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CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Curso: Geografia Disciplina: Mundo Contemporâneo I Conteudistas: Gabriel Siqueira Corrêa e Mariana Martins de Meireles Aula 9 – Colonização na América Latina: perspectivas iniciais para o debate META: Discutir aspectos relacionados aos processos de colonização da América Latina, considerando elementos históricos, políticos, epistêmicos e espaciais. OBJETIVOS: 1 – Identificar os significados de América Latina 2 - (Re)conhecer modos de ocupação e exploração da América Latina 3 - Perceber a influência das narrativas ocidentais e de projetos imperialistas no processo de colonização da América Latina. 4 - Perceber aspectos relativos à escravidão na América Latina e suas implicações na organização do trabalho. PRÉ-REQUISITOS: Recomenda-se que o estudante tenha lido as aulas 1, 2, 3 que discutem noções de colonialismo, imperialismo, colonialidade e eurocentrismo. Introdução Nas aulas anteriores, apresentamos diversos aspectos relacionados à colonização e descolonização africana, que culminaram em debates para ensinar sobre África em sala de aula. Aqui o objetivo não é diferente, porém o enfoque se dá sobre o continente americano. Mapa 01 - América Latina O objetivo, para além de fazer uma leitura fragmentada, é entender em linhas gerais quais aspectos influenciaram na formação, organização e produção espacial da América Latina. Para isso, vamos iniciar nosso diálogo fazendo algumas perguntas: o que efetivamente você conhece sobre colonização da América Latina? Como surge a concepção de América Latina? Quais foram os projetos em disputa forjados nos processos de ocupação e uso desse território? Quais os meios de expropriação? Na tentativa de apresentar algumas respostas para estas questões, esboçamos tópicos que auxiliam na compreensão do tema. Embora não seja possível aprofundarmos o debate sobre casos específicos nesta aula, procuramos indicar caminhos e possibilidades para o entendimento de questões pertinentes ao estudo deste continente. 1. A construção da concepção de América Latina Fonte: www.google.com http://www.google.com/ Ao longo desta disciplina já discutimos que o mapa é uma ferramenta que contribui para a formação de visões de mundo, influenciando, desse modo, na construção de visões sobre os diferentes espaços. Por isso, quando iniciamos o estudo de qualquer parte do globo é natural pensarmos, num primeiro instante, na faixa territorial que delimita tal espaço, com a América Latina acreditamos que não é diferente. Contudo, para começarmos nossa conversa, te convidamos a pensar na ideia de que este desenho cartográfico pouco traduz a construção histórica e geográfica dessa região do planeta, visto que ela resulta de múltiplos acordos e de uma complexa diversidade. Logo de início, indagamos sobre o surgimento da denominação “América Latina”. É bom lembramos que o ato de nomear é um ato de poder, e que ao nomear mobilizamos noções políticas, simbólicas e ideológicas, a exemplo da nomeação das ruas das cidades. Nesse processo, são evidenciadas determinadas questões, e silenciadas outras, inclusive, removendo símbolos e nomenclaturas de outros sujeitos que violentamente assistem à negação de suas referências. Início de Boxe explicativo América ou Abya Yala? Abya Yala, na língua do povo Kuna, significa Terra madura, Terra Viva ou Terra em florescimento e é sinônimo de América. O povo Kuna é originário da Serra Nevada, no norte da Colômbia, tendo habitado a região do Golfo de Urabá e das montanhas de Darien e vive atualmente na costa caribenha do Panamá, na Comarca de Kuna Yala (San Blas). Abya Yala vem sendo usado como uma autodesignação dos povos originários do continente em oposição a América, expressão que, embora usada pela primeira vez em 1507 pelo cosmólogo Martin Wakdseemüller, só se consagra a partir de finais do século XVIII e inícios do século XIX, adotada pelas elites crioulas para se afirmarem em contraponto aos conquistadores europeus, no bojo do processo de independência. Muito embora os diferentes povos originários que habitavam o continente atribuíssem nomes próprios às regiões que ocupavam – Tawantinsuyu, Anauhuac, Pindorama –, a expressão Abya Yala vem sendo cada vez mais usada por esses povos, objetivando construir um sentimento de unidade e pertencimento. [...] Pouco a pouco, nos diferentes encontros do movimento dos povos indígenas, o nome América vem sendo substituído por Abya Yala, indicando assim não só outro nome, mas também a presença de outro sujeito enunciador de discurso, até então calado e subalternizado em termos políticos: os povos originários (PORTO-GONÇALVES, 2009, p. 26). Fim do Boxe explicativo Assim sendo, tal como a diversidade espacial, étnico, cultural, lingüística, política e econômica que marca a constituição da América Latina, nota-se certa imprecisão na própria gênese desse conceito. Você já parou para pensar quais discursos forjam a criação da ideia de uma América Latina? Pois bem, esta construção ideológica influenciou a produção hierárquica de uma identidade latino-americana, que aparece associada à uma invenção eurocêntrica, conceito que já discutimos nas primeiras aulas. 1.1 – Origens francesas do termo América Latina Sobre a origem do nome “América”, há consenso na literatura que seu surgimento diz respeito a uma homenagem a Américo Vespúcio, após a conquista do “novo mundo” por Cristóvão Colombo. O nome “América” escrito no feminino e não Américo no masculino, justifica-se em função das denominações dos demais continentes que também estavam no feminino, a saber: Europa, África e Ásia. Mapa 02: Universalis Cosmographia (1507) Legend: Neste mapa aparece pela primeira vez a América, nomeação dada ao continente que seria colonizado pelos Europeus. Fonte: Domínio público via Wikimedia Commons. Quanto à expressão “América Latina”, esta por sua vez, fundamenta-se na noção de “latinidade”. Embora essa expressão faça parte da nossa linguagem, atribuindo uma dimensão étnico-racial, por exemplo, quando identificamos populações americanas pelo mundo (com exceção das estadunidense e canadense), a origem histórica desse nome possui diferentes características que revelam as diretrizes políticas de sua escolha. Assim, esse conceito assume uma posição política ideológica, e sua procedência está associada aos intelectuais franceses. Estes intelectuais tinham como intenção desvincular a imagem de parte do continente americano dos Estados Unidos, que estabelecia um projeto expansionista baseado na Doutrina Monroe Ao mesmo tempo, a noção de latinidade, marca uma posição frente ao seu grande concorrente no imperialismo europeu (após o enfraquecimento de Portugal e espanha), a Inglaterra. Também estabelece uma distinção a ideia de América Anglo- saxônica, que poderia ser contraposta, por uma concepção de latinidade na América (QUENTAL, 2012). Desse modo, era possível falar de uma latinidade que remetesse diretamente aos povos europeus de língua latina, entre eles a própria França. Porém, até esse momento não havia surgido ainda a denominação “América Latina”, habitualmente usada por nós. Ela só vai aparecer posteriormente, indicando um projeto distinto do que foi preconizado pelos intelectuais franceses. 