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Neonato - Asfixia Perinatal: - A oferta adequada de oxigênio aos tecidos é fundamental para que as células mantenham o metabolismo aeróbico e as funções vitais. - A baixa pressão de perfusão associada à insuficiente quantidade de oxigênio ofertado aos tecidos determina a mudança do metabolismo aeróbico para anaeróbico, com consequentes disfunções orgânicas. - A asfixia perinatal desenvolve-se quando há hipoperfusão tecidual significativa e diminuição da oferta de oxigênio decorrente das mais diversas etiologias durante o período periparto. - A asfixia perinatal é a principal causadora da encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI). - Há dois a quatro recém-nascidos com EHI para cada 1.000 nascidos vivos a termo, e a taxa de mortalidade dos recém-nascidos asfixiados que desenvolvem encefalopatia varia de 15 a 25%. - Dentre os sobreviventes, 25 a 30% apresentam como sequela mais importante a paralisia cerebral, além de retardo mental, déficit de aprendizado em níveis variados e epilepsia. Etiologia: - As causas de asfixia no período neonatal são: - 1) Interrupção do fluxo sanguíneo umbilical (p.ex., compressão de cordão umbilical); - 2) Insuficiente troca de gases pela placenta (p.ex., descolamento de placenta); - 3) Perfusão placentária inadequada do lado materno (p.ex., hipotensão materna); - 4) Feto comprometido que não tolera o estresse do trabalho de parto (p.ex., retardo do crescimento intrauterino); - 5) Falha de inflar o pulmão logo após o nascimento. - Todas as situações patológicas que possam promover hipóxia e hipoperfusão teciduais pré-natal, perinatal ou pós-natal são fatores etiológicos de síndrome hipóxico-isquêmica. - Observações clínicas mostraram que, em 20% dos recém-nascidos a termo, a EHI ocorre por insulto anteparto (p.ex., parada cardíaca materna, hemorragia materna levando à hipotensão e acometimento das trocas transplacentárias); em 35%, por problemas maternos como diabete, retardo de crescimento intra uterino e infecção sem sinais clínicos de sofrimento fetal durante o trabalho de parto e sem conhecimento do momento do insulto fetal; em 10%, por problemas pós-natais; e somente em 35% a EHI é decorrente de problemas reconhecidos durante o trabalho de parto (p.ex., descolamento prematuro de placenta, ruptura uterina, parto traumático). - Portanto, pelo menos em 65% dos casos de EHI em recém-nascidos a termo, dificuldades do período intraparto não explicam a presença de encefalopatia. Diagnóstico de Asfixia Perinatal: - O uso único do escore de Apgar para o diagnóstico de asfixia perinatal é falho. - Recém-nascidos prematuros apresentam escores de Apgar baixos sem desenvolver acidemia. - A idade gestacional influencia o escore de Apgar, havendo correlação significativa entre a idade gestacional e os escores de Apgar no primeiro e no quinto minuto de vida, ou seja, quanto mais prematuro for o recém-nascido, maior a probabilidade de apresentar escores de Apgar baixos com pH arterial de sangue de cordão umbilical dentro de uma faixa de normalidade. - Em recém-nascidos a termo, o escore de Apgar também não é um dado fidedigno para o diagnóstico de asfixia perinatal. - Demonstrou-se que a utilização de apenas o pH de sangue arterial umbilical não é suficiente para o diagnóstico de asfixia perinatal. - Há necessidade da presença de outros sinais para haver a suspeita de asfixia perinatal, como disfunção orgânica multissistêmica e manifestações neurológicas. Fisiopatologia: - A lesão hipóxica intra útero ou logo após o nascimento determina uma sequência de eventos no recém-nascido. - Inicialmente, há um período de aumento da frequência respiratória seguido de apneia com duração de 30 a 60 segundos (apneia primária). - A frequência cardíaca mantém-se normal e a pressão arterial aumenta levemente durante a apneia primária. - Há uma reversão desse quadro com a utilização de uma leve estimulação tátil ou a exposição do recém-nascido ao oxigênio, determinando o reinício da respiração. - Se o processo