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D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 1 I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 2 SUMÁRIO Doença hepática gordurosa não alcoólica MÔNICA SOUZA DE MIRANDA HENRIQUES MARIA SALETE TRIGUEIRO DE ARAÚJO ARTHUR WAGNER PIMENTEL DE SOUSA Ideia João Pessoa 2016 D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 3 Todos os direitos dos autores. As responsabilidades sobre textos e imagens são da respectiva autoria dos trabalhos. Editoração/Capa: Magno Nicolau Revisão: Juliene Paiva de Araújo Osias Ilustração da capa: http://www.istockphoto.com/br/foto/f%C3%ADgado-humano-anatomia-gm531020627- 55038288?st=_p_doenas%20hepticas D651 Doença hepática gordurosa não alcoólica. Mônica Souza de Miranda Henriques, Maria Salete Trigueiro de Araújo, Arthur Wagner Pimentel de Sousa. – João Pessoa: Ideia, 2016. 129p. ISBN 978-85-463-0150-8 1. Medicina 2. Doença hepática I. Título CDU: 616.36 EDITORA (83) 3222-5986 www.ideiaeditora.com.br ideiaeditora@uol.com.br http://www.ideiaeditora.com.br/ http://www.ideiaeditora.com.br/ I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 4 SUMÁRIO SUMÁRIO PREFÁCIO ................................................................................................................................ 6 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7 2 ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO ....................................................................................... 10 2.1 Obesidade ................................................................................................................. 10 2.2 Obesidade e etnia ..................................................................................................... 11 2.3 Hipóxia, Obesidade e Apnéia do sono..................................................................... 12 2.4 Gênero e idade ......................................................................................................... 13 2.5 Diabetes .................................................................................................................... 16 2.6 Dislipidemia e hipertensão ...................................................................................... 17 2.7 Papel do sistema endócrino...................................................................................... 18 2.8 Fatores genéticos ...................................................................................................... 20 2.9 Fatores ambientais .................................................................................................... 23 2.10 Tabagismo ................................................................................................................ 23 2.11 Poluição ambiental ................................................................................................... 24 2.12 Etilismo ..................................................................................................................... 25 2.13 Patologia periodontal ............................................................................................... 27 2.14 Papel da dieta ........................................................................................................... 29 3 HISTOLOGIA E FISIOLOGIA HEPÁTICAS ................................................................................. 32 3.1 O lóbulo hepático ..................................................................................................... 32 4 CLASSIFICAÇÃO CLÍNICO-PATOLÓGICA DA DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA ........... 38 5 FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA ...................................... 39 5.1 Desenvolvimento da EHNA ..................................................................................... 41 5.2 Estresse oxidativo ..................................................................................................... 43 5.3 Tecido adiposo ......................................................................................................... 45 5.4 Mediadores inflamatórios e adipocitocinas ............................................................. 46 5.5 Papel da microbiota intestinal ................................................................................. 55 5.6 Lipopolissacarídeos e endotoxinas .......................................................................... 56 5.7 Vias de sinalização intracelular ............................................................................... 57 D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 5 5.8 Lipotoxicidade e apoptose ........................................................................................ 58 5.9 Antecedentes genéticos ............................................................................................ 59 6 EHNA E RISCO DE CARCINOMA HEPATOCELULAR .................................................................. 61 7 PAPEL DO BAÇO ............................................................................................................ 63 8 DIAGNÓSTICO DA DHGNA ................................................................................................. 66 8.1 Diagnóstico clínico ................................................................................................... 66 8.2 Diagnóstico bioquímico ........................................................................................... 66 8.3 Diagnóstico por imagem .......................................................................................... 69 8.4 Diagnóstico histopatológico .................................................................................... 73 8.5 Esteatose ................................................................................................................... 75 8.6 Inflamação ................................................................................................................ 77 8.7 Balonização hepatocelular ....................................................................................... 78 8.8 Corpúsculos de Mallory ........................................................................................... 79 8.9 Fibrose ...................................................................................................................... 79 8.10 Sobrecarga de ferro .................................................................................................. 81 8.11 Gradação da esteato-hepatite ................................................................................... 81 8.12 Grau 1 - Discreta ....................................................................................................... 81 8.13 Grau 2 - Moderada .................................................................................................... 82 8.14 Grau 3 - Intensa ........................................................................................................ 82 9 TRATAMENTO ................................................................................................................. 88 9.1 Tratamento não farmacológico ................................................................................. 88 9.2 Tratamento farmacológico ....................................................................................... 90 9.3 Transplante hepático ................................................................................................ 97 10 HISTÓRIA NATURAL E PROGNÓSTICO ................................................................................ 100 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................102 I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 6 SUMÁRIO PREFÁCIO A doença hepática gordurosa não alcoólica tem sido alvo de crescente interesse acadêmico, e o número de estudos científicos tem aumentado de forma exponencial. As linhas de pesquisa na área estão em franca expansão, e a aquisição de novos conhecimentos tem superado a habilidade humana em acompanhar tamanha evolução. Esta obra destina-se a estudantes de medicina e profissionais da área de saúde e tem como objetivo apresentar o resultado de um conjunto de estudos científicos, que contribuíram para o avanço no seu entendimento, com foco em temas como fatores de risco, mecanismos fisiopatogênicos, vias de sinalização e métodos diagnósticos e terapêuticos, sem, contudo, esgotar o assunto. Os autores D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 7 1 INTRODUÇÃO Em 1980, Jurgen Ludwig et al 1 descreveram uma série de pacientes com doença hepática crônica e esteato-hepatite em biópsia hepática. Todos os pacientes negavam a ingestão de álcool, mas a histologia sugeria o contrário, pois todos apresentavam lesões típicas da doença hepática alcoólica. A série era composta por apenas 20 indivíduos, entretanto, havia pacientes infectados pelos vírus B e C da hepatite. A doença não tinha nome, e sua causa era desconhecida. Apesar das premissas pouco favoráveis, Ludwig denominou-a de "esteato-hepatite não alcoólica", a qual viria a ser, 30 anos mais tarde, uma das principais causas de doença hepática. Entretanto, duas observações importantes permitiram a individualização desta doença. Todos, exceto um dos pacientes descritos por Ludwig, eram obesos ou com sobrepeso e apresentavam manifestações costumeiramente associadas à obesidade. Estas observações anteriores mostraram uma associação entre obesidade e doenças do fígado, suspeitando-se, desta forma, de uma relação causal. A segunda observação importante era de que se tratava de uma doença distinta da hepatite alcoólica: o perfil clínico e biológico era diferente e de evolução