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1Curso Ênfase © 2021 TEMAS ESPECIAIS PARA JUIZ FEDERAL DIREITO PROCESSUAL PENAL Aspectos Polêmicos do Habeas corpus na Jurisprudência da Justiça Federal O habeas corpus é uma ação autônoma de impugnação, de índole constitucional. Desde a origem, a ação de habeas corpus tem sido “o meio de garantir a liberdade ambulatória, direito individual básico de que goza a pessoa. O direito à liberdade é pressuposto para o exercício de vários outros direitos” (TÁVORA; ALENCAR, 2020, p. 1.621). Norberto Avena (2019) explica que: o instituto do habeas corpus (HC) chegou ao Brasil, no Código de Processo Criminal do Império, em 1832. O art. 340, desse diploma, dispunha que todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento em sua liberdade tem o direito de pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor, e foi incluído no texto constitucional por meio do art. 72, § 22, da Constituição da República de 1891. Atualmente, está previsto no art. 5º, LXVIII, da atual Constituição Federal (CF/1988). De acordo com Lima (2020), A liberdade de locomoção é um dos direitos mais sagrados do ser humano, direito este que não pode sofrer quaisquer restrições e/ou limitações, senão as previstas em lei. Para assegurar tal direito, de 2Curso Ênfase © 2021 maneira célere e eficaz, a CF/1988 outorga a qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, a garantia do habeas corpus. 1. Noções gerais A expressão habeas corpus traduz-se literalmente como “tome o corpo”, isto é, tome a pessoa presa e apresente-a ao juiz para decisão quanto à legalidade ou não do cerceamento de sua liberdade. Na dicção da doutrina, a expressão habeas corpus significa “exiba o corpo”, ou seja, apresente a pessoa que está sofrendo ilegalidade na sua liberdade de locomoção. Habeas, de habeo, habes, habui, habitum, habere, que significa “ter”, “possuir”, “apresentar”; e corpus (corpus, oris), que se traduz por “corpo” ou “pessoa”. A expressão é writ of habeas corpus: ordem para apresentar a pessoa que está sofrendo o constrangimento (LIMA, 2020, p. 1.849). Segundo a doutrina de Mendes e Branco: O habeas corpus destina-se a proteger o indivíduo contra qualquer medida restritiva do Poder Público à sua liberdade de ir, vir e permanecer. A jurisprudência prevalecente no STF é no sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete diretamente a liberdade de locomoção do paciente. Em que pesem a extensão e a amplitude que essa interpretação tem assumido, não impressiona, contudo, o argumento de que o habeas corpus é o meio adequado para proteger tão somente o direito de ir e vir do cidadão em face de violência, coação ilegal ou abuso de poder (MENDES; BRANCO, 2020, p. 448). O examinador, por diversas vezes, utiliza nas provas a expressão writ substituindo o termo habeas corpus. O habeas corpus tem fundamento na Constituição Federal e está previsto em seu art. 5º, LXVIII, da CF/1988, dentre os direitos e garantias fundamentais: “conceder-se-á Atenção! 3Curso Ênfase © 2021 habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Em sentido bastante parecido, o art. 647 do Código de Processo Penal (CPP) dispõe que “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar”. Observação importante que se deve fazer é que, embora o habeas corpus seja, via de regra, uma ação individual, não há impedimento para sua impetração na defesa de direitos coletivos, de forma semelhante ao que já ocorre com relação ao mandado de segurança. Inclusive, foi utilizado recentemente no HC nº 143.641 no caso de mulheres grávidas e mães de crianças de até 12 anos incompletos. HABEAS CORPUS COLETIVO. ADMISSIBILIDADE. DOUTRINA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS. MÁXIMA EFETIVIDADE DO WRIT. MÃES E GESTANTES PRESAS. RELAÇÕES SOCIAIS MASSIFICADAS E BUROCRATIZADAS. GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS. ACESSO À JUSTIÇA. FACILITAÇÃO. EMPREGO DE REMÉDIOS PROCESSUAIS ADEQUADOS. LEGITIMIDADE ATIVA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI 13.300/2016. MULHERES GRÁVIDAS OU COM CRIANÇAS SOB SUA GUARDA. PRISÕES PREVENTIVAS CUMPRIDAS EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. INADMISSIBILIDADE. PRIVAÇÃO DE CUIDADOS MÉDICOS PRÉ-NATAL E PÓS- PARTO. FALTA DE BERÇÁRIOS E CRECHES. ADPF 347 MC/DF. SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL. CULTURA DO ENCARCERAMENTO. NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO. DETENÇÕES CAUTELARES DECRETADAS DE FORMA ABUSIVA E IRRAZOÁVEL. INCAPACIDADE DO ESTADO DE ASSEGURAR DIREITOS FUNDAMENTAIS ÀS ENCARCERADAS. OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO E DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. REGRAS DE BANGKOK. ESTATUTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA. APLICAÇÃO À ESPÉCIE. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DE OFÍCIO. I – Existência de relações sociais massificadas e burocratizadas, cujos problemas estão a exigir soluções a partir de remédios processuais coletivos, especialmente para coibir ou prevenir lesões a direitos de grupos vulneráveis. II – Conhecimento do writ coletivo homenageia nossa tradição jurídica de conferir a maior amplitude possível ao remédio heroico, conhecida como doutrina brasileira do habeas corpus. III – Entendimento que se amolda ao disposto no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal − CPP, o qual outorga aos juízes e tribunais competência para expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando, no curso de processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. IV – Compreensão que se 4Curso Ênfase © 2021 harmoniza também com o previsto no art. 580 do CPP, que faculta a extensão da ordem a todos que se encontram na mesma situação processual. V – Tramitação de mais de 100 milhões de processos no Poder Judiciário, a cargo de pouco mais de 16 mil juízes, a qual exige que o STF prestigie remédios processuais de natureza coletiva para emprestar a máxima eficácia ao mandamento constitucional da razoável duração do processo e ao princípio universal da efetividade da prestação jurisdicional. VI – A legitimidade ativa do habeas corpus coletivo, a princípio, deve ser reservada àqueles listados no art. 12 da Lei 13.300/2016, por analogia ao que dispõe a legislação referente ao mandado de injunção coletivo. VII – Comprovação nos autos de existência de situação estrutural em que mulheres grávidas e mães de crianças (entendido o vocábulo aqui em seu sentido legal, como a pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos termos do art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) estão, de fato, cumprindo prisão preventiva em situação degradante, privadas de cuidados médicos pré-natais e pós-parto, inexistindo, outrossim, berçários e creches para seus filhos. VIII – “Cultura do encarceramento” que se evidencia pela exagerada e irrazoável imposição de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis, em decorrência de excessos na interpretação e aplicação da lei penal, bem assim da processual penal, mesmo diante da existência de outras soluções, de caráter humanitário, abrigadas no ordenamento jurídico vigente. IX – Quadro fático especialmente inquietante que se revela pela incapacidade de o Estado brasileiro garantir cuidados mínimos relativos à maternidade, até mesmo às mulheres que não estão em situação prisional, como comprova o “caso Alyne Pimentel”, julgado pelo Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contraa Mulher, das Nações Unidas. X – Tanto o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio nº 5 (melhorar a saúde materna) quanto o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 (alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), ambos da Organização das Nações Unidas, ao tutelarem a saúde reprodutiva das pessoas do gênero feminino, corroboram o pleito formulado na impetração. XI – Incidência de amplo regramento internacional relativo a Direitos Humanos, em especial das Regras de Bangkok, segundo as quais deve ser priorizada solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais ao encarceramento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão condenatória transitada em julgado. XII – Cuidados com a mulher presa que se direcionam não só a ela, mas igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, cujo teor determina que se dê prioridade absoluta à concretização dos direitos destes. XIII – Quadro descrito nos autos que exige o estrito cumprimento do Estatuto da Primeira Infância, em especial da nova redação por ele conferida ao art. 318, IV e V, do Código de Processo Penal. XIV – Acolhimento do writ que se impõe de modo a superar tanto a arbitrariedade judicial quanto a sistemática exclusão de direitos de grupos hipossuficientes, típica de sistemas jurídicos que não dispõem de soluções 5Curso Ênfase © 2021 coletivas para problemas estruturais. XV – Ordem concedida para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. XVI – Extensão da ordem de ofício a todas as demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições acima (HC nº 143.641, 2ª Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20.02.2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe 215 divulgado em 08.10.2018, publicado em 09.10.2018). 