hipóxico se mantém, o recém-nascido reinicia os movimentos respiratórios que, entretanto, serão assincrônicos e não efetivos (gasping). - Esses movimentos respiratórios são semelhantes a soluços. - Persistindo o insulto hipóxico, a respiração torna-se ainda mais ineficaz até que sobrevém um segundo período de apneia (apneia secundária ou apneia terminal). - Durante esse processo, ocorre a diminuição progressiva da frequência cardíaca, da pressão arterial e da PaO2 , associando-se ao processo hipóxico o componente isquêmico. - A partir desse momento, o recém-nascido não é mais responsivo ao estímulo tátil nem ao oxigênio e necessita de ventilação positiva intermitente para se recuperar. - O tempo necessário para recuperar os movimentos respiratórios espontâneos é de 2 a 2,5 vezes o período de apneia secundária. - Se nenhuma atitude for adotada durante esse período, a evolução será o óbito. - O processo de asfixia causa uma redistribuição do débito cardíaco com o objetivo de preservar a perfusão do sistema nervoso central (SNC), do coração e das glândulas suprarrenais. - Os tecidos periféricos, as vísceras abdominais e os pulmões tornam-se hipoperfundidos em detrimento dos órgãos mais nobres citados anteriormente. - Essa é a forma que o organismo encontra para preservar a função dos órgãos considerados mais importantes. - Entretanto, quando o processo hipóxico‑isquêmico torna-se muito intenso e extremamente grave, o SNC, o coração e as glândulas suprarrenais também são acometidos, surgindo manifestações clínicas decorrentes de suas disfunções. - Os mecanismos fisiopatológicos que envolvem a hipóxia-isquemia e a reperfusão cerebral ocorrem em três níveis básicos que estão inter-relacionados: nível bioquímico, nível celular, que constitui alterações morfológicas no citoplasma e no núcleo celular, e nível celular-humoral, que são principalmente citocinas e a resposta inflamatória. - Durante a hipóxia-isquemia, inicialmente, ocorre uma inativação sináptica que se deve à redução do aporte cerebral de fosfatos de alta energia, causando falta progressiva de energia, ocasionando lesão irreversível, uma vez que a energia disponível não é suficiente para manter as bombas ATPase dependentes, responsáveis pela distribuição dos íons através das membranas. - A falta de energia para manter as bombas ATPase dependentes causa despolarização das membranas e maior entrada de cálcio para o meio intracelular. - O aumento do íon cálcio no meio intracelular ativa a liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato e o aspartato, que têm suas ações mediadas principalmente pelo receptor NMDA (N-metil-D-aspartato). - O receptor NMDA é responsável, ainda, pela maior permeabilidade celular ao cálcio; é um mecanismo de retroalimentação. - Resumindo, os neurônios que liberam glutamato são ativados durante o evento hipóxico pela entrada de cálcio para dentro da célula e pela própria despolarização dessas células. - Paralelamente, ocorre redução de ATPase-glutamato dependente na membrana pré‑sináptica, contribuindo para a manutenção de concentrações elevadas do glutamato extracelular, mantendo um estímulo prolongado desse neurotransmissor excitatório. - O cálcio aumentado no espaço intracelular associado à reperfusão inicia vários eventos bioquímicos, como a ativação de enzimas degradativas (endonucleases, proteases e fosfolipases). - A reperfusão com o aporte de oxigênio às células lesadas pela hipóxia-isquemia leva à geração de radicais livres, ativação da óxido nítrico sintetase, com síntese de óxido nítrico (ON) que se combina com radicais livres para formar peroxinitrito. - A geração de radicais livres pode acionar a liberação de quantias adicionais de neurotransmissores excitatórios e influenciar também a ativação do receptor NMDA. - O cálcio aumentado no meio intracelular promove: - 1) Ativação da fosfolipase A2 , causando maior geração de radicais livres pelas vias da cicloxigenase e lipoxigenase; - 2) Ativação da enzima óxido nítrico sintetase, que estimulaformação de NO e este se combina com