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Manual de Urgências em Pronto-Socorro - 7ª Edição - Capítulo 01 - Anestesia Local e Regional Fernando Nigri dos Santos Júnior Marco Túlio Baccarini Pires I. Introdução A anestesia local ou regional pode ser definida pela perda da sensibilidade em uma área circunscrita do corpo, devido à depressão da excitabilidade das terminações nervosas ou à inibição do processo de condução nos tecidos nervosos, sem perda da consciência. Este estado localizado de anestesia pode ser produzido por vários meios: trauma mecânico, baixa temperatura, anoxia e uma variedade de irritantes químicos. Geralmente, apenas as substâncias que levam a um estado de insensibilidade transitória e completamente reversível são utilizadas na prática clínica. A anestesia local ou regional é um método seguro e eficiente para ser empregado em nível ambulatorial ou hospitalar. Embora tenha surgido 40 anos após a anestesia geral, vem sendo cada vez mais divulgada, ganhando um número crescente de indicações pela simplicidade de aplicação do método. Permite maior rotatividade e economia no atendimento médico e cirúrgico, com o retorno do paciente às suas atividades habituais após um breve período de reabilitação pós-anestésica. Quando bem empregada, a anestesia local ou regional habitualmente não induz efeitos colaterais com repercussões indesejáveis. Na anestesia local, comumente realizada na medicina, a interrupção dos impulsos nervosos se dá através de um bloqueio à condução feito por meio de interferência no processo de origem do potencial de ação, havendo um aumento transitório da permeabilidade por íons sódio. Este bloqueio parece ser conseqüência de uma competição do anestésico com o cálcio no mesmo receptor que controla a permeabilidade da membrana, sendo a solução anestésica absorvida pela camada lipídica do nervo, impedindo, assim, a despolarização das fibras. II. Anestésicos locais Os anestésicos locais são medicamentos que bloqueiam a condução nervosa quando aplicados localmente, em tecido nervoso, na concentração apropriada. Podem causar tanto paralisia motora como sensitiva da área inervada e apresentam ação totalmente reversível, isto é, há recuperação completa da função nervosa após o emprego, sem que se evidencie qualquer dano estrutural às células ou às fibras nervosas. As drogas de utilidade clínica, atualmente disponíveis, situam-se, basicamente, em duas categorias químicas: (a) agentes com uma ligação éster entre o terminal aromático da molécula e a cadeia intermediária (tipo procaína) e (b) agentes com uma ligação amida entre o terminal aromático e a cadeia intermediária (tipo lidocaína). A duração da anestesia local pode ser alterada por fatores como a dose da droga e a adição de substâncias vasoconstritoras. Dependendo do local de administração, os agentes vasoconstritores podem aumentar acentuadamente a freqüência de bloqueios nervosos bem- sucedidos e prolongar o tempo de ação dos agentes anestésicos. O mecanismo está relacionado à vasoconstrição regional na área de administração, o que resulta em absorção sistêmica diminuída do composto anestésico, de maneira que exista mais droga disponível para difusão no tecido nervoso. A adrenalina, na concentração de 1:200.000, é o agente comumente adicionado. Os anestésicos locais impedem, ao mesmo tempo, a origem e a condução do impulso nervoso. Normalmente, as pequenas fibras nervosas são mais susceptíveis à ação dos anestésicos por não serem revestidas de mielina, sofrendo bloqueio mais rápido e por maior período de tempo. A ação dos anestésicos locais se faz sentir na seguinte ordem: bloqueio da sensação dolorosa, seguido do bloqueio da sensação térmica, e, finalmente, do bloqueio da sensibilidade tátil e de pressão profunda. O efeito tóxico dos anestésicos locais se manifesta, principalmente, sobre o SNC e o sistema cardiovascular. Ele está em íntima relação com a dose administrada e com a rapidez da absorção pelos tecidos. A lidocaína tem uma capacidade de penetração muito alta e pode produzir, com mais facilidade, complicações nervosas centrais, sendo a sonolência o efeito colateral mais observado com o uso desta droga. As doses máximas recomendadas para a lidocaína (Xylocaína®) em adultos com peso aproximado de 70kg são de 200mg sem vasoconstritor e de 500mg com adrenalina associada. As convulsões e os colapsos cardiovasculares e respiratórios são as complicações mais temíveis com o uso de anestésicos locais, sendo imperioso o tratamento imediato, como se segue: prevenção de hipoxia cerebral com oxigenoterapia; combate à convulsão com dose venosa de barbitúrico de ação rápida ou diazepínico (Tiopental 25mg ou Diazepam 10mg EV); controle da hipotensão com administração de líquidos e drogas vasopressoras. O acréscimo de um vasoconstritor à solução anestésica local está contra-indicado: (a) na presença de hipertensão ou doença cardíaca; (b) em pacientes excessivamente nervosos; (c) em cirurgias realizadas nas extremidades, particularmente quando o paciente apresenta doença vascular periférica; (d) em obstetrícia; e (e) em combinação com a anestesia geral. III. Tipos de anestesia local Dependendo da intervenção proposta e do local, podem ser empregadas diferentes técnicas para a obtenção da analgesia, de modo a se conseguirem condições adequadas ao tratamento cirúrgico, sem sofrimento do paciente e mantendo-o sem perda de consciência. A. Anestesia tópica. É aquela com a qual se obtém a eliminação da dor por contato direto do agente anestésico sobre a pele, as mucosas ou cavidades, com a utilização de gotejamento, nebulização, deposição ou instilação da droga. A emulsão óleo/água de lidocaína e prilocaína na proporção de 1:1 (EMLA®) é o mais recente avanço na área de anestesia tópica, proporcionando anestesia da pele íntegra. A medicação é aplicada sobre a pele e ocluída com uma bandagem por, pelo menos, 1 hora antes do procedimento cirúrgico, levando à anestesia da área por, aproximadamente, 60 minutos. Efeitos adversos, como reação alérgica local, têm sido relatados em crianças com menos de 10 anos de idade. B. Anestesia por infiltração. É o método de anestesia mais comumente utilizado. O tecido a ser operado é infiltrado com o líquido anestésico, que atua diretamente sobre as terminações nervosas. C. Bloqueio de campo. Neste tipo de anestesia local a injeção do anestésico é aplicada ao redor do tecido a ser operado. É empregado para exérese de tumores da pele e do tecido subcutâneo, drenagem de coleções líquidas, remoção de corpos estranhos, tratamento de feridas traumáticas, desbridamento de feridas infectadas etc. D. Anestesia de condução ou regional. É obtida pela injeção do agente anestésico junto aos troncos nervosos, a distância do local a ser operado, acometendo ou não a capacidade motora. Pode ser troncular, quando bloqueia troncos nervosos; peridural e caudal, quando bloqueia as raízes nervosas no espaço extradural; e raquianestesia, bloqueando as raízes nervosas no espaço subdural. E. Anestesia regional endovenosa — Bier. Neste tipo de anestesia a droga é introduzida em uma veia do membro escapular ou pélvico na dose de 2-3mg/kg de peso, enquanto a circulação deste é interrompida por meio de um manguito. Permite a realização de atos cirúrgicos de curta duração em pacientes tranqüilos ou que possam ser previamente sedados por drogas pré-anestésicas. O efeito anestésico desaparece em torno de 5 minutos após a desinsuflação do manguito, que deve ser lenta e não antes de decorridos 15 minutos da injeção da droga. Ver quadro 1.1 IV. Técnicas anestésicas especiais A. Bloqueio dos ramos do nervo maxilar superior. O nervo maxilar superior origina-se do gânglio trigeminal, atravessa o forâmen redondo e penetra a fossa pterigopalatina. A seguir, como nervo infra-orbitário, ganha a órbita através da fissura orbitária inferior para terminar na face. Em seu trajeto, emite os seguintes ramos: meníngico, pterigopalatino, alveolares superiores-posteriores,zigomático e infra-orbitário, que é a sua própria continuação. Na face, este último emite os seguintes ramos: palpebral inferior (conjuntiva e pele da pálpebra inferior), labial superior (mucosa da boca e cútis do lábio), nasal (cútis do nariz) e ramos alveolar superior-médio e superior-anterior (parte pré-molar do plexo dental superior e ramos paracaninos e incisivos, respectivamente). Este último supre também o assoalho do nariz (Fig. 1- 1). Fig. 1-1. Bloqueio dos ramos do nervo maxilar superior e áreas de anestesia. O bloqueio do nervo infra-orbitário pode ser obtido pelas vias intra e extra-orais. Na primeira, palpa-se, com o dedo médio da mão esquerda, a porção média da borda inferior da órbita e, 1cm abaixo deste ponto, o pedículo vasculonervoso que emerge do forâmen infra-orbitário. O dedo médio é, então, mantido nesta posição, enquanto o polegar e o indicador levantam o lábio superior. Com a mão direita introduz-se, então, uma agulha na prega superior do vestíbulo oral, dirigindo-a até o ponto onde se encontra o dedo médio, e injetam-se 3-4ml de lidocaína a 2%. Na técnica extra-oral, a agulha é introduzida, percutaneamente, no nível do forâmen infra- orbitário até o surgimento de parestesia, que denota a proximidade da agulha com o nervo, quando, então, o anestésico é infiltrado em concentração e volume iguais aos da técnica anterior. Os nervos alveolares superiores-posteriores inervam as bochechas, o seio maxilar, as gengivas e os dentes molares e pré-molares, participando do plexo dental superior. Podem ser bloqueados, por via intra-oral, introduzindo-se a agulha através da crista infrazigomática e imediatamente distal ao segundo molar. Em seguida, a agulha é aprofundada por 2-3cm até o tubérculo maxilar, fazendo-se com que ela descreva uma curva de concavidade superior, à medida que se injetam 3ml do anestésico. B. Bloqueio do nervo mandibular. Este nervo é bloqueado