1.1. Conceito Não há um consenso na doutrina sobre o conceito do habeas corpus, portanto, trata-se de um remédio judicial que tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a coação à liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder (CAPEZ, 2018). 1.2. Natureza jurídica Trata-se de ação autônoma de impugnação constitucional. Nesse sentido, veja o que explica a doutrina: O Código de Processo Penal trata o habeas corpus como recurso: o Capítulo X, que cuida do habeas corpus e seu processo encontra-se inserido no Título II que versa sobre os Recursos em Geral, o qual faz parte do Livro III do CPP, referente às Nulidades e Recursos em geral. Apesar de sua localização topográfica no CPP, o habeas corpus não tem natureza jurídica de recurso. É bem verdade que o habeas corpus, por vezes, funciona como verdadeiro instrumento destinado à impugnação de decisões judiciais (LIMA, 2020, p. 1.849). 1.3. Objetivo 6Curso Ênfase © 2021 O habeas corpus é uma ação autônoma de impugnação, constitucionalmente estabelecida, objetivando preservar ou restabelecer a liberdade de locomoção ilegalmente ameaçada ou violada. 1.4. Espécies De acordo com Nestor Távora e Rosmar Rodrigues de Alencar (2020, p. 1.630-1.631), o habeas corpus classifica-se em quatro espécies: a) Repressivo ou liberatório Objetiva cessar o constrangimento ilegal que já se consumou, ou seja, liberar a pessoa que está com seu direito de liberdade violado. É a espécie mais comum e levará a autoridade judicial, se concedida a ordem, a expedir um alvará de soltura, determinando a sua soltura, salvo se, por outro motivo, deva permanecer presa (como outro processo). Segundo a doutrina, nessa espécie: “O habeas corpus repressivo é o conhecido como liberatório. Visa à soltura de quem se encontra preso de forma ilegal. No caso de concessão da ordem, nos termos do § 1º do art. 660, CPP, será expedido alvará de soltura, salvo se por outro motivo dever ser o paciente mantido na prisão” (TÁVORA; ALENCAR, 2020, p. 1.630). b) Preventivo Objetiva evitar que um constrangimento ilegal à liberdade de locomoção se consume. O seu uso é mais raro e levará a autoridade a expedir um salvo-conduto, para evitar que o ato ilegal à liberdade de locomoção seja praticado. De acordo com o art. 647 do CPP, exige-se que alguém esteja “na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir”. Para a doutrina: Os limites amplos de conformação do habeas corpus ensejam mais de uma possibilidade de propositura. A impetração pode, por exemplo, acontecer preventivamente, para fazer cessar a ameaça de lesão à liberdade. Denominamos esse caso de habeas corpus preventivo, que enseja a emissão de salvo-conduto, como dispõe o § 4º do art. 660, CPP. Contudo, o ajuizamento preventivo pode se deparar, no curso da demanda, com a efetivação da lesão que, antes, era apenas ameaça à liberdade de locomoção. Em tal caso, o habeas corpus preventivo se transmuda em liberatório, mercê do princípio da fungibilidade que permeia a compreensão da demanda. Não se faz necessário, portanto, 7Curso Ênfase © 2021 que o autor, diante da concretização da lesão, desista do primeiro habeas corpus preventivo para mover outro, liberatório. O cabimento do habeas corpus preventivo está vinculado ao fundado receio de que o paciente possa vir a sofrer a coação ilegal ao seu direito de ir, vir e ficar, ou seja, a ameaça combatida deve ser iminente, estando desautorizado o writ por mero receio infundado de coação tida como ilegal (TÁVORA; ALENCAR, 2020, p. 1.630). O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que “mesmo para a concessão de habeas corpus preventivo, exige-se uma real ameaça ao direito de locomoção, não bastando uma suposição infundada de que venha a ocorrer algum constrangimento ilegal” (STJ, AgRg no RHC nº 83.730/SP, 5ª Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 18.05.2017; Precedente: STJ, AgRg no HC nº 276.586/SP, 6ª Turma, rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 28.06.2016). HABEAS CORPUS REPRESSIVO HABEAS CORPUS PREVENTIVO Já está em curso a lesão ao direito de locomoção (por exemplo: a pessoa está presa). Há uma ameaça de restrição à liberdade de locomoção (por exemplo: o mandado de prisão foi expedido). Faz cessar a violência. Faz evitar a violência. Juiz expede alvará de soltura. Juiz expede o salvo-conduto. c) Profilático ou trancativo É possível fazer menção a uma terceira espécie, denominada de habeas corpus profilático. Colima suspender atos processuais ou impugnar medidas que possam implicar prisão futura. O processo combatido tem aparência de legalidade, porém nele dormita, em estado de latência, uma ilicitude. Trata-se de espécie híbrida, com caracteres preventivos. Neste caso, a impugnação não visa, diretamente, ao constrangimento ilegal já consumado ou à ameaça iminente de que ocorra esseconstrangimento, mas sim à potencialidade da lesão que dele ainda possa advir e se agravar. O habeas corpus para o trancamento do processo penal, com sua extinção sem resolução do mérito, enquadra-se nesta categoria. d) Suspensivo Ainda se fala em habeas corpus suspensivo, que ocorre quando já existe constrangimento ilegal, mas o sujeito ainda não foi segregado. Nesse caso, emite-se 8Curso Ênfase © 2021 contramandado de prisão, haja vista que se cuida de uma ameaça efetiva à liberdade, mas o sujeito não está preso. 2. Hipóteses de cabimento O art. 648 do CPP traz um rol de situações que autorizam a impetração do habeas corpus. Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal: I – quando não houver justa causa; II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI – quando o processo for manifestamente nulo; VII – quando extinta a punibilidade. Ausência de justa causa Sobre o tema, ensina a doutrina que: Quando se fala em ausência de justa causa como hipótese de cabimento do habeas corpus, a expressão é aí utilizada em sentido ampliativo, abrangendo a falta de suporte fático e de direito para a prisão ou para a deflagração de persecução penal contra alguém. Nesse caso, a ausência de justa causa pode se apresentar pela inexistência de lastro probatório mínimo (justa causa formal) ou pela patente ilegalidade da persecução penal (justa causa material), autorizando o trancamento do procedimento investigatório ou do próprio processo penal, ou, ainda, o relaxamento da prisão (LIMA, 9Curso Ênfase © 2021 2020, p. 1.869). De acordo com Norberto Avena (2019), “justa causa é um conceito que não se confunde com a justiça ou injustiça da decisão. Há justa causa para uma coação quando estiver prevista em lei e quando observados seus requisitos”. Segundo a doutrina, a expressão “justa causa” é tão ampla que abrange todas as demais hipóteses previstas no art. 648 do CPP: A expressão “justa causa” do art. 648, inciso I, do CPP, é tão abrangente que se pode dizer que, de certa forma, engloba todas as demais hipóteses do