radicais livres, formando peroxinitrito; - 3) Ativação de proteases que convertem xantina-desidrogenase em xantina-oxidase, gerando radicais livres; - 4) Ativação da fosfolipase C, que resulta no aumento dos estoques de cálcio intracelular. - O acúmulo do cálcio citosólico é o principal fator entre as múltiplas lesões e a cascata de eventos irreversíveis que causam a morte celular induzida pela hipóxia-isquemia e reperfusão. - Há alterações morfológicas observadas na deterioração da célula nervosa que sofre a agressão hipóxico-isquêmica. - São alterações que envolvem o núcleo e o citoplasma. - A ação desses fenômenos celulares desencadeados pela lesão de hipóxia-isquemia-reperfusão leva a duas formas bem distintas de morte da célula nervosa: necrose e apoptose. - Na necrose, há ruptura da célula com fratura da membrana celular, reação inflamatória intensa e ruptura de organelas, o que causa maior edema no meio intracelular; consequentemente, há ruptura celular, extravasamento do conteúdo do citoplasma para o meio extracelular e fagocitose desse material. - O processo é irreversível e sem consumo de energia. - Na apoptose, o mecanismo de morte neuronal é completamente diferente. - A célula encolhe; o núcleo torna-se pequeno e denso, em razão da maior condensação de cromatina e fragmentação do DNA; no mesmo momento, ocorre invaginação da membrana plasmática com vacuolização do citoplasma; o processo todo finaliza com a célula separando-se em corpos apoptóticos múltiplos e pequenos que são fagocitados por células vizinhas saudáveis. - É um processo celular ativo que requer vias bioquímicas específicas, consumo de energia e transcrição genética. - Um dos grandes reguladores da apoptose neuronal são as caspases (proteases cisteína-aspartato específicas), que agem especificamente nas células apoptóticas, em particular caspases 3 e 9. - A hipóxia-isquemia-reperfusão no SNC também aciona uma reação inflamatória caracterizada pelo influxo de leucócitos, incluindo polimorfonucleares e monócitos e ativação da microglia. - Muitas dessas reações inflamatórias são mediadas pelas citocinas, especialmente as ações moduladoras da apoptose neuronal. - As citocinas com ações mais conhecidas no SNC são: TNF-alfa, IL-1-beta e IL-6. - A ativação de caspases promove a produção de citocinas inflamatórias que podem induzir uma resposta inflamatória local e aumentar o número de neurônios apoptóticos, o que seria um mecanismo de neuroproteção. - As citocinas são mediadoras do mecanismo da ativação da resposta inflamatória sistêmica. - Em uma situação de isquemia ou presença de endotoxina, ocorre ativação endotelial, potencializada pela ativação dos monócitos que estimulam produção de TNF-alfa; e este promove maior ativação endotelial e, por meio de diversas interações, ocorre produção de IL‑6, IL-1-beta, IL-8 e fator ativador plaquetário (PAF). - Por meio de ações de receptores solúveis, IL-6, IL-1-beta e TNF-alfa aumentam a expressão das moléculas de adesão, principalmente a Icam-1 (molécula de adesão intercelular), nas células endoteliais e nos astrócitos, facilitando, assim, a infiltração leucocitária e aumentando a ativação dos leucócitos, com consequente promoção da resposta inflamatória sistêmica como resultado final. - Além disso, induzem a enzima óxido nítrico sintetase, que, juntamente com TNF-alfa e IL-1-beta, promove efeitos neurotóxicos. - Os eventos bioquímicos que levam à agressão hipóxico‑isquêmica são muito mais conhecidos que a via inflamatória. - Por isso, as estratégias neuroprotetoras disponíveis atualmente estão baseadas no bloqueio dos eventos bioquímicos que podem causar a morte neuronal. Manifestações Clínicas: 1) Sistema Nervoso Central: - A extensão e a distribuição da lesão isquêmica cerebral são determinadas pela maturidade cerebral e a gravidade e duração do insulto. - No recém-nascido prematuro, a identificação clínica da asfixia é mais difícil que no recém-nascido a termo, por causa da imaturidade cerebral, ou seja, alguns achados normais e comuns ao prematuro indicam depressão