para a realização de cirurgias no maxilar inferior, incluindo os dentes, as gengivas, a mandíbula, o lábio inferior e os dois terços anteriores da língua. Localiza-se a arcada zigomática e palpa-se a chanfradura mandibular entre a apófise coronóide e o côndilo mandibular, exercendo-se pressão delicada com o dedo indicador, exatamente adiante da articulação temporomandibular, enquanto o paciente abre e fecha a boca. Faz-se, então, um botão cutâneo na porção média da chanfradura mandibular, usando-se solução de lidocaína a 2%, e introduz-se uma agulha mais longa na direção do nervo até o paciente perceber parestesia (4-5cm após a penetração na pele). Neste ponto injetam-se 5-10ml de solução anestésica (Fig. 1-2). Fig. 1-2. Bloqueio do nervo mandibular e áreas de anestesia. C. Bloqueio do nervo mentoniano. Inerva a pele e a mucosa do lábio inferior e a pele da mandíbula, saindo do forâmen do mesmo nome. Seu bloqueio é indicado para intervenções no lábio inferior e na mucosa gengival. Na técnica intra-oral, palpa-se o pedículo vasculonervoso ao nível do forâmen mentoniano, que está situado na prega inferior e atrás do primeiro pré- molar, e introduz-se uma agulha até as proximidades do pedículo. Mantendo-se o dedo indicador na posição citada, para servir como ponto de referência, injetam-se cerca de 2ml de lidocaína a 2%. Na técnica extra-oral, palpa-se o pedículo vasculonervoso, na saída do forâmen mentoniano, através da pele, e injeta-se o anestésico em suas proximidades (Fig. 1-3). Fig. 1-3. Bloqueio do nervo mentoniano e áreas de anestesia. D. Bloqueio auricular. Para intervenção no pavilhão auricular, faz-se a anti-sepsia de toda a região retroauricular próxima ao sulco auricular posterior. A seguir, com uma agulha hipodérmica (tipo insulina), fazem-se botões anestésicos com 0,5-1,0ml de lidocaína a 1% em toda a extensão do sulco, com intervalos de 1,5-2,0cm entre os botões anestésicos. Cerca de 3 minutos após a infiltração do anestésico, todo o pavilhão estará anestesiado por, aproximadamente, 1 hora (Fig. 1-4). Fig. 1-4. Bloqueio auricular. E. Anestesia tópica na paracentese do tímpano. Duas ou três doses padronizadas (10mg) de aerossol (spray) de lidocaína são aplicadas à parede posterior do conduto auditivo externo e deixadas correr para o tímpano. Repete-se o procedimento 2 minutos após, e a incisão sobre a membrana timpânica pode ser feita 3 minutos mais tarde. F. Anestesia em lesões do couro cabeludo. As lesões do couro cabeludo podem ser classificadas em três grupos: (a) lesões cujo tratamento cirúrgico consiste na sutura; (b) lesões cujo tratamento cirúrgico consiste em incisão e drenagens; e (c) lesões cujo tratamento cirúrgico exige o desbridamento como início do procedimento ou escalpes muito extensos. Este último deve ser tratado no centro cirúrgico sob anestesia geral. Para as lesões passíveis de sutura em ambulatório, a anestesia de escolha será a infiltração local ou o bloqueio de campo (dependendo do tipo e da extensão da lesão). Ao se realizar a infiltração, a agulha deve ser de calibre 25 × 7 e estar posicionada sobre a gálea, no tecido celular subcutâneo, local onde se encontram a inervação e a irrigação do couro cabeludo e onde o anestésico pode ser injetado com menor resistência. Para as lesões que requerem incisão e drenagem, procede-se, apenas e sempre, à infiltração local no ponto a ser incisado, sendo que em nenhuma hipótese se deve utilizar bloqueio de campo ou infiltrar a base das lesões das quais o tratamento consista em drenagem. Em todos os tipos de lesões do couro cabeludo, recomenda-se o uso de solução anestésica a 1,0% com ou sem adrenalina, pois, com menores concentrações, podem ser usados volumes maiores, se necessários (Fig. 1-5). Fig. 1-5. Técnica de infiltração anestésica em ferida do couro cabeludo. G. Bloqueio dos nervos intercostais. As punções pleurais podem ser feitas após infiltrações locais, em todos os planos, a partir de um botão anestésico de pele. Entretanto, para se obter a anestesia de uma área da parede torácica, é necessária a infiltração intercostal. Palpa-se a borda inferior da costela e, após a realização de um botão anestésico, introduz-se uma agulha até que ocorra o contato com a mesma. Neste ponto é feita a injeção de, aproximadamente, 5ml de solução anestésica. Infiltram-se tantos espaços intercostais quantos forem necessários para bloquear a área a ser tratada. A aspiração prévia do êmbolo da seringa é obrigatória devido ao perigo da injeção intravascular. Quando o objetivo for o de tratar lesões situadas na parede lateral do tórax, os bloqueios intercostais deverão ser feitos o mais próximo possível da coluna vertebral. Durante a injeção do anestésico é necessário assegurar-se de que a extremidade distal da agulha não esteja na cavidade pleural. Atualmente existem cirurgiões que empregam este tipo de bloqueio para executar procedimentos cirúrgicos de grande porte, como mastectomias, em pacientes que não podem submeter-se a anestesia geral. H. Bloqueio do plexo braquial. Existem duas vias para este tipo de bloqueio: a supraclavicular e a axilar. Esta última, apesar de não produzir anestesia total do membro, não é susceptível de indução de pneumotórax como a primeira. A via supraclavicular pode ser utilizada em cirurgias em todo o membro superior, e suas indicações são múltiplas, sendo as mais importantes as drenagens de coleções purulentas ao longo do membro, as reduções de fraturas e a reparação de lesões extensas ao longo do braço. A técnica consiste em injetar aproximadamente 10ml de bupivacaína a 0,5 ou 1,0%, associada a vasoconstritor, na região supraclavicular, onde a artéria e a veia subclávia, juntamente com o plexo braquial, cruzam a primeira costela sob a clavícula. O paciente é colocado na posição de decúbito dorsal com hiperextensão cervical e rotação do pescoço para o lado oposto. A punção é feita com agulha de aproximadamente 5cm, após a realização de um botão anestésico acima da metade da clavícula. Aagulha é introduzida em ângulo de 80º com a pele, de fora para dentro e de cima para baixo, delicadamente, até atingir a primeira costela. Ao contato da agulha com o plexo, o paciente relata parestesia (dormência e formigamento em qualquer parte do membro), e neste ponto deve-se injetar a solução anestésica. A punção inadvertida da cúpula pleural pode levar o paciente a queixar-se de dor torácica com tosse. A possibilidade da punção arterial ou venosa nesta técnica é freqüente, devido à proximidade destes elementos com o plexo braquial. Portanto, nesta região, é inadmissível a injeção do anestésico sem prévia aspiração, para se certificar de que os vasos não foram puncionados (Fig. 1-6). Fig. 1-6. Bloqueio do plexo braquial e áreas de anestesia. I. Bloqueio dos nervos periféricos do membro superior. As lesões do membro superior podem ser classificadas didaticamente em lesões da mão (digitais, palmares e dorsais), do antebraço e do braço. As lesões digitais que recebem tratamento cirúrgico em nível ambulatorial devem ser anestesiadas a distância, isto é, deve ser feito um bloqueio troncular na base da falange proximal, o que permite suturas, drenagens, desbridamentos e exéreses ungueais. As lesões palmares podem receber anestesia por infiltração local, bloqueio de campo (menos indicado) e bloqueio a distância, isto é, ao nível do punho. As que são submetidas à drenagem (abscessos) devem receber infiltração local no ponto de incisão ou bloqueio a distância. Nunca deve ser feito bloqueio de campo na região palmar na presença de abscesso. Nos casos em que se fizer necessário o desbridamento, estará absolutamente indicado o bloqueio ao nível do punho. Nas lesões do dorso, devido à escassez de tecido subcutâneo, a infiltração local presta-se muito bem ao tratamento cirúrgico. Nos casos de abscessos, drenagens e desbridamentos, procede-se como na região palmar. No dorso da mão as lesões, mesmo quando pequenas, podem acometer estruturas nobres — tendões, por exemplo — e requerem exploração cirúrgica. Para as anestesias das várias lesões da mão, utiliza-se sempre a lidocaína a 1% sem adrenalina (vasoconstritor) para infiltrações locais, com possibilidade de uso de vasoconstritor para bloqueio ao nível do punho. 1. Técnica de bloqueio troncular dos dedos. Para se obter uma anestesia eficaz do dedo, devem ser aplicados 2-4ml de lidocaína a 1% sem vasoconstritor, com agulha hipodérmica, lateral e medialmente à base da sua falange proximal. A mão deve estar na posição dorsopalmar, evitando-se a infiltração através da face palmar, em virtude da maior sensibilidade desta região. Após a anti-sepsia local com solução de álcool iodado ou similar, introduz-se a agulha até que sua extremidade seja palpada no tecido subcutâneo palmar. Nesta posição, com a seringa, aspira-se para verificar se houve punção de vasos e injeta-se 0,5-1,0ml do anestésico, para bloqueio do ramo nervoso palmar do dedo. Em seguida, recua- se a agulha em 1,0cm e injeta-se a mesma quantidade de anestésico, para bloquear o ramo nervoso dorsal. O mesmo procedimento deve ser executado na outra face do dedo, para se obter total anestesia deste, procurando manter a agulha em contato com a falange durante a infiltração, sem penetrar o periósteo (Fig. 1-7). Fig. 1-7. Bloqueio troncular do dedo. 2. Bloqueio ao nível do punho. Com este procedimento pode-se conseguir anestesia parcial ou total da mão, bloqueando-se, individual ou conjuntamente, os nervos radial, mediano e ulnar. A Fig. 1-8 mostra, esquematicamente, as zonas de anestesia correspondentes a cada um deles. Fig. 1-8. Zonas de anestesia da mão por bloqueio dos nervos no punho. Para o bloqueio do nervo radial introduz-se uma agulha fina na borda medial do tendão do supinador, próximo à artéria radial e a 3cm do punho. Injetam-se, então, 2ml de lidocaína com vasoconstritor de forma retrógrada, isto é, dos planos profundos (periósteo) até o tecido subcutâneo. Caso seja puncionada a artéria radial, deve-se fazer uma compressão manual por 10 minutos. Deve-se, também, associar uma infiltração de 5-8ml do anestésico, dorsalmente, desde a borda radial do punho até a apófise estilóide da ulna, para anestesiar a região dorsal da mão (Fig. 1-9). Fig. 1-9. Bloqueio do nervo radial ao nível do punho. Para o bloqueio do nervo mediano, introduz-se a agulha entre os tendões do flexor radial do carpo e palmar longo, logo atrás das pregas articulares do punho, na borda medial do flexor do carpo. O nervo mediano acha-se no plano do tendão do flexor superficial comum dos dedos e tendão flexor próprio do polegar. Com a agulha nesta posição, procura-se encontrar parestesia e injetam-se 3-5ml do anestésico (Fig. 1-10). Fig. 1-10. Bloqueio do nervo mediano ao nível do punho. O bloqueio do nervo ulnar é feito com a mão do paciente levemente flexionada, palpando-se, desta forma, o pulso da artéria ulnar, que consiste em uma ótima referência anatômica. Introduz-se uma agulha lateralmente ao tendão flexor ulnar do carpo, perpendicularmente, a cerca de 2cm do osso piriforme. Toma-se como ponto de referência, dorsalmente, a apófise estilóide da ulna, injetando-se cerca de 8ml retrogradamente, do periósteo da ulna até o tecido subcutâneo. Pode ser necessária a infiltração de anestésico em toda a face ulnar do punho, do tendão flexor ulnar do carpo até a apófise estilóide da ulna, para bloquear o ramo dorsal do nervo ulnar (Fig. 1-11). Fig. 1-11. Bloqueio do nervo ulnar ao nível do punho. 3. Bloqueio ao nível do cotovelo. Este tipo de anestesia é empregado para o tratamento das lesões localizadas na mão ou no antebraço, através do bloqueio seletivo ou conjunto dos nervos mediano, radial e ulnar. A Fig. 1-12 mostra as zonas de anestesia correspondentes ao bloqueio de cada um desses nervos. Fig. 1-12. Zonas de anestesia da mão e do antebraço por bloqueio dos nervos ao nível do cotovelo. Para o bloqueio do nervo mediano palpa-se a artéria braquial na face flexora do cotovelo e introduz-se a agulha, medialmente a ela, em seu mesmo plano anatômico. Procura-se produzir parestesia, introduzindo-se a agulha no conjunto (feixe) neurovascular e injetam-se 5ml de lidocaína. É freqüentemente necessária a realização de várias punções para que seja conseguido o bloqueio (Fig. 1-13). Fig. 1-13. Bloqueio do nervo radial ao nível do cotovelo. No bloqueio do nervo radial, a agulha deve ser introduzida até fazer contato ósseo no epicôndilo lateral do úmero, na altura da articulação do cotovelo, entre o supinador longo e o tendão do bíceps. Neste ponto, injetam-se 5ml de lidocaína, que são mantidos infiltrando-se retrogradamente até o tecido subcutâneo. São freqüentemente necessárias várias punções, todas com contato ósseo, para que se consiga o bloqueio (Fig. 1-14). Fig. 1-14. Bloqueio do nervo radial ao nível do cotovelo. Para o bloqueio dos nervos mediano e radial, o membro superior é mantido em posição ventrodorsal e em extensão. O bloqueio do nervo ulnar é realizado com infiltração de 2ml de lidocaína no sulco do nervo ulnar (canal epitrócleo-olecraniano). Com o antebraço em flexão de 90º, palpa-se o nervo ulnar e introduz-se a agulha até que seja conseguida parestesia, procurando-se não realizar a infiltração no tecido neural, para evitar neurite. Pode-se, também, conseguir o bloqueio deste nervo através da infiltração de 5-10ml de lidocaína em todo o sulco do nervo ulnar, o que levará à anestesia após maior tempo de latência (15-20 minutos) do que na técnica anterior (Fig. 1-15). Fig. 1-15. Bloqueio do nervo ulnar ao nível do cotovelo. J. Anestesia do pênis. A anestesia peniana pode ser obtida por infiltração dorsal "em botão" junto à sínfise púbica, na linha mediana, e infiltração circular, no mesmo nível, a partir do botão, até a junção do pênis com o escroto, utilizando-se 5-8ml de lidocaína sem vasoconstritor. Deve-se completar a infiltraçãopara que seja obtida anestesia total do membro, com aproximadamente 15ml de anestésico no tecido subcutâneo da junção escrotal, e completa-se o bloqueio com 0,5-1,0ml da droga ao nível do freio balanoprepucial. L. Anestesia do cordão espermático. Atualmente, este tipo de anestesia vem sendo muito utilizado, devido ao crescente número de intervenções realizadas em nível ambulatorial, nos componentes do cordão espermático (vasectomias, varicoceles, cistos de cordão etc.). A técnica é simples, obtendo-se o bloqueio através da apreensão do cordão entre as polpas digitais do indicador e polegar, ao nível do escroto, e injetando-se 5ml de lidocaína a 1 ou 2% sem vasoconstritor no seu interior, após botão anestésico cutâneo. Deve-se tomar cuidado ao aspirar o êmbolo da seringa antes da infiltração, para evitar a punção inadvertida dos vasos do cordão. M. Bloqueio perineal. O nervo pudendo é responsável pela inervação desta região, devendo ser bloqueado bilateralmente para uma anestesia eficaz. A paciente deve ser colocada em decúbito dorsal, na posição ginecológica, e é realizada anti-sepsia de todo o períneo, da região perianal e da raiz da coxa. Palpa-se, então, a tuberosidade isquiática e, após botão anestésico cutâneo, introduz-se uma agulha longa (10cm) medialmente à mesma e perpendicularmente à pele, injetando-se pequena quantidade de solução anestésica (lidocaína a 1%) à medida que esta avança. Injetam-se, então, 10ml da droga ao redor do lado anterior e por debaixo da tuberosidade, guiando-se, em seguida, a ponta da agulha para o seu lado interno e infiltrando- se, aí, mais 10ml do anestésico. Completa-se o bloqueio da região perineal infiltrando-se a área a 1,0cm por fora e paralelamente aos grandes lábios, desde a parte média destes até o monte pubiano. Com esta última manobra, anestesiam-se os nervos íleo-hipogástrico, íleo- inguinal e genitocrural, que inervam a pele sobre o monte pubiano e os lábios vaginais (Fig. 1-16). Fig. 1-16. Bloqueio perineal e área de anestesia. N. Bloqueio perianal. Com o aumento do número de procedimentos cirúrgicos realizados ambulatorialmente sobre a região perianal (eletro e termocoagulação de lesões anais, exérese de mamilos hemorroidários e papilomas, correção de fístulas, cirurgias endoscópicas etc.), a anestesia local da área adquiriu grande importância junto aos especialistas que aí intervêm. A técnica de infiltração exige cuidados especiais de limpeza e anti-sepsia, devido à contaminação própria da região, que pode induzir abscessos perianais ou do canal pélvico, no sexo feminino. Pode-se obter boa anestesia desta área pela injeção local de lidocaína a 1%, inicialmente em botão e, a seguir, com infiltração mais profunda, utilizando-se agulhas mais finas e longas. Conseguido o relaxamento do esfíncter anal após o início da anestesia, faz-se então toque retal com o dedo indicador esquerdo e, com a seringa na mão direita, pode-se infiltrar até os planos profundos perianais, controlando-se a agulha com a polpa digital do indicador esquerdo, para prevenir punção retal e contaminação secundária. O. Bloqueio dos nervos periféricos do membro inferior. As lesões dos pés apresentam maior tendência para complicações infecciosas, e, desta forma, o tratamento cirúrgico deve ser rigoroso, na tentativa de impedi-las. A abordagem cirúrgica adequada depende de uma anestesia que proporcione conforto ao paciente. A anestesia por infiltração local no pé é extremamente dolorosa, principalmente na região plantar, e deve ser evitada, quando possível. As lesões digitais pequenas podem receber uma anestesia por bloqueio troncular, tal como a realizada para os dedos da mão. 1. Bloqueio ao nível do tornozelo. A melhor anestesia para as lesões de tratamento cirúrgico dos pés é o bloqueio ao nível do tornozelo. Para um bloqueio completo, devem-se atingir os seguintes nervos: (a) anteriormente (região dorsal): nervo fibular superficial, nervo tibial anterior e nervo safeno interno; (b) posteriormente (região plantar): nervo tibial posterior e nervo safeno externo. Para a prática do bloqueio, deve ser usada agulha 25 × 7 e lidocaína a 1% com vasoconstritor. O bloqueio dos nervos anteriores é feito com o paciente em decúbito dorsal e com leve extensão do pé. O bloqueio dos nervos posteriores é feito com o paciente em decúbito ventral e com o pé em flexão de 90º. A Fig. 1-17 mostra, esquematicamente, as áreas de anestesia correspondentes ao bloqueio dos nervos ao nível do tornozelo. Fig. 1-17. Zonas de anestesia dos pés por bloqueio dos nervos ao nível do tornozelo. O bloqueio do nervo safeno interno é feito com infiltração de 5-10ml de anestésico no tecido subcutâneo, próximo à veia safena magna, superiormente ao maléolo interno. Não é necessária a parestesia para que se possa proceder à infiltração, e deve-se evitar a injeção endovenosa por punção inadvertida da safena (Fig. 1-18). No bloqueio do nervo tibial anterior, o anestésico (5-10ml) deve ser infiltrado entre o tendão do músculo tibial anterior e do extensor do hálux, na porção inferior da face anterior da perna. A agulha deve fazer contato com a superfície óssea da tíbia, e a injeção é feita retrogradamente até o tecido subcutâneo. Deve-se ter o cuidado para não injetar o anestésico intra-arterialmente, uma vez que se pode puncionar inadvertidamente a artéria tibial anterior (Fig. 1-19). Fig. 1-18. Bloqueio do nervo safeno ao nível do tornozelo. Fig. 1-19. Bloqueio do nervo tibial anterior ao nível do tornozelo Para o bloqueio do nervo fibular superficial, faz-se a infiltração de 5-10ml de anestésico, "em leque’", no tecido subcutâneo, acima da articulação tibiotársica (cerca de 8cm acima do maléolo lateral), a partir da borda lateral do tendão do músculo extensor longo dos dedos até o tendão do músculo fibular longo (Fig. 1-20). Fig. 1-20. Bloqueio do nervo fibular superficial ao nível do tornozelo. O bloqueio do nervo tibial posterior é realizado com infiltração de 10-12ml de anestésico, retrogradamente, a partir da superfície óssea posterior da tíbia, lateralmente à artéria tibial posterior e medialmente ao tendão de Aquiles. Deve-se ter cuidado para não injetar o anestésico intravascularmente (Fig. 1-21). Fig. 1-21. Bloqueio do nervo tibial posterior ao nível do tornozelo. Para o bloqueio do nervo safeno externo, injetam-se 5-10ml de anestésico no tecido subcutâneo, a partir da borda lateral do tendão de Aquiles, até o maléolo lateral, tomando-se cuidado para não puncionar a veia safena parva, que acompanha o nervo desde o terço médio da perna (Fig. 1-22). Fig. 1-22. Bloqueio do nervo safeno externo ao nível do tornozelo. 