mais lenta, com algumas lesões histológicas mostrarando-se menos evidentes ou mesmo ausentes 2. No entanto, a última década testemunhou avanços significativos, resultando na identificação da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) como uma doença distinta, frequente e potencialmente grave 3. Talvez o avanço mais importante tenha sido a I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 8 SUMÁRIO demonstração de que está fortemente associada com resistência periférica e hepática à insulina 4. Isso se traduz em um aumento da prevalência e gravidade das complicações fenotípicas da resistência insulínica, principalmente as características clínicas e biológicas que definem a síndrome metabólica 5. Esta relação é ainda mais reforçada pelos achados adicionais que mostraram o sobrepeso e a obesidade como condições inflamatórias 6 e que podem desencadear mecanismos fibrogênicos 3, sendo a resistência à insulina um fator preditivo independente. A associação entre DHGNA e resistência insulínica está presente até mesmo em indivíduos sem sobrepeso. Desta forma, a DHGNA pode ser a primeira manifestação da síndrome metabólica 5,7, cujos principais componentes são obesidade abdominal, dislipidemia aterogênica, hipertensão arterial, resistência insulínica/intolerância à glicose, estado pró-inflamatório e estado pró-trombótico 8. Os fatores de risco associados à DHGNA estão correlacionados a um pior prognóstico e desenvolvimento de doença potencialmente grave e progressiva do fígado 9. A DHGNA é considerada uma doença espectral, definida pelo acúmulo de lipídios no interior dos hepatócitos superior a 5% do peso do fígado, na ausência de causas secundárias, tais como a hepatite B ou C, ou ingestão contínua de etanol em excesso (<20 g / dia em mulheres, <30 g / dia nos homens), uso de medicação esteatogênica ou mesmo distúrbios hereditários 10. Apresenta-se na forma esteatótica pura ou associada a fenômenos necroinflamatórios, denominada esteato-hepatite não alcoólica (EHNA). Vem sendo considerada a hepatopatia mais comum da atualidade e a causa mais frequente de aumento das aminotransferases e de cirrose criptogênica 11-13, podendo também evoluir para o carcinoma hepatocelular 14,15. Nos países ocidentais, a prevalência da DHGNA vem sendo estimada em 10% a 30% da população geral, enquanto a da EHNA D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 9 apresenta-se em torno de 3,5% 16-18. Foi documentada em 15% dos indivíduos com peso normal 19 e em mais de 80% entre obesos 20. No Brasil, um estudo epidemiológico multicêntrico envolvendo pacientes com DHGNA revelou prevalência de obesidade e de sobrepeso em 44,7% e 44,4% dos pacientes, respectivamente 21. No entanto, devido à falta de métodos diagnósticos não invasivos de confiança adequados à triagem da população em geral, a real prevalência da esteatose hepática é provavelmente ainda subestimada 10, 22, 23. Dados coletados do Sistema Nacional de Saúde e Nutrição dos Estados Unidos, entre 1988 e 2008, mostraram que a prevalência das principais causas de doença hepática crônica permaneceu estável. Entretanto, a prevalência da DHGNA aumentou de forma constante, juntamente com a obesidade 24. Atualmente, essa entidade nosológica tornou-se a segunda principal causa de transplante hepático nos Estados Unidos, com previsão de aumento nas próximas duas décadas, superando a infecção crônica pelo vírus da hepatite C, transformando-se, rapidamente, na principal indicação de transplante de fígado 25-27. A EHNA configura-se, portanto, como uma patologia, cuja mortalidade global e relacionada ao fígado está bastante aumentada em relação à população geral 28. As principais causas de morte em pacientes com DHGNA, em geral, são: infecções e complicações relacionadas com a cirrose, principalmente hemorragia por varizes, insuficiência renal e carcinoma hepatocelular. Contudo, o que diferencia o prognóstico, a longo prazo, da EHNA das outras etiologias da cirrose é a mortalidade cardiovascular, que é maior em pacientes com EHNA 29. I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 10 SUMÁRIO 2 ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO 2.1 Obesidade A obesidade é o maior problema de saúde pública nos Estados Unidos, tendo sua prevalência aumentada significativamente nos últimos 30 anos. Informações colhidas de 1999 a 2002 revelam que mais de 1/3 da população de adultos americanos apresenta obesidade (27,6% dos homens e 33,2% das mulheres) e que, dentre as crianças, uma em cada seis está acima do peso 30. A crescente incidência de obesidade nos dias de hoje é associada a muitas complicações de saúde, como doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, hiperlipidemia, hipertensão e a DHGNA 31- 34. Em relatos anteriores, outros autores descreveram a prevalência da DHGNA em torno de 57 a 74% e 22 a 58% dos adultos e crianças obesas, respectivamente. Nos Estados Unidos, em que 25% da população adulta são obesos, a doença ocorre em mais de dois terços destes indivíduos e em mais de 90% da população que possui obesidade grau III 22. Um estudo que analisou a prevalência da DHGNA e seus fatores de risco nas Américas, no período de 2000 a 2013, mostrou que as taxas de prevalência de DHGNA e obesidade foram maiores nos Estados Unidos, Belize, Barbados e México 28, 35. Já a esteato-hepatite pode ser encontrada em 40 a 100% dos casos de obesidade em adultos 32 e em 15 a 25% em crianças 36 A DHGNA é altamente prevalente (88,7%) em pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica, e a probabilidade de desenvolver esteato-hepatite é aumentada na obesidade grau III, com 15% a 20% dos pacientes diagnosticados com EHNA 18, 37. D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 11 Umasérie clínica em pacientes de origem asiática revelou que o índice de massa corporal (IMC) foi útil na distinção entre EHNA e esteatose simples. Neste estudo, IMC de 28,9 foi sugerido como limiar para a existência de EHNA. Propôs-se que a adiposidade abdominal é, particularmente, relacionada com o estado da doença 38. A circunferência abdominal e a relação cintura/quadril foram determinantes, independentes do grau de necroinflamação hepática 39. Uma área de gordura visceral de 158 cm² foi considerada um preditor independente da doença, sendo, portanto, a obesidade, especialmente a visceral, o maior fator de risco para a EHNA 40. A Lipo-hipertrofia dorso-cervical também tem sido fortemente associada à EHNA 41 Com relação à gravidade da doença, uma correlação positiva foi identificada entre os índices de adiposidade (IMC, colesterol sérico e níveis de LDLc) e o estágio de fibrose avançada 38. 2.2 Obesidade e etnia A análise demográfica das populações de obesos acrescentou impressionantes elementos de prova sobre a influência das variações étnicas na extensão e na incidência de EHNA. Esta se mostrou comum entre populações de hispânicos, provavelmente devido ao alto grau de obesidade neste grupo, sendo considerado o grupo étnico com o maior risco, possuindo uma alta taxa de morbimortalidade relacionada às causas hepáticas 35, 42, 43. Os asiáticos geralmente têm um maior percentual de gordura corporal e tecido adiposo visceral do que os brancos da mesma idade, sexo e IMC. Dessa forma, parece haver uma maior percentagem de pacientes não obesos com DHGNA entre os asiáticos em comparação com europeus 44. I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 12 SUMÁRIO Apesar da elevada prevalência de outros fatores de risco, como diabetes tipo 2, a existência de EHNA na população de pacientes afro-americanos é menor, ou seja, estes teriam uma chance significativamente menor de desenvolver a patologia hepática grave, quando comparado para pacientes caucasianos 45. Em duas séries de pacientes, uma com EHNA e outra com cirrose criptogênica, os afro-americanos representaram apenas 1% e 0,6% desses grupos populacionais, respectivamente 46. SOLGA et al 47 apresentaram estudo, no qual a esteato-hepatite estava completamente ausente em afro-americanos obesos. Especula-se que ambos os fatores genéticos e ambientais (por exemplo, os hábitos alimentares) podem estar relacionados à diminuição da incidência de doença hepática nessa população étnica. Poucas informações estão disponíveis sobre a prevalência de EHNA nos países ocidentais. No Brasil, um estudo epidemiológico multicêntrico, envolvendo 1280 pacientes com DHGNA, revelou prevalência de obesidade em 44,7% e de sobrepeso em 44,4% na população estudada 21. Em outro estudo brasileiro, a prevalência de esteatose hepática foi estimada em 70% nos adolescentes do sexo masculino e 40% no sexo feminino 48. 2.3 Hipóxia, Obesidade e Apnéia do sono A apnéia obstrutiva do sono (AOS), está fortemente ligada à presença de obesidade, sendo um fator de risco para as anormalidades do metabolismo da glicose, para dislipidemia e síndrome metabólica. Caracteriza-se pela cessação crônica intermitente da respiração durante o sono, devido à obstrução da via aérea. Um estudo realizado por meio de revisão sistemática e metanálise concluiu ainda que a AOS também está associada a um risco aumentado de doença hepática gordurosa não alcoólica, esteatose hepática e fibrose. D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 13 Os mecanismos patológicos subjacentes a essas associações continuam a ser precisamente descobertos, mas a hipóxia intermitente é provavelmente um dos principais fatores 49-51. A AOS encontra-se presente em 2% a 4% da população geral, com frequência muito maior na população obesa. TANNÉ et al 52 relataram maior prevalência e gravidade da EHNA em pacientes com AOS grave, sugerindo que a hipóxia intermitente pode desempenhar um papel na patogênese da EHNA. Embora a hipóxia intermitente não cause diretamente lesão hepática em animais não obesos, observou-se a presença de necroinflamação e fibrose nos fígados de animais que já estavam com esteatose, sugerindo que a hipóxia pode servir como um insulto adicional, auxiliando na progressão da esteatose simples para estágios mais avançados da doença 50-55. Na presença de obesidade, o estado pró-inflamatório desses pacientes e episódios intermitentes de hipóxia podem levar a uma resposta inflamatória aumentada, mediada por um mecanismo de retroalimentação positiva por meio da produção de algumas citocinas, o que poderia explicar a presença de formas mais graves de envolvimento hepático em DHGNA relacionadas com a obesidade na presença de AOS. Dessa forma, sugere-se que pacientes com AOS devem ser rastreados para a presença e gravidade da DHGNA 50, 53, 56. 