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ATENDIMENTO EM REDE Prof. Paulo Sérgio Aragão AULA 6 2 INTRODUÇÃO Mediações e redes Neste espaço vamos nos dedicar ao estudo da relação entre a concepção do que vem a ser a categoria de mediações. Como já destacado anteriormente, estamos nos alicerçando nas concepções da teoria social crítica, na qual a mediação assume um papel central na constituição da sociedade e na construção sempre movediça do ser social. Até aqui, destacamos conceitos elementares para a atuação em rede, e neste espaço buscaremos ainda permear e enriquecer o debate trazendo ao centro a concepção de intersetorialidade, o que por si só já pressupõe um movimento na constituição de laços recíprocos que mais do que a somatória das partes se revela enquanto unidade de diversos. Pois bem, esperamos que estas indicações possam ainda mais contribuir para o debate e aperfeiçoamento esperado na concepção do atendimento em rede. Bons estudos. TEMA 1 - A CATEGORIA MEDIAÇÃO Neste momento de nosso estudo vamos nos dedicar a compreender o que é a categoria mediação, dentro da perspectiva teórico crítica, e como esta se revela nos processos de rede. Pois bem, partimos da concepção de Reinaldo Pontes (1995), para quem a mediação é uma categoria nuclear que se instala e se encontra entre as partes em um complexo de totalidade, estabelecendo uma relação entre o imediato e o mediato. Nas palavras do autor: “mediação é a categoria central da articulação entre as partes de uma totalidade complexa, e é responsável pela possibilidade da passagem entre o imediato e o mediato” (Pontes, 1995). Assim, compreendemos que inscrito em uma corrente de inspiração marxiana iremos desmistificar o tecido social formado de um todo complexo, que é formado por complexos menores, em que as relações entre homens e natureza e entre homens e homens não se dão de imediato, mas sim, com relações de mediações constitutivas deste próprio movimento. 3 Essas intervenções na relação com a natureza e entre homens se dão em um processo constitutivo histórico, em que o ser social se apropria de uma construção histórica, herdada e que cada vez mais se distancia do ser humano animal se constituindo em um ser social. Expressões históricas das relações que o homem edificou com a natureza e consequentemente das relações sociais daí decorrentes, nas várias formações sócio-históricas que a história registrou, sendo [...] indicadores seguros e fecundos, do ponto de vista histórico-social, por que efetivamente constituem-se na expressão concreta do envolver no processo de enriquecimento humano, na sua dinâmica de objetivar-se no mundo e incorporar tais objetivações, na sua saga de buscar mediações cada vez menos degradadas e bárbaras. (Pontes, 1995, p. 78) Assim, também Battini (2009) nos ensina que esta categoria sempre está presente na relação, seja entre os homens em suas relações sociais entre homens e destes mesmos homens com o trânsito com a natureza. Esta categoria se expressa nas concepções desmistificadoras da realidade, bem como nos instrumentos que versam e incidem sobre os fenômenos da natureza. Assim, mediações se constituem enquanto elemento que está ao meio, que permite a relação entre sujeito e objeto, entre fenômeno e sujeito, não sendo propriamente um processo, mas sendo constitutivo do modo de ser do ser social. Se, assim como dito, compreendemos a sociedade formada em um todo complexo, composta por outros complexos menores, suas relações que se articulam se dão de forma dialética, tendo como expressão da mediação os processos, a teoria, as instituições, os instrumentos, a moral e tantas outras expressões que tencionam a conexão entre esferas menores na composição deste todo, sempre em um movimento dialético. As relações entre complexos (e mesmo no seu interior) de uma totalidade concreta não se dão linearmente, de forma mecânica e unilateral, mas por instâncias e passagens que se forjam no cerne das relações sociais, nos processos de mediação. (Battini, 2009, p. 62) Fica evidente nas passagens citadas que esta categoria se expressa no movimento entre as partes, movimentos estes que se dão de forma dialética, em respostas às questões concretas que se apresentam ao mundo dos homens, que revelam os esforços destes mesmos homens na constituição de um mundo distinto do mundo natural, que é formado e formador do ser social. Assim, o movimento constitutivo do ser social se concretiza no enfrentamento de suas questões, como respostas ativas diante dos impasses, 4 sejam eles relacionais – aqui compreendido relações sociais dos seres humanos – ou no seu intercâmbio com a natureza. Mediação se faz assim como continuidade e ruptura no movimento do real. Compreender corretamente que as decisões e ações se dão sempre por meio de mediações é elemento fundamental – compreensão de que esta é categoria central compósita da realidade - para aqueles que se inserem em fenômenos sociais e buscam nestes mesmos fenômenos incidir suas ações em