art. 648. De fato, se alguém está preso por mais tempo do que determina a lei (CPP, art. 648, II), se o agente for submetido à coação ordenada por autoridade incompetente (CPP, art. 648, III), se cessado o motivo que autorizou a coação (CPP, art. 648, LV), se não for admitida a prestação da fiança nos casos em que a lei a autoriza (CPP, art. 648, V), se o processo for manifestamente nulo (CPP, art. 648, VI), se extinta a punibilidade do agente (CPP, art. 648, VII), significa dizer que não há suporte jurídico que legitime a coação à liberdade de locomoção do agente, daí por que ser concedida a ordem de habeas corpus (LIMA, 2020, p. 1.870). Também inexiste justa causa para que o juiz decrete a prisão preventiva de alguém quando ausentes indícios suficientes de autoria, visto que, apesar de prevista essa prisão em lei, não estão atendidos seus requisitos (STJ, HC nº 374.515/MS, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 07.03.2017). Logo, caso ocorra a decretação da prisão, será cabível o habeas corpus. Sobre o tema da justa causa para a ordem prisional proferida, importante as lições de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues de Alencar (2020, p. 1.624). Observe-se: Na hipótese de falta de justa causa para a ordem prisional proferida, há relação direta com o art. 5º, inciso LXI, CF/1988, que dispõe sobre a necessidade de ordem fundamentada para a realização da prisão, salvo em caso de flagrante delito. Deste modo, não haverá justa causa quando a coação exercida sobre a liberdade do indivíduo estiver desamparada legalmente ou sem motivação. O § 2º, do art. 315 do CPP, com a redação dada pela Lei nº 13.964/2019, elenca os casos em que se considera a decisão sem fundamentação, a exemplo daquela que se limita à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida, bem como a que invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão. Excesso ilegal de tempo de prisão 10Curso Ênfase © 2021 Conforme determina o art. 648, inciso II, do CPP, haverá constrangimento ilegal à liberdade de locomoção quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei. O excesso de prazo pode se dar tanto na prisão temporária como na preventiva. O excesso pode ocorrer tanto quando se atinge o limite do prazo estabelecido em lei, como se dá com a prisão temporária, quanto quando se ultrapassa o tempo de prisão para a prática de um determinado ato processual, como ocorre com a conclusão do inquérito policial ou para o encerramento do processo. São alguns exemplos: excesso de prisão-pena, quando o condenado já deveria ter sido colocado em liberdade, por já ter cumprido a pena judicialmente fixada; excesso de prisão temporária (5 + 5 dias, ou 30 + 30 dias, conforme a Lei nº 7.960/1989 ou a Lei nº 8.072/1990); ou excesso de prisão preventiva (STJ, HC nº 384.814/PE, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 06.06.2017). Segundo a doutrina, várias críticas são feitas quanto ao excesso ilegal de tempo na prisão; aponta-se, inclusive, a ausência de prazo para a prisão preventiva um dos maiores problemas de administração da Justiça no país. Pela importância do assunto, trazemos as lições dos especialistas: A ausência de prazo para prisão preventiva sempre foi um problema grave. Há notícia de pessoas presas anos a fio, sem a formação de culpa. A razoável duração do processo, capitulada dentre os direitos fundamentais (art. 5º, LXXVIII, CF), seguiu sendo letra morta ou, pontualmente, foi invocada para processar o acusado com urgência, com a supressão de direito ao devido processo legal. O desvirtuamento às garantias fundamentais se tornou rotineiro sob esse aspecto. Na verdade, a garantia individual fundamental ao processo sem dilações é do imputado. É o acusado que tem direito a ser julgado no tempo devido. Como pontifica Aury Lopes Jr., a demora na prestação da jurisdição constitui um dos mais antigos problemas da administração da Justiça: ao lado do imensurável custo de uma prisão cautelar indevida ou excessivamente larga: Contribui para esse cenário a adoção da “doutrina do não prazo”, fazendo com que exista uma indefinição de critérios e conceitos. Aliás, os Tribunais têm relativizado a construção doutrinária segundo a qual o prazo a ser observado para o encerramento da instrução deveria corresponder à exata soma dos prazos previstos para cada etapa procedimental. Admite-se, assim, o alargamento da instrução, desde que respeitados o princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/1988) e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/1988), como nos casos em que há complexidade (TÁVORA; ALENCAR, 2020, p. 1.625). Apesar das críticas doutrinárias, não se pode perder de vista que a reforma legislativa operada pelo chamado Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019) introduziu a revisão 11Curso Ênfase © 2021 periódica dos fundamentos da prisão preventiva, por meio da alteração do art. 316 do CPP. A redação atual prevê que o órgão emissor da decisão deverá revisar a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar ilegal a prisão preventiva. Confira-se: Art. 316. (...) Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisãorevisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). (Grifos nossos.) Trata-se de um controle obrigatório do prazo da prisão preventiva. A doutrina aponta esse dever de revisão da necessidade de manutenção da prisão preventiva como um avanço significativo, pois a manutenção da prisão preventiva exige a demonstração de fatos concretos e atuais que a justifiquem. A existência desse substrato mínimo, apto a lastrear a medida extrema, deverá ser regularmente apreciada por meio de decisão fundamentada. Coação por autoridade incompetente Contempla-se aqui a hipótese em que a coação, apesar de prevista em lei e mesmo se atendidos os seus requisitos legais, tenha sido determinada por autoridade incompetente para a prática do ato. Exemplo: a decretação de prisão preventiva de um promotor de justiça por juiz de primeiro grau, com violação manifesta das regras que disciplinam a competência em razão da função e o privilégio de foro que assiste ao agente do Ministério Público (AVENA, 2019, p. 2291). Assim, demonstrado que a coação à liberdade de locomoção de alguém foi determinada por autoridade que não tinha competência para fazê-lo, há de se conceder a ordem em habeas corpus com fundamento no art. 648, inciso III, do CPP, para fins de se reconhecer a existência do constrangimento ilegal. Sobre o assunto, são as palavras da doutrina: A regra de competência é basilar para a validade dos atos emanados de um órgão. Tem repercussão penal, na medida em que sua violação pode dar espaço à aplicação da Lei nº 13.869/2019, que, dos seus artigos 9° ao 38, prevê crimes de abuso de autoridade. Caberá habeas corpus se quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo. 12Curso Ênfase © 2021 Essa exigência fundamental visa a impedir situações teratológicas, como a expedição de ordem de prisão por juiz cível em decorrência de processo em trâmite perante vara criminal. Por outro lado, é indispensável que também seja competente o órgão que irá apreciar a impetração. O juiz das garantias tem, por exemplo, competência para julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia, no modo descrito no inciso XII, do art. 3º-B, do CPP, com redação da Lei nº 13.964/2019. Essa competência incide até o momento em que a autoridade coatora não detenha prerrogativa de função para ser julgada criminalmente perante um tribunal. Caso o impetrado seja o promotor de justiça, no exercício de sua função, competente para apreciar o habeas corpus é o órgão de segunda instância (TÁVORA; ALENCAR, 2020, p. 1.625). Cessação do motivo que autorizou a coação O art. 648, inciso IV, do CPP dispõe que caberá habeas corpus quando houver cessado o motivo que autorizou a coação. O ato limitador da liberdade era legal e livre de coação, mas acabou por se tornar ilegal por já não subsistirem mais seus fundamentos legitimadores. Nessa hipótese, o constrangimento não decorre de ilegalidade ou abuso de poder, sendo legal na sua origem. Entretanto, posteriormente, deixam de subsistir as razões que o motivaram. Logo, se não determinada a cessação do constrangimento da liberdade, faculta-se a impetração de habeas corpus para que seja alcançado esse objetivo (AVENA, 2019, p. 2292). Basta imaginar uma prisão cautelar decretada tendo como fundamento um suporte fático legal, mas que depois desaparece. A prisão, inicialmente, era legal e fundamentada, todavia, ulteriormente, cessou o motivo que autorizou a restrição da liberdade do agente, o que autoriza a impetração do remédio heroico. De acordo com o STJ, a decisão que decreta a prisão cautelar é tomada rebus sic stantibus, pois está sempre sujeita a nova verificação de seu cabimento, quer para eventual revogação, quando cessada a causa ou o motivo que a justificou, quer para sua substituição por medida menos gravosa, na hipótese em que seja esta última suficientemente idônea (adequada) para alcançar o mesmo objetivo daquela (STJ, HC nº 492.848/SP, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20.09.2016). 