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A telemedicina e a medicina de emergência Clara Carvalho Danilo Dias De Francesco Julio Flávio Meirelles Marchini PONTOS IMPORTANTES � A telemedicina no departamento de emergência inclui a consulta entre mé- dicos a distância, a avaliação de imagens e até a consulta de pacientes com seus médicos a distância. � As evidências de segurança e efetividade são pequenas. � As potenciais vantagens econômicas envolvidas trazem o assunto à tona. INTRODUÇÃO Os avanços da informática e das telecomunicações têm impactado de maneira cada vez mais signifi- cativa a área da saúde. Nesse contexto, surge a telemedicina, termo para descrever o uso de tec- nologia a fim de promover o cuidado à saúde a distância. Trata-se de comunicação bidirecional de informações ou dados de áudio e vídeo entre dois ou mais pontos usando tecnologia eletrônica para fins de assistência médica. Por um lado, a telemedicina reduz custos, am- plia o acesso à saúde e traz comodidade ao pacien- te; por outro lado, não permite acesso direto ao paciente e existem dúvidas quanto à sua segurança. Ferramentas tecnológicas vêm sendo desenvol- vidas com o intuito de ultrapassar a barreira do contato presencial com o médico. Essas ferramen- tas podem até permitir um exame físico indireto mesmo a distância. No entanto, não substitui o exame físico realizado pelo médico. A teleconsulta pode entrar como parte do atendimento e em algum momento a consulta presencial é recomendada. LEGISLAÇÃO A primeira definição da telemedicina veio em 2002 na curta Resolução n. 1.643 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Esta foi atualizada em 2019 com a controversa Resolução n. 2.227, que autori- zava e regulava a prática. Uma discussão intensa no meio médico levou à sua simples revogação no mês seguinte – Resolução n. 2.228. O que não se espe- rava era a situação criada pelo coronavírus. No dia 11 de março de 2020, a OMS declarou situação de pandemia em virtude da COVID-19. A Lei n. 13.989 de 2020 autorizou a telemedicina durante a pande- mia. O Ministério da Saúde publicou a Portaria n. 467 esclarecendo a prática, autorizando a emissão de receitas e atestados médicos a distância median- te assinatura eletrônica ou meio equivalente. CONCEITOS Teleconsulta Atendimento médico ao paciente a distância ba- seado principalmente na história, mas podendo ser complementado por exame físico realizado pelo próprio paciente por meio de dispositivos. Teleinterconsulta É a troca de informações e opiniões entre médicos, com ou sem a presença do paciente, para auxílio diagnóstico ou terapêutico, clínico ou cirúrgico. A 2 MEDICINA DE EMERGÊNCIA: ABORDAGEM PRÁTICA responsabilidade profissional do atendimento cabe ao médico assistente do paciente. Os demais médi- cos envolvidos responderão solidariamente na pro- porção em que contribuírem para eventual dano. Teletriagem A teletriagem médica é o ato realizado por um mé- dico com avaliação dos sintomas, a distância, para definição e direcionamento do paciente ao tipo adequado de assistência que necessita ou a um es- pecialista. Não se trata de um diagnóstico médico. Na teletriagem o estabelecimento de saúde deve oferecer e garantir todo o sistema de regulação para encaminhamento dos pacientes, mas também triar pacientes de baixa complexidade que podem ser tratados a distância sem necessidade de sair de casa, expondo-se aos riscos da pandemia. Nos casos mais simples, toda a interação com o médico pode ser realizada na teletriagem. Telerradiologia A telerradiologia é o exercício da Medicina a dis- tância que utiliza as tecnologias de informação e de comunicação para a recepção e o envio de dados e imagens radiológicas com o propósito de emissão de relatório, como suporte às atividades desenvol- vidas localmente. Telemonitoramento O telemonitoramento é o ato realizado sob orien- tação e supervisão médica para monitoramento