2. Bloqueio ao nível do joelho. O único bloqueio que surte resultado neste nível é o do nervo safeno interno, que se torna subcutâneo na face interna do joelho e acompanha a veia safena interna até o tornozelo. Para bloqueá-lo, faz-se infiltração subcutânea em torno da veia, logo abaixo da face interna do joelho. V. Anestesia locorregional em crianças É muito freqüente nos depararmos, em serviços de urgência, com crianças que necessitam de tratamento de lesões traumáticas agudas, envolvendo suturas ou curativos mais extensos. As opções de utilização de anestesia local ou de anestesia tópica associada à sedação da criança (ou mesmo anestesia geral pura) são sempre debatidas nessas situações. Frente a um cenário como esse, deve sempre ser explicada aos pais ou responsáveis a existência das duas opções, inclusive os riscos e os benefícios de cada uma dessas técnicas, no sentido de obter a sua participação no processo de tomada de decisão de qual seria a melhor conduta a ser tomada. O índice de complicações observado com a sedação de pacientes pediátricos em Departamento de Emergências para o tratamento de pequenas lesões é de 2,3% e inclui a diminuição da oxigenação, reações paradoxais, vômitos, apnéia necessitando ventilação por máscara, laringoespasmo,bradicardia e estridor laríngeo. Por outro lado, crianças submetidas a sedação têm um grau menor de sofrimento durante o procedimento (tanto da parte de dor como emocional), e o trabalho de sutura pode ser feito mais rapidamente e muitas vezes com um cuidado maior. Assim, apesar da existência de complicações na técnica de sedação e de estatísticas nos Estados Unidos demonstrarem que a maioria dos pais ou responsáveis tem preferido a técnica de anestesia local infiltrativa para o tratamento de suas crianças, as técnicas envolvendo sedação devem sempre ser consideradas e explicadas aos pais e/ou responsáveis pela criança, procurando-se obter o consentimento informado para o procedimento. Referências 1. Benetti CR. Monheim’s Local Anesthesia and Pain Control in Dental Practice. 5 ed., St. Louis, USA: C.V. Mosby Co. 2. Covino, B, Vassalo G, Helen G. Anestésicos Gerais — Mecanismos de Ação e Uso Clínico. Rio de Janeiro: Colina Livraria e Editora, 1985. 3. Erikson E. Manual Ilustrado de Anestesia Local. Suécia: Astra S/A, 1969. 4. Fleming JK; Ishida JT, Yamamoto LG. Sedation and local anesthesia preferences of emergency physician parents. Am J Emerg Med 2000;18(6): 737-8. 5. Hardman JG, Limbird LE. Goodman and Gilman’s The Pharmacological Basis of Therapeutics. 9 ed., McGraw-Hill, 1995. 6. Heidegger GW. Atlas de Anatomia Humana. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1978. 7. Nealon TF. Técnica Cirúrgica Básica. 3 ed., Rio de Janeiro: Editora Interamericana, 1980. 8. Pena BMG, Krauss B. Adverse events of procedural sedation and analgesia in a pediatric emergency department. Ann Emerg Med 1999;43:483-91. 9. Resende Alves JB. Cirurgia Geral e Especializada. Vol. 1. Belo Horizonte: Editora Vega, 1973. 10. Savassi PR, Fonseca FP. Cirurgia Ambulatorial. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1979. 11. Testut L, Jacob O. Tratado de Anatomia Topográfica. 8 ed., Editora Salvat S.A., 1977. 12. Yamamoto LG, Young LL, Roberts JL. Informed consent and parental choice of anesthesia and sedation for the repair of small lacerations in children. Am J Emerg Med 1997; 15(3): 285-9. Manual de Urgências em Pronto-Socorro - 7ª Edição - Capítulo 02 - Feridas Marco Tulio Baccarini Pires I. Introdução O tratamento das feridas, antes uma questão de tentativa e erro, está se tornando cada vez mais uma ciência exata. Uma abordagem sistematizada dos ferimentos já está sendo feita em muitos centros, e novas pesquisas a cada dia nos trazem informações importantes que modificam os conceitos e melhoram os resultados obtidos com os tratamentos. As maiores mudanças foram observadas nos últimos 30 a 40 anos – estas mudanças e descobertas revolucionaram o tratamento das lesões traumáticas. Até a metade do século XX, curativos que criavam um "ambiente seco" para os ferimentos eram os mais utilizados; estudos do final do século, entretanto, demonstraram que um ambiente úmido promovia uma cicatrização mais rápida. O tratamento das feridas traumáticas tem evoluído desde o ano 3000 a.C.; já naquela época, pequenas hemorragias eram controladas por cauterização. O uso de torniquetes é descrito desde 400 a.C. Celsus, no início da era cristã, descreveu a primeira ligadura e divisão de um vaso sangüíneo. Já a sutura dos tecidos é documentada desde os terceiro e quarto séculos antes de Cristo. Essas técnicas "delicadas" de manuseio dos ferimentos foram abandonadas com o início da era Cristã. Na Idade Média, com o advento da pólvora, os ferimentos se tornaram muito mais graves, com maior sangramento e destruição tissular (antes, apenas ferimentos por arma branca eram encontrados); assim, métodos drásticos passaram a ser utilizados para estancar as hemorragias, como a utilização de óleo fervente, ferros em brasa, incenso e goma-arábica. Logicamente, esses métodos aumentaram muito as infecções nas feridas pela necrose tissular que provocam. A presença de secreção purulenta em um ferimento era indicativa de "bom prognóstico". Os métodos "delicados’" para tratamento das feridas foram redescobertos pelo cirurgião francês Ambroise Paré, em 1585 — passaram, então, a realizar o desbridamento das feridas, a aproximação das bordas, os curativos e, principalmente, baniu-se o uso do óleo fervente. Em 1884, Lister introduziu o tratamento anti-séptico das feridas, o que possibilitou um extremo avanço na cirurgia; no século XX, a introdução das sulfas e da penicilina e, posteriormente, de outros antibióticos determinou uma redução importante nas infecções em feridas traumáticas, facilitando o tratamento e a recuperação dos pacientes. Atualmente, novos materiais de sutura desenvolvidos e novos curativos que proporcionam um controle mais ativo acerca do meio cicatricial, além da aplicação de informações obtidas com o estudo de Biologia molecular, são fundamentais para a melhora observada nos processos cicatriciais. Os pacientes portadores de ferimentos atendidos nos serviços de urgência dos grandes centros urbanos são, na sua quase totalidade, vítimas de agressões ou de acidentes, que ocasionam feridas caracterizadas como traumáticas. É de grande interesse que esses ferimentos sejam classificados do melhor modo possível, quanto a seu tipo, extensão e complicações. Não raro, existem conotações médico-legais, por se tratar de casos que envolvem processos criminais, acidentes de trânsito, acidentes de trabalho etc. O médico deve estar apto a identificar, descrever e tratar estas lesões, realizando as anotações no prontuário médico. Feridas traumáticas são todas aquelas infligidas, geralmente de modo súbito, por algum agente físico aos tecidos vivos. Elas poderão ser superficiais ou profundas, dependendo da intensidade da lesão. Conceitualmente, pode-se considerar como superficial um trauma que atinja pele e tecido subcutâneo, respeitando o plano aponeurótico; pode-se considerar como profundo o traumatismo que atinja planos vasculares, viscerais, neurais, tendinosos etc. Os ferimentos conseqüentes ao trauma são causadores de três problemas principais: hemorragia, destruição tissular mecânica e infecção. II. Aspectos biológicos da cicatrização das feridas Nos últimos anos, a teoria básica da cicatrização das feridas evoluiu de modo surpreendente. As pesquisas evoluíram das observações macroscópicas para a avaliação microscópica da atividade celular. No momento, as pesquisas enfocaram principalmente a biologia e bioquímica celular, incluindo estudos acerca de secreções produzidas pelas células e fatores de crescimento que afetam o processo cicatricial. A cicatrização é uma seqüência de respostas e de sinais, na qual células dos mais variados tipos (epiteliais, inflamatórias, plaquetas e fibroblastos) saem de seu meio natural e interagem, cada qual contribuindo de alguma forma para que o processo ocorra. Em pessoas bem- nutridas e sem outras patologias, a cicatrização das feridas segue um curso bastante previsível. Os eventos cicatriciais são dinâmicos, de ordem celular, bioquímica e fisiológica. A natureza dinâmica da pele é mais facilmente compreendida quando se avalia a sua divisão em duas camadas: a epiderme e a derme. As células epiteliais na camada basal são responsáveis pelo crescimento mitótico e regeneração da epiderme – as células produzidas neste local gradualmente migram em direção à camada mais externa da pele. Neste processo, elas perdem seus núcleos e sofrem o processo de queratinização. Nesta camada mais externa, as células são ricas em proteína queratina, que impermeabiliza e protege as camadas mais internas. A derme é constituída de uma mistura de fibras colágenas e de elastina, interposta em meio a uma matriz de mucopolissacárides. Possui uma imensa vascularização, responsável pelo controle térmico corpóreo e pela cor da pele. A derme fornece nutrientes e oxigênio para a epiderme e ajuda na remoção de restos celulares. Folículos pilosos, glândulas sudoríparas e sebáceas têm sua base na derme (ondeexiste uma rede de nervos e