1.2 – Origem do termo América Latina como usamos Ela foi usada pela primeira vez pelo jornalista e poeta colombiano José Maria Torres de Caicedo, no poema “Las dos Américas”, publicado na Europa em 1856. Abaixo encontra-se a tradução desse poema, que indica uma concepção de união, racialidade e contraposição a América Anglo-saxônica: Mas isolados se encontram, desunidos Esses povos nascidos para aliar-se A união é um dever, sualei amar-se Mesma origem e missão A raça da América Latina Frente à raça saxônica Inimiga mortal que a ameaça Destruir sua liberdade e bandeira (Tradução própria) Observe que este poema faz outra apropriação do conceito de “latinidade”, diferente da concepção pretendida pela França, que defendia uma América para os povos de língua latina na Europa. Na escrita do poema, o autor adota uma conotação nacionalista, de cunho anti-imperialista, tanto da Europa, quanto dos Estados Unidos da América. Início do Boxe curiosidade José Maria Torres Caicedo José Maria Tores Caicedo foi um jornalista e poeta nascido na Colômbia. Aos dezessete anos começou a escrever poesias e publicar artigos no jornal de Bogotá. Anos depois foi nomeado representante da Venezuela, Colômbia e El Salvador em Paris e Londres, assim como membro correspondente da Real Academia Espanhola e de Ciência Morais e políticas do instituto francês. Ficou conhecido pelas publicações no Jornal “Correio ultramar”, de língua espanhola e publicado em Paris. Em um de seus artigos publicou o poema “Las dos Américas”, empregando a expressão América Latina pela primeira vez. Também presidiu o I Congresso Internacional de Americanistas na França em 1875. Fonte das informações e figura: https://es.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Mar%C3%ADa_Torres_Caicedo Fim do Boxe curiosidades Entretanto, segundo Quental (2012), essa diferenciação serviu para que os EUA utilizassem essa classificação como forma de reforçar uma superioridade da América Anglo-saxônica, pura, de descendência europeia e inglesa, para uma América Latina, mestiça, proveniente da miscigenação de espanhóis, negros e indígenas. Tal hierarquia fica evidente nas atuações agressivas dos EUA em seu movimento de expansão em direção ao México, a quem atribuía uma noção de inferioridade racial na doutrina do “Destino Manifesto”. A concepção de inferioridade dos povos latinos foi utilizada, inclusive, na Guerra contra o México nos anos de 1840. Início do Boxe curiosidade https://es.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Mar%C3%ADa_Torres_Caicedo Você já ouviu falar sobre a doutrina do “Destino Manifesto? O Destino Manifesto foi uma doutrina estadunidense baseada em preceitos religiosos que legitimava e justificava a expansão dos estadunidenses a territórios alheios para a sua anexação ao território dos Estados Unidos. Tal ideia implicava que os estadunidenses eram um povo abençoado por Deus e escolhido especialmente para levar o esclarecimento aos “povos inferiores” da América do Norte. Apesar de o termo ter sido utilizado pela primeira vez em meados do século XIX por John O’Sullivan em um ensaio sobre a anexação do Texas, o espírito do Destino Manifesto é ainda mais antigo e carrega fortes significados no imaginário estadunidense. Com o aval religioso e a missão enviada diretamente dos céus, por Deus, os Estados Unidos tomavam o direito de agir da forma mais arbitrária a fim de ocupar territórios e aniquilar populações contrárias ao seu destino. A doutrina foi amplamente utilizada por políticos, meios de comunicação e até hoje deixa vestígios no espírito do cidadão estadunidense. Este sentimento é ainda perceptível nas condutas militares, econômicas e políticas, principalmente no que diz respeito às relações externas do país (COSTA, 2011, p. 2268). Cabe aqui, estabelecer um paralelo com a situação atual entre México e Estados Unidos, em que o segundo declarou, através da polêmica prerrogativa de declaração de emergência, o desvio de verbas militares para aumentar e reforçar o muro existente que separa a Fronteira entre México e os Estados Unidos da América. Alguns analistas, como o secretário da Organização dos Estados da América, Luis Almagro, entendem que a construção do Muro não envolve necessariamente uma política contra o México, mas uma divisão entre EUA e toda América Latina. Fim do Boxe curiosidade É possível entender que a denominação América Latina não traduz somente os limites de um recorte espacial. Ela contém uma história que resguarda muitos outros aspectos, para além de sua delimitação territorial. Há que se considerar neste processo, a dimensão geopolítica, utilizada para promover o nacionalismo dos países colonizados pela Espanha. Noutra direção, a ideia da latinidade utilizada como justificativa para expansão estadunidense, apoia-se na dimensão étnico-racial, diferenciando europeus de origem inglesa, de mestiços espanhóis com indígenas, que foi chamada de elite criolla. Isso nos mostra a necessidade de observarmos as denominações e nomeações dos lugares, as toponímias, enquanto campos de disputas de poder, que resultam em representações, cujos traços externos, moldam significados e ações em torno deles. Início do Boxe Multimidia Filme: Deserto O filme retrata a luta dos imigrantes mexicanos para sobreviverem durante a travessia da fronteira para o Estados Unidos da América. O longa foi lançado pouco antes da oficialização da campanha do atual presidente estadunidense Donald Trump, em um contexto em que discursos de ódio foram vinculados contra os imigrantes mexicanos. Na montagem do enredo há uma situação ficcional, em que um mexicano chamado Moisés, interpretado por Gael Garcia Bernal, tenta encontrar sua família. Porém, junto com outros imigrantes, é perseguido durante a travessia, pelo “justiceiro” Sam (interpretado por Jeffrey Dean Morga), que resguarda a fronteira contra imigrantes mexicanos. Segundo o diretor, o filme é uma “alegoria”. Ele não imaginava que pouco tempo depois, o assunto ganharia uma proporção mundial, ao ponto de chamarem o filme de “anti-Trump”, o que ele mesmo discorda, por indicar que as medidas restritivas foram tomadas por todos os presidentes anteriores. Cabe indicar que, independente da leitura política, o filme é um instrumento interessante para reflexão sobre o contexto atual de construção de muros na era globalização contemporânea. Fim do boxe multimídia 1.3 – O silenciamento dos povos. Por fim, há um terceiro aspecto importante no processo de nomeação “América Latina”. Se por um lado ela evidencia disputas e significados para europeus e seus descendentes, por outro, ela atua como silenciamento daqueles que ocupavam os territórios que hoje reconhecemos