ou vigilância a distância de parâmetros de saúde e/ou doença, por meio de aquisição direta de imagens, sinais e dados de equipamentos e/ou dispositivos agregados ou implantáveis nos pacientes em regime de internação clínica ou domiciliar, em comunida- de terapêutica, em instituição de longa permanên- cia de idosos ou no translado de paciente até sua chegada ao estabelecimento de saúde. O dispositivo Kardia – AliveCor® (dispositivo acoplado ao celular para monitoramento cardíaco em pacientes com fibrilação atrial, já aprovado pelo Food and Drug Administration [FDA], que envia em tempo real para seu cardiologista uma derivação DII longo caso o paciente apresente sintomas como palpitações, evidenciando, por exemplo, a presença de fibrilação atrial [FA] de alta resposta); biossensores para monitorização cardíaca e oximetria desenvolvidos pela Univer- sidade de Illinois mostram o quão perto estamos dessa realidade. Outro dispositivo mais presente é o Apple Watch®. O dispositivo ainda não tem habilitada a função eletrocardiograma (ECG) no Brasil, mas nos Estados Unidos o dispositivo reuniu 419.297 voluntários. Em 8 meses de monitoramento foram detectados 2.161 eventos de pulso irregular. Dos 450 pacientes que enviaram dados analisáveis, o valor preditivo positivo foi de 84% (IC 95% de 0,75 a 0,92) para FA. Outras aplicações da telemedicina como ferra- menta de isolamento respiratório e distanciamen- to social. É uma política que pode ser usada para profissionais em idade de risco ou com comorbi- dades. � Supervisão de residentes: discussão de casos e manejo de pacientes. Supervisão de procedi- mentos de baixo risco. � Área de isolamento respiratório: avaliação ini- cial do paciente, acometimentos leves, acome- timento em profissional de saúde, reavaliação de pacientes e orientação de alta. APLICAÇÕES E EVIDÊNCIAS NO DEPARTAMENTO DE EMERGÊNCIA Existem três aplicações na emergência: 1. Teleconsultas: entre médico e paciente. 2. Teleinterconsultas: entre médicos. 3. Telerradiologia: diagnóstico de exames a dis- tância. Porém, cabe ressaltar que todos os serviços prestados por meio da telemedicina devem obede- cer às normas técnicas do CFM pertinentes a guar- da, manuseio, transmissão de dados, confidencia- lidade, privacidade e garantia do sigilo profissional. Teleconsultas O uso da telemedicina está aumentando rapida- mente nos departamentos de emergência (DE) nos Estados Unidos. Em 2019, estima-se que tenham ocorrido 1,4 bilhão de visitas em DE nos Estados Unidos. Essa demanda gera como consequência aglomeração e tempos de espera cada vez maiores, podendo resultar em efeitos adversos associados A TELEMEDICINA E A MEDICINA DE EMERGÊNCIA 3 aos desfechos dos pacientes. Dentro desse contex- to, um dos benefícios da teleconsulta poderia ser uma alternativa à ida ao DE, desafogando os servi- ços ou até mesmo otimizando o atendimento em relação ao tempo e desfecho para o paciente. Nesse contexto, ferramentas como telemonitoramento e teletriagem são métodos de interação médico-pa- ciente que são usados para esse fim e cada vez mais estudados na atualidade. Uma revisão da Cochrane em 2000 e atualizada em 2015 analisou 93 estudos. Alguns deles ofereceram teleconsultas e telemonitoramento como comple- mentação (30 dos estudos), como uma alternativa (53) ou substituíram parcialmente (10) os cuidados presenciais. É importante ressaltar que 55 dos estudos abordavam o uso de telemonitoramento e 38 deles tinham a teleconsulta como objeto de estudo. Essa revisão mostrou que o uso da telemedicina (majori- tariamente realizada por telefone) no tratamento da insuficiência cardíaca parece levar a resultados se- melhantes aos da assistência presencial, sem diferen- ça em mortalidade geral em 6 meses (16 estudos; N = 5.239; RR 0,89, IC 95% 0,76-1,03, P = 0,12), bem como possível redução em admissões hospitalares e melhora na qualidade de vida. Todos os desfechos citados foram