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Fichamento: NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. INTRODUÇÃO (p. 7-12) Ao final da introdução, Marcos Nobre apresenta o objeto de seu livro: “a “ideia” de Teoria Crítica” (NOBRE, p. 12). Para tanto, ele inicia sua apresentação relacionando Teoria e Prática. Teoria significa “uma hipótese ou um conjunto de argumentos adequados para explicar ou compreender um determinado fenômeno ou uma determinada conexão de fenômenos” (NOBRE, p. 7). A função da teoria é mostrar as coisas como são e sua validez depende da confirmação de suas previsões e dos prognósticos por ela produzidos. Tomada assim, a teoria se opõe à prática em dois sentidos. Entendida como “aplicação da teoria”, observa-se que a transposição da teoria à prática demanda a superação de uma distância entre ambas, visto que há uma diferença entre a descrição das coisas (teoria) e a instrumentalização de tal descrição (prática). Há, no entanto, outro sentido de prática, a saber, “um conjunto de ideais que orientam a ação, de princípios segundo os quais se deve agir para moldar a própria vida e o mundo” (NOBRE, p. 8). Sob esse prisma, teoria e prática opõem-se como representações, respectivamente, de como as coisas são e como as coisas deveriam ser. Ou seja, teoria como descrição e prática como normatividade. No segundo caso, a distância entre teoria e prática não deve ser superada, pois ao tentar conciliar a teoria à prática ou a prática à teoria, anula-se uma delas. Uma teoria sobre “como as coisas devem ser” falha em cumprir o seu papel de mostrar como as coisas são. Por outro lado, afirmar que as coisas devem ser como são elimina a possibilidade da possibilidade das coisas, isto é, de que elas possam vir a ser algo diferente de si mesmas. No limite, conciliar teoria e prática implica abandonar “uma das duas dimensões fundamentais da vida humana” (NOBRE, p. 9), ou o conhecer, referente à teoria, ou o agir, referente à prática. A partir disso, Nobre problematiza a expressão “Teoria Crítica”. Sendo a crítica um atributo da prática, “incluir a crítica na teoria não significaria, portanto, abdicar da tarefa de apresentar “as coisas como são”, não significaria abandonar o conhecer em prol do agir simplesmente?” (NOBRE, p. 9). Em primeiro lugar, é tarefa da própria crítica questionar o sentido de “teoria” e “prática” e a separação entre estes. Segundo Nobre, o sentido fundamental de crítica é de que “não é possível mostrar “como as coisas são” senão a partir da perspectiva de “como deveriam ser”” (NOBRE, p. 9). Isso porque a Teoria Crítica reconhece que o elemento normativo é parte de como as coisas são, pois aquele encontra-se como potência nos existentes. E, no entanto, se as coisas ainda não são como deveriam ser, isto é, se as potencialidades dos existentes ainda não se desenvolveram, deve-se a elementos impeditivos que integram a realidade presente. Assim, é fundamental não somente que a crítica integre a normatividade à teoria, como também que apresente “um ponto de vista capaz de apontar e analisar os obstáculos a serem superados para que as potencialidades melhores presentes no existente possam se realizar” (NOBRE, p. 10). À tarefa da Teoria Crítica de apresentar os potenciais emancipatórios e os obstáculos à emancipação em um dado momento histórico denomina-se tendência. É a partir das tendências que são produzidos diagnósticos do tempo presente, os quais permitem também a 1 produção de prognósticos acerca dos obstáculos (sua natureza e desenvolvimento no tempo) e das ações cabíveis para superá-los. No contexto da Teoria Crítica, Teoria e Prática estão intimamente ligadas: “a prática é um momento da teoria, e os resultados das ações empreendidas a partir de prognósticos teóricos tornam-se, por sua vez, um novo material a ser elaborado pela teoria, que é, assim, também um momento necessário da prática” (NOBRE, p. 12). TEORIA CRÍTICA E ESCOLA DE FRANKFURT (p. 12-21) A primeira menção à expressão “Teoria Crítica” apareceu como conceito em “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” (1937) de Max Horkheimer e começou a se delinear enquanto tradição intelectual no contexto da criação do Instituto de Pesquisa Social, situado em Frankfurt. Desde o início, a Teoria Crítica tem como referencial o marxismo