com este nome. Essa caminho nos faz pensar que o ato de (re)nomear é também um processo de negação aos projetos e representações dos que já haviam dado nome a este espaço. Nesse sentido, a denominação “América Latina”, revela, acima de tudo, uma noção de civilidade europeia, que, embora não seja inglesa, silencia e oculta a participação de indígenas e africanos na formação desse espaço. Como indica Mignolo (2007), a latinidade se sobrepõe a uma ideia de “indianidade” ou ainda de “africanidade”, se estabelecendo como o nome do subcontinente, que narra a história e visão de descendentes europeus, identificados com parte da europa, em especial, França e Espanha. Atividade 1 - Atende ao objetivo 1 Discuta as diferentes interpretações em torno da denominação “América Latina”, identificando, por um lado, o que ela evidencia enquanto projeto político, e por outro, o que ela produz para os povos que ocupavam este território. (Diagramação, deixar 10 linhas) Resposta comentada A denominação América Latina tem origem, em um primeiro momento, na concepção de latinidade, com o objetivo de fazer uma aproximação entre a França (país de língua de origem latina) com os países colonizados, em sua maioria pela Espanha. Essa era uma forma de diferenciação dessa regiao para a região colonizada pelos imigrantes ingleses, chamada de América Anglo-saxônica. Essa concepção indica que houve um projeto político inicial de dominação por trás da nomeação que visava diferenciar a América Latina da América Anglo-saxônica, e assim, possibilitava distinguir os campos de influência da Inglaterra e França. Porém,a leitura da latinidade foi apropriada pelas elites que ocupavam essas áreas, até que, o poeta colombiano José Maria Torres de Caicedo, usa a expressão “América Latina”, atribuindo uma conotação nacionalista, racialista e anti-imperialista, que rompe com os projetos pretendidos inicialmente, embora ele não incorpore nessa nomeação os povos africanos e indígenas que eram maioria no território. Fim da resposta comentada 2 - Do mito difusionista no vazio à colonialidade: formas de dominação no processo de colonização da América Latina. Até aqui fizemos uma breve incursão para compreender o que significa o conceito de América Latina, e os condicionantes geopolíticos que levaram a esta nomeação. Agora, vamos pensar um pouco mais sobre como se organizou o projeto colonial deste território, tomando como referência inicialmente o processo de ocupação e posteriormente os mecanismos de colonialidade. Para isso, cabe fazermos um novo exercício de imaginação. Quando olhamos o mapa da América Latina apresentado no início desta aula, percebemos que tal recorte geográfico tem suas fronteiras estabelecidas, com características e Estados Nações, cujas histórias e geografias já esquadrinhadas revelam um desenho distinto do que foi encontrado por aqui. As imagens abaixo, podem nos ajudar a pensar nesta diversidade constitutiva da América Latina. Enquanto a primeira, apresenta a ocupação de diversos e distintos grupos que foram denominados como indígenas, resultado de um processo de homogeneização que manipulou suas histórias, formas de manejo e uso do território, a segunda imagem representa esse silenciamento, ocultando a existência dessa diversidade. Imagem 01: Etnias indígenas na América Latina Fonte: Retirado de: https://native-land.ca/ Imagem 02: Mesma figura, mas sem as etnias indígenas. Fonte: Retirado de: https://native-land.ca/ Notem que nesta segunda imagem, as etnias indígenas desapareceram do mapa. Este processo intencional ocorre, tendo em vista, o branqueamento do território, onde ocupações e presenças não brancas são desconsideradas. Essa noção não é atual, e remonta ao processo de colonização europeia. Tal processo de ocupação e colonização, enquanto um exercício massivo de genocídio e dominação se caracterizou pelo contraponto a essa presença indígena. Embora o branqueamento do território seja resultado do projeto colonial, o processo de apagamento desses grupos explica-se em razão do “mito difusionista no vazio” (BLAUT 1993, apud MALDONADO-TORRES 2010). O “mito difusionista no vazio” é um conceito forjado pela ideia de que a área não ocupada por brancos europeus é na verdade, um vazio – demográfico, simbólico, jurídico e econômico. O autor indica que esta concepção, justifica a colonização e ocupação das terras. Esta proposição do vazio se baseia em três dimensões: https://native-land.ca/ https://native-land.ca/ 1) o entendimento que uma região não-europeia se encontrava vazia, sendo considerada não habitada de pessoas, e dessa forma, a fixação de colonos europeus não implicava em deslocamentos de povos nativos; 2) as regiões ocupadas não possuíam população fixa, à medida que os habitantes se caracterizavam pelo nomadismo. Dessa forma, a ocupação europeia não feria nenhum princípio de soberania política, já que os povos não questionavam ou reclamavam o território para si; 3) diz respeito às culturas que ocupavam a América, estas por sua vez, não reconheciam a propriedade privada, desconsiderando as noções de direito e posse da terra, o que autorizou os europeus a repassarem as áreas para colonos. Por fim, na constituição do “mito do difusionismo no vazio”, persiste a ideia de que em determinada região “há um vazio de criatividade e valores religiosos, sendo considerados grupos sem racionalidade, e dessa forma, propensos a serem dominados” (BLAUT, 1993 apud MALDONADO-TORRES, 2010, p. 411). Para traçarmos um paralelo com a formação histórica do Brasil, a ideia de “vazio demográfico” autorizou, por exemplo, diversas incursões em áreas que eram ocupadas por indígenas. Esta ideia de vazio, tramada no discurso da modernidade, revela o modo como as concepções imperiais, fruto da experiência colonial, colaboraram para o controle e ocupação da América Latina, autorizando assim, incursões e invasões europeias neste território. Ela funcionou como uma justificativa, partindo de uma lógica espacial, que autorizava a tomada de territórios. Tal realidade, resultou em um processo de destruição e genocídio de populações. Para apresentarmos como isso se caracterizou trazemos uma citação de Quijano e Wallerstein (1992) que ilustra essa situação. Nas Américas […] houve uma tamanha destruição generalizada das populações indígenas, especialmente entre as populações recolectoras, e uma tamanha importação generalizada de mão-de-obra, que o processo de periferização envolveu não tanto a reconstrução das instituições económicas e políticas como a sua construção, praticamente a partir do zero e um pouco por todo o lado (exceptuando talvez as zonas do México e dos Andes). Por esse motivo, desde o início o modo de resistência cultural às condições opressivas residiu menos nas pretensões de historicidade do que na fuga em frente, rumo à ‘modernidade’. As Américas eram o ‘Novo Mundo’, uma divisa e um fardo assumidos desde os primórdios. Porém, à medida que os séculos foram passando, o Novo Mundo