caracterizados como nível de evidên- cia alta ou moderada pelo estudo. Há também evi- dências de que videoconferência e telemonitoramen-to podem melhorar o controle de glicemia em pacientes com diabetes (16 estudos; N = 2.768, RR 0,31, IC 95% 0,37-0,24; P < 0,00001). Além disso, sete estudos dentre todos os elegíveis pela revisão recrutaram participantes com diferentes problemas de saúde mental e em tratamento devido a abuso de substâncias. Não foram evidenciadas diferenças no efeito da terapia por videoconferência, em compa- ração com o atendimento presencial. O impacto econômico e a dificuldade de implementação dessa tecnologia nos serviços de saúde não foram passíveis de análise, devido à heterogeneidade dos estudos. A teleconsulta, também como benefício teóri- co, promove comodidade ao atendimento do pa- ciente, que não precisa se deslocar. Pela prevalência das queixas no DE, a grande maioria poderia ser resolvida apenas com orientações e, novamente, na constatação de suspeita de afecção grave, seria in- dicada a procura do setor de emergência mais pró- ximo. O questionamento principal é se a telemedi- cina pode se valer da tecnologia para permitir um exame físico eficaz, mesmo que rudimentar. Pode- mos citar o dispositivo Tyto®, que permite guiar a realização do exame físico por um leigo (p. ex., um acompanhante do paciente, ou em alguns casos, o próprio paciente). O dispositivo permite ausculta cardíaca e pulmonar, temperatura e visualizar oro- faringe e membrana timpânica. No entanto, esse dispositivo ou outros similares não foram estudados. Teleinterconsulta A teleinterconsulta já é bastante realizada em di- versos locais do mundo, como na Europa, no Reino Unido e na América do Norte. Por meio dessa tec- nologia, o emergencista tem acesso às outras espe- cialidades mesmo em locais remotos ou com pou- co movimento. A medicina de teleinterconsulta é uma interação entre um DE central e um DE remoto/rural para comunicação síncrona em tempo real, tipicamente envolvendo videoconferência. Um estudo multi- cêntrico publicado em 2015 analisou 21 hospitais por meio de uma base de dados integrada (Avera Health) e evidenciou que apenas 3,5% das consul- tas (1.512 de 43.200 atendimentos) usaram os ser- viços de teleinterconsulta na emergência para au- xílio. O serviço foi usado, mais comumente, para manejo de acidente vascular cerebral (AVC) (17%) e infarto agudo do miocárdio (IAM) (22%) no DE, bem como enfermidades psiquiátricas (6,3%), res- piratórias (4,2%) e controle sintomático (26,5%). Foi evidenciado que a utilização de teleinterconsul- ta se concentrou principalmente nos casos que resultaram em necessidade de transferência (54,2% × 1,1%, p < 0,0001) ou de admissão hospitalar (24% × 16,6%, p < 0,0001) no DE. Quanto aos atendi- mentos que resultaram em alta hospitalar, esse serviço foi pouco utilizado (18,4% × 81%, p < 0,0001). Mesmo não demonstrado objetivamente nesse estudo, é razoável avaliar o benefício em aten- dimentos mais complexos para o paciente, bem como uma possível economia em taxas de interna- ção que a teleinterconsulta pode proporcionar. Outro benefício documentado da teleintercon- sulta em zonas rurais é a economia quando compa- ramos os custos da implementação dessa tecnologia nos serviços versus capacidade de economia gerada por essa ferramenta. Um estudo retrospectivo rea- lizado por Natafgi em 2014 analisou 9.000 teleinter- consultas em 85 hospitais de zonas rurais. As tele- interconsultas foram responsáveis por evitar 1.175 4 MEDICINA DE EMERGÊNCIA: ABORDAGEM PRÁTICA transferências a outros serviços, demonstrando uma economia aproximada de US$ 1.739 para cada cus- to de transporte evitado. Quando incluídos os custos relacionados direta ou indiretamente aos pacientes (diária de internação estimada, equipamentos utili- zados de acordo com a enfermidade etc.) e subtraí- do o custo de implementação dos equipamentos de telemedicina