que ele é. Perguntar sobre o ser
do ente significa, portanto, perguntar sobre as condições de possibilidade para a manifestação do ente.
O Ser, ou a realidade na totalidade, é possibilidade, mobiliza-se altercando momentos de maior sedimentação e estabilidade com
momentos de maior instabilidade e diferenciação, tornando possível a transformação dos horizontes ou dos contextos nos quais
nos mobilizamos.
O DASEIN (SER-AÍ) É NOÇÃO FUNDAMENTAL EM HEIDEGGER (2008),
POIS SEM O SER-AÍ NÃO HAVERIA NEM SER, NEM VERDADE, NEM
MUNDO.
(ZAHAVI, 2019)
Há uma relação complementar entre Ser e Dasein que se constitui da seguinte forma:
Enquanto a realidade efetiva está mais sedimentada e estável, temos a maior parte dos seres-aí (Dasein) se comportando de
modo imediato e repercutindo – inclusive por meio da teoria e da ciência – determinado mundo;
Quando essa realidade experimenta uma crise significativa e passa por um processo de reorganização ou diferenciação, a maior
parte dos seres-aí (Dasein) se encontra aberta a outras relações possíveis com as mesmas coisas e pessoas ou com outros
objetos e seres-aí.
(...) A INVESTIGAÇÃO DO SER PRECISA SER LEVADA A TERMO COMO
UMA INVESTIGAÇÃO DA COMPREENSÃO DE SER DO SER-AÍ, POIS É
JUSTAMENTE ESSA COMPREENSÃO DE SER QUE POSSIBILITA AO ENTE
SER, OU SEJA, APARECER COMO AQUILO QUE ELE É E SE MANIFESTAR
ENQUANTO TAL.
(ZAHAVI, 2019)
Há uma relação de intimidade entre o Ser ou a realidade na totalidade e o Dasein, um implicando o outro, para que o Ser atualize
o seu caráter de possibilidade, tornando possível que determinado horizonte ou contexto se diferencie ou se reorganize. Para
isso, é necessário um comportamento mais geral dos homens, é necessário que boa parte dos seres-aí se abra e torne possível a
repercussão de outros mundos. E, na medida em que a maior parte dos seres-aí se orienta por um conjunto específico de
sentidos, significados e afetos, a própria realidade efetiva vai se sedimentando e se reestabilizando, atualizando parte disso que o
Ser também é: repetição.
Trata-se, assim, de uma implicação entre Ser e Ser-aí (Dasein), em que todos os nossos comportamentos teóricos e práticos se
constituem a partir ou com base num mundo específico. Por isso, não seria possível um sujeito independente do espaço no qual
ele se comporta, como vimos na crítica feita a Kant:
[...] O SER-AÍ É COMPREENDIDO NESSA INTERPRETAÇÃO (A IDEALISTA)
JUSTAMENTE COMO UMA SUBSTÂNCIA, ISTO É, COMO ALGO
AUTÔNOMO E INDEPENDENTE – UMA INDEPENDÊNCIA, QUE SE FEZ
VALER, SEGUNDO A COMPREENSÃO HABITUAL, ANTES DE TUDO NA
RELAÇÃO COM O MUNDO. COM ISSO, PORTANTO, NÓS TERMINAMOS
JUNTO AO SUJEITO AUTÔNOMO, ISOLADO E SEM MUNDO DA TRADIÇÃO
FILOSÓFICA.
(ZAHAVI, 2019)
Antes de concluirmos o módulo, vejamos no vídeo a seguir considerações sobre as perspectivas de Heidegger e Husserl.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. DE ACORDO COM HUSSERL, INTENCIONALIDADE DEVE SER DESCRITA COMO:
A) A intenção que nos faz ser melhores.
B) A procura pela verdade.
C) A operação lógica responsável pela articulação da verdade na linguagem.
D) A determinação da consciência de se comportar sempre em direção às coisas.
2. SEGUNDO HEIDEGGER, O DASEIN DEVE SER DESCRITO COMO:
A) Um termo para nos referirmos às coisas mesmas.
B) Um conceito próprio a Platão e que Heidegger retoma para se referir à noção de verdade.
C) Um ente entre outros.
D) Uma noção que se remete à estrutura dos homens em geral.
GABARITO
1. De acordo com Husserl, intencionalidade deve ser descrita como:
A alternativa "D " está correta.