13Curso Ênfase © 2021 Inadmissão de fiança quando possível (ou negativa injustificada de fiança) Nessa hipótese, será ilegal o ato que, diante de expressa autorização legal para concessão, não permitir a prestação de fiança. Diz o art. 648, inciso V, do CPP, que a coação será considerada ilegal “quando não for admitido prestar fiança a alguém, nos casos em que a lei a autoriza”. A liberdade provisória com fiança é um direito subjetivo constitucional do acusado, a fim de que, mediante caução e cumprimento de certas obrigações, possa permanecer em liberdade até a sentença condenatória irrecorrível. Seu fundamento constitucional encontra-se no art. 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal (CF)/1988, segundo o qual “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.” A previsão legal tem em vista hipótese de prisão por crime afiançável, não sendo, porém, arbitrada fiança em favor do paciente. Aqui, a impetração do habeas corpus não visa à sua liberação, mas, unicamente, ao arbitramento da fiança, conforme se vê no art. 660, § 3º, do CPP, ao dispor que, “se a ilegalidade decorrer do fato de não ter sido o paciente admitido a prestar fiança, o juiz arbitrará o valor desta, que poderá ser prestada perante ele, remetendo, neste caso, à autoridade os respectivos autos, para serem anexados aos do inquérito policial ou aos do processo judicial.” Nos casos em que a fiança for cabível, a autoridade judiciária que a denegar poderá, inclusive, responder por crime de abuso de autoridade, nos termos do art. 9º, parágrafo único, inciso II, in fine, da Lei nº 13.869/19. Essa negativa de concessão da fiança também é apta a gerar constrangimento legal à liberdade de locomoção, à luz do art. 648, inciso V, do CPP, ensejando concessão de ordem de habeas corpus. Processo manifestamente nulo Nos termos do art. 648, inciso VI, do CPP, admite-se a impetração de habeas corpus quando o processo for manifestamente nulo. A concessão da ordem, nesse caso, gerará a renovação do ato (art. 652 do CPP), salvo algum impedimento, como a ocorrência da Atenção! 14Curso Ênfase © 2021 prescrição. Esse habeas corpus poderá ser impetrado, inclusive, após o trânsito em julgado de sentença condenatória ou absolutória imprópria; porém, nesse caso, há de se ficar atento à espécie de nulidade. De fato, em se tratando de nulidade absoluta, é sabido que sua arguição pode ser feita a qualquer momento. Todavia, na hipótese de nulidade relativa, caso esta não seja arguida oportunamente (art. 571 do CPP), dar-se-á preclusão temporal e consequente convalidação da nulidade. Havendo uma nulidade manifesta, a parte poderá argui-la no momento processual oportuno e aguardar a sentença do juiz ou, se preferir e assim comportar, impetrar habeas corpus; ou então, poderá impetrar o remédio heroico também para combater a introdução de uma prova ilícita ao processo (art. 157 do CPP). Por exemplo: declaração de nulidade das decisões judiciais que determinaram a quebra de sigilo telefônico e de busca e apreensão, bem como das provas decorrentes, diante da fundamentação genérica empregada pelo juiz, que poderia ser utilizada em qualquer procedimento (STJ, HC nº 374.585/SC, rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, julgado em 09.03.2017). Os doutrinadores Oliveira e Fischer (2019, p. 1.549) entendem que essa é a forma mais utilizada na prática. Observe os ensinamentos: 648.6. Quando o processo for manifestamente nulo (inciso VI): Hodiernamente, o inciso em tela é, talvez, um dos mais utilizadospara amparar a impetração de habeas corpus. Dispõe a norma em comento que será considerada ilegal a coação quando o processo for manifestamente nulo. Em nossa compreensão, a locução do processo precisa ser feita da forma mais ampla possível, abarcando, inclusive, em determinadas situações, o próprio inquérito policial ou demais investigações criminais (conforme a atribuição da autoridade que realiza a investigação). Embora extremamente amplas as possibilidades que permitem a discussão da nulidade do processo mediante habeas corpus, de forma bastante marcante se destaca sua utilização para impugnação à competência processual, às provas ilícitas ou então à inobservância de fórmulas essenciais na realização dos atos processuais. Evitando-se tautologia do que já enfrentado alhures, reporta-se aos comentários insertos nos artigos 563 e seguintes, do CPP, especialmente às considerações sobre nossa compreensão – e eventuais dissensos doutrinários – acerca das diferenças entre nulidades absolutas e relativas e suas consequências para o processo penal. O que resta importante acentuar aqui é que a demonstração da nulidade deve ser manifesta, aferível de plano, como exige a própria natureza do writ. Como é cediço, não pode haver dilação probatória em sede de habeas corpus, muito menos exame aprofundado de provas e elementos que se apresentem controversos. 15Curso Ênfase © 2021 Extinção da punibilidade Como se sabe, a extinção da punibilidade ocorre quando o direito de punir do Estado não mais subsiste. Dispõe o art. 648, inciso VII, do CPP, que é admitido o uso do habeas corpus quando extinta a punibilidade. Assim, ocorrendo uma das causas extintivas da punibilidade e não a declarando o juiz, este se tornará autoridade coatora para fins de habeas corpus, de modo que o tribunal poderá trancar a investigação ou a ação penal em curso. Logo, estando extinta a punibilidade, o Estado-acusação não tem mais forças nem legitimidade para investigar, processar ou condenar o agente, de modo que as investigações ou os autos do processo deverão ser arquivados (trancados). Nesse sentido, é possível o reconhecimento da prescrição por meio de habeas corpus (STJ, AgRg no HC nº 283.772/RS, rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 30.03.2017). Súmula nº 695 do STF: “Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade”. Sobre esse enunciado, o professor Guilherme de Souza Nucci (2020, p. 1.045) adverte: Entretanto, é possível haver constrangimento ilegal, ainda que essa hipótese tenha ocorrido, como poderia acontecer com a anistia ou abolitio criminis, mantendo-se na folha de antecedentes o registro da condenação não excluída como seria de se esperar. Assim, poderia o interessado impetrar habeas corpus para o fim de apagar o registro constante na folha de antecedentes, que não deixa de ser um constrangimento ilegal. Pode-se ainda imaginar a impetração de habeas corpus para liberar pessoa que, embora com a punibilidade extinta, não tenha sido efetivamente solta pelo Estado, continuando no cárcere. Enfim, a simples extinção da pena privativa de liberdade não afasta completamente a possibilidade de interposição de habeas corpus. É possível a impetração do habeas corpus mesmo após o trânsito em julgado. Por exemplo, em razão de abolitio criminis, o fato, pelo qual o agente foi condenado com trânsito em julgado, deixa de ser considerado infração penal e, considerando-se que se trata de causa extintiva da punibilidade, admite-se a impetração da medida Atenção! 