2.4 Gênero e idade Existem claras diferenças na quantidade e distribuição da gordura corporal entre homens e mulheres. Os primeiros geralmente armazenam gordura na parte superior do corpo (padrão andróide), especificamente em torno dos órgãos na cavidade abdominal, ou seja, a gordura visceral. Já as mulheres (padrão ginecóide), com menor teor de gordura corporal, tendem a armazenar no tecido celular subcutâneo, principalmente na região I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 14 SUMÁRIO gluteofemoral. O gênero também influencia na circulação de lipídios (triglicerídeos e ácidos graxos), lipoproteínas e colesterol 38, 44. Assim, a capacidade (ou restrição) dos depósitos de gordura periféricas podem influenciar a tendência à adiposidade visceral e, desse modo, exercer um efeito contrário sobre o desenvolvimento de DHGNA e outras complicações metabólicas, incitando o paradigma proteção/propensão 40. As razões para a diferença de acúmulo de gordura em homens e mulheres não estão completamente entendidas. No entanto, evidências sugerem que o metabolismo lipídico pode desempenhar um papel importante nas diferenças observadas 38. Em nível celular, há distinções entre homens e mulheres na atividade e metabolização de lipídios. Um estudo japonês demonstrou que o tamanho das partículas de triglicerídeos e colesterol foi maior nos homens do que nas mulheres com evidências da síndrome metabólica 57. Comparando-se por faixa etária, a atividade da lipase hepática nos homens é o dobro da observada no sexo feminino, o que provavelmente contribui para um perfil lipídico aterogênico de menor HDLc e aumento dos níveis de partículas densas de LDLc nos homens. Distinções de gênero na atividade da lipase hepática têm sido atribuídas à supressão de esteroides androgênicos e adiposidade visceral 38. Estudos em ratos e camundongos têm demonstrado piora do padrão histopatológico e bioquímico em roedores machos 58. No entanto, pesquisas direcionadas para definir o papel do gênero na EHNA, em seres humanos, são escassas e limitadas, e as informações disponíveis são contraditórias. Há controvérsias sobre a maior prevalência de DHGNA e EHNA em homens ou mulheres, apesar da maior ocorrência no sexo masculino, segundo alguns estudos 3, 35. Um trabalho americano incluindo 365 adultos revelou EHNA em 90% dos homens e em 30,8% das mulheres. Neste estudo, o sexo masculino também esteve significativamente associado à D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 15 incidência de diabetes e síndrome metabólica 59. Estudos realizados em pacientes pediátricos americanos também identificaram que o sexo masculino corre maior risco de obesidade e doenças hepáticas associadas 60. Em contraste com as evidências descritas para essa população ocidental, em uma série de 193 pacientes japoneses, a EHNA, comprovada por exame histopatológico, foi predominante no sexo feminino, na faixa etária acima de 55 anos 61. No Brasil, a média de idade de pacientescom DHGNA foi 49,8 ± 13,59 anos, sendo que 53,3% eram do sexo masculino 21. Por outro lado, existem vários relatos de estudo com diferentes grupos étnicos que não conseguiram identificar a diferença entre homens e mulheres, o que exclui a possibilidade de se inferir quaisquer conclusões a respeito do papel do gênero como um fator de risco para EHNA 38. Com relação à idade, sabe-se que o envelhecimento carrega consigo limitações à mobilidade física, que, no contexto da síndrome metabólica, concorrem para piorar – ou manter – a obesidade abdominal, hiperglicemia, hiperlipidemia e hipertensão 62. A prevalência de síndrome metabólica entre americanos acima de 70 anos foi estimada em torno de 42% 63. Um estudo americano reportou que 1 em cada 3 adultos americanos e 1 em cada 10 crianças adolescentes tinham esteatose hepática, o que equivale a mais de 70 milhões de americanos com DHGNA 35, 64. Em outro estudo, a DHGNA esteve associada a risco aumentado de doença cardiovascular, especialmente entre pacientes mais idosos e com níveis elevados de Proteína C reativa 65. I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 16 SUMÁRIO 2.5 Diabetes A prevalência da DHGNA está aumentada em indivíduos com intolerância à glicose e naqueles com diabetes recém-diagnosticados, na proporção de 43% a 62%, respectivamente 66. Em um estudo prospectivo de 100 pacientes com diabetes mellitus tipo 2, a incidência de esteatose hepática foi de 49%, confirmando que este é um forte fator de risco independente para DHGNA 67. No Brasil, estudos epidemiológicos confirmam a elevada prevalência de síndrome metabólica e diabetes, entre pacientes com DHGNA 21, 68. A resistência insulínica e a hiperinsulinemia são os achados laboratoriais mais estreitamente associados à presença de esteatose hepática em uma grande série de pacientes, mesmo em indivíduos magros, com tolerância normal à glicose 42, 67, 69. A resistência insulínica e o estresse oxidativo são fatores importantes no desenvolvimento e progressão da DHGNA. A alta concentração de insulina pode causar falência na supressão do fluxo de gordura. Um outro estudo realizado estimou uma prevalência de DHGNA e EHNA em pacientes diabéticos de 60 a 76% e 22%, respectivamente 70, 71. A resistência insulínica é o fator que mais contribui com a DHGNA, motivo pelo qual a prevenção é importante. Já o diabetes mellitus tipo 2 tem se mostrado como fator de risco independente para hepatopatia crônica em pacientes com DHGNA, para cirrose e carcinoma hepatocelular 35. A associação entre resistência insulínica e diabetes favorece o desenvolvimento da forma mais agressiva da doença, levando à cirrose e aumentando a mortalidade 72. De acordo com dados da Federação Internacional de Diabetes, as regiões da América do Norte e Caribe são as áreas com a segunda maior prevalência de diabetes: 10,7% da população afetada, com uma incidência de 1 a casa 10 pessoas. Os Estados Unidos D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 17 possuem a maior população com diabetes, com 23,7 milhões, seguidos pelo México, Canadá e Haiti 35. Uma possível ligação patogênica entre a diabetes e a EHNA envolve os produtos finais de glicação avançada. Estes produtos constituem-se grande variedade de substâncias formadas a partir de interações amino carbonilo, de natureza não enzimática, entre açúcares redutores ou lipídios oxidados e proteínas, aminofosfolipídios ou ácidos nucléicos 73. A formação desses aductos ocorre em taxas elevadas no diabetes mellitus tipo 2, em comparação com controles saudáveis ou em pacientes com esteatose simples 74. A interação destes produtos com o receptor associado da superfície celular (RASC) tem sido relacionada à indução de estresse oxidativo, bem como ao aumento do potencial fibrogênico em culturas de células estreladas 75. A conjugação destes produtos de glicação avançada e os receptores de superfície celular resultam em espécies reativas de oxigênio intermediárias, as quais apresentam papel importante na patogênese da doença em diabéticos 38. 2.6 Dislipidemia e hipertensão A presença de múltiplos distúrbios metabólicos, como diabetes mellitus, obesidade, dislipidemia e hipertensão arterial, está associada a doença grave, potencialmente progressiva do fígado, assim como a DHGNA e EHNA 3, 31-34, 69. A hipertrigliceridemia está presente em 64% dos pacientes com esteatose hepática, sendo os níveis baixos de HDLc descritos em 30 a 42% dos casos 69. Cotrim et al 21 relataram a presença de hiperlipidemia em 66,8% dos pacientes com DHGNA no Brasil. Estudos recentes têm apontado que a DHGNA está fortemente associada ao risco aumentado de eventos cardiovasculares, incluindo doença arterial coronariana e I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 18 SUMÁRIO aterosclerose, existindo uma associação independente entre esteatose hepática, placas ateroscleróticas nas carótidas e disfunção endotelial. Esta associação tem sido explicada através de fatores metabólicos que poderiam ser potenciais mediadores da esteatose hepática. Marcadores de fibrose hepática também estão associados ao desenvolvimento de aterosclerose da carótida subclínica 76-79. A Hipertensão arterial, especialmente hipertensão sistólica, é também um preditor independente da DHGNA. Além disso, o desenvolvimento de hipertensão é potencialmente mais associado com a DHGNA progressiva do que como o estado mais leve da doença 6, 80. Cotrim et al 21 confirmaram estes dados, ao relatarem a prevalência de 64% de HAS entre pacientes com DHGNA, portadores de esteato-hepatite. Hsiao e col 81 demonstraram que a presença de esteatose hepática grave esteve significantemente correlacionada com a prevalência e o grau de hipertensão arterial, níveis séricos de glicose e triglicérides. Um estudo realizado em pacientes não obesos e não diabéticos, apenas com hipertensão primária, demonstrou que a prevalência da esteatose hepática pode duplicar em comparação com pacientes não hipertensos 82. 