nos serviços, a projeção foi de uma economia de US$ 3.823 por transporte evitado. Um estudo prospectivo unicêntrico publicado por Chen KC em 2016 randomizou 272 pacientes com IAM com supradesnivelamento de ST (IAMCSST) submetidos ao cateterismo cardíaco, 102 pacientes triados por tele-ECG e 170 pacientes de triagem convencional. No grupo de triagem de tele- -ECG em que hemodinamicistas de plantão recebiam ECG realizados no DE e interpretavam-nos imedia- tamente, foi evidenciada uma porcentagem maior de pacientes atingindo a meta de tempo porta-balão (< 90 minutos) (78% vs. 55%; p < 0,001). A taxa de MACCE (eventos cardíacos e cerebrovasculares ad- versos graves a longo prazo) foi significativamente menor no grupo de tele-ECG vs. o grupo-controle (23,5% vs. 38,2%, p = 0,012). O grupo de tele-ECG apresentou uma taxa de mortalidade mais baixa, porém não significativa (2% vs. 5,9%, p = 0,102). Apesar de novas evidências demonstrando seu benefício, sua utilização nos parece desafiadora em nossa realidade nacional, em especial a aceitação da classe médica em usufruir dessa ferramenta. Mais recentemente podemos ver uma menor resis- tência de sua aceitação em países que já estão mais familiarizados com essa tecnologia. Peltan, em 2019, analisou, por meio de um questionário on-line, a aceitabilidade e utilidade do uso de telemedicina no auxílio remoto em atendimento de paradas car- diorrespiratórias (PCR) intra-hospitalares. Dos 764 questionários analisados (24,9% médicos), a maio- ria foi mais propensa a receber auxílio remoto de um médico durante PCR ocorrido em enfermarias (83%, IC 95%: 77-88%) ou unidades de terapia in- tensiva (66%, IC 95%: 48-81%) do que PCR em DE (53%, IC 95%: 44-62%), uma vez que grande parte deles relatou que em DE a presença de equipe qua- lificada e a possibilidade de distração ou confusão durante a PCR poderiam ser um fator que atrapa- lharia o atendimento. Vale ressaltar que a maioria dos médicos que participaram (59% de 190 parti- cipantes) foi favorável à assistência de um colega durante a parada cardíaca e apenas 18% foram desfavoráveis à participação do médico remoto como assistente/auxiliador. Esse estudo mostrou que aproximadamente um terço (34%) dos profissionais de saúde, incluindo enfermeiros e médicos que atuam em equipes de atendimento à parada cardíaca, opôs-se a um au- xílio médico remoto em DE, mostrando que pouco a pouco os profissionais estão aceitando essa ideia. Possivelmente, em locais onde uma equipe capaci- tada no atendimento de parada cardíaca (um dos principais fatores de recusa à adesão dessa medida) não é uma realidade tão presente (zonas rurais, longe de grandes centros), a utilização desse servi- ço seria maior. Telerradiologia A telerradiologia consiste na análise de exame de imagem por um especialista a distância. Essa fer- ramenta vem apresentando relevância no contexto de emergência por conta de sua eficácia em redução de custos e rapidez na resolução das enfermidades diagnosticadas no DE desde 1970, com a publicação por Bird et al. comparando a visualização direta de radiografias de tórax com imagens transmitidas a uma distância de duas milhas por transmissão por micro-ondas. A grande limitação da análise a dis- tância era a limitação de largura de banda para transmissão de imagens de alta qualidade. No en- tanto, essa limitação é cada vez mais ultrapassada hoje em dia. Um estudo de 1992 em Dublin descreveu a análise de tomografia computadorizada (TC) de crânio por neurocirurgiões a distância. Das tomo- grafias de crânio analisadas remotamente por neu- rocirurgiões (147 pacientes), 51 (34,7%) pacientes foram transferidos como emergência, 14 (9,5%) foram transferidos no dia seguinte e 11 (7,5%) foram transferidos eletivamente. Setenta e um não foram transferidos devido a diagnóstico de: lesão axonal difusa (40%), AVC isquêmico (AVCI) (15%) e exa- mes normais (6%). Por outro lado, todos os 52 