e seu método. A partir de 1930, Horkheimer assumiu a direção do Instituto que, sob sua supervisão, deu início a um trabalho coletivo interdisciplinar, o qual ficou conhecido como “materialismo interdisciplinar” (NOBRE, p. 15). Unidas, a referência à tradição marxista e o regime interdisciplinar entre especialistas de diferentes áreas, tais características encerraram o primeiro sentido da Teoria Crítica. Já a famosa expressão “Escola de Frankfurt” refere-se a um momento específico do Instituto, quando de seu retorno à Alemanha após um longo período de exílio em razão da ascenção do regime nazista. Segundo Nobre, “Escola de Frankfurt designa antes de mais nada uma forma da intervenção político-intelectual (mas não partidária) no debate público alemão do pós-guerra, tanto no âmbito acadêmico como no da esfera pública entendida mais amplamente” (NOBRE, p. 20). Enquanto a “Escola de Frankfurt” remete a um dado momento na Teoria Crítica, esta, por sua vez, abriga uma pluralidade de modelos críticos, um deles sendo da Escola em questão. A IDEIA DE UMA TEORIA CRÍTICA (p. 21-34) Para sua exposição, Marcos Nobre toma a “Teoria Crítica” em dois sentidos anteriormente citados: como (1) campo teórico e (2) grupo específico de intelectuais do Instituto de Pesquisa Social. O campo teórico da Teoria Crítica existe anteriormente a ela: é o campo do marxismo. A conceituação dos elementos que distinguem o marxismo de outras teorias coincide com a “Teoria Crítica em sentido amplo” (NOBRE, p. 22). Já a “Teoria Crítica em sentido restrito” refere-se à interpretação particular do pensamento marxiano e da utilização dos elementos teóricos para analisar o tempo presente. Assim, o retorno conjunto a Marx não significa a adesão dogmática aos seus princípios, mas a revisão constante do seu conjunto de problemas e perguntas. A matriz da Teoria Crítica: a análise do capitalismo por Karl Marx 2 Segundo Marx, o capitalismo é a forma histórica cuja organização social se dá em torno do mercado. O mercado é a instituição na qual se concentram as atividades de produção e reprodução da sociedade. Desde Marx, a tarefa primordial da Teoria Crítica é compreender a natureza do mercado capitalista. À diferença das formas históricas anteriores, é a lógica da troca mercantil que impera, de modo que valores e crenças ficam subordinados à ela. A unidade elementar da lógica da troca é a mercadoria. Como afirma Nobre, “dizer que o mercado é o centro em torno do qual se organiza o conjunto da sociedade capitalista significa então dizer que, potencialmente, todo e qualquer bem [...] deve poder assumir a forma de uma mercadoria” (NOBRE, p. 25-26). Nesse contexto, o trabalho humano - ou melhor, a força de trabalho - é tido como mercadoria. A força de trabalho refere-se às “capacidades físicas e mentais do homem de utilizar instrumentos e máquinas para produzir mercadorias” (NOBRE, p. 26). Isso revela uma separação estrutural entre o humano e os instrumentos de trabalho desenrolada a partir de um desenvolvimento histórico concernente à 1) o vertiginoso desenvolvimento tecnológico, 2) êxodo rural (processo do “cercamento” na Inglaterra) e 3) a consequente massa populacional excedente nos centros urbanos. A essa população cuja única alternativa é vender sua força de trabalho denomina-se proletários, enquanto aqueles que detém os meios de produção chamam-se capitalistas. Assim, a sociedade capitalista é dividida em duas classes. Marx ainda identifica no mercado um mecanismo de aprofundamento das desigualdades, uma vez que “a distribuição de bens segundo a divisão em classe tende a produzir um polo de intensa acumulação de riqueza e um outro polo de crescente pobreza" (NOBRE, p. 28). Isso decorre da propriedade privada do capitalista que, por meio da “mais-valia”, acumula lucro. Por outrolado, “a promessa de igualdade e liberdade está também de algum modo inscrita nessa forma de organização social” (NOBRE, p. 29). Ao mesmo tempo, o capitalismo configura o obstáculo e a condição para a efetiva realização da emancipação social. Ademais, “as análises de Marx conduzem ao prognóstico de que o capitalismo tende a essa destruição, tanto por sua própria lógica interna contraditória [...] como pela ação consciente do proletariado contra o poder do capital” (p. 29-30). Os princípios fundamentais da Teoria Crítica Primeiro princípio fundamental: A orientação para a emancipação “É a própria perspectiva da emancipação que torna possível a teoria [...]