do SNC no recém-nascido a termo. - EHI consiste na manifestação clínica da asfixia perinatal mais estudada e descrita na literatura. Os achados clínicos são inespecíficos e, para distinguir de outras causas de lesão cerebral, é importante a história perinatal. - O quadro clínico agrava-se durante os primeiros 3 dias de vida; óbito é comum entre 24 e 72 horas de vida. - As convulsões podem estar presentes como única manifestação neurológica após insulto asfíxico. - Geralmente, inicia durante as primeiras 24 horas de vida do recém-nascido, são prolongadas e resistentes ao tratamento anticonvulsivante. - O edema cerebral pode ser um achado precoce da EHI grave, resultando em áreas de necrose cerebral irreversível, principalmente lobo temporal e consequente paralisia cerebral. - Clinicamente, o aumento da pressão intracraniana do recém‑nascido manifesta-se muito tardiamente na evolução do edema cerebral, observando-se fontanela abaulada e tensa, hipertermia de origem central, convulsões e demais manifestações neurológicas semelhantes às observadas na EHI e, nesses casos, já existe necrose cerebral extensa. - Nos casos graves, o exame de ressonância magnética mostra alterações entre a primeira e a segunda semana de vida pós-natal e o vídeo EEG é alterado nas primeiras 48 horas de vida. - Os recém-nascidos que apresentam vídeo EEG normal nas primeiras 48 horas de vida terão neurodesenvolvimento normal aos 24 meses de idade corrigida. 2) Sistema Cardiovascular: - A resposta circulatória inicial após a lesão hipóxico-isquêmica envolve redistribuição do débito cardíaco aos tecidos do organismo, com maior trabalho da fibra miocárdica já sob efeito de isquemia, podendo ocorrer infarto agudo do miocárdio, insuficiência miocárdica de gravidade variável, inclusive com miocardiopatia, e necrose do músculo papilar da válvula tricúspide. - O ventrículo direito do recém-nascido é o mais sujeito à lesão isquêmica porque a pressão vascular pulmonar se eleva como decorrência da hipóxia e da acidose. - Esse fato hemodinâmico leva a um sofrimento da circulação do ventrículo direito com consequente isquemia ou necrose. - Laboratorialmente, manifesta-se por aumento da CK-MB; no eletrocardiograma, há alterações compatíveis com lesão isquêmica ou necrose miocárdica; e na cintilografia miocárdica, há manifestações isquêmicas. - Inicialmente, ocorre taquicardia sinusal, seguida de bradicardia e insuficiência cardíaca. - O recém-nascido apresenta hiperatividade precordial, pulsos amplos ou diminuídos com déficit de perfusão periférica e edema generalizado, e é possível a presença de sopro cardíaco pela necrose do músculo papilar e arritmias. 3) Sistema Respiratório: - É frequente a associação de asfixia e hipertensão pulmonar persistente (HPP) do recém-nascido. - Na asfixia, pode ocorrer necrose dos músculos papilares da válvula tricúspide, promovendo regurgitação valvar tricúspide e aumento da pressão no átrio direito, causando shunt direita-esquerda durante a sístole ventricular. - Além disso, a redistribuição do fluxo sanguíneo no organismo após um evento hipóxico-isquêmico e a acidose metabólica promovem aumento da resistência vascular pulmonar e consequente elevação da pressão na artéria pulmonar. - O shunt direita-esquerda de sangue não oxigenado pelo forame oval e pelo canal arterial patente é responsável pela hipoxemia sistêmica grave. - Dessa forma, há uma somatória de efeitos clínicos de uma isquemia tecidual generalizada. - É uma situação muito grave que requer suporte intensivo e manejo imediato na tentativa de reverter o quadro clínico. - O ecocardiograma com mapeamento em cores permite a visualização do jato de regurgitação tricúspide e do jato no forame oval, além da aferição da pressão na artéria pulmonar e da avaliação da função ventricular direita. - No caso de não dispor de ecocardiografia e se o shunt for predominantemente pelo canal arterial,a constatação da PaO2 ou da saturação arterial de oxigênio pré-ductal (artéria radial direita) e pós-ductal (aorta descendente ou membros