2.7 Papel do sistema endócrino Fortes evidências apontam para o papel do sistema endócrino na patogênese da DHGNA. A ativação crônica do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal está presente na síndrome metabólica, como, por exemplo, em pacientes portadores de síndrome de Cushing, com insuficiência adrenal ou deficiência de hormônio de crescimento, os quais também apresentam características semelhantes às da síndrome metabólica 83. Pacientes D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 19 portadores de doença ovariana policística 84, hipotiroidismo 85 e hipoandrogenismo 86 também desenvolvem fenótipo semelhante ao da síndrome metabólica. A resistência insulínica, diabetes mellitus tipo 2, síndrome de apneia do sono, distúrbios cardiovasculares e doença hepática não alcoólica são condições frequentes em mulheres portadoras de síndrome dos ovários policísticos, sendo a doença hepática gordurosa não alcóolica duas vezes mais comum em mulheres pós-menopausadas, nas quais a terapia de reposição hormonal diminui o risco de esteatose. Hipoandrogenismo em homens e hiperandrogenismo no sexo feminino podem levar à esteatose hepática por meio de obesidade e resistência insulínica 87. Os hormônios tireoidianos desempenham um papel essencial na mobilização e degradação dos lipídios e oxidação de ácidos graxos, de modo que o hipotireoidismo tem sido associado à esteato-hepatite não alcoólica. Há evidências de que a reposição dos hormônios tireoidianos regula o metabolismo lipídico 85. Liangpunsakul & Chalasani 88 realizaram um estudo caso-controle para investigar a associação entre tireoidopatia e doença gordurosa do fígado. Nesse estudo, a prevalência de hipotireoidismo em pacientes com EHNA foi estimada em 15%, significativamente maior do que nos controles (7,2%, p <0,001). Pela análise multivariada,a prevalência do hipotireoidismo no grupo com EHNA foi significativamente maior que no grupo controle. A associação entre doenças da tireoide e carcinoma hepatocelular (CHC) em homens e mulheres foi estudada 89. Estes autores observaram associação significante de risco elevado entre hipotireoidismo e carcinoma hepatocelular em mulheres, independentemente de fatores de risco estabelecidos para CHC. Investigações experimentais, contudo, são necessárias para a avaliação completa da relação entre essas entidades nosológicas. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term= http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term= I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 20 SUMÁRIO As alterações do sistema endócrino devem ser consideradas no contexto de doença hepática gordurosa não alcoólica e criptogênica. A perspectiva da paticipação do sistema endócrino pode ajudar nas abordagens terapêuticas no futuro. 2.8 Fatores genéticos Nem todos os pacientes com fatores de risco para síndrome metabólica desenvolvem esteatose hepática, e, destes, nem todos evoluem para formas mais complicadas de DHGNA. Esta variação pode derivar de fatores geneticamente determinados, como polimorfismos nos genes CYP2E1, TNF-α, ou IL-10. Além disso, o genótipo UCP1 (AG + GG) e os baixos níveis de adiponectina poderiam predispor a uma esteatose hepática mais grave, independentemente da presença de síndrome metabólica. Pacientes obesos, com polimorfismo do UCP1 (AG + GG) de pacientes obesos e níveis baixos de adiponectina, parecem ter alto risco para o agravamento da esteatose hepática 44, 90. Weltman et al 91, 92, trabalhando com modelo de esteato-hepatite, experimental e humano, já haviam descrito a superexpressão do citocromo P450 CYP2E1, com geração de excesso de radicais livres de oxigênio. A expressão aumentada do CYP2E1 induzida por álcool, ácidos graxos livres e cetona, esteve associada à hiperprodução de radicais livres do oxigênio e maior estresse oxidativo. Na DHGNA, os fatores genéticos não estão completamente conhecidos, no entanto, foi sugerido que o desenvolvimento de esteatose pode depender de alterações em genes envolvidos com a resistência insulínica, na codificação de proteínas envolvidas no metabolismo lípídico, estresse oxidativo, inflamação (citocinas e adipocinas) e fibrogênese D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 21 93, 94. Polimorfismos em genes relacionados ao metabolismo lipídico, estresse oxidativo, resitência insulínica, citocinas/adipocinas e fibrogênese podem aumentar a susceptibilidade ao desenvolvimento de EHNA 95, 96. Em 2008, Romeo et al 97 publicaram o primeiro estudo de associação ao genoma e relataram o sinal genético mais forte para a presença de esteatose hepática (o gene PNPLA3; rs738409). Desde então, duas varreduras adicionais de todo o genoma foram publicados, sendo identificadas 9 variantes genéticas. Entretanto, a maioria das associações não foi replicada em amostras independentes, e, portanto, o significado dessas descobertas permanece indeterminado 98. Por outro lado, há evidências convincentes da associação de variantes em PNPLA3 com DHGNA e o papel funcional do gene TM6SF2 na regulação do metabolismo de gordura no fígado e conteúdo de gotículas de gordura hepática 99. Alguns estudos identificaram que polimorfismos de nucleotídeo único influenciam no desenvolvimento de fibrose, particularmente associada à hepatite crônica C 100-103. Estudos em EHNA até agora têm demonstrado que polimorfismos nos genes do angiotensinogênio e TGF-1 estão associados com fibrose hepática avançada em pacientes obesos 104. Além disso,quando ocorrem no receptor tipo 1 da angiotensina II, estão associados a um aumento do risco de DHGNA e EHNA 105. O estudo piloto GWAS (Genome-Wide Association Study) identificou variações genéticas associadas aos parâmetros histológicos em pacientes com esteatose hepática comprovada por biópsia. O escore de atividade histológica da DHGNA foi associado ao polimorfismo de nucleotídeo único rs2645424 no cromossomo 8, o grau de fibrose foi associado com rs343062 no cromossomo 7, e a inflamação lobular foi associada ao I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 22 SUMÁRIO polimorfismo de nucleotídeo único nos cromossomos 10, 11 e 12. Se os estudos futuros validarem estes resultados, então, testes deverão ser clinicamente úteis, uma vez que achados histológicos estão associados com o prognóstico na DHGNA 106. Mutações no gene HFE da hemocromatose e a EHNA foram descritas, principalmente estabelecendo conexões entre depósitos aumentados de ferro no fígado e o desenvolvimento de fibrose hepática. George et al 107, estudando 51 pacientes com EHNA, demonstraram que 31% destes apresentavam mutação no gene HFE, sendo considerados heterozigotos para hemocromatose. Os autores discutem que a sobrecarga de ferro, mesmo leve, pode atuar sinergicamente na promoção da fibrose observada na EHNA. No entanto, estudos posteriores 19, 108 não encontraram associação entre o aumento do ferro e o grau de fibrose, reduzindo sua importância como fator de risco para EHNA. Um estudo realizado na China analisou o polimorfismo no gene FABP1 (Liver fatty acid-binding protein) devido a associações com várias características metabólicas. Para investigar a associação entre os polimorfismos FABP1 e o risco de doença hepática gordurosa não alcoólica, os genótipos e haplótipos de FABP1 (rs2241883 T/C e rs1545224G/A) foram determinados em 553 pacientes com esteatose hepática e 553 controles saudáveis. Os resultados mostraram que os indivíduos com pelo menos uma cópia do alelo C (genótipo TC ou CC) tiveram um risco elevado para o desenvolvimento de esteatose hepática, e os indivíduos com pelo menos uma cópia do alelo A (GA ou genótipo AA) também tiveram um risco significativamente aumentado de DHGNA. Além disso, a análise de haplótipos revelou que o composto A e C foi significativamente associado com um risco aumentado para EHNA (OR = 1,34, IC 95% = 1,05-1,40) em comparação com o haplótipo GT. Portanto, sugere-se, por meio deste estudo, que as D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 23 variações genéticas dentro do gene FABP1 influenciam na susceptibilidade ao desenvolvimento de DHGNA 109. Recentemente, um estudo investigou a associação entre o estado de metilação do DNA no fígado de ratos e a gravidade da lesão hepática associada a DHGNA. Os resultados indicaram um papel primordial da metilação do DNA hepático na patogênese da DHGNA e sugerem que variações individuais na metilação do DNA em todo o genoma podem ser um fator determinante, influenciando a vulnerabilidade a DHGNA. De toda forma 110, estudos genéticos adicionais ainda são necessários para identificar novos genes envolvidos no desenvolvimento da DHGNA. 2.9 Fatores ambientais Um crescente grupo de evidências suporta os efeitos potenciais da exposição a alguns fatores ambientais sobre doenças hepáticas. Exposição ambiental relacionada aos depósitos de resíduos tóxicos foi associada a um aumento da prevalência de doença hepática autoimune 111. Portanto, cada vez mais, a atenção está sendo dada aos efeitos de fatores ambientais sobre doenças hepáticas, incluindo DHGNA. 2.10 Tabagismo O tabagismo tem sido considerado um importante fator de risco para a DHGNA em pacientes obesos. Ratos obesos expostos à fumaça do cigarro apresentaram piora do padrão histológico, aumento do estresse oxidativo e apoptose hepatocelular. Em estudo experimental, observou-se aumento da expressão de inibidores teciduais da metaloproteinase-1 e pró-colágeno alfa 2, em comparação com o grupo controle 112. Em I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 24 SUMÁRIO humanos, o uso crônico do tabaco foi associado ao aumento da fibrose em pacientes com DHGNA, o que sugere que esse hábito pode acelerara progressão da doença. Uma análise multivariada correlacionou o consumo de >10 anos/maço com fibrose avançada (OR=1.63). Esses achados podem indicar uma recomendação formal para a cessação do tabagismo entre pacientes com DHGNA 34, 113. 