. Sem a perspectiva da emancipação, permanece-se no âmbito das ilusões reais criadas pela própria lógica interna da organização social capitalista. [...] É a orientação para a emancipação o que permite compreender a sociedade em seu conjunto, que permite pela primeira vez a constituição de uma teoria em sentido enfático. A orientação para a emancipação é o primeiro princípio fundamental da Teoria Crítica” (NOBRE, p. 32). Segundo princípio fundamental: O comportamento crítico “A orientação para a emancipação exige que a teoria seja expressão de um comportamento crítico relativamente ao conhecimento produzido sob condições sociais capitalistas e à 3 própria realidade social que esse conhecimento pretende apreender. Esse comportamento crítico é o segundo princípio fundamental da Teoria Crítica” (NOBRE, p. 33). “Os dois princípios mostram a possibilidade de a sociedade emancipada estar inscrita na forma atual de organização social como uma tendência real de desenvolvimento, cabendo à teoria o exame do existente não para descrevê-lo simplesmente, mas para identificar e analisar a cada vez os obstáculos e as potencialidades de emancipação presentes em cada momento histórico” (NOBRE, p. 33-34). A TEORIA CRÍTICA SEGUNDO MAX HORKHEIMER (p. 34-47) A concepção Tradicional de Teoria A concepção tradicional de teoria significa “um conjunto de princípios abstratos a partir dos quais se torna possível formular leis que explicam a conexão necessária dos fenômenos naturais segundo relações de causa e efeito” (NOBRE, p. 35). Uma teoria é confirmada ou não segundo a confirmação de suas previsões. Um problema que decorre de tal concepção de teoria é quando esse modelo é transposto das “ciências naturais” para as “ciências humanas”. Afirma Nobre que, “para isso, é necessário estabelecer um método científico (à maneira das ciências naturais) que impeça que o cientista social, consciente ou inconscientemente, dirija a investigação dos fenômenos sociais para uma mera confirmação de seus valores pessoais” (NOBRE, p. 36-37). Isso implica uma separação rígida entre o domínio do conhecimento e o domínio da ação, ou seja, entre teoria e prática. Além disso, a concepção tradicional de teoria fomenta o crescimento da especialização em diferentes áreas do conhecimento. A atitude crítica A teoria tradicional elimina a componente histórica que lhe é constitutiva. O comportamento crítico, em oposição à teoria tradicional, acrescenta ao conhecimento a “reflexão sobre o caráter histórico do conhecimento produzido” NOBRE, p. 39). Para Horkheimer, “o comportamento crítico pretende mostrar duas coisas simultaneamente. Por um lado, que a produção científica de extração tradicional é parcial [...]. Por outro lado, entretanto, que essa aparência à qual se limita a Teoria Tradicional é também aquela produzida pela própria lógica ilusória do capital” (NOBRE, p. 40). Isto é, a Teoria Tradicional falha em não reconhecer que a sua produção epistemológica é também produto de condições históricas e sociais, as quais, por não reconhecê-las, legitima e reproduz. As distinções rígidas próprias da Teoria Tradicional seriam reflexos de sua parcialidade. Diante disso, “é a perspectiva da emancipação, da instauração de uma sociedade reconciliada, que ilumina a presente situação de não emancipação e permite à Teoria Crítica compreender o real sentido das cisões não justificadas da Teoria Tradicional” (NOBRE, p. 41). O materialismo interdisciplinar 4 “Horkheimer pretende encontrar um sentido positivo para o movimento em direção à crescente especialização, a fim de orientá-lo no sentido crítico. Para tanto, lançou as bases do já mencionado materialismo interdisciplinar, em que pesquisadores trabalhando em diferentes áreas do conhecimento têm como horizonte comum a teoria de Marx” (NOBRE, p. 43). Diagnóstico do tempo presente Caracterizado por três elementos fundamentais: 1) Passagem do capitalismo de uma fase concorrente a uma fase monopolista, marcado por intervenções profundas do Estado na economia. Tal constatação diverge do prognóstico de Marx segundo o qual uma intervenção estatal colapsaria a lógica de valorização do capital, exigindo assim