inferiores) – mostrando uma diferença de oxigenação com saturação ou PaO2 mais elevada no membro superior direito que nos membros inferiores – faz o diagnóstico de HPP. - A síndrome de aspiração de mecônio é um achado frequente concomitante com a asfixia e com a HPP. 4) Distúrbios Metabólicos: - Inicialmente, há hiperglicemia por aumento na liberação de catecolaminas e cortisol, seguida de hipoglicemia causada pelo consumo excessivo dos depósitos de glicogênio hepático e, em alguns casos, por hiperinsulinismo tardio. - A hipocalcemia precoce (cálcio sérico total < 7 mg/dL ou cálcio iônico < 4 mg/dL, nas primeiras 72 horas de vida) é secundária à insuficiência renal e à redução transitória da secreção de hormônio paratireóideo. - Distúrbios hidroeletrolíticos acontecem secundariamente à insuficiência renal aguda ou à síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SSIHA). - Hiponatremia e natriúria ocorrem na fase de recuperação da necrose tubular aguda (NTA), e hipercalemia, na insuficiência renal mais prolongada. 5) Aparelho Gastrointestinal: - Aumento dos níveis séricos de amônia podem ser detectados por insuficiência hepática. - A lesão hepática pode evoluir para necrose. - A insuficiente perfusão sanguínea visceral pode causar isquemia das alças intestinais, predispondo o recém‑nascido, principalmente o prematuro, a desenvolver quadro de enterocolite necrosante. 6) Aparelho Renal: - Oligúria (diurese < 1 mL/kg/hora) ou anúria é comum no recém-nascido que sofreu asfixia. - SSIHA, NTA ou desidratação são causas de oligúria e merecem um diagnóstico diferencial, uma vez que ocorrem com alguma frequência em recém-nascidos asfixiados. - A SSIHA ocorre por disfunção hipofisária secundária à agressão isquêmica. - Os pacientes com SSIHA reabsorvem grande quantidade de água livre no nível de túbulo distal e desenvolvem oligúria, edema e hiponatremia. - A NTA consequente da lesão isquêmica renal cursa com redução do débito urinário e insuficiência renal aguda que persiste por vários dias ou semanas. - Alguns recém-nascidos com asfixia desenvolvem bexiga neurogênica, e a consequente retenção urinária não é relacionada à doença parenquimatosa renal. - No diagnóstico diferencial da oligúria e anúria no recém-nascido com asfixia, é importante realizar a palpação da bexiga para constatar se há distensão vesical secundária à bexiga neurogênica. 7) Distúrbios Hematológicos: - Coagulação intravascular disseminada (CIVD) é frequente em recém-nascidos com asfixia perinatal e está associada a situações de hipóxia-isquemia tecidual. - A CIVD manifesta-se, clinicamente, por sangramento em locais de venopunção, equimoses, hematomas, petéquias, hematúria, hemorragia digestiva e melena. - Esses achados são acompanhados pelas manifestações clínicas de choque hipovolêmico, variáveis com a gravidade. - O diagnóstico laboratorial revela prolongamento dos tempos de tromboplastina parcial ativada (TTPA), protrombina (TP) e trombina (TT). - A contagem de plaquetas pode ser normal ou reduzida. Tratamento: Primeiro Passo: - Intervenção pós-natal imediata. - Ocorre na sala de parto, onde é fundamental a reanimação efetiva e rápida do recém-nascido asfixiado. Segundo Passo: - Devem ser tomadas medidas de suporte vital, como manutenção da oxigenação, da perfusão e da temperatura corpórea; equilíbrio metabólico (glicose), hidroeletrolítico (especialmente os íons cálcio, sódio e potássio) e acidobásico; além de medidas para evitar e minimizar edema cerebral e tratamento das convulsões. - Ventilação/oxigenação: deve-se tentar manter os níveis de PaO2 e PaCO2 os mais próximos do normal. - Evitar que a PaO2 ultrapasse o valor de 100 mmHg e a PaCO2 se situe abaixo de 35 mmHg. - A hiperóxia pode promover redução no fluxo sanguíneo cerebral (FSC) ou potencializar a lesão de reperfusão causada pelo acúmulo de radicais livres. - A hiperventilação também é contraindicada, pois a hipocapnia excessiva (PaCO2 < 25 mmHg) pode reduzir o FSC. - A EHI frequentemente é acompanhada de doenças pulmonares. - A síndrome de aspiração