busca de uma melhor sociabilidade. Mas o que seria estas melhores sociabilidades? Há fórmulas pacificadas de compreensão sobre a melhor sociabilidade no mundo homens? Certamente não. Aqui, a teoria, que como já tecemos nossas considerações acerca do seu entendimento, busca reproduzir o movimento real, aproximar e traduzir concretamente os fenômenos também se revela como processo de mediação, que se traduz entre o fenômeno e sua apreensão, para daí emanar a sua intervenção. No entanto, o acúmulo histórico também revela diferentes lentes teóricas que apontam em direções distintas no que entende por melhor sociabilidade e os seus caminhos a encontrar. Com certeza tais elementos incidem mais flagrantemente em constituições multi, inter e transdisciplinar, eivando de desafios à compreensão sobre os fenômenos sociais e suas diferentes intervenções, é o nosso esforço de exposição e compreensão do tópico seguinte. TEMA 2 - MEDIAÇÃO E ATENDIMENTO EM REDE Muito bem, tendo nos esforçado para trazer elementos constitutivos do que seja a categoria mediação, buscaremos agora estabelecer uma articulação entre a perspectiva de atendimento em rede à categoria mediação. Aqui, estabeleceremos uma relação de que a constituição de redes também se revela como formas historicamente constituídas de mediação sobre os fenômenos a serem enfrentados. Assim como as políticas sociais que se apresentam às lideranças que compõem um determinado território e as relações que emanam com este mesmo território, o qual se constituindo na história à medida de suas reivindicações e organizações, estabelecendo por meio de movimentos populares e antecipações 5 do aparato estatal mediações sempre mais complexas que respondem dialeticamente a tais questões. Assim, não se trata de atribuir a categoria mediação ao processo de rede, uma vez que já destacamos que esta categoria é central e eliminável na constituição e desenvolvimento do ser social, mas sim de ressaltá-las enquanto elemento constitutivo histórico no movimento. Nos compete aqui, tão somente, apontar de forma flagrante como estas mediações podem se apresentar e quais caminhos viáveis para esta mesma mediação apontar para processos de sociabilidade que aqui manifestamos em defesa de serem mais progressistas, dentro de uma ética verdadeiramente humana. Pois bem, se concordarmos com Netto (2011), o qual afirma citando P. Togliatti, de que, “quem erra na análise erra na intervenção”, partimos daqui para traçar pistas da compreensão sobre os fenômenos sociais que se apresentam. Ao propormos ações interdisciplinares à formatação do trabalho em rede nos esforçamos a traçar conceitos a respeito desta interdisciplinaridade que se apresenta em políticas sociais distintas e múltiplas. Também registramos que a concepção em que ainda se assenta grande parte de nossas formaçõesse dá em uma perspectiva disciplinar e não interdisciplinar, o que em tempos fluídos nos apresenta desafios ainda maiores diante da complexidade que se assumem as expressões da questão social. Assim, defendendo uma postura interligada e interdependente, Mello (2010) destaca a questão da incompletude de cada serviço dentro da multifacetada expressão da questão social: Para que haja um atendimento em rede que vise ações integrais, há de se ter como princípio a incompletude técnica de um saber determinado, assim como a incompletude da instituição: nenhum técnico ou nenhuma instituição isoladamente é capaz de atender a todas as necessidades dos sujeitos. (Mello, 2010, p. 66) O que o autor destaca é que se deve ter atenção para os diferentes fenômenos e suas constituições, que requerem não apenas uma intervenção disciplinar, mas sim no universo da multi, inter e transdisciplinaridade, bem como da intersetorialidade. O autor nos revela em suas palavras um caso concreto na cidade de Santos, envolvendo um trabalho destinado a crianças. Esta ação concreta requereu uma intervenção em rede intersetorial, o que certamente também aponta para possibilidades interdisciplinares 6 compreendendo as diferentes especializações do trabalho no trato da questão social. Adiciona-se a isso a questão do território em sua vertente relacional. Ao citar tal exemplo, o autor ainda enfatiza a postura ético-política expressa em suas ações, assinalando a necessidade de se estabelecer um afinamento de conceitos quanto ao que compreende como proteção integral. Ultrapassando o foco concreto da ação descrita pelo autor, podemos abstrair em reflexões do concreto pensado de que, para estamos diante de um trabalho de rede com viés progressista e que tenha o território como chão das políticas públicas, afinar os diferentes conceitos que envolvem suas questões é ato basilar e primário esperado de seus compósitos. No trabalho de rede desse caso, apareceram questões polêmicas: sexualidade, gênero, trabalho e prostituição, sendo necessários o enfrentamento e o debate entre os diversos atores sociais para manter a rede. As diferentes formas de atuação muitas vezes criaram