 
A intencionalidade é uma espécie de tendência própria à consciência de se mobilizar em direção às coisas, ao que está fora e, a
partir delas, da sua mostração, constituir, por exemplo, enunciados e juízos.
2. Segundo Heidegger, o Dasein deve ser descrito como:
A alternativa "D " está correta.
 
O Dasein, termo alemão que pode ser traduzido em português como ser-aí, refere-se aos homens em geral a partir do esforço
heideggeriano de descrever como nos mobilizamos: com base no nosso “aí” (ou mundo), e, também, no “poder-ser” que também
somos.
MÓDULO 3
 Relacionar a Fenomenologia e suas influências com o desenvolvimento das ciências humanas
MUNDO DA VIDA
O mundo da vida, ou Lebenswelt, é aquele no qual nos mobilizamos de modo imediato ou prévio, um espaço sedimentado no
qual já estamos inicialmente e que nos fornece os sentidos, significados e afetos que possibilitam todos os comportamentos
(pragmáticos, teóricos ou científicos).
Quando nos relacionamos com algo ou com alguém, estamos sempre determinados pelas orientações que, de alguma maneira,
já estão por aí. Apenas com base nelas, torna-se possível nos relacionarmos desta e não de outra forma com as coisas e com os
outros; orientações mais imediatas que também fornecem os sentidos, significados e afetos a partir dos quais podemos nos
perguntar e mesmo constituir hipóteses sobre determinada coisa (atitude teórica ou científica).O mundo da vida é aquele com o qual estamos tão familiarizados que não somos capazes de o questionar mais propriamente, ou
seja, por mais que possamos nos indagar, produzir explicações teóricas (científicas) sobre determinados objetos, o mundo da
vida sempre se resguarda. Desse modo, ele acaba oferecendo as orientações a partir das quais podemos nos perguntar e
construir explicações sobre o que está diante de nós.
O mundo da vida reúne e disponibiliza as orientações mais gerais que vão sendo organizadas e reorganizadas em determinados
espaços, constituindo certa sociedade e cultura. Nunca temos um acesso objetivo ao mundo da vida, nunca estamos exatamente
frente a frente (Gegenständlichkeit) a essa espécie de repositório de sentidos, significados e afetos. Se podemos questionar esta
ou aquela compreensão que temos de algo ou de alguém em nosso mundo, essa atividade teórica ou científica é sempre possível
a partir de outras compreensões mais familiares que nos determinam e tornam possíveis este ou aquele olhar, questionamentos e
constituição de hipóteses.
De acordo com Husserl, o problema que constitui a ciência e parte significativa da história da Filosofia é que elas ou esqueceram
ou fazem questão de denegar ou de obscurecer o que é o mundo da vida. Ou seja, não assumem que todos os comportamentos
mais práticos ou teóricos/científicos estão sempre orientados por um conjunto de sentidos, significados e afetos o qual constitui o
nosso olhar sobre as coisas e sobre os outros, de modo que nossos enunciados e juízos – mesmo científicos – são sempre
também uma doação de sentido (em relação ao que está diante de nós) que se torna possível exatamente a partir de uma
relação anterior com esse conjunto.
O pensamento em geral, a Filosofia e a Ciência nunca conhecem exatamente aquilo que é seu objeto, sendo capazes de
constituir perguntas e hipóteses que estão profundamente comprometidas com o mundo da vida no interior do qual o filósofo, o
pesquisador ou os cientistas sempre já estão. Perguntas e hipóteses que se constituem a partir das orientações próprias ao
mundo da vida.
O mundo da vida não é uma espécie de solo imutável, invariável. Ele também se transforma, ainda que lentamente. Na medida
em que determinadas compreensões teóricas e científicas vão se sedimentando e se generalizando, repercutindo e alcançando
mais e mais pessoas, parte delas se relaciona com esses enunciados e juízos como se eles fossem definitivos. Assim, pouco a
pouco e sem que percebamos, somos determinados por essas orientações que vão se tornando parte do mundo da vida, a
própria condição de possibilidade para que possamos agir e pensar desta maneira e não de outras.
 
Fonte:Shutterstock
A CIÊNCIA ESTÁ FUNDADA NO MUNDO DA VIDA E SE INFILTRA COM O
TEMPO NO SOLO, NO QUAL ELE SE ENCONTRA. CADA VEZ MAIS,
SUPOSIÇÕES TEÓRICAS SÃO ACOLHIDAS NA PRÁXIS COTIDIANA E
FORMAM, ENTÃO, ELAS MESMAS UMA PARTE DO MUNDO DA VIDA.