foi-se tornando o padrão, o modelo de todo o sistema-mundo. (Quijano e Wallerstein, 1992) Estes autores nos ajudam a perceber a existência de uma narrativa difundida pela modernidade que colocou o ocidente como padrão global frente à conquista das Américas. Neste contexto, a Europa surge hegemonicamente como o centro cultural, político, econômico e religioso, e passa a difundir seus valores pelo mundo. No caso da América Latina, se pararmos para pensar, tal lógica influenciou não apenas a nomeação do continente e dominação dos povos e de sua cultura, mas também, na dependência dos mesmos à Europa, em razão dos padrões demarcados, dos processos de classificação e das relações de poder estabelecidas. Desse modo, vamos compreendendo que o movimento expansionista europeu, marcado por força, controle, hierarquia e exclusão, foi conduzido por projetos e cartografias imperialistas que revelaram pouco a pouco as relações de poder que eram estabelecidas entre “conquistadores” e “conquistados”. Ou seja, conforme se construía o mapa do mundo e suas dimensões, seus povos eram descritos e novos padrões de dominação e exploração eram esquadrinhados. O autor peruano Aníbal Quijano (2000), nos ajuda a entender como esse novo padrão de poder funcionou: Dois processos históricos convergiram e se associaram na produção do referido espaço/tempo e estabeleceram-se como os dois eixos fundamentais do novo padrão de poder. Por um lado, a codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados na idéia de raça, ou seja, uma supostamente distinta estrutura biológica que situava a uns em situação natural de inferioridade em relação a outros. Essa idéia foi assumida pelos conquistadores como o principal elemento constitutivo, fundacional, das relações de dominação que a conquista exigia. Nessas bases, conseqüentemente, foi classificada a população da América, e mais tarde do mundo, nesse novo padrão de poder. (QUIJANO, 2000, p. 532-533). Se você parar para observar este trecho, vai perceber que há uma estreita relação entre raça e capitalismo no processo de dominação do “Novo Mundo”, fato que já estamos discutindo desde as primeiras aulas, e que aparece enquanto ponto essencial para entender as regiões do sul geográfico (América Latina e África, principalmente). Para Quijano (2000), essas formas históricas de controle produziu oque ele chamou de “colonialidade do poder”. Isso nos leva a pensar o que significa esse termo, afinal, você já ouviu falar em colonialidade? E em Colonialidade do poder”? Já parou para pensar na relação entre este conceito e a história de dominação territorial da América Latina? Início do Verbete “Novo Mundo” para quem? A expressão “novo mundo” surge com um dos imperativos da conquista das Américas pelos europeus. Novo porque se tratava-se de um mundo diferente daquele vivenciado pelos europeus. Todavia para os nativos do “novo mundo” este reconhecimento foi marcado por violência e destruição de seus modes ser, existir e produzir. Fim do Verbete Pois bem, este conceito revela uma estrutura de poder que se firma em quatro pilares: formação racial, divisão do trabalho, Estado e produção de conhecimento. Podemos citar como exemplo de “colonialidade do poder”, a estrutura forjada na América Latina, onde negros e índios foram confinados a um esquema de servidão, enquanto os espanhóis e portugueses assumiram o posto de raça dominante. Essa estrutura dividia trabalhadores assalariados de escravizados. Aqui você pode perceber que as formas de controle e a divisão racista do trabalho, resultantes de um projeto capitalista colonial, colaboraram para a construção de uma “América Latina” subalternizada aos padrões de poder eurocêntricos. Novamente voltamos as ideias de Quijano (2010) para pensar que, do ponto de vista eurocêntrico, a relação de escravidão, servidão e produção mercantil resulta de uma sequência histórica, anterior à mercantilização da força de trabalho, configurando-se enquanto relações pré-capitalistas. Tais relações são consideradas por autores que pesquisam o capitalismo como incompatíveis com esse sistema. Porém, o continente americano coloca essa teoria à prova, à medida que nessa região as relações (de servidão, escravidão, assalariada) não emergiram numa sequência histórica unilinear. Para Quijano (2010, p. 247), “nenhuma delas foi uma mera extensão de antigas formas pré-capitalistas, nem foram tampouco incompatíveis com o capital”. Na verdade, elas colaboraram para o estabelecimento do sistema capitalista, sendo fundamental para a consolidação do mesmo. Assim, como você já deve ter percebido, o processo de conquista e colonização da América Latina demarca-se por complexas estruturas sociais de poder derivadas da lógica colonial, bem como da expansão do imperialismo e do capitalismo que influenciaram a formação das sociedades latino-americanas. O geógrafo David Harvey, chama isso de “acumulação primitiva do capital”, ou seja, realidade em que um dado Estado exerce expropriação de outro espaço, através das ferramentas coloniais, sem contrapartida. Esta ação possibilita um acúmulo inicial suscitando uma posição privilegiada para construção de uma estrutura econômica favorável. Ademais, entre as muitas dependências (cultural, social, econômica, política) herdadas pelo processo de “colonialidade do poder” tornou-se herança , também, a dominação hegemônica do pensamento eurocêntrico que, de certo modo, definiu o que é conhecimento e seus modelos de produção, estruturando-se através da “colonialidade do saber”. Para Quijano (2000), este processo de controle radical que inferiorizou a cultura, os sujeitos e suas formas de conhecimento implicou, no contexto da América Latina, na “colonialidade do ser”. Esta última perspectiva de colonialidade refere-se a destituição da existência dos outros não-europeus, negando-lhes a condição de humanidade. Notem que, de acordo com o pensamento de Quijano (2000), os mecanismos de colonialidade co-existem socialmente e engendram-se a partir de uma tríplice conjuntura, conforme esquema a seguir: Fonte: Quijano (2000) Elaboração: Corrêa e Meireles (2019) Chegamos à conclusão, portanto, que desde a descoberta das Américas em 1492 a colonialidade se estabeleceu pela continuidade de um padrão de dominação global articulando-se a partir de três interfaces: poder-saber-ser. Antes de concluirmos esta discussão, lançamos mais uma questão: Você sabe a relação entre colonialismo e colonialidade? Já parou para pensar que o fim do colonialismo não significou o fim das relações de desigualdade? Pois bem, estes são conceitos distintos que marcam o processo de colonização. Se por um lado, o colonialismo demarca-se por um controle direto dos Estados europeus sobre os países localizados no continente Americano, Africano ou Asiático, estabelecendo relações desiguais de troca e subordinação de suas populações, por outro lado, a colonialidade é o padrão de poder baseado na ideia de classificação racial/étnica populacional que ao