vasos), porém se relacionam mais ao nível das células da epiderme (Fig. 2.1). Fig. 2-1. Camadas da pele. Observam-se folículo piloso, glândula sudorípara e glândula sebácea. Uma camada subcutânea se encontra abaixo da derme (muitas vezes conhecida como hipoderme) e, logo abaixo, os planos fasciais e musculares. Sabe-se que a resposta inflamatória que se segue a qualquer lesão tissular é vital para o processo de reparo. Por isso, é correto afirmar que, sem resposta inflamatória, não ocorrerá cicatrização. A própria lesão tem um efeito considerável na forma de reparo subseqüente. Assim, por exemplo, uma ferida cirúrgica limpa, que foi suturada de forma anatômica e de imediato, requer síntese mínima de tecido novo, enquanto uma grande queimadura utiliza todos os recursos orgânicos disponíveis para cicatrização e defesa contra uma possível infecção, com uma importante reação inflamatória no local. Deve-se enfatizar que a reação inflamatória normal que acompanha uma lesão tecidual é um fator benéfico, pois sem ela não ocorrerá cicatrização; somente uma reação inflamatória exagerada, com grande edema local, será maléfica, levando a retardo no processo cicatricial. A Fig. 2-2 resume os eventos da cicatrização das feridas. Fig. 2-2. Diagrama da seqüência de cicatrização das feridas. Modificada de Hunt, TK: Basic principles of wound healing. J Trauma 1990; 30(S): S122-S128. Unicamente para facilitar a discussão dos eventos que ocorrem no processo de cicatrização, dividiremos as feridas clínicas, de acordo com o tipo de tratamento realizado, em dois tipos: feridas simples fechadas e feridas abertas (com ou sem perda de substância). A. Feridas fechadas. Por definição, em relação ao tipo de tratamento realizado, considera-se como ferida fechada aquela que pôde ser suturada quando de seu tratamento. São as feridas que mais nos interessam do ponto de vista prático, pois são as mais comumente observadas nos ambulatórios de pronto-socorro. Na seqüência da cicatrização das feridas fechadas, temos a ocorrência de quatro fases: fase inflamatória, fase de epitelização, fase celular e fase de fibroplasia. 1. Fase inflamatória. Após o trauma e o surgimento da lesão, existe vasoconstrição local, fugaz, que é logo substituída por vasodilatação. Ocorrem aumento da permeabilidade capilar e extravasamento de plasma próximo ao ferimento. A histamina é o mediador inicial que promove esta vasodilatação e o aumento da permeabilidade, tendo efeito curto (30 minutos). Ela é liberada de várias células presentes no local: mastócitos, granulócitos e plaquetas. Vários outros fatores têm sido implicados na manutenção do estado de vasodilatação que se segue a esta fase inicial; entretanto, parecem ser as prostaglandinas (liberadas das células locais) as responsáveis pela continuidade da vasodilatação e pelo aumento da permeabilidade. Pesquisas têm atribuído extraordinária responsabilidade às plaquetas, no início da fase inflamatória da cicatrização. A ativação plaquetária e a coagulação limitam a perda sanguínea e originam substâncias ativas que fazem com que os fibroblastos e células endoteliais entrem em um modo de reparação. A formação de um coágulo estável serve tanto para cobertura temporária do ferimento como origina uma matriz provisória em seu interior, capaz de prover uma matriz temporária para facilitar a migração celular no interior da ferida. Existem diversos fatores plaquetários, entre eles o de número 4 (PF4), que estimula a migração de células inflamatórias e de fibroblastos; além dele, o fator de crescimento derivado plaquetário (PDGF) é capaz de atrair monócitos, neutrófilos, fibroblastos e células musculares lisas. O PDGF também é capaz de estimular a síntese de colagenase por fibroblastos, uma etapa essencial no processo de cicatrização. O fator de crescimento básico de fibroblastos (bFGF), um fator não-plaquetário, apresenta sua concentração de pico no interior da ferida no primeiro dia após o ferimento, em modelos animais. A migração de leucócitos no interior da ferida é intensa, pelo aumento da permeabilidade capilar. Inicialmente, predominam os granulócitos, que, após algumas horas, são substituídos por linfócitos e monócitos. Os monócitos, ao lisarem tecidos lesados, originam macrófagos, que, por sua vez, fagocitam detritos e destroem bactérias. Sabe-se que os monócitos e os macrófagos representam papel importante na síntese do colágeno; na ausência destes dois tipos de células, ocorre redução intensa na deposição de colágeno no interior da ferida. Agentes inibidores das prostaglandinas, como a indometacina, diminuem a resposta inflamatória ao evitar a manutenção do estado de vasodilatação; conseqüentemente, podem levar à desaceleração da cicatrização. 2. Fase de epitelização. Enquanto a fase inflamatória ocorre na profundidade da lesão, nas bordas da ferida suturada começam a surgir novas células epiteliais que para lá migram. Desta forma, em 24-48 horas, toda a superfície da lesão estará recoberta por células epiteliais. Finalmente, com o passar dos dias, as células da superfície se queratinizam. O fator de crescimento da epiderme (EGF) é importante nesta fase. 3. Fase celular. Em resposta à lesão, fibroblastos — células com formato de agulha e núcleos ovalados, derivados de células mesenquimais locais, residentes nos tecidos adjacentes — proliferam por 3 dias e no quarto dia migram para o local do ferimento. No décimo dia os fibroblastos tornam-se as células predominantes no local. Os fibroblastos têm quatro diferentes ações no interior de uma ferida: primeiramente, proliferando; depois, migrando; em seguida, secretando o colágeno, tecido matricial da cicatriz; e, por último, formando feixes espessos de actina como miofibroblastos. A matriz que se forma inicialmente no interior de uma ferida tem como componentes a fibrina fibronectina e o glicosaminoglicano ácido hialurônico. Este último fornece à matriz uma facilidade maior para que a migração celular ocorra. A rede de fibrina que se forma no interior da ferida serve como orientação para a migração e o crescimento dos fibroblastos, fornecendo-lhes o suporte necessário. O fibroblasto não tem capacidade de lisar restos celulares; assim, a presença de tecidos macerados, coágulos e corpos estranhos constitui uma barreira física à sua proliferação, com conseqüente retardo da cicatrização. Daí a necessidade absoluta de se realizar um bom desbridamento mecânico de qualquer lesão, removendo-se tecidos necrosados, corpos estranhos, coágulos etc. Uma neoformação vascular intensa se segue ao avanço dos fibroblastos. Esta angiogênese tem um papel crítico para o sucesso da cicatrização das feridas. Acredita-se, atualmente, que a angiogênese seja regulada por fatores de crescimento locais, entre eles o fator de crescimento básico de fibroblasto (BFGF). Os monócitos e os macrófagos também estão associados à produção de fatores estimulantes à neoformação vascular. As células que originam estes novos capilares provêm do endotélio de vênulas intactas (não lesadas) que se encontram próximas ao ferimento. A fase celular da cicatrização dura algumas semanas, porém o número de fibroblastos vai diminuindo progressivamente até a quarta ou quinta semana após a lesão. Neste período, a rede de neovascularização já se definiu por completo. O colágeno, secretado pelos fibroblastos, proporciona força e integridade aos tecidos do corpo. Desta forma, quando há necessidade de um reparo tissular, é exatamente na deposição e no entrecruzamento do colágeno que irá basear-se a força da cicatriz. 4. Fase de fibroplasia. É a fase caracterizada pela presença do elemento colágeno, proteína insolúvel existente em todos os animais vertebrados. O colágeno é secretado pelos fibroblastos numa configuração do tipo "hélice tripla". Mais da metade da molécula é composta por apenas três aminoácidos: glicina, prolina e hidroxiprolina. Paraa síntese das cadeias de colágeno é necessária a hidroxilação da prolina e da lisina. Esta hidroxilação, que ocorre ao nível dos ribossomos, requer enzimas específicas, as quais necessitam de vários co-fatores, tais como oxigênio, ascorbato, ferro e alfacetoglutarato. Deste modo, é fácil entender por que uma deficiência de ácido ascórbico ou a hipoxemia pode levar ao retardo da cicatrização, pela menor produção das moléculas de colágeno. As primeiras fibras de colágeno surgem na profundidade da ferida, cerca de 5 dias após o traumatismo. Com o passar dos dias, feixes de colágeno dispostos ao acaso vão gradativamente ocupando as profundezas do ferimento. Estes feixes originam uma estrutura bastante densa e consistente: a cicatriz. Com o aumento do número de fibras colágenas na cicatriz, esta se vai tornando mais resistente. Feridas cutâneas, por exemplo, continuam a ganhar resistência de forma constante por cerca de 4 meses após a lesão. O controle da síntese do colágeno continua sendo de difícil explicação. Sabe-se que o processo desta síntese é particularmente dependente do oxigênio. As feridas musculares adquirem resistência mais lentamente; os tendões são ainda mais lentos do que os músculos neste ganho de resistência. Apesar desta recuperação da resistência, quase nunca a cicatriz adquire a mesma resistência do tecido original; a cicatriz tem também menor elasticidade que o tecido que veio substituí-la. A fase de fibroplasia não tem um final definido — sua duração varia conforme o local da lesão, sua profundidade, o tipo do tecido lesado e se existem ou não as deficiências já descritas anteriormente (oxigenação, ácido ascórbico etc.). Sabe-se ainda que as cicatrizes continuam remodelando-se com o passar dos meses e anos, sofrendo alterações progressivas em seu volume e forma. Essa remodelação ocorre através da degradação do colágeno, que é mediada pela enzima colagenase. A degradação do colágeno é tão importante quanto a sua síntese no reparo das feridas, para evitar um