(ZAHAVI, 2019)
ANGÚSTIA
Heidegger insiste em chamar a atenção para uma espécie de tendência que temos de continuarmos juntos ao nosso mundo mais
imediato como se ele fosse o único possível, como se nossos comportamentos teóricos e práticos fossem ideais. Por isso, ele
afirma que o Dasein ou os homens em geral são, na origem e na maioria das vezes, o seu “aí”, ou seja, repercutem o espaço no
qual se mobilizam sem que haja uma reorganização significativa de cada um (do Dasein, do “si-mesmo”) e do mundo circundante.
(...) PERDENDO A SI MESMO EM MEIO ÀS COISAS, DEIXANDO-SE
ABSORVER NO ‘MUNDO’, O DASEIN ESTÁ FUGINDO DE SI MESMO COMO
UMA AUTÊNTICA CAPACIDADE-DE-SER-SI-MESMO.
(GORNER, 2017)
Heidegger se preocupa, portanto, em pensar na possibilidade mais rara de que o Dasein possa se rearticular, transformar-se, o
que tornaria possível a própria reorganização ou diferenciação do mundo ao nosso redor, da realidade ou até mesmo da história.
É isso que está em questão quando ele tematiza o que chama de “poder-ser”.
Trata-se da atualização da própria possibilidade que também somos – junto ao nosso mundo –, de nos reabrirmos para outras
relações possíveis. De acordo com o filósofo alemão, na medida em que continuamos nos mobilizando no mundo, estamos
sempre expostos à possibilidade de encontrarmos outros seres-aí, coisas, possibilidades. Não apenas porque elas aparecem,
mas também porque seríamos marcados pela possibilidade de nos abrirmos a outros, ao Outro, àquilo que não conhecemos mais
propriamente. Somos constituídos pelo caráter de “poder-ser”, de abertura para aquilo que não está tão evidente.
Podemos descrever o Dasein ou cada um de nós a partir destas duas tendências:
A tendência, que se atualizaria a maior parte das vezes, de repercutimos determinado mundo, ou conjunto de sentidos,
significados e de afetos no interior e a partir dos quais nos mobilizamos;
A tendência, menos comum, mas importante no pensamento heideggeriano, de nos abrirmos para outras relações, possibilitando
uma transformação significativa do “si-mesmo”, do Dasein, de cada um de nós, e também do nosso redor, da realidade afetiva
(Wirklichkeit) na qual nos mobilizamos, da própria história.
Mas não bastaria pensar e querer atualizar o “poder-ser”, a abertura que também somos. A inteligência e a vontade não são
suficientes para uma reorganização do “si-mesmo” e de parte do mundo no qual nos mobilizamos. De acordo com Heidegger e
Husserl, sempre estamos repercutindo o nosso mundo com base numa relação pré-teórica ou pré-temática, por isso os
comportamentos teóricos são posteriores, originam-se após uma primeira relação mais fundamental que oferece elementos ao
próprio pensamento. O pensamento não é suficiente para constituir uma transformação do “si-mesmo” e do mundo porque esse
mundo no qual me encontro, também pensando, vai estar sempre ali na base de cada uma das minhas reflexões.
COMO SERIA POSSÍVEL, ENTÃO, A ATUALIZAÇÃO DO “PODER-SER” QUE
TAMBÉM SOMOS, OU AINDA, ESSA REARTICULAÇÃO DO SI-MESMO E DO
NOSSO ENTORNO (DO NOSSO MUNDO)?
De acordo com Heidegger, na medida em que atualizamos a tendência de repercutir e reter (manter) o que nós e o mundo temos
sido, vamos realizando uma espécie de fuga daquela outra possibilidade que também somos, a de nos abrirmos para outras
relações possíveis, reorganizando, assim, não apenas a nós mesmos, mas também o nosso entorno.
Na medida em que insistimos excessivamente em continuar determinada identidade e certo mundo, realizamos o que Heidegger
chama de decadência, vamos perdendo a possibilidade de nos diferenciarmos, de constituirmos outras relações e realidades.
Quando insistimos nessa decadência, tornamos possível a constituição de uma atmosfera (Stimmung), de um clima, de um
sentimento como o da angústia. Vamos nos angustiando exatamente porque atualizamos, nesse caso, apenas parte do que
somos. Sentimos a angústia porque, na decadência, vamos repercutindo e repetindo de algum modo o que somos e o nosso
mundo, sem também tornar possíveis reconsiderações de nós mesmos e da nossa realidade.