16Curso Ênfase © 2021 constitucional (art. 107, III, do CP) caso o juiz da execução penal assim não reconheça (art. 66, I, da Lei nº 7.210/1984). 3. Legitimidade ativa e legitimidade passiva Em breves linhas, no processo de habeas corpus, podem ser visualizados três sujeitos processuais: o impetrante, o paciente e o impetrado ou coator. O impetrante ou autor é a pessoa que intenta a ação processual. O paciente é a pessoa em favor de quem o habeas corpus é ajuizado. O impetrado, parte passiva ou demandado é a pessoa – autoridade ou não -– responsável pelo ato apontado como lesivo à liberdade de locomoção. a) Legitimidade ativa A ação de habeas corpus apresenta um grande diferencial quanto à legitimidade ativa: existem a figura do impetrante e a do paciente. O impetrante é quem ajuíza a ação e o paciente é quem sofre a ilegalidade ou o abuso em seu direito de locomoção, ou seja, o beneficiário da ordem que se pede. Diante disso, percebe-se que é possível a desvinculação entre a pessoa do impetrante e do paciente. Assim, por exemplo, Fulano pode impetrar um habeas corpus em benefício de Beltrano. Roque e Costa (2018) explicam que, nesse caso, há uma típica substituição processual, ou seja, não há coincidência entre quem exercita o direito em juízo (impetrante) e o titular do direito invocado (paciente); mais especificamente, há legitimidade extraordinária autônoma concorrente. Pode ocorrer que o impetrante e paciente sejam a mesma pessoa, tendo em vista, inclusive, que não há exigência de capacidade postulatória (representação por advogado, com capacidade para pleitear em juízo), já que o habeas corpus é considerado uma ação penal popular. Pela importância do bem jurídico tutelado pelo habeas corpus – liberdade de locomoção –, o writ (habeas corpus) pode ser impetrado por qualquer pessoa, física ou jurídica, Atenção! 17Curso Ênfase © 2021 nacional ou estrangeira, ainda que sem a plena capacidade civil e independentemente da presença de capacidade postulatória. Nesse sentido, inclusive, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) dispõe que “não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal” (art. 1º, § 1º, do Estatuto da OAB); e ainda prevê o CPP que o habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, e cuja petição inicial conterá a assinatura do impetrante ou de alguém a seu rogo quando não souber ou não puder escrever (art. 654, § 1º, “c”, do CPP), sob pena de não conhecimento (STJ, RMS nº 32.918/MS, rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 17.04.2012), o que pode ser criticado. Dessa forma, fica claro que não é preciso ter capacidade postulatória para se impetrar o remédio heroico, já que o impetrante pode ser até analfabeto, menor de idade, pessoa com deficiência mental, interditado etc., bastando, claramente, o mínimo de capacidade volitiva. Importante destacar que a impetração do habeas corpus pode se dar tanto por pessoa física como por pessoa jurídica em favor, sempre, de uma pessoa física que esteja sofrendo restrição quanto ao seu direito de locomoção. De acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF), o súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do ‘habeas corpus’, em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. − A condição jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório (HC nº 94.404/SP, Segunda Turma, rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18.11.2008, publicado em 18.06.2010). Lembrando que, por razões óbvias, uma pessoa jurídica não poderá, nunca, ser paciente, já que jamais terá seu direito de locomoção violado; e, ainda que possa ser considerada a prática de crimes ambientais por ela, nenhuma das possíveis penas da Lei nº 9.605/1998interfere no seu direito de deambular (STF, AgRg no HC nº 88.747/ES, rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 15.09.2009; e STJ, HC nº 134.333/SP, rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 29.04.2010). Se 18Curso Ênfase © 2021 necessário, e desde que preenchidos os requisitos legais, a pessoa jurídica poderá impetrar mandado de segurança para defender seus interesses. Ao juiz ou ao tribunal caberá julgar o writ, como previsto no rol das atribuições do juiz das garantias, acrescentado pela Lei nº 13.964/2019, ao Código de Processo Penal. Como responsável pelo controle das investigações e pela salvaguarda dos direitos fundamentais, compete ao juiz das garantias julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia. Não é sua atribuição impetrar a demanda (TÁVORA; ALENCAR, 2020, p. 1.636). Ministério Público O Ministério Público também tem legitimidade para impetrar ordem de habeas corpus (art. 654, caput, do CPP). É nesse sentido, aliás, o teor do art. 32, inciso I, da Lei nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que prevê que, “além de outras funções cometidas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e demais leis, compete aos Promotores de Justiça, dentro de suas esferas de atribuições: I – impetrar habeas corpus e mandado de segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais competentes” (LIMA, 2020, p. 1.865). Legitimidade passiva A pessoa apta a figurar no polo passivo da ação penal de habeas corpus é a chamada autoridade coatora, que é a responsável pela violência ou pela coação ilegal no direito de ir e vir. Assim, caso haja uma prisão em flagrante abusiva, será legitimado passivo o delegado de polícia em si, e não a Polícia Civil ou a Polícia Federal, por exemplo. Importante esclarecer que ainda assim é possível que seja impetrado diretamente aos Poderes Executivo ou Legislativo. Não se pode confundir a autoridade coatora, responsável pela ordem ilegal ou abusiva, com o detentor. Este é o agente que executa, materialmente, a referida ordem a mando daquela, responsável por ordená-la. Por exemplo: o juiz decreta uma prisão cautelar ilegal (autoridade coatora) e o delegado de polícia e sua equipe de agentes executam a ordem judicial (detentor). O próprio art. 658 do CPP faz distinção, dispondo que “o Atenção! 19Curso Ênfase © 2021 detentor declarará à ordem de quem o paciente estiver preso”. Essa distinção é extremamente importante, porque o detentor não compõe o polo passivo da ação heroica. Por isso, é salutar discernir, no caso concreto, quem é quem. Pode ocorrer que a autoridade coatora seja também o detentor, como no caso do delegado de polícia que mantém a prisão temporária além do prazo legal determinado pelo juiz. Mas pode ocorrer (o que é mais comum) que sejam figuras distintas, como a ordem ilegal emanada do juiz – autoridade coatora – e apenas cumprida pelo delegado de polícia, que leva o agente (paciente) ao presídio aos cuidados do diretor do presídio e do carcereiro – meros detentores presos. O particular pode ser autoridade coatora, ou seja, o habeas corpus não é instrumento impetrado apenas em face de um agente público, mas em relação a qualquer pessoa, física ou jurídica, particular ou pública, que viole o direito de liberdade de alguém. Os exemplos mais clássicos são o do médico que detém ilegalmente o paciente na clínica de reabilitação, impedindo a sua saída em razão de atrasos no pagamento dos serviços prestados; ou então o diretor do hospital que impede o paciente de sair porque ainda não pagou todas as despesas da cirurgia realizada; ou, ainda, o dono do asilo que impede a saída dos idosos lá residentes por débitos em aberto. É válido observar que, nesses casos, como não se trata de um agente estatal, não se falará em “autoridade” coatora, mas apenas em coator, já que não há o exercício de nenhum poder público sobre o paciente. 