uma reavaliação das relações entre Estado e capital; 2) Em contraposição à tendência ao empobrecimento crescente do proletariado identificada por Marx, Horkheimer observou uma diferenciação social em níveis e camadas no interior do proletariado; 3) A ascensão do nazismo e do fascismo, a qual “veio acompanhada de um extraordinário desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, da propaganda e da indústria do entretenimento - o que aumentou a eficácia do controle espiritual das massas” (NOBRE, p. 46). A partir de tais elementos, o diagnóstico de Horkheimer apontava para o bloqueio dos potenciais de emancipação da dominação capitalista. MODELOS DE TEORIA CRÍTICA (p. 47-58) O modelo da Dialética do Esclarecimento ● Publicado em 1947 por Max Horkheimer e Theodor Adorno. ● A economia política perde sua centralidade no arranjo interdisciplinar devido ao diagnóstico segundo o qual o desenvolvimento do capitalismo teria eliminado a tendência à igualdade e à liberdade. ● Denominada por Pollock “capitalismo de Estado” ou “capitalismo / mundo administrado” segundo Horkheimer e Adorno, essa nova fase do capitalismo “é um sistema que se fecha sobre si mesmo, que bloqueia estruturalmente qualquer possibilidade de superação virtuosa da injustiça vigente e paralisa, portanto, a ação genuinamente transformadora” (NOBRE, p. 50). ● O capitalismo passa a operar não mais segundo a autorregulação do mercado, mas politicamente, de modo burocrático. ● A racionalidade própria da burocracia é “instrumental”, i.e., aquela que calcula os melhores meios para determinados fins. “A racionalidade como um todo reduz-se a uma função de adaptação à realidade [visto que no capitalismo administrado os fins 5 são previamente dados, não debatidos e julgados], à produção do conformismo diante da dominação vigente” (NOBRE, p. 52). ● Para Horkheimer e Adorno, não há alternativa à tal sujeição, pois a hegemonia da racionalidade instrumental extingue a possibilidade de emancipação, eliminando assim a racionalidade própria da Teoria Crítica e resultando no bloqueio estrutural da prática. ● Em tais condições, o exercício crítico fundamenta-se sobre uma aporia. Por um lado, a razão instrumental é a única forma de racionalidade no capitalismo administrado. Por outro lado, é possível criticá-la, ainda que se trate de uma crítica precária. O modelo comunicativo de Jürgen Habermas ● Habermas critica o diagnóstico de Horkheimer e Adorno, pois a aporia assumida pelos autores coloca em risco o projeto crítico, e propõe outro diagnóstico do tempo presente. ● O filósofo parte da ideia do capitalismo de Estado e conclui que as tendências do colapso interno e organização do proletariado contra o capitalismo, segundo a teoria marxista, foram neutralizadas. Diante disso, Habermas sugere repensar a ideia de emancipação da sociedade. Pois, se o paradigma da Teoria Crítica colocou em risco a possibilidade da crítica e da emancipação, é preciso encontrar outro paradigma explicativo. ● Habermas dissolve a hegemonia da racionalidade instrumental diagnosticada por Horkheimer e Adorno ao formular uma “teoria da racionalidade de dupla face, em que a instrumental convive com um outrotipo de racionalidade que ele denomina “comunicativa”” (NOBRE, p. 55). ● Enquanto a razão instrumental possibilita a produção material da sociedade, a racionalidade comunicativa, da ação orientada para o entendimento, possibilita a reprodução simbólica da sociedade. ● A orientação para o entendimento ao mesmo tempo que projeta condições ideais de comunicação (em que não há assimetrias de ordem material e/ou psicológicas entre os sujeitos), configura condições de comunicações reais no mundo: “ao orientar sua ação para o entendimento, os sujeitos antecipam necessariamente tais condições ideais, pois sem elas não seria possível uma ação comunicativa; simultaneamente, entretanto, tais condições necessárias não são cumpridas, o que permite, por sua vez, que seja detectadas todas as distorções da comunicação - aqueles obstáculos que impedem a cada vez a plena realização de uma ação comunicativa” (NOBRE, p. 57). ● Na teoria habermasiana, a emancipação perde o caráter revolucionário e busca potenciais nos mecanismos de participação do Estado democrático de direito. 6
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