pacientes que foram encaminhados sem análise prévia das imagens foram transferidos como emer- gência para a unidade neurocirúrgica. Destes, 12 (23,1%) necessitaram de cirurgia de emergência, 17 (32,7%) retornaram ao hospitalde referência em 24 horas, 17 (32,7%) foram eletivamente operados e seis (11,5%) morreram. A diferença entre os dois grupos foi altamente significativa (p < 0,001). A TELEMEDICINA E A MEDICINA DE EMERGÊNCIA 5 Um publicação de 1997 em Hong Kong (estu- do unicêntrico, longitudinal de 116 pacientes, dos quais 66 receberam análise remota de tomografias de crânio por neurocirurgiões) mostrou redução em encaminhamentos desnecessários (14 pacientes, equivalente a 21%), mais medidas terapêuticas antes da transferência foram implementadas (27% vs. 20%, p = 0,41), eventos adversos durante a trans- ferência foram significativamente reduzidos (8% vs. 32%, p = 0,002) e tempo de transferência foi reduzido (72 min vs. 80 min, p = 0,38), além de redução de custo no atendimento do paciente. Ou- tro estudo prospectivo, unicêntrico, na Áustria em 1997 com 116 pacientes mostrou desfechos simi- lares e de redução de custo no atendimento do paciente. Nesse estudo, mostrou-se um custo de implementação de telerradiologia (aparelho de raio X) no local de aproximadamente US$ 490/ano, ao passo que cada paciente que necessitasse de trans- porte para um centro com profissional habilitado para laudar o exame custava aproximadamente US$ 370 se transportado em ambulância ou US$ 3.300 por helicóptero. Uma economia estimada em mais de 100x. Evidências atuais demonstram o benefício de um auxílio remoto em relação ao laudo em tempo real de exames de imagem, mais especificamente a TC de crânio. O estudo PHANTOM-S realizado em 2015 comparou o tratamento de pacientes com AVC em tempo hábil para trombólise entre ambu- lâncias convencionais e ambulâncias modificadas (STEMO – STroke Emergency MObile unit) equi- padas com TC, laboratórios point-of-care e neuro- logistas a bordo. Após a realização da TC, as imagens eram enviadas a um neurorradiologista que lauda- va imediatamente a imagem a distância. Esse estu- do mostrou um aumento das taxas de administra- ção de tPA EV (p < 0,001-29,0% × 21,1%) e reduziu o tempo em 25 min para administração EV de tPA em comparação ao transporte por uma ambulância convencional ao DE (IC 95%: 20-29; p < 0,001), além de uma redução estimada em US$ 50.000- 100.000/ano no gasto com DE. Tem-se estudado também a efetividade de ou- tra ferramenta radiológica na telemedicina: o ul- trassom. A telessonografia consiste no apoio de especialista, de maneira remota, para diagnósticos ultrassonográficos por meio de telecomunicações, visando ampliar o acesso ao ultrassom e melhorar diagnósticos principalmente em ambientes remotos. Em 2018, uma revisão sistemática publicada por Feiley et al. avaliou artigos publicados de 1946 a 2017, relacionando telessonografia na medicina de emergência, focando em evidências de viabili- dade, precisão diagnóstica e utilidade clínica. Foram identificados 4.388 artigos, e apenas 28 foram in- cluídos nessa revisão. Dentre esses estudos elegíveis, a grande maioria se caracterizava por estudos pilo- tos, questionários e séries de casos. Esse trabalho demonstrou que não houve uniformidade em re- lação a alguns requisitos essenciais para o método, como: qualidade da imagem, cobertura de internet e sistema operacional do aparelho, além de erros em sua metodologia. Dessa forma, os autores con- cluíram que, apesar dos diversos benefícios poten- ciais, a telessonografia é viável na medicina de emergência, mas ainda não há evidência suficiente para embasar sua implementação prática. São ne- cessários novos estudos antes que a telessonografia possa ser recomendada rotineiramente na medici- na de emergência. SITUAÇÃO ATUAL Está válida atualmente a Lei n. 13.989/2020 que autoriza a telemedicina apenas durante a crise oca- sionada