ser constituída junto a malha de relações de poder da história da América Latina foi integrada e permanece nela. Atividade 2 – atende aos objetivos 2 e 3 Produza uma reflexão estabelecendo relações entre o movimento imperialista de conquista das Américas e as perspectivas de colonialidade que atravessaram tal processo. (Diagramação, deixar 10 linhas) Resposta comentada Espera-se que o estudante elabore uma resposta com argumentos consistentes, contextualizando elementos históricos, geográficos, políticos e epistemológicos que foram relevantes para o processo de conquista e dominação das Américas, especificamente a América Latina. Deve-se levar em consideração na construção textual o padrão eurocêntrico de poder e suas formas hegemônicas difundidas através dos seguintes conceitos: i) “mito difusionista no vazio”, ii) “colonialidade do poder”, iii) “colonialidade do saber”, iv) “colonialidade do ser”. Fim da atividade 2 3 - Estrutura Colonial e força de trabalho na América Latina No tópico anterior, discutimos questões importantes relacionadas ao projeto expansionista europeu que forjou a conquista da América, sobretudo a conquista da América Latina. De certo modo, o debate colabora para entendermos os modos de exploração e as faces da estrutura colonial que condicionou à América Latina frente ao projeto eurocêntrico, à uma posição periférica e subalternizada. Antes de aprofundarmos algumas questões relativas à temática deste tópico, vamos retomar algumas informações históricas e espaciais que marcam a colonização da América. Segundo a literatura, este evento é datado inicialmente em 1492 com a chegada de Cristóvão Colombo à América. No continente “descoberto” por Cristóvão Colombo, habitavam povos que ele denominou de “índios”. Isto porque Colombo imaginou ter chegado às ìndias quando desembarcou na América. Dois anos mais tarde em 1494, com o Tratado de Tordesilhas, esta região do globo é dividida em duas áreas de exploração: a portuguesa e a espanhola. Desse modo, sabe-se que os países considerados latinos tiveram uma colonização marcada pela exploração, cujo sinais podem ser vistos até hoje. Esta forma de ocupação estruturou-se a partir da extração de riquezas naturais e do cultivo de produtos tropicais, a exemplo do pau-brasil e da cana-de-açúcar. Essa intensa exploração inspirou o título do livro de Eduardo Galeano “As veias abertas da América Latina”. A busca por riquezas influenciou o projeto de conquista do globo, liderado por portugueses e espanhóis. Assim sendo, a acumulação primitiva do capital aliada a revolução comercial foram razões que justificaram a expansão da rota comercial atlântica. Tais fatores, fruto de grandes investidas capitalistas, lideraram inicialmente o processo de colonização da América. Início do Box multimídia O livro relata, sob um viés metafórico, a história da América Latina e suas as relações com o imperialismo europeu e norte- americano. Segundo esta obra, na época da chegada de Colombo, o total de índios nas Américas era cerca de 70 e 90 milhões. Um século e meio depois, após conflitos com o invasor, trabalho escravo e o contato com as doenças dos europeus, o número deíndios foi reduzido para 3,5 milhões. Outra crítica pode ser vista em relação aos Estados Unidos, considerados como saqueadores de terras através do apoio financeiro dado às ditaduras militares que, em troca, deram aos norte-americanos regalias econômicas e acesso às matérias-primas. Cabe destacar que, o texto amplia a visão geográfica da América Latina durante o período colonial, traduzindo revolta contra o imperialismo, a exploração da população latino-americana e as injustiças sociais resultantes de políticas capitalistas. Fim do Box multimídia Segundo Quijano (2005), intenções capitalistas aparecem diretamente associadas à história da América. Desse modo, através da escravidão e da servidão instituídas pelo modelo colonial, surge um novo padrão global de controle do trabalho que está estruturado em três etapas: “1- Organização para a produção de mercadorias; 2- A ação conjunta entre capital e mercado; 3- Preenchimento de novas funções, desenvolvendo traços e novas configurações. A ação conjunta entre controle do trabalho, recursos e produtos fundou o capitalismo mundial” (QUIJANO, 2005, p. 118), como havíamos indicado no tópico anterior. Nesse sentido, podemos perceber que a ação colonizadora na América, desde sua origem, moveu-se pelo sentimento capitalista de empreendimento comercial, caracterizando-se pela exportação de riquezas naturais e depois pela produção de produtos, neste último caso, a organização de um sistema produtivo possibilitou a existência do latifúndio, organizado junto a monocultura e o trabalho escravizado, principalmente na colonização portuguesa pela ausência de metais preciosos (com exceção da extração da região de Minas Gerais), mas o que não anulou que o padrão da plantation caracterizado pelo tripé latifúndio, monocultura e escravidão, não tenham sido importantes na colonização espanhola e francesa, esta última marcada pela colonização e expropriação do Haiti. Cabe dizer que, neste período, algumas transformações sociais, econômicas e culturais resultantes de eventos como iluminismo, renascimento e mercantilismo, ocorridas na Europa colaboraram para o tal expansionismo. De todo modo, a acúmulação primitiva do capital, através da conquista de terras e ouro, institucionalizou as razões deste projeto colonial. 3.1 - Escravidão como base para acumulação de riquezas na América Quando falamos em escravidão, pensamos que este processo teve seu fim e remonta um período bem distante. Todavia, é interessante notar que o Brasil foi último país a abolir a escravidão no mundo, evento datado há aproximadamente 130 anos. A história nos revela que a escravidão foi o pilar de sustentação do sistema capitalista e do sistema colonial na América. É bom lembrarmos que em todo continente havia trabalho escravizado, tanto da população indígena, quanto da população negra. Para iniciarmos este diálogo, vamos discutir questões relacionadas ao processo de escravidão da população negra. Esse é um tema importante e contemporâneo, visto que em 2018, representantes políticos repetem que “os portugueses nem pisaram na África”, negando assim, o processo de violência e espoliação sofrida pelos africanos escravizados e seus descendentes. Preste atenção que essa leitura, além de culpabilizar exclusivamente os povos africanos pela escravidão - fato que já discutimos na aula sobre África – retira o peso dos países europeus – especialmente Portugal – por coordenar o tráfico de africanos escravizados, considerado um dos principais mercados do mundo entre o século XVII e XVIII, gerando tanto lucro quanto a produção nas monoculturas. Portugal, por exemplo, foi o país que iniciou o tráfico de escravizados em escala planetária, diferente de todas as formas de escravidão conhecidas até aquele momento. Após Portugal e Espanha, a França e Inglaterra tiveram