2.11 Poluição ambiental Vêm sendo documentados os efeitos nocivos da poluição sobre doenças cardiovasculares ateroscleróticas 114, podendo ser mediados por estresse oxidativo e resistência insulínica 115. Estes fatores também são conhecidos por desempenhar um papel central na patogênese da doença hepática gordurosa. Assim, pode-se presumir que a poluição ambiental pode estar associada à DHGNA, sendo, inclusive, considerada um fator de risco ao desenvolvimento desta patologia. A exposição a partículas do ar ambiente com diâmetros aerodinâmicos <2,5 mm pode ser um fator de risco significativo para a progressão da DHGNA 34, 116. As partículas de diesel eliminadas pelos canos de escape são os principais constituintes da matéria particulada na atmosfera de áreas urbanas e têm o potencial de gerar espécies reativas de oxigênio–EROs 117. As EROs são geradas por reações enzimáticas catalisadas pelo citocromo P-450, ou por uma via não enzimática. Estudos experimentais examinaram os efeitos da exposição a essas partículas em modelo de fígado gorduroso e revelaram que essa exposição pode aumentar o estresse oxidativo, com agravamento concomitante de alterações lipídicas no fígado de ratos obesos e diabéticos 118. D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 25 Alguns estudos em humanos confirmaram os efeitos prejudiciais de toxinas ambientais sobre doenças do fígado. Por exemplo, relatou-se que os trabalhadores não obesos expostos ao cloreto de vinil podem desenvolver resistência insulínica e quadro tóxico associado à esteato-hepatite 119. Os dados são limitados quanto ao papel potencial da poluição ambiental sobre a doença do fígado na população em geral. Entretanto, um número crescente de estudos sugere que a poluição do ar pode agravar os efeitos adversos da obesidade e resistência à insulina. Da mesma forma, outros estudos têm documentado a associação entre exposição a poluentes atmosféricos com a síndrome metabólica, bem como suscetibilidade ao diabetes mellitus e agravamento de suas complicações 120. Dadas as propriedades anti-inflamatórias e oxidativas de poluentes atmosféricos, bem como sua associação com resistência insulínica e síndrome metabólica, e considerando a interação das últimas condições com alterações da gordura hepática, são necessários mais estudos sobre os efeitos dos fatores ambientais sobre a DHGNA. A susceptibilidade elevada do grupo pediátrico para os efeitos nocivos dos poluentes do ar, especialmente no que concerne aos estágios iniciais de doenças crônicas, reforça ainda mais que a atenção deve ser dada a prevenção dos poluentes atmosféricos 123. 2.12 Etilismo O diagnóstico da DHGNA requer a exclusão da doença hepática alcoólica e da hepatite viral, embora seja comum a associação entre ambas 124. A importância de se esclarecer a origem não alcoólica da DHGNA decorre do fato de essa doença compartilhar características histopatológicas muito semelhantes à patologia hepática de origem etílica I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 26 SUMÁRIO 125, 126. Uma das primeiras dificuldades decorre da caracterização do que é o uso não abusivo de álcool. O Comitê de Especialistas das Associações Europeias em Doenças Hepáticas sugeriu um consumo diário de 20 g de etanol, para mulheres, e 30 g, para homens, como valores de referência para "não alcoolistas" 3, 127. Na Ásia e no Pacífico, comissões similares estabeleceram limites ainda menores: 20 g de etanol para homens e 10 g para mulheres 128. O estabelecimento desse parâmetro é importante, embora não garanta a fidedignidade das informações do paciente, no que concerne a sua ingestão alcoólica diária 127. Isso obriga a utilização de métodos indiretos de averiguação do hábito. Discute-se também sobre o limiar patogênico do álcool em diferentes indivíduos. Porém, não se deve negligenciar o fato de que, mesmo em pequenas quantidades, a ingestão de bebida poderia ter um papel relevante na gênese das lesões, em pacientes com histórico genético ou metabólico para o desenvolvimento da DHGNA 126. Um estudo de metanálise revelou que o consumo de álcool inferior a 40 g/dia, em homens, e 20 g/dia, em mulheres, esteve significativamente associado à menor prevalência de síndrome metabólica 129. Nessa perspectiva, um outro estudo concluiu que o consumo de álcool de até 13 “drinks” por semana está associado com menor estágio de fibrose na DHGNA e que a elevação da etanol fosfatidilcolina, um biomarcador para o consumo recente de álcool, está associado a estágios mais elevados de fibrose hepática 130. Estudos epidemiológicos propõem uma ligação causal entre o consumo crônico de álcool e a doença hepática progressiva em indivíduos obesos. Além disso, estudos experimentais apontam efeitos patológicos com a combinação de álcool e níveis de obesidade ou de ácidos graxos, respectivamente, sobre a acumulação de lipídios hepatocelulares e danos, bem como a inflamação hepática, fibrose e carcinogênese. O consumo moderado de álcool já não exibe efeitos patológicos sinérgicos com a obesidade D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 27 em doses moderadas. Isso indica diferenças significativas no limiar de dose para os efeitos hepatotóxicos do álcool em indivíduos magros e obesos, o que leva a implicações importantes sobre as recomendações ao consumo "seguro" de álcool 131. 2.13 Patologia periodontal A doença periodontal figura entre as mais prevalentes das doenças microbianas em humanos. Estudos recentes sugerem que a infecção com Porphyromonas gingivalis está associada a várias doenças sistêmicas, incluindo doenças cardiovasculares, baixo peso ao nascimento, artrite reumatoide e diabetes mellitus (DM). Yoneda et al 132 demonstraram que a prevalência da infecção por Porphyromonas gingivalis foi significativamente maior nos pacientes DHGNA do que nos indivíduos saudáveis. Este resultado sugere que a infecção por esta bactéria pode estar envolvida no mecanismo inicial da DHGNA, em resposta à presença da própria bactéria, da endotoxemia ou das citocinas liberadas, as quais podem entrar facilmente na circulação sanguínea. Realizou-se análise de regressão múltipla em pacientes com DHGNA e controles para identificar o valor preditivo da infecção por P. Gingivalis no desenvolvimento de DHGNA, utilizando fatores demográficos, como idade, história prévia de DM e IMC. A análise revelou um número significativamente maior na prevalência da infecção por P. Gingivalis em pacientes DHGNA, em comparação com o controle, mesmo após ajuste para idade, história de DM e IMC. Este resultado sugere que a infecção por P. Gingivalis pode ser um fator de risco independente para DHGNA. I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 28 SUMÁRIO Causas de Doença hepática gordurosa não alcóolica Primária Obesidade Intolerância à glicose Diabetes tipo 2 Hipertrigliceridemia HDL baixo Hipertensão Nutricional Desnutrição Nutrição parenteral total Rápida perda de peso Bypass jejunoileal Nutrição parenteral total Ressecção extensa do intestino delgado Drogas Glicocorticóides Estrógenos Tamoxifeno Amiodarona Metotraxate Diltiazem Zidovudina Ácido valpróico Ácido acetilsalicílico Tetraciclina Cocaína Metabólicas Lipodistrofia Hipoptuitarismo Disbetalipoproteinemia Doença de Weber-Christian Toxinas Amanita phalloides (cogumelo) Envenenamento por fósforo Derivados petroquímicos Toxina do Bacillus cereus Infecções Vírus da imunodeficiência humana Vírus de hepatite C Diverticulose Supercrescimento bacteriano Inflamatórias Doençainflamatória intestinal Hereditárias ou congênitas Abetalipoproteinemia Galactosemia Intolerância hereditária à frutose Doença de Wilson Sindrome de Weber-Christian Hepatosteatose familiar Glicogenoses Homocistinúria Tirosinemia Deficiência de carnitina Fonte: Adaptado de Ângulo 133 e Raman & Allard 134. D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 29 2.14 Papel da dieta A literatura relata numerosos modelos que apresentam evidência histológica de esteatose hepática ou esteato-hepatite. No entanto, poucos são capazes de replicar o fenótipo humano por completo 135-138. Os modelos genéticos, com deficiência ou resistência à leptina, e o modelo deficiente em metionina/colina são utilizados na maioria das pesquisas. Mais recentemente, a interrupção do gene-alvo e o uso de dietas supranutricionais para induzir DHGNA ganharam mais destaque entre os pesquisadores, que têm tentado estabelecer a relação entre o fenótipo animal e a doença em humanos 139, 140. A maioria dos estudos utiliza camundongos ou ratos de diversas espécies, para produzir modelos experimentais, objetivando elucidar a patogênese da DHGNA. Os principais modelos de indução de EHNA podem ser classificados em três grandes grupos: 1) abordagem genética, na qual os animais apresentam superexpressão ou deleção de certos genes, a exemplo de camundongos obesos deficientes (ob/ob), ou resistentes à leptina (db/db), ou deficientes em receptores PPAR-α; 2) abordagem nutricional, em animais submetidos a dietas ricas em gorduras insaturadas ou deficientes em metionina/colina; 3) abordagem que combina fatores genéticos, nutricionais e farmacológicos 139. Vários fatores estão implicados nos resultados variáveis relacionados à produção de esteatose, inflamação e fibrose. A espécie dos animais, o conteúdo e composição de lipídios e a duração do tratamento podem determinar diferenças nesses resultados, acarretando alterações na disposição hepática de gorduras, mais precisamente, pelo desequilíbrio entre a