 RECOMENDAÇÃO
Para se aprofundar no pensamento de Heidegger e compreender sua repercussão na sociedade contemporânea, recomendamos
a leitura da obra Nada a Caminho, do Prof. Dr. Marco Antônio Casanova, que aborda, nesse contexto, a concepção
heideggeriana do niilismo.
NA DECADÊNCIA, O DASEIN FOGE DE (PERANTE) ALGO. ELE NÃO FOGE
DE COISA ALGUMA NO-INTERIOR-DO-MUNDO. AO CONTRÁRIO, É PARA
OS ENTES INTRAMUNDANOS QUE ELE FOGE, VIVENDO ENTRE ELES EM
MEIO A UMA ‘FAMILIARIDADE TRANQUILA’ (BERUHIGTE VERTRAUHEIT).
DECAIR É FUGIR PARA O EM-CASA DO ‘MUNDO’ PÚBLICO IMPESSOAL,
SAINDO DO NÃO-EM-CASA QUE CARACTERIZA O SER DO DASEIN COMO
JOGADO E ENTREGUE A SI MESMO.
(GORNER, 2017)
O que nos aflige e ameaça na angústia, de acordo com Heidegger, não é isto ou aquilo em especial, não é uma simples
insatisfação com elementos mais particulares das nossas vidas, como nossos empregos, estudos, relações afetivas. O que nos
aflige é algo mais geral, o próprio esquecimento de quetambém somos “poder-ser”, abertura, que também precisamos nos
diferenciar, e nos transformar ainda que de maneira menos comum ou recorrente se comparamos com a (outra) determinação
que também somos, a de ser o nosso “aí”.
A partir da angústia, tudo que temos feito vai perdendo sentido (nosso trabalho, nosso cotidiano etc.). De alguma forma, tudo ou a
maior parte do que fazemos vai perdendo seu valor imediato, aquela necessidade que até então nos orientava (e assentava).
Esse estado afetivo, o da angústia, provoca certa suspensão em relação à realidade e torna possível a compreensão, mesmo que
passageira, de que aquilo que somos, nosso “si-mesmo”, bem como o mundo ou a realidade na qual nos mobilizamos, é apenas
“efetiva” (Wirklichkeit). Nada, nenhuma atividade ou relação, é autossuficiente. Ao contrário, se constitui de forma contextual,
dependendo de todos e de tudo que está em questão em certa relação.
 
Fonte: Art Institute of Chicago
 Mulher chorando, Vincent van Gogh, 1883.
Esta ou aquela relação pode, poderia ou poderá ser (e será) de outra forma. Também podemos ser de outra maneira, sempre
podemos ser isto que somos e outras possibilidades. O mundo no qual nos mobilizamos já foi diferente, pode e, na verdade, vai
se transformar. Cada um de nós também precisa se reorganizar para atualizarmos ou respondermos de algum modo a parte do
que também somos: “poder-ser”, abertura a outros.
O momento e a atmosfera (Stimmung) da angústia são importantes em relação à possibilidade de lembrarmos que:
Precisamos nos entregar à possibilidade de diferenciação, de transformação;
As relações e coisas no entorno podem aparecer e se constituir de outras maneiras;
Ainda que seja difícil e doloroso, isso também responde a uma tendência do Dasein, de cada um de nós, de nos abrirmos em
determinados contextos a outras possibilidades.
Ao possibilitar a compreensão dessa tendência que também nos constitui, a angústia, por mais que seja uma experiência
complexa e árdua, também torna possível certa percepção e dada experiência mais ampla e adequada do que é o Dasein, do que
somos.
A FENOMENOLOGIA E A CRISE DAS CIÊNCIAS HUMANAS
A Fenomenologia aparece como uma autorreflexão radical (Selbstbesinnung) preocupada em superar posições ingênuas em
relação à mobilidade da consciência e, por conseguinte, à constituição de enunciados e juízos sobre as coisas e os outros, logo,
à própria ciência.
 
Fonte: The Metropolitan Museum of Art
 O Pensador: Retrato de Louis N. Kenton, Thomas Eakins, 1900.
 
Fonte: Arthive
 Retrato do Dr. Simarro no Microscópio, Joaquín Sorolla y Bastida, 1897.