papeis importantes neste processo, que mais tarde ficou conhecido como “tráfico atlântico”. Ainda sobre a escravidão, é preciso discutir dois aspectos: i) a dimensão qualitativa desse processo e sua espacialização por toda a América; ii) o significado disso, em termos de diáspora africana pelo mundo. Fonte: https://www.slavevoyages.org/assessment/estimates Para entendermos o primeiro aspecto, podemos recorrer ao site “https://www.slavevoyages.org”, que reúne centenas de informações sobre a escravidão africana, com contribuição de mais de 200 universidades de todo mundo. Segundo os dados do referido site, embarcaram cerca de 12 milhões e 500 mil africanos escravizados da África, e chegaram cerca de 10 milhões e 700 mil ao seu destino. A diferença desses números tem relação com a quantidade de africanos mortos pelas condições precárias de transporte nas viagens, ou de africanos escravizados que não foram registrados, ou entraram ilegalmente nos portos. Desse número, cerca de 5 milhões chegaram ao Brasil, quase a metade do número total, demonstrando assim, a dimensão do tráfico para o nosso país. A América Central, colonizada por franceses e ingleses, foi destino de cerca de 3.5 milhões de africanos, enquanto na América espanhola desembarcaram aproximadamente 1 milhões e 300 mil. Nas possessões holandesas chegaram cerca de 500 mil escravizados, e por fim, os Estados Unidos foi destino de cerca de 400 mil africanos. Abaixo, segue uma linha do tempo com o fluxo de africanos escravizados para as Américas: Gráfico 1 – Linha do tempo com o número estimado de africanos escravizados embarcados e desembarcados por ano na América Início do Boxe multimídia https://www.slavevoyages.org/assessment/estimates https://www.slavevoyages.org/ Com indicamos anteriormente, o site https://www.slavevoyages.org que pode ser traduzido para o português, apresenta informações, fotografias, tabelas e mapas sobre a escravidão. Há inclusive, uma animação que dura em média dois minutos para expor relevantes dados temporais e espaciais deste processo, como mostra a figura ao lado. Fim do boxe multimídia Diante destas informações, vale uma nova leitura na base numérica que remonta ao período da escravidão. Você já havia imaginado que o tráfico de escravos possuía fluxos tão intensos como esses? Esse número é ainda mais assustador se pararmos para pensar que na época a população absoluta era muito menor do que a atual, fazendo com que a população africana escravizada fosse maioria populacional em muitos países da América, como no Brasil, em Haiti e Cuba (para citarmos exemplos de diferentes regiões), devido à pouca presença europeia, e o genocídio dos povos autóctones. Os numéricos e seus fluxos revelam ainda, que este tráfico ocorreu por todo continente. De fato, a escravidão foi um símbolo do período colonial e imperial que organizou as relações de expropriação em todas as colônias. Início do Boxe multimídia Filme: 12 anos de escravidão O filme narra a história de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um escravo liberto que é sequestrado e vendido outra vez como um prisioneiro para servir o proprietário de escravos Edwin Epps e sua esposa. A história se passa em 1841, época pré-Guerra Civil, anos antes da abolição oficial da escravatura no país. O enredo angustiante, ocupa-se em apresentar a trajetória de Solomon que busca recuperar sua liberdade. O filme retrata a escravidão de forma impiedosa, dolorida, violenta e brutal. E por essa razão, sofreu duras críticas. Filme: Amistad Amistad narra a história de um grupo de negros que, sequestrados da África para servirem de escravos, se rebelaram e mataram a tripulação https://www.slavevoyages.org/ do navio negreiro que os transportava. Ao longo do filme o destino dos 44 escravos se torna uma questão política, que se intensifica em razão das disputas constantes entre o Sul (escravocrata) e o Norte (menos conservador e aberto ao abolicionismo). A narrativa possui uma discussão contemporânea,pois trata do período de institucionalização do racismo científico, além de abordar questões culturais e a apresentar a língua como instrumento de poder e dominação social. Fim do boxe Multimídia Pare e observe o número de africanos trazidos para as colônias espanholas. Note que este número, de modo comparativo, é inferior ao trazido às colônias portuguesas, francesas e inglesas. Isso se deve pelo fato das comunidades indígenas conhecerem técnicas de mineração, e pela alta taxa de mortalidade nas minas, o que fazia com que o “estoque” de mão de obra fosse reposto constantemente, gerando “perdas financeiras consideráveis” para os colonizadores. Desse modo, houve relativização do trabalho escravizado indígena, com menor influência da Igreja. Algumas exceções são as regiões em que a população nativa já exterminada em confrontos, como o caso da região colombiana, conhecida na época como Nova Granada – nome que faz alusão a uma cidade espanhola. O mesmo não ocorreu na colônia portuguesa, tanto pelo domínio das técnicas agrícolas e de mineração por parte dos africanos, quanto pela interferência da Igreja no que diz respeito a utilização de mão de obra indígena como escravizada. Embora não tenha impedido o uso, historicamente deu-se um peso maior aos africanos. Há outras diferenças consideráveis entre a escravidão no Brasil e nas colônias espanholas. Enquanto na primeira, o modelo majoritário da plantation, promovia um trabalho intenso e exaustivo por parte dos africanos escravizados com o objetivo de obter rápido retorno pelo preço pago, na segunda haviam sistemas de controles de usos de nativos e conversão. O sistema espanhol trabalhava, no caso das lavouras e da mineração, com um sistema chamado encomienda, em que um proprietário ficava responsável por utilizar a mão de obra indígena, e em troca, ofereceria orientação religiosa. Este sistema resultou na alta taxa de mortalidade e genocídio das populações indígenas, através do trabalho compulsório de diferentes grupos. Início do boxe multimídia Filme: 500 Almas O filme retrata de forma poética a história do Povo Guató, considerado extinto nos anos 1960. A narrativa tece uma crítica à violência do processo de colonização vivido pelos indígenas. Na construção do enredo, aborda-se o assassinato do líder Celso Guató, em 1982, em razão da luta pela demarcação na Ilha Ínsua, fronteira com a Bolívia. Filme: Le peuple invisible Trata-se de um documentário sobre a vida do povo Algonquin no Canadá. O filme revela modos de como a harmonia em que viviam esses povos foi quebrada com a chegada dos europeus no século XVI. Mudanças no modo de vida tradicional, miséria e invisibilidade nos dias atuais são conteúdos abordados no documentário. República Guarani O Documentário apresenta depoimentos de pesquisadores do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, exibindo uma extensa iconografia sobre os índios guaranis da região da Bacia do Prata. São temas do documentário: o processo de evangelização