captação, a lipogênese, a oxidação e a exportação hepática de ácidos I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 30 SUMÁRIO graxos. A dieta hiperlipídica administrada a ratos Wistar, por um curto período de tempo (2,5 semanas) e em longo prazo (25 semanas), demonstrou diferenças na concentração de produtos de peroxidação lipídica e oxidação protéica 141. O desenvolvimento de EHNA em ratos Sprague-Dawley com obesidade induzida por gorduras, por três semanas, revelou fenômenos de hiperinsulinemia e resistência insulínica 142. Os mecanismos pelos quais a dieta hiperlipídica provoca obesidade são variados. Entre eles, podem-se citar a hiperfagia, a redução da atividade lipolítica no tecido adiposo 143, a redução da secreção da leptina 144 ou resistência na ação desse hormônio 145. Animais submetidos a dietas ricas em gorduras apresentam uma marcante resistência hipotalâmica à ação da insulina, acompanhada de resposta pró-inflamatória. Esse quadro acarreta, no animal, um distúrbio no mecanismo anorexigênico, que é sinalizado pela insulina 146, 147. Outros peptídios hormonais também apresentam importante resistência hipotalâmica, nos casos de obesidade. Recentemente, Sasaki et al 148 descreveram um modelo de obesidade associado ao diabetes, dislipidemia e EHNA, em camundongos recém-nascidos tratados com glutamato monossódico. Nesse modelo experimental, o peso corporal e o IMC aumentaram significativamente, a despeito da ingestão alimentar. Romestaing et al 149, também utilizaram ratos da mesma linhagem, submetidos à dieta hiperlipídica. Nesses animais, não ocorreu o desenvolvimento da EHNA, embora as dietas hiperlipídicas ofertadas à base de gordura de côco e manteiga tenham promovido um aumento da gordura branca e marrom periféricas. Esses achados não foram relacionados com a oxidação lipídica ou respiração mitocondrial hepatocitárias. Portanto, defende-se a ideia de que estejam associados a um aumento da proteína UCP1 do tecido gorduroso marrom, aumentando o metabolismo dos ácidos graxos no tecido adiposo. D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 31 Anstee e Goldin 139, ao revisarem os principais modelos animais de EHNA, destacaram a grande variabilidade existente na resposta patogênica entre eles, o que pode tornar difícil a comparação entre diferentes estudos. I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 32 SUMÁRIO 3 HISTOLOGIA E FISIOLOGIA HEPÁTICAS 3.1 O lóbulo hepático Segundo Araújo 150, o lóbulo hepático hexagonal tem uma veia hepática terminal e central, em torno da qual se organizam as traves hepatocitárias. A periferia dos lóbulos está delimitada pelos espaços portais, em número de 3 a 6 por lóbulo, em cuja matriz conjuntiva, laxa, está incluída a chamada tríade portal, que compreende as ramificações da veia porta, da artéria hepática, dos ductos biliares e dos vasos linfáticos. O fígado tem vascularização aferente dupla (venosa portal e arterial hepática) e uma rede complexa sinusoidal, distribuída entre as traves hepatocitárias, além de um sistema eferente representado pelos ramos das veias sub-hepáticas. O sangue venoso, rico em nutrientes, e o arterial, em oxigênio, misturam-se dentro dos sinusoides para ser coletado pela veia hepática terminal. Segundo Rappaport (1954), citado por Araújo 150, cada unidade microvascular nutre um território hepático situado dentro dos espaços intervasculares – o ácino hepático, que, na sua essência, representa a unidade estrutural microcirculatória e morfofuncional do fígado. O sangue, arterial e venoso, dentro do ácino, é distribuído entre os hepatócitos regionais até ser drenado para a veia hepática terminal, em que se criam diferentes territórios parenquimatosos em função da oxigenação e da nutrição, distribuída do espaço porta até a veia hepática terminal. Essa visão morfológica e funcional determinou uma divisão zonalarbitrária do ácino hepático: D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 33 Zona 1 ou periportal – mais próxima do espaço porta, é a primeira a receber sangue com alto conteúdo de oxigênio, insulina e glucagon. Tem alta taxa metabólica e é a última a sofrer necrose e a primeira a mostrar sinais de regeneração. Zona 2 ou mediolobular – recebe sangue com conteúdo intermediário de oxigênio. Zona 3 ou centrolobular – onde o oxigênio atinge um gradiente de concentração crítico, tornando os hepatócitos mais expostos à hipóxia. Nessa zona, estão muitas das enzimas que participam de biotransformação (NADPH citocromo P450-redutase). Junqueira e Carneiro 151 descreveram as principais características histológicas do fígado normal, tendo como base o componente estrutural e essencial do fígado – a célula hepática, ou hepatócito. Essas células, em nível ultraestrutural, têm formato poliédrico ou irregular e compõem 80% do volume total do fígado. Estão agrupadas em placas interconectadas, em monocamada, que se anastomosam entre si, para formar os ácinos hepáticos mencionados, nos quais os hepatócitos se dispõem em placas orientadas radialmente, direcionadas da periferia do lóbulo para seu centro. Os hepatócitos contêm um ou dois núcleos arredondados, com um ou dois nucléolos. Têm abundante retículo endoplasmático rugoso, em que diversas proteínas são sintetizadas (albumina, fibrinogênio, protrombina, alfa-1-antitripsina, alfa-2- macroglobulina, haptoglobina, alfa-fetoproteína) e são ativos na síntese de colesterol e de ácidos biliares. Cada célula hepática tem mais de 2.000 mitocôndrias, que são elementos essenciais na transformação do ATP em ADP para fornecer energia aeróbica celular. O retículo endoplasmático liso é responsável pelo metabolismo de esteróides e pelos processos de oxidação, metilação e conjugação, necessários à inativação ou detoxificaçãode várias substâncias, com a participação do sistema citocromo monoxigenase e citocromo I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 34 SUMÁRIO P450. Nos complexos de Golgi, ocorre a excreção de proteínas e de lipídios para o sangue. Os lisossomas são importantes para renovar e degradar organelas intracelulares, enquanto os peroxissomas, pelo seu conteúdo rico em enzimas, têm a função de oxidar ácidos graxos, quebrar peróxido de hidrogênio e purinas e formar ácido úrico. Por meio dos seus estoques de glicogênio, o hepatócito contribui para manter a glicemia estável 151. Os sinusóides são capilares especializados e fenestrados do fígado, que ocupam a área compreendida entre as placas de hepatócitos, chamada espaço de Disse, em que se destaca a presença de fibras reticulares. Esses canais vasculares não têm paredes próprias, que são constituídas por uma barreira celular – células endoteliais e células de Kupffer (macrófagos do sistema retículo edotelial), cujas principais funções são a de metabolizar eritrócitos, digerir hemoglobina, secretar proteínas relacionadas aos processos imunológicos e destruir bactérias que, eventualmente, penetrem no sangue portal a partir do intestino grosso. Essas células, implicadas no processo de fagocitose, são mais numerosas na zona 1, onde apresentam grande atividade enzimática e endocítica. Elas também participam na detoxicação, eliminando endotoxinas circulantes na resposta imunológica. O espaço de Disse representa o microambiente de interações váculo- parenquimatosas. Nele se encontram as células de Ito, também chamadas células perissinusoidais ou células armazenadoras de lipídio, além das raras pit cells, componentes do sistema imunológico T. As células endoteliais, frequentemente justapostas às células de Kupffer, formam a barreira sinusoidal, desempenhando um papel importante na filtração de fluidos e partículas que circulam entre a luz sinusoidal, o espaço de Disse e o hepatócito. São implicadas na síntese de moléculas da coagulação e da fibrinólise e interferem na modulação do crescimento de outras células endoteliais e na transformação D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 35 da angiotensina pela angiotensina convertase. Essas células também participam da modificação da matriz hepática extracelular, inclusive, produzindo vários tipos de colágeno e de fibronectina. Um terceiro tipo de célula, localizada no espaço de Disse, é a chamada célula de Ito ou célula armazenadora de lipídio. Representa cerca de 1% do parênquima hepático e tem pequenas mitocôndrias, um retículo rugoso desenvolvido, além de abundantes vesículas de pinocitose. No fígado normal, essa célula desempenha várias funções, como captação, armazenamento e liberação de retinoides, síntese e secreção de várias proteínas da matriz extracelular e proteoglicanos, secreção de fatores de crescimento e citocinas. No fígado cronicamente enfermo, as células de Ito proliferam e adquirem características de miofibroblastos. Sob tais condições, essas células são observadas próximo dos hepatócitos lesados e são muito importantes no processo fibrogênico 152. O fígado desempenha um papel central na regulação da síntese e na degradação de lipídios, desde a captação de ácidos graxos livres até a produção, o armazenamento e a exportação de lipídios e lipoproteínas. Os ácidos graxos livres derivam de três fontes: os originários da dieta, absorvidos ao longo do intestino delgado e carreados como quilomícrons através da veia porta; os derivados da hidrólise da gordura dos tecidos adiposos periféricos, por meio da ação de uma lipase insulina-sensível, e aqueles a partir da transformação de aminoácidos e, mais frequentemente, de hidratos de carbono no interior do próprio fígado 153. Uma vez nos hepatócitos, esses ácidos graxos poderão sofrer dois tipos básicos de transformação. O primeiro ocorre nas mitocôndrias e nos peroxissomas e envolve aβ-oxidação dos ácidos graxos para fornecer energia alternativa, o