A Fenomenologia aponta para a fragilidade das posições idealistas e empiristas. A posição idealista compreenderia que a
atividade de um sujeito independente tornaria possível a constituição de enunciados e juízos definitivos acerca de todo e qualquer
objeto. A posição empirista também partiria da percepção de que seria possível constituir enunciados e juízos definitivos sobre as
coisas, mas, para isso, seria necessária uma investigação construtiva possível, por sua vez, a partir da reunião de todos os casos
(particulares).
A Fenomenologia se constitui em meio ao que Husserl chamou de uma crise das ciências, especialmente das ciências do homem
ou ciências humanas. Uma crise que foi aberta pelo idealismo kantiano na medida em que estabelece a separação radical entre
sujeito e mundo. Desde que Kant estabeleceu essa separação, as ciências, especialmente as humanas, passam por uma crise
profunda.
Se sujeito e mundo estão separados, como comprovar que enunciados e juízos não são uma ficção própria à atividade subjetiva
solipsista (isolada)? Como comprovar o caráter de verdade (ou mesmo a ligação) de um juízo específico em relação àquilo a que
ele se refere (à realidade efetiva)?
As ciências humanas acabaram respondendo a esse problema, a essa espécie de beco sem saída, inicialmente, a partir da
compreensão de que todo e qualquer pensamento – o psicológico, o sociológico, o histórico etc. – seria determinado pelo exterior,
pela história e sociedade nas quais nos mobilizamos, diferentemente do que havia proposto Kant.
Assumindo a compreensão de que tudo o que pensamos é absolutamente determinado por certo espaço, como seria possível
requisitar o caráter de verdade para o que elaboramos teórica ou cientificamente? Se tudo o que pensamos é completamente
determinado pelo espaço próprio no qual nos mobilizamos, os argumentos da Psicologia, da História e da Sociologia também
seriam estabelecidos por certo contexto, logo, não teriam condições de demandar qualquer caráter de verdade ou qualquer
validade mais profunda ou duradoura.
Se com o idealismo kantiano o problema é que todos os comportamentos teóricos acabaram isolados em relação ao mundo, com
a resposta ou reação proposta pelas ciências humanas continuamos com dificuldade em relação à constituição e à comprovação
do caráter de verdade dos enunciados e juízos teóricos e científicos, pois eles não passariam de argumentos plenamente
determinados por certo âmbito específico.
 SAIBA MAIS
As ciências do homem (a Psicologia, a Sociologia, a História) e a Filosofia se encontravam, por sua vez, em uma situação de
crise. As investigações psicológicas, sociológicas, históricas, à medida que se desenvolviam, tendiam a nos apresentar todo o
pensamento, toda a opinião e, em particular, toda a Filosofia, como resultado da ação combinada das condições psicológicas,
sociais e históricas exteriores. A Psicologia tendia ao que Husserl denomina psicologismo, a Sociologia ao sociologismo, a
História ao historicismo. E, ao fazê-lo, acabavam desacreditando seus próprios fundamentos. Se, em efeito, os pensamentos e os
princípios condutores do espírito não são a cada instante mais do que causas exteriores que atuam sobre eles, as razões pelas
quais afirmo algo não são em realidade as verdadeiras razões da minha afirmação (...) Os postulados do psicólogo, do sociólogo
e do historiador estão cheios de dúvidas acerca do resultado mesmo de suas investigações. (MERLEAU-PONTY, 1969, p.14)
A Fenomenologia, por outro lado, pretende superar essas posições ingênuas buscando uma compreensão adequada de como a
consciência se mobiliza, como enunciados e juízos são possíveis e verdadeiros. Isso se daria a partir de uma relação de
intimidade, de imediatidade pré-teórica com as coisas, que tornaria possíveis as informações de base as quais orientariam, por
sua vez, a própria atividade teórica e científica.
A consciência precisa e se comporta a partir das coisas (intencionalidade), abrindo-se a elas, e as coisas se mostrariam (dação)
para a consciência. E a consciência, assim, também seria responsável, ao receber aquilo que é informado pelas coisas, por certa
constituição de sentido em relação ao que está à sua frente (um “sentido para nós”), e isso a partir de suas vivências, memória,
enfim, de relações anteriores, mais originais com as coisas mesmas.
 
Fonte: Art Institute of Chicago
 No espelho mágico, Paul Klee, 1934.