dos índios, os conflitos com os bandeirantes, a cultura desenvolvida nas missões, as peculiaridades de seu modo de produção e as causas de sua destruição. Apresenta imagens das ruínas das construções jesuíticas e de arte sacras. Fim do box multimídia É importante perceber que o projeto colonial europeu deixou marcas violentas, dizimando populações sob diversos pontos de vista. A negação da identidade do outro passa a fazer parte deste projeto que forçosamente determina aos povos originários “o medo, o complexo de inferioridade, o tremor, a prostração, o desespero, o servilismo” (FANON, 1968, p. 25). Segundo Quijano (2005), estas formas de controle andaram lado a lado com as formas de produção capitalista. Desse modo, o princípio da interiorização dos povos negros e indígenas justificou o uso dos mesmos como mão de obra escrava para produzir riqueza. A quem diga que este contexto de exploração implicou na ideia de que não haveria uma economia capitalista mundial sem a existência das Américas. Assim sendo, o projeto de colonização procurou homogeneizar o globo, negando, ou mesmo reduzindo as diferenças culturais existentes entre o novo e o velho mundo. Para Santos (1995), esta lógica dominante ancorada no desperdício da experiência social reduziu a diversidade epistemológica, cultural e política do mundo, produzindo o que ele chamou de epistemicídio. O epistemicídio foi forjado por estratégias de inferiorização intelectual do outro não-europeu ou da sua anulação enquanto sujeito de conhecimento, originando por um lado, o assassinato da razão destes povos e por outro, consolidando a supremacia intelectual da Europa. Observe que o projeto de desqualificação das formas de conhecimento dos povos colonizados, também os desqualifica enquanto sujeitos cognoscentes. Esse processo de interiorização se constitui como instrumento de materialização de hierarquia racial que nega, produz e valida saberes, poderes e subjetividades. Se pararmos para pensar o epistemicídio, sequestra duplamente a razão e as formas conhecer/aprender. Primeiro pela negação da racionalidade do outro não-europeu, e segundo pela apropriação cultural hegemônica que lhes é imposta. Início de Boxe explicativo Há semelhança entre genocídio e o epistemicídio? O sociólogo Boaventura de Souza Santos nos ajuda a fazer essa analogia. Para este autor, “o genocídio que pontuou tantas vezes a expansão europeia foi também um epistemicídio: eliminaram-se povos estranhos porque tinham formas de conhecimento estranho e eliminaram-se formas de conhecimento estranho porque eram sustentadas por práticas sociais e povos estranhos. Mas o epistemicídio foi muito mais vasto que o genocídio porque ocorreu sempre que se pretendeu subalternizar, subordinar, marginalizar, ou ilegalizar práticas e grupos sociais que podiam ameaçar a expansão capitalista ou, durante boa parte do nosso século, a expansão comunista (neste domínio tão moderno quanto a capitalista); e também porque ocorreu tanto no espaço periférico, extra-europeu e extra-norte-americano do sistema mundial, como no espaço central europeu e norte-americano, contra os trabalhadores, os índios, os negros, as mulheres e as minorias em geral” (SANTOS, 1995, p. 328). Fonte: https://hysteria.mx/epistemicidio- un-comic-de-supnem/ https://hysteria.mx/epistemicidio-un-comic-de-supnem/ https://hysteria.mx/epistemicidio-un-comic-de-supnem/ Fim do Boxe explicativo A compreensão de Santos (1995) acerca do epistemicídio nos ajuda a entender como se deu esse processo de racionalidade da cultura e civilização do outro não-europeu. Para o referido autor, o epistemicídio refere-se a supressão de conhecimentos locais (não ocidentais) perpetrados por conhecimentos que pertencem a outros mundos. Em outras palavras, podemos dizer que, a partir de um cânone epistemológico ocidental, que elegeu um padrão único de conhecimento, os outros não-europeus (negros e índios) tiveram seus corpos e suas ideias negadas, silenciadas, marginalizadas e subalternizadas. Tal violência, decorrente do projeto colonial, desqualificou ou mesmo eliminou, as formas de ser, produzir, conhecer e aprender dos povos colonizados. 4. Organização espacial e as investidas coloniais Os debates até aqui contribuem para pensarmos nos elementos da colonização, perpassando aspectos geopolíticos e de organização do trabalho. Mas você já parou pensar como era organizado o espaço no processo de colonização? Você sabia que existe uma tipologia que está para além das nomeações de “colônia de exploração” e “colônia de povoamento”? Podemos ampliar nossa compreensão sobre estes aspectos quando levamos em consideração os espaços coloniais, a partir da presença dos colonizadores. Quem nos ajuda nesse caminho é o geógrafo Antônio Robert Carlos de Moraes, visto que, ao analisar a formação do territóriobrasileiro, este autor estabeleceu uma tipologia para colonização portuguesa, que também pode ser utilizada para interpretar a colonização espanhola e francesa. Em primeiro lugar, vale reforçarmos que toda colonização é um exercício de expansão continua com o intuito de acumular riquezas. Afinal de contas, ninguém coloniza em troca de nada. Como já vimos ao longo desta aula, há um investimento político, financeiro e epistêmico para exercer e justificar a colonização. Assim, o processo de colonização envolve a procura por atrativos naturais e comerciais que tornam determinados espaços vetores da colonização, ou centro difusores para usarmos a expressão de Moraes (2008). Desse modo, chagamos ao entendimento que, áreas específicas com seus condicionantes originam diversos focos de exploração e povoamento. Nesse momento, te convidamos a fazer mais um exercício de imaginação: Lembra daquele mapa pré-estabelecido do Continente Americano que aprendermos nas escolas com os países bem definidos e delimitados, tal qual apresentamos aqui no início desta aula? Pois é, a organização espacial proposta por Moraes (2008), rompe com a concepção que espanhóis e portugueses ocuparam o espaço de modo imediato e consolidado. Nesse sentido, ao contrário do que imaginário geográfico construiu, inclusive propagado no campo do ensino de Geografia, a geopolítica do colonizador encontrou dificuldades na condição territorial existente, e, dessa forma, o controle territorial nunca foi efetivo, mesmo nos centros difusores. Para Moraes (2008), a expansão, tanto sob controle português quanto espanhol, se organizou em torno de: núcleos de assentamento e zonas de difusão, ou seja, áreas criadas para formação de redes que tinham como função uma ocupação contínua, estabelecendo relação com o entorno e criando uma região colonial (essencial para a existência da colônia). Quanto as áreas de trânsito, de pouca ou nenhuma ocupação, estas somavam-se às áreas recém-ocupadas onde se materializava boa parte da vida colonial. Este processo se consolidou através do “uso transitório e a ocupação efêmera, realizada por agentes sociais que têm por qualidade o deslocamento