que resulta na formação de gás carbônico, água e corpos cetônicos. Em segundo lugar, os I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 36 SUMÁRIO ácidos graxos poderão ser esterificados para formar triglicérides que, junto com colesterol, fosfolípides e apolipoproteínas, compõem a lipoproteína de muito baixa densidade, o VLDL 153. Essa molécula é formada pela ligação com a apolipoproteína B (apo B), mediada pela proteína de transferência microssomal de triglicerídeos (microsomal triglyceride transfer protein-MTP) 154, 166. Depois de formado, é secretado para a corrente sanguínea. Portanto, em condições normais, o fígado não acumula gordura no interior do hepatócito. Porém, na presença de resistência insulínica, será encontrada uma situação inversa, posto que há uma franca tendência ao acúmulo de gordura no fígado, mediada essencialmente pela hiperinsulinemia compensatória. A homeostase de lipídios em células de vertebrados é regulada por uma família de fatores de transcrição designada sterol regulatory element- binding proteins (SREBP), que ativam diretamente a expressão gênica. As vias de sinalização que regulam a transcrição desses genes permanecem desconhecidas, entretanto, sabe-se que a Akt, os fatores de transcrição da família forkhead e o PPAR- estão envolvidos. O fluxo direto de ácidos graxos na veia porta para o fígado modula a sensibilidade à insulina nesse órgão, regulando a produção de glicose. As evidências indicam que a esteatose hepática de resistência à insulina é causada pelo acúmulo da SREBP-1c, que se encontra elevada, em resposta aos altos níveis circulantes de insulina 155. Os receptores ativados por proliferadores de peroxissoma (PPARs) são fatores de transcrição pertencentes à família de receptores nucleares, que regulam a homeostase da glicose, o metabolismo de lipídios e a inflamação. Três proteínas, codificadas por genes distintos, têm sido identificadas: PPAR-α, PPAR-β e PPAR-γ, que controlam a expressão gênica, pela ligação a elementos responsivos específicos (PPREs) localizados na região promotora. O PPAR-α controla, no fígado, o catabolismo de lipídios; é alvo de drogas hipolipemiantes, enquanto PPAR-γ regula a diferenciação dos adipócitos e o D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 37 armazenamento de lipídios, alvos para os sensibilizadores de insulina usados para tratar diabetes tipo 2. Ativação de PPARβ/δ aumenta o catabolismo de lipídios no músculo esquelético, no coração e no tecido adiposo. Os ligantes PPARβ/δ controlam o ganho de peso e suprimem a inflamação derivada de macrófagos 156. Além de muitos outros tipos celulares, PPARs são expressos em células dendríticas, macrófagos e linfócitos B e T, sugerindo um papel na imunidade. Eles também são expressos em células epiteliais, que têm uma função essencial na resposta imune da mucosa. Em consonância com essas observações, muitos estudos têm confirmado uma atividade terapêutica de ligantes PPAR em modelos de roedores com várias doenças inflamatórias e autoimunes. I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 38 SUMÁRIO 4 CLASSIFICAÇÃO CLÍNICO-PATOLÓGICA DA DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA A DHGNA é uma doença espectral e está subdividida em dois grupos principais, de acordo com seus aspectos clínico-morfológicos básicos: esteatose hepática ou fígado gorduroso e a esteato-hepatite não alcoólica. O primeiro estádio caracteriza-se pelo acúmulo lipídico nos hepatócitos. Essa gordura heterotópica desencadeia graus variáveis de fenômenos necroinflamatórios, o que corresponde à esteato-hepatite, condição associada a doença progressiva 19, 157. D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 39 5 FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA Os mecanismosfisiopatogênicos da DHGNA continuam sob investigação. Todavia, o acúmulo de triglicérides no interior dos hepatócitos, resultado da resistência insulínica 158, é considerado o primeiro passo no modelo patogênico proposto e mais aceito no momento. O estresse oxidativo, resultante da oxidação mitocondrial dos ácidos graxos, e a expressão de citocinas inflamatórias têm sido apontados como fatores causais secundários, que levam à agressão hepática, à fibrose e à inflamação 157. A insulina é um hormônio polipeptídico anabólico, produzido pelas células beta do pâncreas, cuja síntese é ativada pelo aumento dos níveis circulantes de glicose e aminoácidos após as refeições. Este hormônio age em vários tecidos periféricos, incluindo músculo, fígado e tecido adiposo. Seus efeitos imediatos incluem: aumento da captação de glicose, principalmente nos tecidos muscular e adiposo, aumento da síntese de proteínas, ácidos graxos e glicogênio, bem como bloqueio da produção hepática de glicose (via diminuição da neoglicogênese e glicogenólise), da lipólise e da proteólise. Além disso, a insulina tem efeitos tardios na expressão de genes e síntese proteica, assim como na proliferação e na diferenciação celulares. Outras funções incluem o aumento da produção de óxido nítrico no endotélio, a prevenção da apoptose e a promoção da sobrevida celular 155. O receptor de insulina pertence a uma família de receptores de fatores de crescimento incluindo fator de crescimento insulina like-1 e receptor relacionado à insulina, que apresentam atividade tirosina quinase intrínseca. Após a ligação da insulina, I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 40 SUMÁRIO o receptor sofre autofosforilação em múltiplos resíduos de tirosina. Isso resulta na ativação da quinase do receptor e na consequente fosforilação em tirosina de uma família de substratos do receptor de insulina (IRS). De forma similar a outros fatores de crescimento, a insulina usa fosforilação e interações proteína-proteína como ferramentas essenciais para transmitir o sinal 159. Muitas quinases têm sido implicadas nesse processo, incluindo a fosfatidilinositol 3- quinase (PI3K)/Akt, a proteína quinase C e a proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK) 160, 161. Dessa forma, o sinal é transmitido do receptor ao efetor final, promovendo a translocação de vesículas que contêm transportadores de glicose tipo 4 (GLUT4) do conteúdo intracelular para a membrana plasmática, a ativação da síntese de glicogênio e de proteínas e a transcrição de genes específicos 155, 161. A resistência insulínica, definida como uma resposta inadequada aos efeitos fisiológicos desse hormônio circulante nos tecidos-alvo específicos, músculo esquelético, fígado e tecido adiposo, desempenha papel central na patogênese da DHGNA. É caracterizada por alterações em diversos pontos, com redução da concentração e da atividade quinase do receptor, da concentração e da fosforilação do IRS-1 e -2 (receptores da insulina 1 e 2), da atividade da PI3K (fosfatidilinositol – 3 quinase), da translocação dos transportadores de glicose (GLUTs) e da atividade das enzimas intracelulares 159. Além disso, estudos, nos últimos dez anos, demonstraram que a resistência insulínica age na desregulação hipotalâmica da produção hepática de glicose e ingestão de alimentos, assim como a sinalização da insulina no complexo vagal dorsal leva ao desenvolvimento de diabetes tipo 2 e obesidade 162. Nessa perspectiva, as alterações moleculares na sinalização da insulina resultam no acúmulo de triglicerídeos hepáticos. No músculo esquelético, a resistência insulínica periférica afeta, principalmente, grande parte da captação de glicose total 163. No tecido D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 41 adiposo, essa resistência diminui a ação lipogênica da insulina, com consequente liberação de ácidos graxos não esterificados. Ou seja, a resistência insulínica aumenta a lipólise dos triglicerídeos e inibe a esterificação de ácidos graxos livres no tecido adiposo. O resultado é o aumento dos níveis séricos de ácidos graxos livres, que são absorvidos pelo fígado 164. Elevadas concentrações plasmáticas de glicose e de ácidos graxos resultam no aumento da captação hepática dos lipídios. Esse aumento da oferta de ácidos graxos ao fígado compromete a β-oxidação mitocondrial por estresse no sistema enzimático. Como resultado, tais substâncias acumulam-se no hepatócito, determinando o surgimento da esteatose hepática 165. Adicionalmente, a resistência insulínica também inibe o metabolismo alternativo dos AGLs, por meio da oxidação. A exportação hepática do VLDL pode ser inibida com a diminuição da síntese da apolipoproteína B (Apo B) e menor conjugação desta com os triglicerídeos, pela proteína de transferência microssomal de triglicéride (MTP) 166. Conclui-se, então, que o acúmulo de gorduras no tecido hepático desenvolve-se a partir do aumento da oferta de ácidos graxos livres, da redução da oxidação, do aumento da lipogênese hepática e da redução da exportação hepática dos triglicerídeos via VLDL, resultantes da resistência periférica à insulina e da hiperinsulinemia 154. 