Esse seria um quadro, ao menos em linhas gerais, que explicitaria como a consciência se comporta e como enunciados e juízos,
ou ainda, como a teoria e as ciências se tornam possíveis e confiáveis. É justamente isso que preocupou Husserl e, de alguma
forma, a Fenomenologia em geral no que diz respeito ao funcionamento das ciências, da História, da Psicologia e da Psicanálise,
da Sociologia, da Linguística etc. Trata-se, portanto, da constituição de uma reflexão fundamental acerca da atividade da
consciência e da atividade teórica e científica para que elas superassem o que estamos chamando aqui de ingenuidade.
O objetivo de Husserl então, e o que tornou a Fenomenologia fundamental às ciências em geral, é que ela se tornaria uma
“ciência rigorosa”. Uma reflexão constituída sobre bases sólidas, superando argumentos ingênuos, capaz, assim, de neutralizar
ao menos em parte os argumentos céticos que se constituíram a partir dos problemase da fragilidade dos sistemas idealistas e
empiristas (psicologismos, sociologismos e historicismos). No entanto, quando se trata de uma ciência fenomenologicamente
orientada, também é necessário não se deixar seduzir pela compreensão de que uma “ciência rigorosa” seria uma ciência
objetiva no sentido mais disponível, capaz de dizer a verdade definitiva sobre as coisas.
Embora a História, a Psicologia, a Psicanálise e a Sociologia, por exemplo, sejam capazes de se afastar da ingenuidade idealista
e também daquela que podemos chamar de relativista – com base na qual os argumentos teóricos e científicos não passariam de
posições absolutamente determinadas pela história e pela sociedade –, isso não significa que, a partir de então, junto à
Fenomenologia, as ciências humanas teriam condições de constituir enunciados e juízos definitivos.
Não podemos nos esquecer de que, se por um lado a Fenomenologia é rigorosa no sentido de tornar possível uma atividade
teórica e científica mais próxima às coisas mesmas, por outro lado essa atividade e os juízos possíveis também precisam ser
sempre corrigidos e adensados com base na reexperimentação do que está em questão.
Vejamos, no vídeo a seguir, um aprofundamento do impacto da Fenomenologia nas ciências humanas.
HISTÓRIA
Na ciência histórica, por exemplo, e a partir de Husserl e de Heidegger mais especificamente, temos uma outra compreensão
possível acerca da historicidade.
Se, até então, a ciência histórica, constituída na Alemanha ao longo da primeira metade do século XIX, trabalhava com a
percepção de que historicidade significa ou aponta apenas para certa necessidade de que os homens em geral se comportem de
acordo com o mundo no interior do qual se mobilizam, a partir da noção heideggeriana de historicidade, essa explicitação não é
suficiente. Se fosse apenas dessa forma, como seria possível explicar que as épocas se diferenciam? Se todos nós fôssemos
apenas determinados pelas orientações próprias a um contexto específico, como esse contexto se transformaria? Essa é uma
questão que Heidegger (2008) apresenta, por exemplo, a Wilhelm Dilthey, ao longo dos parágrafos 72-77 de Ser e Tempo.
A resposta de Heidegger a este impasse, fundamental à ciência histórica, é: as épocas, os contextos ou a própria história mudam,
diferenciam- se, porque além de sermos determinados pelo mundo em que estamos, também nos mobilizamos para além dele,
abrindo-nos a outras orientações (sentidos, significados, afetos, perspectivas, visões de mundo) as quais não se confundem com
estes que estão sedimentados e que constituem determinada época.
Há uma dupla mobilidade:
A partir do mundo mais sedimentado, que é o nosso;
Com base em outras orientações menos disponíveis.
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WILHELM DILTHEY
Wilhelm Christian Ludwig Dilthey (1833-1911), filósofo hermenêutico, psicólogo, historiador, sociólogo e pedagogo alemão,
lecionou Filosofia na Universidade de Berlim.
Em função dessa dupla mobilidade, a Fenomenologia repensa e reconsidera, por exemplo, a noção de historicidade.
Historicidade passa a significar um espaço a partir do qual uma época ou um horizonte se reorganiza ou difere, e não somente
algo determinado por certo contexto. A partir dessa perspectiva, parte da ciência histórica se reorganizou e deu origem ao que
chamamos de historiografia fenomenológico-hermenêutica, que se desdobra a partir de Husserl e Heidegger, seguida dos
trabalhos de Reinhart Koselleck e, mais recentemente, de Hans Ulrich Gumbrecht e de David Carr, por exemplo.