4. Transgressão disciplinar Transgressão disciplinar é o nome dado às infrações administrativas previstas nos regulamentos disciplinares militares. As transgressões disciplinares preveem, a depender da gravidade da conduta, sanções de advertência, detenção ou prisão. São penas administrativas que podem se consubstanciar em privação da liberdade. No que tange ao regramento legal do habeas corpus, o CPP, em seu art. 647, estatui o seu cabimento toda vez que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de locomoção, afastando a impetração na hipótese de punição disciplinar. Os arts. 647 do CPP, e 142, § 2º, da CF/1988 preconizam o não cabimento de habeas corpus relativamente a punições disciplinares militares. De acordo com Távora e 20Curso Ênfase © 2021 Alencar (2020, p. 1.632), esses dispositivos devem ser interpretados sistematicamente com o enunciado que assegura o remédio heroico como garantia individual fundamental e que, por ter essa natureza, deve ser compreendido extensivamente. Conforme estatui o art. 5º, inciso LXVIII, da CF/1988, a impetração de habeas corpus é autorizada, sem restrições, “(...) sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Os enunciados normativos do art. 647 do CPP e o art. 142, § 2º, da CF/1988, que vedam o manejo do habeas corpus contra punição disciplinar, são adequados para os casos em que se pretenda invadir o mérito do ato administrativo punitivo, pondo-se em risco a própria hierarquia militar. Em outras palavras, se a punição disciplinar é aplicada dentro dos limites legais e regulamentares, a propositura do habeas corpus é descabida. No entanto, no caso de punições disciplinares que extrapolem os parâmetros do permitido à autoridade competente, com cerceio indevido à liberdade de locomoção, cabível é o habeas corpus, a teor do art. 5º, inciso LXVIII, da CF/1988, não sendo plausível sustentar limitação a essa garantia fundamental. Segundo essa doutrina, a melhor orientação é: Não cabe habeas corpus contra imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública, por se tratar de sanções administrativas, não estando em discussão violação ou ameaça à liberdade de locomoção. Por outro lado, o habeas corpus impetrado em favor de militar dos estados – agora restrito para casos de infração penal – tem seu processamento e julgamento afetos à Justiça Militar estadual, nos termos do § 4º, do art. 125 da Constituição do Brasil, eis que afirma a sua competência para processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares. (TÁVORA e ALENCAR, 2020, P. 1633). No mesmo sentido é o entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal: STF – Súmula nº 694 - Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública. 5. Competência A definição da competência para o processo e julgamento do habeas corpus deve ser 21Curso Ênfase © 2021 feita a partir da CF/1988, das Constituições estaduais e da legislação infraconstitucional, visando facilitar a determinação do juízo competente para o processo e julgamento do habeas corpus. O art. 650 do CPP e a CF/1988 estabelecem a competência para o julgamento do habeas corpus. Supremo Tribunal Federal (STF) De acordo com a CF/1988, compete ao STF processar e julgar, originariamente: a) O habeas corpus, sendo pacientes o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, os ministros do STF, o procurador-geral da República, os ministros de Estado, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores,do Tribunal de Contas da União (TCU) e os chefes de missão diplomática em caráter permanente (art. 102, inciso I, “d”, primeira parte, da CF/1988). Presidente da República Vice-presidente da República Membros do Congresso Nacional Ministros do STF Ministros dos Tribunais Superiores Procurador-geral da República Ministros de Estado Comandantes das Forças Armadas Ministros do TCU Chefes de missão diplomática em caráter permanente b) “O habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância” (art. 102, inciso I, “i”, da CF/1988 – grifos nossos). c) Julgar, em recurso ordinário, “o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão” (art. 102, inciso II, “a”, da CF/1988). 22Curso Ênfase © 2021 Observações importantes: 1. STF/Súmula nº 690: “Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de Turma Recursal de Juizados Especiais Criminais”. Atualmente, essa orientação não mais prevalece pela superação do entendimento ARE nº 676.275 AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, 2º Turma. Assim, “compete ao Tribunal de Justiça ou ao Tribunal Regional Federal, conforme o caso, julgar habeas corpus impetrado contra ato praticado por integrantes de Turmas Recursais de Juizado Especial.” 2. STF/Súmula nº 606: “Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso”. 3. Divergência de entendimento a respeito de determinado assunto entre as Turmas do Supremo: É firme a jurisprudência no sentido de que não cabem embargos de divergência contra decisão proferida por Turma do Supremo em habeas corpus, seja em sede de impetração originária (CF, art. 102, inciso I, ‘d’ e ‘i’), seja em sede de Recurso Ordinário (CF/1988, art. 102 , inciso II, ‘a’). Veja-se: Não cabem embargos de divergência contra decisão proferida por turma do STF em habeas corpus, seja em sede de impetração originária (CF, art. 102, I, d e i), seja em sede de recurso ordinário (CF, art. 102, II, a). [HC nº 70.274 ED-EDv-AgR, rel. Min. Celso de Mello, julgado em 25.08.1994, P, DJ de 09.12.1994.] = HC nº 88.247 AgR-AgR-EDv-AgR, rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 19.08.2010, P, Dje de 22.10.2010. 4) Julgamento monocrático de habeas corpus por ministro do STF: “o STF tem admitido o julgamento monocrático de habeas corpus por ministro de sua Corte, concedendo ou denegando a ordem, quando a jurisprudência estiver consolidada quanto à matéria versada na impetração, nos termos do art. 192, caput, do Regimento Interno do STF, sem que se possa arguir violação ao princípio da colegialidade” (STF, 2ª Turma, HC nº 107.320 AgR/SP, Segunda Turma, Min. Celso de Melo, Julgamento em 24.05.2011). Superior Tribunal de Justiça (STJ) Compete ao STJ processar e julgar, originariamente: a) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for governador de Estado e do Distrito Federal, desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, membros 23Curso Ênfase © 2021 dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e do Trabalho (TRTs), os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União (MPU) que oficiem perante tribunais, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (art. 105, inciso I, “c”, primeira parte, da CF/1988); b) os habeas corpus, quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição (leia-se: Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, Tribunais de Justiça Militar e Tribunais Regionais Federais), ministro de Estado ou comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (art. 105, inciso I, “c”, parte final, da CF/1988); c) também compete ao STJ julgar, em recurso ordinário, “os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória (art. 105, inciso II, “a”, da CF/1988). Tribunais Regionais Federais (TRFs) Compete aos TRFs processar e julgar os habeas corpus, “quando a autoridade coatora for juiz federal” (art. 108, inciso I, “d”, da CF/1988). Cabe ainda ao respectivo TRF o processo e julgamento de habeas corpus impetrado contra membros do MPU que atuam perante a primeira instância, aí incluídos membros do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Militar, do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Isso porque cabe ao TRF processar e julgar originariamente os membros do MPU de primeira instância, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (art. 108, inciso I, “d” c/c “a”, da CF/1988). Nesse sentido, também, entende a jurisprudência (STJ, HC nº 67.416/DF, rel. Min. Felix Fischer, julgado em 26.06.2007). Tribunal de Justiça Nos termos do art. 125, § 1º, da CF/1988, a competência do Tribunal de Justiça será definida na Constituição de cada Estado, conforme a lei de organização judiciária, de iniciativa do próprio Tribunal de Justiça. Assim, por exemplo, no Estado de São Paulo, o TJ-SP julgará originariamente o habeas corpus quando coator ou paciente for autoridade diretamente sujeita à sua jurisdição, ressalvada a competência da Justiça Militar. Logo, a Corte Bandeirante julgará o habeas corpus cujo coator ou 24Curso Ênfase © 2021 paciente for vice-governador, secretário de Estado, deputado