5.1 Desenvolvimento da EHNA A patogênese da DHGNA é multifatorial, e o desenvolvimento de EHNA representa um processo complexo que não está completamente compreendido. Para tanto, teria sido sugerido que seu desenvolvimento ocorreria num processo de duas etapas. Day e James 157 propuseram a “teoria dos dois golpes” para explicar as alterações I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 42 SUMÁRIO fisiopatogênicas frequentemente observadas na EHNA. O primeiro golpe estaria representado pela esteatose hepática, resultado da resistência insulínica e do aumento do aporte de ácidos graxos no fígado, enquanto o segundo golpe envolveria a oxidação de gorduras no hepátócito e a produção de espécies reativas de oxigênio (EROs), levando ao estresse oxidativo e a graus variáveis de reação inflamatória, com liberação de inúmeras citocinas 157. Contudo, o estudo GWAS identificou o gene PNPLA3 como sendo essencial no desenvolvimento da EHNA. O envolvimento do gene PNPLA3 no desenvolvimento da EHNA indicou que um processo simples de apenas dois golpes seria insuficiente para explicar essa doença heterogênea. Recentemente, portanto, surgiu a teoria dos “múltiplos golpes”, no intuito de acomodar o conhecimento de que a inflamação induz a esteatose e que há um fundo genético correlacionado com a progressão da doença 167. Evidências crescentes sugerem também a presença de correlações entre microbiota intestinal, translocação bacteriana e a incidência de esteatose hepática. Alterações na microbiota intestinal resultantes de uma dieta rica em gordura poderiam induzir EHNA e exacerbação da relação com Carcinoma hepatocelular 168. Já se sugeriu que a gordura induz a produção de várias citocinas associadas à gordura e induz inflamação, mesmo em pacientes portadores do alelo PNPLA3, ratificando que a obesidade e a resistência à insulina são fatores de risco à progressão da EHNA 167. A esteatose hepática induz ao estresse celular e à inflamação direta aos hepatócitos e às células não parenquimatosas ao redor. O estresse oxidativo aparece como responsável pelo início do processo necroinflamatório, e as EROs – geradas durante o metabolismo dos ácidos graxos livres em microssomos, mitocôndrias e peroxissomos – compreendem uma fonte estabelecida do estresse oxidativo 169. Como as mitocôndrias constituem as fontes D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 43 celulares mais importantes de EROs, a disfunção mitocondrial pode desempenhar um papel central na progressão da EHNA. 5.2 Estresse oxidativo Quatro mecanismos potenciais explicam essencialmente o fenômeno do estresse oxidativo na DHGNA. O primeiro deles é a produçãode citocinas pró-inflamatórias pelas células de Kupffer, resultado do estresse oxidativo na mitocôndria, o que acarreta necrose e apoptose dos hepatócitos. O segundo mecanismo proposto para o estresse oxidativo desenvolve-se a partir da própria hiperinsulinemia 170. Acredita-se que a chave para a insulina causar estresse oxidativo reside em sua capacidade de regular positivamente a proteína lipogênica – SREBP, como seus feitos profibrogênicos diretos por meio da estimulação do fator de crescimento do tecido conjuntivo. O terceiro mecanismo proposto tem como base a sobrecarga de ferro, a qual gera espécies reativas de oxigênio e peroxidação lipídica. O ferro é conhecido por causar danos mitocondriais, e, em cerca de 30% dos pacientes portadores de esteatose hepática, níveis elevados de ferritina têm sido observados. O último mecanismo proposto envolve a peroxidação lipídica dos AGLs, fenômeno responsável pela produção de peróxido de hidrogênio, superóxido e peróxidos lipídicos, que alimentam o estresse oxidativo 167, 171. Condições endógenas e exógenas concorrem para o acúmulo intra-hepatocitário de ácidos graxos, os quais sofrem peroxidação mitocondrial. O papel do estresse oxidativo na patogênese da EHNA consiste em alterar a relação entre a produção e a metabolização de ácidos graxos na mitocôndria. Há um desvio do metabolismo da ß-oxidação para a peroxidação lipídica, levando à formação de espécies reativas de oxigênio (EROs), cujos I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 44 SUMÁRIO baixos níveis, fisiologicamente, estão envolvidos em processos celulares vitais necessários, indicando que o equilíbrio de respostas oxidativas e antioxidantes é importante. Nesse caso, por sua proximidade, o DNA mitocondrial (DNA-mt) é o mais atingido pela formação desses radicais livres em excesso. O acúmulo de lesões no DNA-mt induz à diminuição da fosforilação oxidativa, e isso causa depleção do estoque de adenosina trifosfato. Tais eventos podem produzir esteatose, balonização e alterações ultraestruturais na mitocôndria dos hepatócitos. O ciclo se perpetua à medida que o impedimento do fluxo de elétrons na cadeia fosforilativa gera uma quantidade ainda maior de EROs, e estes produzem também um número maior de lesões no DNA-mt, criando um ciclo vicioso infindável 167, 170. Desse processo de peroxidação lipídica, gera-se um subproduto – o malondialdeído, que tem papel na transformação da célula de ITO, em célula estrelada ou miofibroblasto, com topografia perissinusoidal e competência para produzir colágeno e outras proteínas da matriz conjuntiva. Portanto, é responsável pela fibrose perissinusoidal e periportal. Além disso, o malondialdeído ativa o fator NFκB (nuclear factor kappa-light- chain-enhancer of activated B cells), que atua na regulação da expressão de citocinas pró- inflamatórias, dentre as quais, o TNF-α (tumor necrosis factor-alpha) e a interleucina-8 (IL-8), que exercem quimiotaxia sobre leucócitos e promovem a infiltração inflamatória celular. Ainda resultante da peroxidação lipídica, gera-se outro subproduto, denominado 4- hidroxinonenal, também considerado potente agente quimiotático para neutrófilos 172, 173. Em adição, a peroxidação de fosfolipídios da membrana dos hepatócitos promove alterações da permeabilidade e balonização hepatocelular. Outra questão importante na patogênese da DHGNA é a saturação mitocondrial, ou seja, a capacidade que essa organela tem de processar a oxidação lipídica. Na esteato-hepatite alcoólica, essa alteração D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 45 ultraestrutural acarreta o acúmulo de peróxido de hidrogênio nos peroxissomos hepáticos, que, na presença de ferro ferroso, produzem radicais hidroxilalivres (OH), elementos altamente reativos com os fosfolipídios de membrana 174. Essa via metabólica talvez explicasse a conexão anteriormente encontrada entre as mutações no gene HFE da hemocromatose e a EHNA 175. O ferro é o mineral “chave” que induz ao estresse oxidativo. Apesar de seu papel na EHNA não estar totalmente compreendido, os níveis de ferro estão elevados nesta patologia, os quais induzem o estresse oxidativo, e a redução de seus níveis resulta em resultado positivos aos pacientes com doenças hepáticas crônicas. No entanto, um terço dos pacientes com DHGNA em fase inicial apresentam deficiência de ferro correlacionada com o sexo feminino, obesidade e diabetes tipo 2. São necessários, portanto, estudos de acompanhamento a longo prazo para saber se os pacientes obesos com deficiência de ferro progridem para EHNA e compreender de fato o papel do ferro na progressão da DHGNA 167, 176, 177. Weltman et al 92, trabalhando em modelos experimentais animais e humanos, descreveram a hiperexpressão do citocromo P450 CYP2E1, com geração de excesso de radicais livres de oxigênio. Essa hiperexpressão do CYP2E1 é induzida por álcool, ácidos graxos livres e cetona e está associada à hiperprodução de radicais livres do oxigênio e maior estresse oxidativo hepatocelular 91. 5.3 Tecido adiposo O tecido adiposo de mamíferos é composto de dois tipos funcionais distintos: o tecido adiposo branco e o marrom. O primeiro é o sítio de estoque de energia e liberação I S B N 9 7 8 - 8 5 - 4 6 3 - 0 1 5 0 - 8 | 46 SUMÁRIO de hormônios e citocinas, que modulam o metabolismo corporal e a resistência insulínica. Seu acúmulo está associado à obesidade. Por outro lado, o tecido adiposo marrom, rico em mitocôndrias, é importante para o gasto energético na forma de termogênese, visto que pode modular a suscetibilidade para o ganho de peso corporal. Fisiologicamente, concentra-se mais em crianças, mas pode ser encontrado também no tecido adiposo de adultos 178, 179. A presença do tecido adiposo marrom em adultos está independentemente associada a uma menor probabilidade de DHGNA diagnosticada por PET scan 180. 5.4 Mediadores inflamatórios e adipocitocinas As citocinas são moléculas solúveis que estão envolvidas na comunicação intracelular e são produzidas por uma grande variedade de células no corpo, incluindo as células hepáticas 181. Compreendem subfamílias diversas, incluindo interferon, interleucinas, fatores de necrose tumoral (TNF), fator transformador de crescimento (TGF), fatores estimulantes de colônia e quimiocinas. As citocinas podem mediar vários processos biológicos fundamentais, incluindo o crescimento corporal, adiposidade, lactação, a hematopoiese, bem como a inflamação e a imunidade. Estão implicadas em várias patologias, tais como artrite, aterosclerose, artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, a psoríase, assim como na DHGNA 182. Sob condições fisiológicas, a geração hepática de citocinas constitutivas está ausente ou mínima no fígado. No entanto, estímulos patológicos, tais como acúmulo de lipídios, induzem as células hepáticas a produzirem essas moléculas inflamatórias. As citocinas podem desempenhar um papel ativo no desenvolvimento e progressão da DHGNA por D o e n ç a H e p á t i c a G o r d u r o s a N ã o A l c o ó l i c a | 47 meio da estimulação da inflamação hepática, da necrose celular, apoptose e indução de fibrose. No entanto, elas também são essenciais para a regeneração hepática 182. O estresse oxidativo é um dos responsáveis pela produção de citocinas pró- inflamatórias, dentre as quais se destacam: TNF-α, fator transformador de crescimento alfa e beta (TGF-α e TGF-β), Interleucina-6 (IL-6), IL-8, NFκB e adiponectina. Essas citocinas são produzidas por linfócitos e células de Kupffer, por meio de mecanismos mediados por radicais livres, podendo agir de forma a alterar a permeabilidade da membrana mitocondrial, inibindo a cadeia respiratória 94. A presença de uma desregulação do sistema imune na DHGNA tem sido evidenciado, em primeiro lugar, por meio da modificação da população de células
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