de mecônio e a HPP devem ser tratadas quando ocorrem para evitar um agravamento do processo hipóxico cerebral. - Perfusão: é importante manter a pressão de perfusão cerebral (PPC), que consiste na diferença entre a pressão arterial média sistêmica (PAM) e a pressão intracerebral (PIC) (PPC = PAM – PIC). - A PIC do recém-nascido com EHI não é monitorada habitualmente na prática clínica. - A perda da autorregulação cerebrovascular faz com que a PPC seja reflexo direto da PAM, e a manutenção da PPC requer uma PAM no mínimo entre 45 e 50 mmHg. - A oxigenação do SNC depende da PaO2 e da perfusão tecidual. - A cardiopatia isquêmica causada pela lesão asfíxica causa diminuição da contratilidade cardíaca e do débito cardíaco. - Para que o débito cardíaco seja mantido em níveis adequados e que se tenha uma pressão de perfusão efetiva, o uso de drogas vasopressoras é necessário. - No paciente asfixiado, a droga vasoativa mais indicada é a dobutamina, que aumenta a contratilidade cardíaca e tem efeito de vasodilatação periférica. - A dose inicial indicada é 7,5 mcg/kg/min EV. - Glicose: a glicemia deve ser mantida em níveis fisiológicos, ou seja, 50 a 80 mg/dL. - A hipoglicemia é uma condição agravante, pois além de reduzir reservas energéticas (ATP) e iniciar a cascata de eventos bioquímicos, pode potencializar os aminoácidos excitatórios (aspartato e glutamato) e aumentar o tamanho da área de hipóxia-isquemia cerebral. - Por outro lado, não adianta manter níveis de glicose elevados como estratégia terapêutica. - A hiperglicemia pode causar elevação do lactato cerebral, aumento da lesão celular e do edema intracelular e vários distúrbios na regulação do tônus vascular cerebral. - Balanço hidreletrolítico: - 1) Cálcio: os níveis plasmáticos de cálcio devem ser mantidos em 7 a 11 mg/dL. Hipocalcemia é uma alteração metabólica comum nos recém-nascidos asfixiados. Como os mecanismos que promovem lesão neuronal na EHI estão relacionados com o aumento do cálcio intracelular, a utilização de níveis de cálcio abaixo do normal com bloqueadores dos canais de cálcio poderia ser interessante, desde que não causasse efeitos cardiovasculares adversos, como o comprometimento da contratilidade miocárdica, além do maior risco de crises convulsivas secundárias a hipocalcemia; - 2) Sódio e Potássio: hiponatremia pode ocorrer por SSIHA ou por NTA. Hiperpotassemia é frequente nos recém‑nascidos com insuficiência renal aguda decorrente da asfixia. A monitoração desses eletrólitos e sua correção, quando alterados, são necessárias. - Edema cerebral: o recém-nascido que sofre agressão hipóxico-isquêmica tem predisposição à sobrecarga hídrica, principalmente em função da redução do débito urinário (oligúria) comum na EHI. - Anúria ou oligúria (diurese < 1 mL/kg/h) pode ocorrer por SSIHA ou por NTA. - Ambas as situações devem ser manejadas com restrição hídrica (oferta de 60 mL/ kg/dia). - No manejo do recém-nascido asfixiado, no entanto, a expansão volumétrica com soro fisiológico para manutenção da PAM e da PPC pode ser necessária. - Tratamento de convulsões: ocorrem precocemente na evolução clínica da EHI, são focais ou multifocais. - Recém-nascidos que têm pH < 7 no sangue de cordão e que mantenham acidose metabólica 2 horas após o nascimento apresentam crises convulsivas frequentemente nas primeiras 24 horas de vida. - As crises convulsivas estão relacionadas com o aumento do metabolismo cerebral que ocorre na EHI. - Os barbitúricos são preferíveis porque reduzem o metabolismo cerebral, promovendo a preservação de energia. - Quando a convulsão é clinicamente bem definida, a realização do EEG pode ser retardada, mas se o recém-nascido está em ventilação mecânica e paralisado com pancurônio, o EEG é obrigatório. - A distinção clínica entre convulsõesmultifocais e movimentos mioclônicos rítmicos segmentares é muito difícil e, portanto, o EEG é fundamental. - A primeira escolha no tratamento das convulsões secundárias à EHI é o fenobarbital. - Emprega-se dose de ataque de 20 mg/kg, seguida de manutenção de 3 a 5 