entrecruzamento desordenado de fibras e levar à formação de uma cicatriz excessiva. Em certas condições patológicas, como nos quelóides, na cirrose hepática e nas feridas intra-abdominais, observa- se exatamente uma deposição exagerada de colágeno não destruído pela colagenase. Existem 19 tipos distintos de colágeno. Os colágenos de tipos I e III são os principais colágenos em forma de fibrilas que compõem a matriz extracelular da pele. O colágeno de tipo III é o mais encontrado inicialmente nas feridas; com o passar do tempo, mais e mais colágeno de tipo I é depositado na ferida. O colágeno de tipo I é o mais encontrado, tanto em ferimentos mais antigos como na pele normal. B. Feridas abertas. Como mencionado anteriormente, as feridas abertas podem ocorrer com ou sem perda de substância. Clinicamente, um ferimento deixado aberto se comporta de modo completamente diverso de um ferimento que foi suturado. Numa ferida aberta (não suturada), observa-se a formação de um tecido de aspecto granular fino no interior da lesão — o chamado tecido de granulação —, que surge cerca de 12-24 horas após o trauma. Neste tipo de ferimento, um novo componente passa a ter importância — é a contração –, que é a aproximação dos bordos de uma ferida deixada aberta. O miofibroblasto, uma célula de origem mesenquimal, é o responsável por este fenômeno, fazendo com que a pele circunjacente à ferida se contraia, não ocorrendo a produção de uma "pele nova" para recobrir o defeito. A força da contração da ferida é provavelmente gerada pelos feixes de actina existentes nos miofibroblastos. Esta força é transmitida às bordas da ferida por ligações entre células e entre as células e o tecido matricial local. A contração é máxima nas feridas deixadas abertas, podendo inclusive ser patológica (ocasionando deformidades e prejuízos funcionais), dependendo do local do ferimento e da extensão da lesão. Recobrir uma ferida com um curativo ou com um enxerto de pele é uma boa maneira de se evitar a contração patológica. Excisões repetidas das bordas da lesão ("avivarem-se" as bordas) fazem diminuir bastante o fenômeno da contração, fazendo com que a proliferação das células epiteliais seja mais ordenada e que a cicatriz final tenha mais força (normalmente, a cicatriz epitelizada de uma ferida que foi deixada aberta e que cicatrizou por segunda intenção é bastante frágil). Glândulas sudoríparas e sebáceas e folículos pilosos favorecem a formação de uma junção bastante forte entre a epiderme e a derme; como esta estrutura não existe na cicatriz da ferida deixada aberta, sua ausência contribui para a pequena resistência desta epiderme. A enxertia precoce e a técnica de fechamento retardado das feridas (no segundo ou terceiro dia após a lesão, caso não se observe infecção) são também boas formas de se evitar a contração patológica nas feridas deixadas abertas. Não se devem confundir as expressões contração e retração; esta última se refere à retração tardia da cicatriz (retração cicatricial), que ocorre principalmente em determinadas circunstâncias, como nas queimaduras e nas lesões em regiões de dobras de pele. III. Tipos de cicatrização das feridas A. Cicatrização por primeira intenção. É aquela que ocorre quando as bordas de uma ferida são aproximadas — o método mais comum é a sutura. A contração, nestes casos, é mínima, e a epitelização começa a ocorrer dentro de 24 horas, sendo a ferida fechada contra a contaminação bacteriana externa. B. Fechamento primário retardado. Na presença de lesão intensamente contaminada, o seu fechamento desta deve ser protelado, até que se verifiquem as respostas imunológicas e inflamatórias do paciente. Utilizam-se ainda antibióticos e curativos locais. No segundo ou terceiro dia, ao observarmos que não se apresenta contaminação no ferimento, este poderá ser fechado. Um exemplo de fechamento primário retardado seria a utilização deste procedimento após a remoção de um apêndice supurado — uma cirurgia na qual o índice de abscessos de parede pós-operatória é alto, quando o fechamento primário simples (primeira intenção) é utilizado (ver Apendicite Aguda). Confirmada, em torno do terceiro dia, a ausência de infecção de pele ou de tecido subcutâneo, procede-se à sutura desses planos. C. Fechamento por segunda intenção. É a cicatrização por meio de processos biológicos naturais. Ocorre nas grandes feridas abertas, principalmente naquelas em que há perda de substância tecidual. Neste tipo de ferida, a contração é um fenômeno que ocorre mais intensamente, como já explicado. IV. Fatores que influenciam a cicatrização das feridas Sabemos que são vários os fatores que podem levar à alteração na cicatrização das feridas, sejam eles ligados ao tipo de traumatismo, ao próprio paciente, a algum tratamento em curso ou a algum tipo de medicação em uso. A. Nutrição. Ocorre retardo na cicatrização de feridas em doentes extremamente desnutridos (quando a redução do peso do paciente ultrapassa um terço do peso corporal normal). É bem estabelecida a relação entre cicatrização ideal e um balanço nutricional positivo do paciente. B. Depressão imunológica. A ausência de leucócitos polimorfonucleares pode, pelo retardo da fagocitose e pela lise de restos celulares, prolongar a fase inflamatória e predispor à infecção. Além disso, no caso específico da ausência de monócitos, sabe-se que a formação de fibroblastos estará prejudicada. C. Oxigenação. A síntese do colágeno depende de oxigênio para formação de resíduos hidroxiprolil e hidroxilisil. Uma anoxia, até mesmo temporária, pode levar à síntese de um colágeno pouco estável, com formação de fibras de menor força mecânica. Além disso, feridas em tecidos isquêmicos apresentam-se com infecção mais freqüentemente do que aquelas em tecidos normais. D. Volume circulante. A hipovolemia e a desidratação levam a menor velocidade de cicatrização e menor força da cicatriz. Entretanto, a anemia nãoaltera, por si só, a cicatrização. E. Diabetes. A síntese do colágeno diminui bastante na deficiência de insulina, como se pôde comprovar em experimentos em modelo animal. São também menores a proliferação celular e a síntese do DNA, o que explica a menor velocidade de cicatrização no diabético. Além disso, existe um componente de microangiopatia cutânea, acarretando menor fluxo tissular, com conseqüentes menor oxigenação e menor pressão de perfusão local. A infecção da ferida é um sério problema nestes pacientes. O componente de arteriosclerose pode ainda se fazer presente no diabético, concomitantemente, agravando ainda mais o quadro. F. Arteriosclerose e obstrução arterial. Também levam a um fluxo menor para o local do ferimento, com retardo cicatricial. Em alguns pacientes, como já comentado anteriormente, a arteriosclerose associa-se à microangiopatia diabética, principalmente em pacientes mais idosos, com lesões dos membros inferiores. G. Uso de esteróides. Estes têm um efeito antiinflamatório potente, fazendo com que a cicatrização se proceda de forma mais lenta, sendo a cicatriz final também mais fraca. A contração e a epitelização ficam muito inibidas. H. Quimioterapia. Os agentes quimioterápicos agem em várias áreas, retardando a cicatrização: levam à neutropenia (predispondo à infecção), inibem a fase inflamatória inicial da cicatrização (ciclofosfamida) e interferem na replicação do DNA, como também nas mitoses celulares e na síntese protéica. I. Irradiação. A irradiação leva à arterite obliterante local que, por sua vez, causa hipoxia tecidual. Existem diminuição na população de fibroblastos e, conseqüentemente, menor produção de colágeno. As lesões por irradiação devem ser excisadas em suas bordas avivadas e, em seguida, tratadas. J. Politraumatizados. Um paciente politraumatizado, com inúmeras lesões, em choque, com hipovolemia e hipoxemia tecidual geral, é um bom candidato a ter seus ferimentos superficiais infectados. Se isto ocorrer, haverá retardo cicatricial. Quanto mais grave e prolongado o estado de choque, maior será a dificuldade de cicatrização de lesões múltiplas. L. Tabagismo. A associação entre o uso de cigarros e o retardo na cicatrização é bem reconhecida. Os efeitos já documentados dos constituintes tóxicos do cigarro — particularmente a nicotina, o monóxido de carbono e o cianido de hidrogênio — sugerem vários mecanismos em potencial pelos quais o fumo pode determinar o retardo cicatricial. A nicotina é um vasoconstritor que reduz o fluxo sangüíneo para a pele, resultando em isquemia tissular. A nicotina também aumenta a aderência plaquetária, favorecendo a ocorrência de trombose da microcirculação. Além disso, a proliferação de hemácias, fibroblastos e macrófagos é reduzida pela nicotina. Já o monóxido de carbono diminui o transporte e o metabolismo do oxigênio. O cianido de hidrogênio inibe os sistemas enzimáticos necessários ao metabolismo oxidativo e ao transporte de oxigênio em nível celular. Clinicamente, tem sido observada a cicatrização mais lenta em fumantes com feridas resultantes de trauma, doenças da pele e cirurgia. Os fumantes deveriam ser recomendados a parar de fumar antes de cirurgias eletivas ou quando estivessem se recuperando de ferimentos resultantes de trauma, doenças diversas da pele ou de cirurgia de emergência. V. Classificação . As feridas podem ser classificadas de várias maneiras; se as relacionarmos com o tempo de traumatismo, serão chamadas de agudas ou crônicas. Já se as abordarmos de acordo com o meio ou o agente causal das lesões, elas poderão ser classificadas de outras maneiras — ver Quadro 2-1. Quadro 2-1. Classificação das feridas segundo a sua apresentação • Feridas incisas • Feridas cortocontusas • Feridas perfurantes • Feridas lacerocontusas • Feridas perfurocontusas • Feridas perfuroincisas • Escoriações • Hematomas • Bossas sangüíneas As feridas contusas resultam da ação de instrumento contundente; as feridas cortantes ou incisas são resultado