A partir desse intenso diálogo da teoria da história e da historiografia com a Fenomenologia, a atividade historiográfica se
relaciona menos com um conhecimento objetivo e neutro (e desinteressado) do passado do que com uma mobilidade existencial
do historiador no sentido de atualizar a historicidade que ele é, ou seja, seu “poder-ser”, sua abertura em direção a passados
menos disponíveis que também estão aqui (atualmente) e que, ao serem tematizados, tornam possível a própria reorganização
ou diferimento de cada um de nós, da nossa época, de nossos contextos, da História.
 RECOMENDAÇÃO
Para melhor compreensão do conceito de historicidade na obra de Heidegger, recomendamos a leitura da obra Mundo e
Historicidade: Leituras Fenomonológicas de Ser e Tempo, do Prof. Dr. Marco Antônio Casanova, referência nos estudos
heideggerianos na atualidade.
PSICOLOGIA E PSICANÁLISE
A Psicologia e a Psicanálise também são muito influenciadas pela Fenomenologia. Heidegger, por exemplo, escreve seus
Seminários de Zollikon a partir de um diálogo com o psiquiatra Medard Boss.
MEDARD BOSS
Medard Boss (1901-1990) foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço que desenvolveu uma abordagem conhecida como
Daseinsanalyse, baseada, fundamentalmente, na fenomenologia de Martin Heidegger.
O que está em questão nesse nexo entre a Psicologia, a Psicanálise e a Fenomenologia é a superação da postura natural ou
ingênua diante do mundo, da percepção de que o mundo está dado (e acabado, plenamente constituído) diante de nós. De
acordo com Heidegger e Merleau-Ponty (Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) foi um filósofo fenomenólogo francês.) , seria
necessária uma espécie de destruição (e esse é um termo heideggeriano) das narrativas, uma suspensão em relação a elas.
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Até então, a compreensão mais recorrente na Psicologia e na Psicanálise era a de que seria possível perceber, de uma maneira
privilegiada e definitiva (natural e ingênua), o que causaria determinados comportamentos e sofrimentos psíquicos. A
Fenomenologia, por outro lado, fora fundamental para que a Psicologia e a Psicanálise pudessem se constituir num sentido de
desconfiar significativamente das narrativas formadas a partir da lógica da causalidade e do efeito, e isso a partir da fala do
analisado ou mesmo da percepção do analista.
 
Fonte: Wikimedia
 Maurice Merleau-Ponty
Nesse sentido, temos a constituição de um campo de estudos no interior da Psicologia e da Psicanálise: a chamada
Daseinsanalyse. Sua preocupação fundamental é a de questionar as narrativas que são constituídas por cada um de nós. Isto
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porque, por um lado, a narrativização da existência aparece como algo fundamental de acordo com Paul Ricoeur, por outro lado,
toda e qualquer narrativa ou história acaba delimitando o campo relacional e as próprias possibilidades existenciais que são as
nossas.
DASEINSANALYSE
Junção de Dasein e Analyse para designar a psicoterapia baseada na fenomenologia de Heidegger
PAUL RICOEUR
Paul Ricoeur (1913-2005) foi um importante filósofo francês do Pós-Segunda Guerra, influenciado pela Fenomenologia,
especialmente por Edmund Husserl.
De acordo com a Fenomenologia, é necessário retomar a experiência e reexperimentar o que está diante de nós. Numa análise
fenomenologicamente orientada, o mais importante seria mostrar o caráter limitado das nossas narrativas e abrir espaço para
reexperimentar as nossas relações e, a partir deste movimento, constituir outras narrativas mais complexas e densas.
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Na Daseinsanalyse é fundamental evidenciar o caráter limitado das narrativas no tocante à representação de toda e qualquer
experiência e relação. Deve-se mostrar que os sofrimentos psíquicos são constituídos e provocados pelas narrativas mais
disponíveis e não pelas relações a partir das quais nos mobilizamos. As relações são muito mais amplas e complexas, e
determinadas restrições que provocam sofrimentos existenciais significativos são constituídas com base em narrativas
sedimentadas (mais simplificadas) que precisam ser reorganizadas a partir de outras experiências do nosso espaço existencial,
do mundo no qual nos mobilizamos.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. CONSIDERANDO A RELAÇÃO ENTRE A FENOMENOLOGIA E AS CIÊNCIAS HUMANAS, QUAL É O
PROBLEMA COLOCADO PELO IDEALISMO KANTIANO NO QUE DIZ RESPEITO ÀS CIÊNCIAS?