estadual, procurador- geral de Justiça, procurador-geral do Estado, defensor público geral e prefeitos (art. 74, inciso IV, da Constituição do Estado de São Paulo). Assim, aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios competem o processo e julgamento de habeas corpus quando a autoridade coatora ou paciente for autoridade diretamente sujeita à sua jurisdição, sendo que, nesse particular, a disciplina é tratada, em regra, pelas Constituições estaduais. De acordo com Brasileiro (2020, p. 1.884), também será da competência do Tribunal de Justiça o habeas corpus quando a autoridade coatora for juiz de Direito ou promotor de Justiça. Turma recursal Nos feitos regidos pela Lei nº 9.099/1995, a competência para o processo e julgamento de habeas corpus contra decisão singular de juiz do Juizado Especial Criminal é da Turma Recursal, e não do Tribunal de Justiça (STJ, 5ª Turma, HC nº 30.155/RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 11.05.2004). Importante destacar que, para que seja cabível o habeas corpus, há necessidade de risco potencial à liberdade de locomoção. Por isso, se à infração de menor potencial for cominada tão somente pena de multa, não se afigura possível a impetração de habeas corpus, visto que a nova redação conferida ao art. 51 do CPP, pela Lei nº 9.268/1996, deixou de admitir que pena de multa não paga seja convertida em pena privativa de liberdade (LIMA, 2020, p. 1.886). Juiz de primeira instância Tratando-se de constrangimento ilegal perpetrado por particular ou autoridade que não seja dotada de foro por prerrogativa de função (por exemplo: delegado de Polícia), a competência para o processo e julgamento do habeas corpus será do juiz da comarca ou da subseção judiciária em cujos limites estiver ocorrendo a violência oucoação ilegal à liberdade de locomoção (LIMA, 2020, p. 1.887). Quanto à competência da Justiça Federal de primeira instância, o art. 109, inciso VII, da CF/1988, dispõe que aos juízes federais compete processar e julgar “os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier 25Curso Ênfase © 2021 de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição”. 6. Procedimento De acordo com Roque e Costa (2018), o procedimento do habeas corpus é composto dos seguintes atos: (a) petição inicial; (b) pedido de informações à autoridade coatora; (c) eventual manifestação do Ministério Público; e (d) decisão. a) Petição inicial A petição inicial do pedido de habeas corpus exige o preenchimento de alguns requisitos, conforme o art. 654, § 1º, do CPP: “O nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça”. Entende-se que basta que o paciente consiga ser individualizado, seja pelas suas características ou pelo lugar em que se encontra com seu direito de locomoção violado. “A declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor” (grifos nossos). É preciso que se indique, concretamente, qual é a violência ou coação (ou ameaça) que o paciente está sofrendo. “A assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências” (grifos nossos). A jurisprudência vem entendendo que é obrigatória a assinatura do impetrante ou de alguém a seu rogo, sob pena de não conhecimento (STJ, AgRg no EDcl no HC nº 133.078/SP, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16.06.2011). Uso do vernáculo (língua portuguesa). Qualquer pessoa pode impetrar um habeas corpus independentemente de ser nacional ou estrangeiro. No entanto, os tribunais exigem que a redação seja em língua portuguesa, sob pena de não conhecimento, tendo em vista que o conteúdo da ação, dada a sua natureza popular, deva ser acessível a todos, sendo insuficiente a alegação de que o idioma estrangeiro é conhecido pelo julgador (STF, QO-HC nº 72.391/DF, rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 08.03.1995). Observação: 1. Liminar: Apesar de não existir previsão legal de liminar em habeas corpus, a 26Curso Ênfase © 2021 jurisprudência, assim como a doutrina, são consolidadas no sentido da possibilidade de seu deferimento, desde que presentes os pressupostos atinentes a toda e qualquer cautelar – fumus boni iuris e periculum in mora. 2. Habeas corpus de ofício: É possível, sobre o tema, trazer as lições da doutrina: O poder de conceder a ordem ex officio permite ao julgador analisar qualquer coação ilegal à liberdade de locomoção ligada ao processo em julgamento, ampliando a cognição em duas direções. Por um lado, o juiz ou tribunal não está limitado aos elementos que identificam a ação (partes, causa de pedir e pedido) ou à matéria devolvida no recurso. Por outro, o juiz ou tribunal pode superar obstáculos ao conhecimento da causa ou recurso em julgamento (pressupostos processuais ou recursais ou condições da ação) (MENDES; BRANCO, 2020, p. 461). 3) Dilação probatória: Tendo em vista as características que permeiam a impetração do habeas corpus, quais sejam, simplicidade e sumariedade, seu procedimento não possui uma fase de instrução probatória. Isso, todavia, não significa que não seja necessária a produção de provas destinadas à demonstração do constrangimento ilegal, até mesmo porque, ausente essa prova, a ordem de habeas corpus será denegada. b) Pedido de informações à autoridade coatora CPP, art. 656. Recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar. Parágrafo único. Em caso de desobediência, será expedido mandado de prisão contra o detentor, que será processado na forma da lei, e o juiz providenciará para que o paciente seja tirado da prisão e apresentado em juízo. (Grifos nossos.) O CPP assegura que, em caso de desobediência, será expedido mandado de prisão contra o detentor, que será processado na forma da lei, e o juiz providenciará para que o paciente seja tirado da prisão e apresentado em juízo (parágrafo único, art. 656, CPP). Portanto, eventualmente, terá incidência a Lei nº 13.869/2019, que disciplina o abuso de autoridade. Atenção! 27Curso Ênfase © 2021 A despeito dessa faculdade outorgada ao juiz, na prática, é muito mais comum que o juiz ou o tribunal solicite informações por escrito à autoridade coatora (art. 662 do CPP). Esse pedido de informações, que pode ser dispensado quando o constrangimento ficar evidenciado do plano, consiste em verdadeira contestação da autoridade coatora quanto à suposta ilegalidade ou abuso de poder. Nada impede que a autoridade coatora encaminhe, em conjunto com as informações, documentos que confirmem a veracidade de suas afirmações. Na hipótese de autoridade pública, as informações por ela prestadas gozam de presunção relativa de veracidade, podendo ser desmentidas a depender da prova pré-constituída apresentada pelo impetrante (LIMA, 2020, p. 1.892). “O carcereiro ou o diretor da prisão, o escrivão, o oficial de justiça ou a autoridade judiciária ou policial que embaraçar ou procrastinar a expedição de ordem de habeas corpus, as informações sobre a causa da prisão, a condução e apresentação do paciente, ou a sua soltura, será multado”: sem prejuízo das penas em que incorrer (art. 655, CPP), se típica a conduta na Lei nº 13.869/2019. c) Manifestação do Ministério Público Em primeira instância, em razão da celeridade que se imprime ao julgamento do remédio constitucional, o Ministério Público não se manifesta antes de o juiz decidir. Inexiste previsão legal nesse sentido. O órgão ministerial, após a decisão, será intimado, podendo, então, praticar o que entender cabível, como interpor recurso contra a decisão proferida. Já no que diz respeito aos habeas corpus impetrados em segunda instância, o ordenamento jurídico, aí sim, exige a prévia manifestação do Ministério Público (art. 1º do Decreto-Lei nº 552/1969), o que se dá por meio de parecer. d) Decisão Estabelece o art. 664 do CPP que o habeas corpus “será julgado na primeira sessão, podendo, entretanto, o julgamento ser adiado para a sessão seguinte”. A decisão, no caso de Tribunal, será tomada por maioria de votos. Ocorrendo empate, se o presidente Atenção! 