da ação de instrumento cortante, e assim sucessivamente. Uma ferida cortocontusa resulta da ação de um instrumento contundente que provoque uma contusão e um corte local. A. Feridas incisas. São provocadas por instrumentos cortantes, tais como navalhas, facas, bisturis, lâminas de metal ou de vidro etc. O trauma é causado pelo deslocamento sobre pressão do instrumento na pele. Suas principais características são: predomínio do comprimento sobre a profundidade; bordas regulares e nítidas, geralmente retilíneas; o tônus tecidual e a sua elasticidade fazem com que ocorra o afastamento das bordas da lesão. Podemos subdividir as feridas incisas em três tipos: (a) simplesmente incisas — nelas, o instrumento penetra a pele de forma perpendicular; (b) incisas com formação de retalhos — o corte é biselado, com formação de um retalho pediculado, e o instrumento penetra de maneira oblíqua a pele; (c) com perda de substância — nelas, uma certa porção do tecido é destacada. Em uma ferida incisa, o corte começa e termina a pique, fazendo com que exista uma profundidade igual de um extremo a outro da lesão (como na ferida cirúrgica); nas chamadas feridas cortantes, as extremidades da lesão são mais superficiais, enquanto a parte mediana do ferimento é mais profunda. B. Feridas cortocontusas. Em um ferimento cortocontuso, o instrumento causador da lesão não tem gume tão acentuado como no caso das feridas incisas; um exemplo seria um corte por enxada no pé — é a força do traumatismo que causa a penetração do instrumento. Uma ferida cortocontusa pode ser ocasionada por um instrumento que não tem nenhum gume, mas que, pela força do impacto, faz com que ocorra a solução de continuidade na pele. C. Feridas perfurantes. São provocadas por instrumentos longos e pontiagudos, tais como agulhas, pregos, alfinetes etc., podendo ser superficiais ou profundas. No caso de uma ferida perfurante adentrar uma cavidade do corpo, como a cavidade peritoneal, ela receberá o nome de cavitária. Uma ferida perfurante pode ainda ser transfixante, ao atravessar um membro ou órgão. A gravidade de um ferimento perfurante varia de acordo com o órgão atingido. Um exemplo caracteristicamente marcante seria a perfuração do coração por um estilete, que pode causar a morte do paciente. Este mesmo estilete, penetrando outro local, como na face lateral da coxa, pode não vir a trazer qualquer conseqüência maior. D. Feridas perfurocontusas. São causadas principalmente pelos projéteis de arma de fogo. Suas principais características são: 1. O orifício de entrada de uma bala apresenta uma orla de contusão e uma orla de enxugo; se o tiro tiver sido dado à queima-roupa, bem próximo do paciente, ocorrerá também uma zona de chamuscamento ou de tatuagem. O orifício de saída geralmente é maior do que o de entrada; não apresenta orla de contusão e de enxugo; muitas vezes, próximo ao orifício de saída, existem fragmentos de tecidos orgânicos e outros materiais (pano, couro etc.), carregados pela bala. 2. Cargas de chumbo (ferimentos por cartucheira) produzem um tipo de ferida perfurocontusa um pouco diferente: neste caso, a lesão também tem um componente de laceração, pois inúmeros projéteis atingem uma área pequena no corpo do paciente. E. Feridas lacerocontusas. Os mecanismos mais freqüentes são: (a) compressão: a pele, sob a ação de uma força externa, é esmagada de encontro ao plano subjacente; (b) tração: por rasgo ou arrancamento tecidual, como em uma mordedura de cão. Como características das feridas lacerocontusas, citamos: bordas irregulares infiltradas de sangue, ângulos em número de dois ou mais e a presença de bridas ("pontes") de pele ou de vasos sangüíneos unindo os dois lados da lesão. São freqüentes as complicações sépticas devido à ocorrência de necrose tecidual. F. Feridas perfuroincisas. São provocadas por instrumentos perfurocortantes, que possuem ao mesmo tempo gume e ponta, como, por exemplo,um canivete, um punhal etc. As lesões podem ser superficiais ou profundas e, como nas feridas perfurantes, recebem o nome de cavitárias ao atingir as cavidades serosas do corpo. G. Escoriações. Ocorrem quando a lesão surge de forma tangencial na superfície cutânea, com arrancamento da pele. Um exemplo comum seria o de uma queda com deslizamento sobre uma superfície irregular, como no asfalto. H. Equimoses e hematomas. Nas equimoses não ocorre solução de continuidade da pele, porém os capilares se rompem, proporcionando um extravasamento de sangue para os tecidos. O hematoma é formado quando o sangue que extravasa pelo processo descrito forma uma cavidade. I. Bossas sangüíneas. São hematomas que vêm a constituir uma saliência na superfície da pele. São freqüentes, por exemplo, no couro cabeludo. VI. Tratamento Os objetivos a serem alcançados ao se tratar um ferimento traumático são bastante simples: evitar infecção e buscar atingir um resultando bom, tanto no plano funcional como estético. Estes objetivos são atingidos pela redução da contaminação tecidual, desbridamento de tecido desvitalizado, restauração da perfusão e fechamento cuidadoso da pele. Ao se atender um paciente vítima de ferimento traumático, uma anamnese sucinta é realizada, procurando-se determinar a causa e as condições nas quais ocorreram as lesões. Deve-se procurar saber a respeito de: uso de medicamentos (mais especificamente anticoagulantes, corticoesteróides e drogas imunossupressoras); passado alérgico a medicamentos; diabetes; insuficiência renal crônica; estado de imunização contra o tétano; exposição potencial à raiva; presença potencial de corpos estranhos; ocorrência de lesões associadas; possibilidade de acompanhamento ambulatorial; compreensão do paciente quanto às orientações fornecidas. Deve-se observar que, nos Estados Unidos, a falha em diagnosticar um corpo estranho é a quinta causa principal de processos de pacientes contra médicos dos departamentos de emergência. É importante que seja feito um exame clínico geral objetivo, observando-se as mucosas, a pulsação, a pressão arterial, as auscultas cardíaca e respiratória, para que sejam descartados fatores complicantes em relação ao tratamento que será estabelecido. O ferimento deve ser avaliado em relação à destruição tissular presente, grau de contaminação e lesão a estruturas subjacentes (músculos, tendões, ossos etc). Para examinar o interior da ferida, devem-se usar luvas de procedimento descartáveis ou luvas estéreis. A fim de evitar contaminação adicional da lesão proveniente da boca do examinador, este deve procurar guardar uma distância adequada do ferimento ou usar máscara cirúrgica. Os passos no tratamento deverão obedecer à seguinte ordem: A. Classificação da ferida. Verificamos há quanto tempo ocorreu o ferimento, se existe ou não perda de substância, se há penetração em cavidades, se há perda funcional ou se existem corpos estranhos. A realização de exames complementares, como radiografias ou exames de laboratório, deverá ser feita na medida do necessário, avaliando-se caso a caso. B. Realização da anti-sepsia. A limpeza grosseira inicial da ferida pode ser obtida com o uso de água corrente. Alguns trabalhos internacionais procuraram verificar a contaminação bacteriana da água corrente usada para limpeza dos ferimentos. Verificou-se que bactérias patogênicas não foram isoladas de amostras de água corrente com qualidade semelhante à da água filtrada (na Inglaterra), e a conclusão destes trabalhos é de que a água que pode ser bebida poderia ser usada para lavar ferimentos traumáticos. Nos Estados Unidos, estudos feitos em animais não demonstraram diferenças na população bacteriana entre ferimentos lavados com água sob pressão (usando-se técnica semelhante à da irrigação com soro fisiológico sob pressão) e com o próprio soro fisiológico injetado no local. Faltam, entretanto, estudos clínicos confiáveis para se demonstrar que esta é uma técnica segura. No Brasil, nenhum estudo clínico seguro foi realizado até o momento para demonstrar a confiabilidade e a segurança do método de lavagem do ferimento exclusivamente com água de torneira. Um fator adicional é que a água corrente ofertada nas diversas cidades brasileiras tem qualidade bastante diferente. Ao redor da ferida, na maior parte dos casos, é suficiente a limpeza com PVP-I (Povidine®), sendo este removido posteriormente com irrigação com soro fisiológico. A limpeza ao redor do ferimento remove as bactérias da pele, responsáveis por uma grande parte das infecções observadas nas suturas de ferimentos traumáticos. A remoção de folículos pilosos ao redor do ferimento facilita a limpeza e a sutura, devendo ser feita com uma tesoura ou tonsura – o uso de lâmina de barbear para fazer a raspagem dos pêlos pode aumentar a taxa de infecção local. A sobrancelha não deve ser removida, pois pode ocorrer um crescimento irregular posteriormente. O ferimento deve ser meticulosamente limpo, basicamente com soro fisiológico. A utilização de uma esponja ou gaze estéril com compostos como o Soapex®, PVP-I ou similares pode ser feita na limpeza de ferimentos muito sujos (p.ex., por terra, material fecal ou nas mordeduras de animais), desde que venham a ser completamente removidos, em seguida, por irrigação copiosa com soro fisiológico. A água oxigenada é um bom agente para remoção de coágulos de ferimentos maiores, do tipo laceração. Entretanto, deve ser evitado o seu contato íntimo com a superfície lesada, por ela provocar necrose celular — seu uso deve ser limitado apenas ao redor do ferimento. Caso ocorra o contato da água oxigenada com a lesão, deve-se irrigar novamente o ferimento com soro fisiológico. A irrigação vigorosa de uma ferida, utilizando-se soro fisiológico sob pressão em bolus, injetado através de seringas de 20 a 65ml de capacidade e usando-se agulhas de calibre 19-21, é um método bastante eficaz para diminuir a contagem bacteriana no interior do ferimento. O