pelo coronavírus. A Portaria n. 467 escla- rece a que a telemedicina contempla o atendimen- to pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico. O atendimento é feito diretamente entre médicos e pacientes, garan- tindo sigilo das informações. O atendimento deve ser registrado em prontuário médico. O artigo 5 autoriza emissão de atestado e receitas médicas em meio eletrônico mediante uso de assinatura eletrô- nica por meio de certificados e chaves emitidos pela infraestrutura de chaves públicas brasileiras (ICP- -Brasil). Existe um projeto de lei na câmara dos deputados (916/2020) que regulamentará a teleme- dicina de forma definitiva. O município de São Paulo em 28/10/2021 au- torizou a telemedicina de forma permanente com a Lei n. 17.718/2021. A lei de São Paulo enfatiza que a telemedicina deve ocorrer dentro da Lei Ge- ral de Proteção de Dados (LGPD). Esta lei contem- pla a prestação de serviços médicos utilizando tecnologias digitais, troca de informações e opiniões entre médicos (interconsulta), ato médico a distân- cia, triagem com avaliação dos sintomas e monito- ramento para vigilância a distância. 6 MEDICINA DE EMERGÊNCIA: ABORDAGEM PRÁTICA CONCLUSÃO A telemedicina chega como grande promessa para ampliar o acesso, chegar a locais remotos e reduzir custos, mas carece de evidências robustas de segu- rança. As dúvidas sobre a consulta sem exame físi- co direto e seu impacto na relação médico-pacien- te e na corresponsabilidade quanto às tomadas de conduta baseadas em orientações remotas são pontos importantes para discussão. O artigo 5º do Capítulo III do Código de Ética Médica impossibilita o médico de assumir respon- sabilidade por ato que não praticou ou participou. Existe alguma evidência de efetividade para o uso de telemedicina como uma ponte entre médicos de diferentes localidades, seja em uma interconsulta ou na telerradiologia. O uso da telemedicina na pandemia de CO- VID-19 avançou em muito a sua aceitação tanto por parte da população quanto dos médicos, e esse efei- to não se encerrará quando acabar a pandemia. Não é difícil imaginar que o seu uso será regulamentado fora da pandemia, como já está acontecendo com iniciativas locais como a da prefeitura de São Paulo. LITERATURA RECOMENDADA 1. Benger J. A review of telemedicine in accident and emergency: the story so far. J Accid Emerg Med. 2000;17:157-64. 2. Culmer N, Smith T, Stager C, Meyer H, Quick S, Grimm K. Evaluation of the triple aim of medicine in prehospital telemedicine: A systematic literature review. J Telemed Telecare. 2019:1357633X19853461. 3. Flodgren G, Rachas A, Farmer AJ, Inzitari M, Shepperd S. Interactive telemedicine: effects on professional prac- tice and health care outcomes. Cochrane Database Syst Rev. 2015:CD002098. 4. Hamm JM, Greene C, Sweeny M, Mohammadie S, Thompson LB, Wallace E, Schrading W. Telemedicine in the emergency department in the era of COVID-19: front-line experiences from 2 institutions. JACEP Open. 2020;1:1630-6. 5. Hicks LL, Boles KE, Hudson ST, Madsen RW, Kling B, Tracy J, et al. Using telemedicine to avoid transfer of rural emergency department patients. J Rural Health. 2001;17:220-8. 6. Kane-Gill SL, Rincon F. Expansion of telemedicine ser- vices: telepharmacy, telestroke, teledialysis, tele-emer- gency medicine. Crit Care Clin. 2019;35:519-33. 7. Tuckson RV, Edmunds M, Hodgkins ML. Telehealth. N Engl J Med. 2017;377:1585-92. 8. Ward MM, Jaana M, Natafgi N. Systematic review of telemedicine applications in emergency rooms. Int J Med Inform. 2015;84:601-16. Z FIGURA 1 Demonstração do uso da teleintercon- sulta e dos seus possíveis benefícios. AVC: acidente vascular cerebral. Outros, a critério do serviço Centro de saúde pequeno e/ou remoto Emergências protocoladas Discussão com especialista Implementação de condutas adequadas Tempo até a implementação Custos InfartoAVC Sepse
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