A) O da relação adequada entre o belo e o sublime.
B) O da verdade absoluta.
C) Orisco do subjetivismo e a própria impossibilidade de uma relação adequada entre sujeito (juízos) e mundo (coisas e outros).
D) A questão da impossibilidade do conhecimento.
2. LEVANDO EM CONTA A RELAÇÃO ENTRE FENOMENOLOGIA, PSICOLOGIA E PSICANÁLISE,
ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APRESENTA UMA ATRIBUIÇÃO OU FUNÇÃO FUNDAMENTAL À
DASEINSANALYSE:
A) Curar distúrbios psíquicos.
B) Tornar possível reexperimentações do espaço existencial e o adensamento das narrativas.
C) Encontrar uma relação possível entre saúde e ordem.
D) Superar as ingenuidades da psicanálise freudiana e lacaniana.
GABARITO
1. Considerando a relação entre a Fenomenologia e as ciências humanas, qual é o problema colocado pelo idealismo
kantiano no que diz respeito às ciências?
A alternativa "C " está correta.
 
O idealismo kantiano acaba separando radicalmente o sujeito, o pensamento, do mundo, das coisas a serem pensadas, de modo
que a partir disso temos uma questão ou problema significativo: o de como comprovar o caráter verdadeiro de nossas afirmações
teóricas e científicas.
2. Levando em conta a relação entre Fenomenologia, Psicologia e Psicanálise, assinale a alternativa que apresenta uma
atribuição ou função fundamental à Daseinsanalyse:
A alternativa "B " está correta.
 
A Daseinsanalyse, constituída a partir da relação entre a Fenomenologia (especialmente a heideggeriana), a Psicologia e a
Psicanálise, preocupa-se com a possibilidade de evidenciar a relação entre os sofrimentos psíquicos e as narrativas
sedimentadas e congeladas. Tornando possível, assim, as reexperimentações dos espaços existenciais, a reorganização mais
complexa e densa das narrativas e a própria superação de determinados sofrimentos existenciais.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste tema, destacamos da Fenomenologia o seu intuito em tornar possível uma outra relação ou reexperimentações das coisas
a partir da suspensão de compreensões mais disponíveis (e congeladas) e da própria compreensão de outras consciências.
Vimos que Husserl e Heidegger se tornaram os dois filósofos mais importantes ou representativos da Fenomenologia e que
ambos foram críticos radicais da compreensão de que haveria uma separação, ou mesmo independência, entre cada um de nós
e o mundo no qual nos mobilizamos.
Husserl se dedicou à contestação dessa compreensão a partir de noções como: intencionalidade, mundo da vida e epoché;
Heidegger, que foi seu aluno, dedicou-se à caracterização do Ser como possibilidade, como transformação, e à compreensão do
Dasein ou do “ser-aí”, marcada pelo “aí” e pelo “poder-ser”, como estrutura identificada por uma relação de intimidade com o Ser.
Enfim, recuperamos os conceitos de mundo da vida e de angústia para mostrar como a Fenomenologia influenciou outras áreas
do conhecimento.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
FRAGATA, J. A fenomenologia de Husserl como fundamento da filosofia. Braga: Livraria Cruz, 1959.
GORNER, P. Ser e tempo: uma chave de leitura. Petrópolis: Vozes, 2017.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2008.
HUSSERL, E. Analysen zur passiven synthesis: Aus Vorlesungs- und Forschungsmanuskripten 1918-1926. Den Haag: Nijhoff,
1966.
HUSSERL, E. Meditações cartesianas: introdução à fenomenologia. Porto: Rés, 2001.
KANT, E. Crítica da razão pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gullbenkian, 2011.
LYOTARD, J. A fenomenologia. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.
MERLEAU-PONTY, M. La fenomenologia y las ciencias del hombre. Buenos Aires: Nova, 1969.
ZAHAVI, D. Fenomenologia para iniciantes. Rio de Janeiro: Via Verita, 2019.
EXPLORE+
Aprofunde seus estudos sobre a Fenomenologia lendo o texto O meu caminho na Fenomenologia, do próprio Heidegger e
traduzido para o português por Ana Falcato em 2009. 
Conheça melhor o pensamento e a filosofia de Husserl lendo o artigo O que é isto: a fenomenologia de Husserl, do
professor Dante Galeffi.
CONTEUDISTA
Marcelo de Mello Rangel
 CURRÍCULO LATTES
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