espacial contínuo” (MORAES, 2008, p. 69). Tal compreensão nos indica por um lado que, o deslocamento geográfico era o maior desafio deste período, mas também, uma significativa característica dessas áreas. Além dos núcleos de assentamento e zonas de difusão, Moraes (2008) identificou neste processo as bacias de drenagem. Nestas bacias de drenagem “o eixo de circulação central ramifica-se por caminhos que vão buscar as zonas de produção, e este eixo tem por destino um porto (lacustre, marinho ou estuarino) que articula os lugares drenados com os fluxos do comércio ultramarino.” (MORAES, 2008, p. 68). Nesta linha de pensamento, entende-se que “quanto mais ampla a área de drenagem e quanto mais intenso o fluxo praticado, maior será a importância do porto de referência na hierarquização dos lugares coloniais no interior de cada império” (MORAES, 2008, p. 68). Por fim, existiam os fundos territoriais, áreas de domínio, no âmbito de uma jurisdição, meramente formais que constituíam efetivamente a maior parte do território. Esses fundos territoriais são espaços constituídos por “áreas ainda não devassadas pelo colonizador, de conhecimento incerto e, muitas vezes, apenas genericamente assinalado na cartografia da época” (MORAES, 2008, p.69). O autor aponta que os fundos territoriais são áreas de sertões e fronteiras, de domínio “natural”. Eram considerados verdadeiros estoques de apropriação futura, colaboradores da expansão colonial. Esses espaços representam a maior extensão dos espaços coloniais, onde houve pouca ou nenhuma intervenção do Estado. Até aqui você deve ter percebido que buscamos (des)construir noções sobre a organização espacial da América a partir da análise do caso brasileiro apresentado por Moraes (2008). Embora neste debate sejam utilizados termos que podem parecer “técnicos” e de difícil compreensão, vale dizer que eles nos ajudam a pensar espacialmente as formas de colonização sob diferentes perspectivas. De certo modo, ao mobilizarmos essa linguagem conceitual, buscamos articular os conteúdos debatidos neste tópico com aqueles apresentados nos tópicos anteriores desta aula. Conclusão Podemos perceber, através dessa aula, que a colonização foi um processo complexo, amplo e multifacetado bem diferente do que normalmente é descrito nos manuais didáticos. Pois bem, chegamos ao fim desta discussão e, na tentativa te auxiliar a consolidar o entendimento sobre o colonialismo e suas bases na América, esboçamos três noções centrais que concluem, a princípio, nossos estudos. i) A construção da América Latina, parte a princípio do próprio nome, que demonstra interesses geopolíticos de dominação dessa região. Ao mesmo tempo, demonstra a exclusão de negros, e principalmente indígenas, que tem suas formas de denominação negadas pela narrativa histórica colonial. ii) O sistema colonial, implicou ele mesmo na formação de um padrão de poder mundial, gerando a acumulação primitiva do capital, e estabelecendo desigualdades estruturais entre os países europeus e latino americanos; iii) As formas de controle do trabalho, resultaram em uma diáspora negra por todo o mundo. Tais formas influenciaram a apropriação e ocupação da América a partir de agressivas investidas coloniais, que dizimou e subalternizou os povos colonizados, seus modos de ser e conhecer. A apreensão destas noções nos encaminha para um debate sobre descolonização e descolonialidade. Nesse caminho, como identifica Mignolo (2003), precisamos entender que a descolonização não é um mero projeto de libertação das colônias, para a formação de Estados-Nações, ela envolve também um processo epistêmico, de socialização dos saberes e conhecimentos. Assim, para trabalharmos com a ideia de descolonialidade no campo geográfico, precisamos entender a lógica com que a colonialidade reproduz sua matriz de poder espacialmente, e fissurar padrões totalitários e subjetivos do pensamento ocidental, que historicamente construiu uma base de representatividade sobre outras regiões. Atividade Final – atende ao objetivo 4 Escolha um país da América Latina e faça uma pesquisa buscando entender como ocorreu seu processo de colonização. Para esta tarefa identifique aspectos como i) qual foi o regime de trabalho estabelecido pela colônia; ii) quais foram os principais produtos extraídos; iii) quais grupos ocupavam aquela região, e; iv) qual a relação atual do colonizador com a antiga colônia. Diagramação, favor deixar 10 linhas para a resposta Resposta comentada. Essa resposta vai variar conforme a escolha dos estudantes, porém vale ressaltar, que o objetivo é entender como a colonização ocorreu em casos concretos. Se pensar no próprio Brasil, o estudante pode identificar que o regime de escravidão da população negra foi adotado de modo majoritário. Por essa, razão esta região teve a maior entrada de africanos escravizados durante o período colonial. Ademais, o pais passou por diferentes ciclos, desde o açúcar, até a mineração, as “drogas” do sertão, e o café. É preciso citar ainda, os muitos grupos indígenas que ocupavam o território, destacando os povos que falavam tupi-guarani. Resumo A aula teve como objetivo apresentar aspectos gerais para entender o processo de colonização na América Latina. Para isso, fizemos um percurso que discutiu desde a nomeação até as formas de organização e ocupação territorial. Quanto ao primeiro aspecto, observamos que a denominação América Latina foi demarcada por interesses geopolíticos para gerar distinção entre as potências francesas e inglesas, mas que ao final, resultou em uma apropriação por parte da elite intelectual que vivia na América. Dessa forma, o nome AméricaLatina é uma apropriação e ressignificação do termo Latinidade. No segundo tópico foi desenvolvido um debate sobre as formas de dominação no processo de colonização. Destacamos o “mito difusionista no vazio” como modelo que legitimou a invasão e desterritorialização de diferentes grupos indígenas nesse território. No terceiro tópico, discutimos aspectos vinculados ao regime de controle de trabalho, bem como da colonialidade. Um destaque foi dado a dimensão da escravidão e a presença negra por todo continente. Associado a isto, discutimos elementos ligados ao genocídio e ao epistemicídio das populações colonizadas. Por fim, foram trabalhados aspectos vinculados a organização espacial, a partir de uma tipologia que aponta América como uma área que se constituiu pelos “fundos territoriais”, ou seja, áreas onde não existia o efetivo domínio da coroa portuguesa e espanhola. Bibliografia COSTA. Priscila Borba da. O Destino Manifesto do Povo Estadunidense: Uma Análise dos Elementos Delineadores do Sentimento Religioso Voltado à Expansão Territorial. Anais do Congresso Internacional de História, 2011, p. 2267- 2276. FANON, Frantz. 1968. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América latina. Tradução: Sérgio Faraco São Paulo: L&PM, 2010. MIGNOLO, Walter D. 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