volume médio de soro fisiológico injetado em uma lesão deve ser de aproximadamente 150 a 250ml. Esta técnica se tem mostrado bastante eficaz na prática e gera pressões de 15 a 40psi (libras/polegada2). Em laboratório, verifica-se que pressões de 8psi são capazes de remover bactérias de um ferimento. Pressões maiores podem causar trauma local, dependendo do tipo de tecido onde o soro sob pressão é aplicado. Entretanto, o imenso benefício da irrigação de um ferimento contaminado usando-se soro sob pressão suplanta este risco; o cirurgião deve apenas ser cuidadoso ao realizar a irrigação, exercendo, pois, a pressão mais adequada a cada local e a cada situação. O uso de frascos plásticos de soro fisiológico, sobre os quais é exercida pressão manual, conectado a agulha calibre 19 (ou perfurados por ela), é capaz de gerar pressões de 2,0 a 5,5psi. Apesar da falta de um estudo clínico a respeito, a maior parte dos autores recomenda pressões de impacto de irrigação de 5 a 8psi em ferimentos traumáticos. Assim, como a técnica com o uso de pressão aplicada nos frascos de soro fisiológico gera no máximo 5,5psi, é possível concluir de que esta técnica está desaconselhada caso haja necessidade de irrigação de alta pressão (a irrigação com alta pressão está indicada, por exemplo, em ferimentos contaminados da extremidade inferior). Sabe-se, entretanto, que mesmo a irrigação de um ferimento com soro fisiológico a baixa pressão é capaz de remover coágulos macroscópicos e contaminantes, desde que seja usada uma maior quantidade de soro (1 litro). Autores que usaram esta técnica de irrigação com soro fisiológico sob baixa pressão obtiveram índices de infecção de apenas 1,1%. C. Fazer anestesia. Este procedimento varia para cada tipo de ferida, ou seja, desde uma simples infiltração de anestésico local até anestesia geral. O uso de lidocaína tamponada ou de lidocaína aquecida torna o processo de anestesia local menos doloroso, podendo estas técnicasser usadas em feridas traumáticas sem aumentar os índices de infecção (ver Cap. 1 para informações mais abrangentes acerca dos agentes e técnicas anestésicas). D. Hemostasia, exploração e desbridamento. Nas hemorragias, a conduta varia de acordo com a gravidade da lesão e o local onde se encontra o paciente (via pública, rodovia, hospital etc.). Fora do ambiente hospitalar, na presença de sangramento externo importante, a primeira medida a ser tomada é a compressão da lesão. No hospital, em hemorragias simples, bastam o pinçamento e a ligadura do vaso. A técnica de garroteamento com um manguito pneumático é boa opção para lesões nos membros. Devemos lembrar, entretanto, que neste caso o manguito não deve permanecer insuflado por mais de 30 minutos. O uso de torniquetes feitos com madeira, cordas ou tecidos, aplicado na raiz dos membros, é contra-indicado devido ao alto número de complicações vasculares que provoca, notadamente a trombose venosa profunda. A exploração da ferida é o passo seguinte após realização da hemostasia. Verifica-se até que ponto houve lesão; a seguir, procede-se ao seu desbridamento, removendo partes necrosadas e corpos estranhos. E. Sutura da lesão. É iniciada pelos planos mais profundos. Para a musculatura, utilizam-se fios absorvíveis do ácido poliglicólico (Dexon®) ou da poliglactina (Vicryl®), 2-0 ou 3-0. Esta sutura é feita com pontos separados em X ou em U. Geralmente, não há necessidade de se suturar separadamente a aponeurose em ferimentos do tipo encontrado ambulatorialmente, sendo ela englobada na sutura muscular. Caso se faça a sutura da aponeurose separadamente, poderão ser utilizados fios absorvíveis ou inabsorvíveis, indistintamente (Fig. 2- 3). Fig. 2-3. Rafia do peritônio em sutura contínua – chuleio simples. A aponeurose está sendo fechada com pontos separados em X. Na sutura do tecido celular subcutâneo, utilizam-se fios absorvíveis (categute simples ou a poliglactina), 2-0, 3-0 ou 4-0, com pontos separados. A pele é suturada com fio inabsorvível 3-0 a 6-0, dependendo da região (p. ex., face — utilizar fio 6-0, monofilamentado) (Fig. 2-4). Nos últimos anos, os fios absorvíveis não-sintéticos de categute vêm sendo cada vez menos utilizados, devido aos problemas de reação local que podem causar. Fig. 2-4. Sutura simples interrompida. Para conseguir a eversão das bordas da ferida, a agulha deve ser colocada de forma a produzir uma alça alargada na profundidade da ferida maior do que a alça na superfície cutânea. Suturas contínuas ou mesmo intradérmicas devem ser evitadas nos casos de ferimentos traumáticos. A sutura da pele não deve ser feita sob tensão. Um outro cuidado é o de que não devemos deixar os chamados "espaços mortos" durante a rafia dos planos profundos. A Fig. 2-5 mostra um tipo de sutura intradérmica. Fig. 2-5. Sutura intradérmica. A Fig. 2-6 mostra uma sutura de pele em chuleio contínuo (estas são suturas pouco usadas em ferimentos traumáticos). Fig. 2-6. Sutura contínua. A sutura com pontos em U, como descrito acima, é mais usada em planos profundos; seu uso em suturas de pele é restrito a casos em que uma maior hemostasia é necessária. A sutura com pontos Donati é usada em feridas de pele, quando se deseja uma maior aproximação das bordas da lesão (Fig. 2-7). Fig. 2-7. Sutura de tipo Donati. Feridas de pequena extensão e pouco profundas poderão ser apenas aproximadas com uso de adesivo cirúrgico de tipo Micropore®, conforme mostra a Fig. 2-8. Fig. 2-8. Utilização de adesivo cirúrgico tipo Micropore ® para aproximar as bordas de uma ferida traumática pequena e superficial, em vez de realizar sutura convencional. A aproximação de espaços subcutâneos com pontos em excesso poderá favorecer a infecção local. Caso a lesão do tecido subcutâneo seja superficial, ele (o tecido subcutâneo) não deverá ser suturado. O uso de curativos oclusivos tem a vantagem de prevenir a desidratação e a morte celular, facilita a reepitelização, diminui o risco de infecção, acelera a angiogênese, aumenta a lise do tecido necrótico e potencializa a interação dos fatores de crescimento com suas células-alvo; a manutenção de um meio úmido no curativo se tem mostrado um poderoso aliado na cicatrização das feridas, sendo infundadas as preocupações de que a umidade favoreceria a ocorrência de infecção. A manutenção de um meio seco no local do ferimento não apresenta vantagens. Curativos hidrocolóides (Comfeel®, Duoderm®) são usados com vantagens em áreas com grandes perdas de substâncias, propiciando uma melhor cicatrização por segunda intenção. Ferimentos simples suturados podem ser limpos com água e sabão durante o banho, 24 horas após a sutura da lesão, sem qualquer risco de aumento da taxa de infecção, pois a superfície do ferimento já se encontra epitelizada. Movimentos de pressão e de tração muito bruscos sobre o local são desaconselháveis, pois podem fazer com que o ferimento seja reaberto. F. Retirada dos pontos e a aparência da cicatriz. O momento para a retirada dos pontos pode ser influenciado pela força adquirida na cicatriz, pelo alargamento da lesão cicatricial e pelo efeito cosmético inaceitável de epitelização ao redor dos pontos de sutura. Além disso, são fatores importantes: o local da lesão, a existência ou não de outras patologias (p. ex., diabetes; arteriopatia; uso de corticóides etc) e a ocorrência ou não de infeção/reação inflamatória no local. Lesões na pálpebra podem ser abordadas muito precocemente para a retirada dos pontos, pois não existe tensão (2 a 5 dias), desde que se coloque um esparadrapo de tipo Micropore ® sobre o local para manter a ferida protegida. Já em membros inferiores, devemos aguardar de 7 a 15 dias para a retirada dos pontos. Por um período variável de 3 a 8 semanas após a sutura, a cicatriz mostra-se muito aparente e avermelhada. Após 2 a 3 meses, na fase de remodelação, o aspecto da cicatriz geralmente tende a se tornar mais semelhante ao da pele circunjacente. Uma decisão de intervir na cicatriz para realizar a sua correção cirúrgica tardia (como nos casos de cicatrizes hipertróficas ou de quelóides) deveria aguardar pelo menos de 6 a 12 meses após a lesão. VII. Lesões específicas A. Mordeduras (de cão, humanas etc.). Em princípio, não devem ser suturadas, por serem ferimentos potencialmente contaminados; entretanto, nos casos de grandes lacerações e dependendo do local acometido, após anti-sepsia e desbridamento rigorosos, podem ser necessários alguns pontos para aproximação das bordas. A cobertura antibiótica é obrigatória em todos os casos de mordeduras. Naquelas lesões muito profundas, atingindo até o plano muscular, com esgarçamento tecidual, a conduta correta é aproximar os planos profundos com fios absorvíveis, os quais, por serem degradados, não mantêm um estado infeccioso local (diferentemente dos fios inabsorvíveis), deixando-se a pele sem sutura. B. Ferimentos por arma de fogo. São comuns os ferimentos à bala que atingem somente partes moles (p. ex., face lateral da coxa). A decisão de se retirar o projétil deve ser avaliada em cada caso, levando-se em consideração, principalmente, sua profundidade, a proximidade de estruturas nobres, o risco de infecção e se sua presença está levando ou não a algum prejuízo funcional. Caso haja apenas um orifício (no caso, o de entrada), este não deve ser suturado, procurando- se lavar bem o interior do ferimento. No caso de dois orifícios (entrada e saída), um deles poderá, se assim o médico desejar, ser suturado após a limpeza. A cobertura antibiótica em ferimentos por arma de fogo é discutível. A bala, em si, é estéril, devido ao seu calor, porém pode levar para o interior da ferida corpos estranhos, como couro, fragmentos de roupas etc., que podem ser de difícil remoção; nestes casos, indica-se antibioticoterapia. C. Lesões por pregos. São lesões perfurantes encontradas com certa freqüência em ambulatórios
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