28Curso Ênfase © 2021 da Corte não tiver votado, proferirá voto de desempate. No caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente (art. 664, parágrafo único, do CPP). Em um determinado julgado do STJ, surgiram três posições dos julgadores no tribunal a quo: uma totalmente desfavorável, que denegava a ordem; outra intermediária, que concedia a ordem, mas impunha medidas cautelares alternativas; e outra totalmente benéfica, que concedia integralmente a ordem. Entendeu-se, tal como previsto na lei, que deve prevalecer sempre a posição mais benéfica ao paciente (HC nº 357.445/PE, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18.10.2016). 7. Julgamento O art. 660 do CPP determina que, “uma vez efetuadas as diligências e interrogado o paciente, o juiz decidirá, fundamentadamente, no prazo de 24 horas, esclarecendo que: a) Caso haja uma decisão favorável ao paciente, será ele logo posto em liberdade, salvo se por outro motivo deva permanecer preso (§ 1º). b) Se os documentos que instruírem a petição inicial demonstrarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunaldeterminará que cesse imediatamente o constrangimento (§ 2º). c) Na hipótese de a ilegalidade decorrer do fato de não ter sido permitida ao paciente a prestação de fiança, o juiz arbitrará o valor para esta, a qual poderá ser prestada perante ele, enviando, neste caso, à autoridade policial os autos respectivos para serem anexados aos do inquérito policial, ou ordenando sua inclusão no processo judicial (§ 3º). É possível, ademais, que o juiz imponha ou cumule medida cautelar diversa, conforme o rol do art. 319 do CPP. d) Se o habeas corpus for concedido para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo magistrado (§ 4º). e) Será imediatamente enviada cópia da decisão à autoridade que tiver determinado a prisão ou tiver o paciente à sua disposição, para que seja juntada aos autos do processo (§ 5º). f) Se o paciente estiver preso em lugar que não seja o da sede do juízo ou do tribunal 29Curso Ênfase © 2021 que conceder a ordem, o alvará de soltura será emitido pelo telégrafo, por via postal (§ 6º), por fax (conforme interpretação progressiva da lei) ou por via eletrônica (Lei nº 11.419/2006, que dispôs sobre a informatização do processo judicial, que passou a admitir, expressamente, o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais). Observe o artigo 660, do Código de Processo Penal em sua literalidade: Art. 660. Efetuadas as diligências, e interrogado o paciente, o juiz decidirá, fundamentadamente, dentro de 24 (vinte e quatro) horas. § 1º Se a decisão for favorável ao paciente, será logo posto em liberdade, salvo se por outro motivo dever ser mantido na prisão. § 2º Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento. § 3º Se a ilegalidade decorrer do fato de não ter sido o paciente admitido a prestar fiança, o juiz arbitrará o valor desta, que poderá ser prestada perante ele, remetendo, neste caso, à autoridade os respectivos autos, para serem anexados aos do inquérito policial ou aos do processo judicial. § 4º Se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz. § 5º Será incontinenti enviada cópia da decisão à autoridade que tiver ordenado a prisão ou tiver o paciente à sua disposição, a fim de juntar-se aos autos do processo. § 6º Quando o paciente estiver preso em lugar que não seja o da sede do juízo ou do tribunal que conceder a ordem, o alvará de soltura será expedido pelo telégrafo, se houver, observadas as formalidades estabelecidas no art. 289, parágrafo único, in fine, ou por via postal. Como se depreende, o habeas corpus pode ser julgado por juiz singular ou por tribunal. O processamento e julgamento por juiz de primeiro grau de jurisdição ocorrerão sempre que incidir a regra de competência correspondente. Nesse caso, o processo de habeas corpus será encerrado por sentença que, sendo concessiva, ensejará, de regra, a expedição de mandado (alvará de soltura ou salvo-conduto). Já a decisão em habeas corpus, proferida por órgão colegiado, “será tomada por 30Curso Ênfase © 2021 maioria de votos”. Se houver empate e “se o presidente não tiver tomado parte na votação, proferirá voto de desempate”. Mas, no caso de ter aquele participado da votação, “prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente” (art. 664, parágrafo único, CPP). Pode ocorrer julgamento antecipado do mérito em habeas corpus. O § 2º do art. 660, CPP prevê tal possibilidade ao asseverar que “se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento.” Sem embargo, a previsão legal também é legítima para autorizar concessão de liminar. É com essa ideia que se tem entendido que nada impede que seja concedida liminar no processo de habeas corpus, preventivo ou liberatório, quando houver extrema urgência, com a ilação de que a concessão de liminar em habeas corpus, construída pretoriamente, tem o mesmo caráter de medida cautelar atribuída à liminar em mandado de segurança. Importa anotar que, muito embora se exija que a petição inicial esteja acompanhada de provas pré-constituídas que comprovem a ameaça ou coação ilegal, não há vedação absoluta ao exame de provas por ocasião do julgamento (TÁVORA; ALENCAR, 2020, p. 1.643). Por fim, com o intuito de que as decisões em habeas corpus sejam efetivas, o art. 653, parágrafo único, do CPP, enuncia que, uma vez ordenada a soltura do paciente, será condenada nas custas a autoridade que, por má-fé ou evidente abuso de poder, tiver determinado a coação. Conforme determina a Lei nº 13.869/2019, o coator poderá se sujeitar às sanções por crime de abuso de autoridade, razão pela qual devem ser remetidas cópias das peças necessárias ao Ministério Público para que seja promovida a sua responsabilidade. O habeas corpus deve ser gratuito, sem condenação em custas, salvo comprovada má-fé. Esse direito é garantido constitucionalmente (art. 5º, incisos LXXIV e LXXVII, CF/1988). 8. Recursos A decisão de habeas corpus, a depender de seu conteúdo, pode ser combatida da seguinte forma: a) Recurso em sentido estrito: em face da decisão que concede ou que denega a ordem proferida pelo juiz de primeiro grau (art. 581, inciso X, do CPP). O recurso em sentido estrito é recurso exclusivo contra decisões de primeiro grau, com endereçamento ao tribunal de segunda instância. Por exemplo: delegado de polícia coator, com decisão proferida pelo juízo criminal, 31Curso Ênfase © 2021 autoriza a interposição de recurso em sentido estrito ao tribunal de segundo grau. Contra a decisão que julga prejudicado o pedido, também caberá recurso em sentido estrito, equiparando-se a situação à denegação da ordem. b) Recurso ordinário ao STJ e ao STF: competirá o STJ julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus decidido em única ou última instância pelos TRFs ou tribunais de Justiça se denegatória a decisão (art. 105, inciso II, “a”, CF/1988). Igualmente, se o remédio constitucional é tido por prejudicado ou não conhecido, caberá o recurso ordinário, pois equivale essa decisão a uma denegação. Por outro lado, competirá ao STF julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus decidido em única instância pelos Tribunais Superiores se denegatória a decisão (art. 102, inciso II, “a”, da CF/1988). Caso o recurso seja interposto fora do prazo legal, entende-se, excepcionalmente, que ele poderá ser conhecido como habeas corpus substitutivo, a fim de se verificar flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia de ofício, evitando-se, assim, prejuízo à ampla defesa e ao devido processo legal (STJ, RHC nº 79.337/SP, 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, julgado em 28.03.2017; e RHC nº 35.986/RS, 6ª Turma, rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 26.04.2016). c) Recurso especial e extraordinário: uma vez preenchidos os requisitos legais, admite-se a sua interposição, combatendo seja decisão denegatória, seja concessiva da ordem (COSTA; ARAÚJO, 2018). Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência dos temas em provas de concursos públicos. A autoria dos e-books não se atribui aos professores de videoaulas e podcasts. Todos os direitos reservados. Atenção!
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