mg/kg/ dia. - Se as convulsões persistirem, dá-se uma segunda dose de ataque de 20 mg/kg de fenobarbital; se ainda assim não houver controle das crises convulsivas, é necessária a associação de fenitoína (20 mg/kg dose de ataque e manutenção de 4 a 8 mg/kg/dia). - As convulsões são difíceis de controlar nos estágios precoces da EHI (primeiras 72 horas), devendo-se atingir o nível máximo terapêutico do fenobarbital, quando necessário, para controle das crises. Terceiro Passo: - Intervenções preventivas. - Bloqueadores dos canais de cálcio: o cálcio é o mediador central de uma série de eventos bioquímicos que causam a morte neuronal. - É possível que a redução dos níveis de cálcio no citosol, no momento da agressão hipóxico-isquêmica, seja benéfica, mas os efeitos adversos cardiovasculares desses bloqueadores não compensam os eventuais benefícios da terapêutica. - No momento, não existe indicação do uso de bloqueadores do canal de cálcio em recém-nascidos asfixiados. - Varredores de radicais livres: os efeitos neuroprotetores dos varredores de radicais livres podem ser exercidos pela inibição da liberação do glutamato. - Sabe-se que o influxo de cálcio é necessário para a liberação de glutamato nas terminações nervosas pré-sinápticas, levando à maior produção de radicais livres, que, por sua vez, exercem ações sobre a liberação de mais glutamato (importante aminoácido excitotóxico em células neuronais). - Os inibidores da produção de radicais livres são: alopurinol, que inibe a enzima xantina-oxidase; indometacina, que inibe a cicloxigenase; ferro quelato, que reduz a produção do radical hidroxila; e magnésio, que inibe a peroxidação lipídica. - Todas essas ações são neuroprotetoras, mas a droga mais promissora para utilização como intervenção neuroprotetora é o alopurinol. - Hipotermia terapêutica: há inúmeros estudos empregando duas técnicas de resfriamento corpóreo, a fim de inibir, reduzir e melhorar a evolução da lesão cerebral e sequelas neurológicas decorrentes da EHI: hipotermia seletiva da cabeça e hipotermia corporal total. - A temperatura de resfriamento deve ser entre 33 e 34°C; temperaturas inferiores a 32°C são menos neuroprotetoras e abaixo de 30°C foram observados efeitos adversos sistêmicos graves. - Indica-se início da hipotermia terapêutica até 6 horas após o nascimento, pois os modelos experimentais evidenciaram que essa é a janela terapêutica da agressão hipóxico-isquêmica. - A hipotermia deve ser mantida por 72 horas e a temperatura esofágica ou retal deve se manter em 33,5°C. - A hipotermia tem sido efetiva em reduzir sequelas neurológicas, principalmente em recém‑nascidos com EHI moderada, e em melhorar o prognóstico em longo prazo dos recém-nascidos com EHI. - Estudos de metanálise têm mostrado que o uso da hipotermia terapêutica diminui a mortalidade e melhora o prognóstico com relação ao neurodesenvolvimento dos recém-nascidos com EHI. - Indica-se hipotermia terapêutica nos recém-nascidos com idade gestacional > 35 semanas, peso de nascimento > 1.800 g e que tenham menos que 6 horas de vida e preencham os seguintes critérios: - 1) Evidência de asfixia perinatal: - • Gasometria arterial de sangue de cordão ou na primeira hora de vida com pH < 7,0 ou EB < -16; - • História de evento agudo perinatal (descolamento abrupto de placenta, prolapso de cordão); - • Escore de Apgar 5 ou menos no décimo minuto de vida; - • Necessidade de ventilação mecânica além do décimo minuto de vida. - 2) Evidência de encefalopatia moderada a severa antes de 6 horas de vida: convulsão, nível de consciência, atividade espontânea, postura, tônus, reflexos e sistema autonômico. - 3) Efeitos das citocinas na neuroproteção: os níveis elevados da IL-6 e do TNF-alfa no líquor de recém-nascidos a termo com EHI, principalmente quando relacionados com seus níveis plasmáticos, sugerem produção cerebral desses mediadores, em especial do TNF-alfa. - Uma nova modalidade terapêutica poderá ser o emprego de bloqueadores cerebrais do TNF-alfa.
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