impasses e dilemas que evidenciavam visões diferentes sobre o problema. Foi preciso compreender os limites do processo e construir consensos a partir do debate em grupo. Em se tratando de rede, um elemento importante a se colocar é a questão da afinação de conceitos. Há interpretações, formas de agir e intervenções que requerem discussão e estudo. Isso exige algum tempo e depende de como os atores vão perceber e se comprometer nesse percurso. (Mello, 2010, p. 68) Como afirmado anteriormente, relevância do elemento teórico que nos oferece os parâmetros para compreender as particularidades de cada questão se apresenta aqui como objeto necessário de afinação e pactuação, para que assim os elementos constitutivos desta rede se apresentem na mesma direção. Outro ponto destacado é a questão ao respeito do que é decidido coletivamente, sendo este também um elemento primordial ao destacarmos aqui. Maricondi e Soares (2010) também revelam pontos interessantes que para a lógica contemporânea nos impõem uma forma de pensar. A concepção de família como expressão estratégica de sociabilidade, seja qual for o seu formato, tem sido valorizado, não apresentando de fato funções pré- determinadas na constituição de seus membros. Portanto, se a família não é mais um núcleo, e sim uma rede, nosso trabalho com ela terá de se abrir para o novo, ser mais criativo, inovador, inspirar-se no próprio modo como a família está se (re)construindo e adaptando aos novos tempos!... Todos nós, desde o nascimento, pertencemos a um contexto relacional que aqui vamos chamar de rede social primária. Ela é constituída, em primeiro lugar, pela família que nos gerou, ou que nos acolheu, seguida pelos parentes, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, enfim, todos os nossos relacionamentos pessoais. Naturalmente, sabemos que, nessa 7 dimensão relacional, os vínculos são de reciprocidade. (Maricondi; Soares, 2010, p. 73-75) As autoras sustentam ainda que a postura em rede é fundamental para agir diante das múltiplas faces da questão social e compreender a família de forma não tradicional, mas enquanto redes de socialização e proteção/desproteção é fundamental para um trabalho que busque a potencialização dos constituintes de seu território e apontem para as democratizações, sejam elas nas decisões mais triviais ou aquelas diretamente ligadas ao que coletivamente é produzido enquanto desenvolvimento humano. Pois bem, aqui destacamos algumas pistas para o agir profissional na perspectiva do atendimento em rede, compreendendo esta postura como forma explícita de mediação na dinâmica contemporânea frente aos potenciais desafios que constituem os territórios onde versam as diferentes políticas públicas. Passaremos agora a contemplar a intersetorialidade enquanto ação necessária para atuação em rede. TEMA 3 - INTERSETORIALIDADE E REDE Ao nos aprofundarmos na concepção e defesa de um atendimento junto às expressões da questão social que se expressem pela estratégia de rede, vamos contemplando e desmistificando diferentes conceitos que se apresentam basilares nesta postura. Com isso contemplamos aqui também a questão da intersetorialidade. Fuentes (2019), com base em diferentes autores, destaca que a questão da intersetorialidade está presente nas perspectivas das políticas sociais brasileiras com destaque para o processo pós-Constituição Federal de 1988. A pesquisadora afirma em sua dissertação que a expectativa e intenção da proteção integral junto às políticas sociais – com destaque àquelas voltadas a crianças e adolescentes – requerem uma concepção e atuação que ultrapassem os limites disciplinares e institucionais. Pereira (2014) destaca a concepção de intersetorialidade a qual defende. [...] remete à relação dialética; isto é, à relação que não redunda em um amontoado de partes que o constituem ligam-se organicamente, dependem umas das outras e condicionam-se reciprocamente. Trata- se, portanto, de uma relação em que nenhuma das partes ganha sentido e consistência se isolada ou separada das demais e das suas 8 circunstâncias (de suas condições de existência e de seu meio). (Pereira, 2014, p. 33) A concepção da autora a respeito do que vem a ser a intersetorialidade nos oferece uma visão privilegiada em defesa do processo de atendimento em rede. Emanam de suas palavras um processo recíproco de objetivos que se coadunam e que concebem cada ator social enquanto constitutivo no processo de proteção social. É perceptível ainda em suas palavras os desafios que podem se impor a este movimento e que somente têm potencialidades de serem superados se organicamente articulados seus atores. Fuentes (2019) soma suas considerações com Pereira (2014) quando esta afirma ser um movimento dialético que se consolida em complementariedade com os desafios impostos concretamente. Destacam as autoras que não se trata de uma mera soma de esforços, mas sim de uma projeção de unidade. Fazemos coro com as autoras acrescentando a questão do território que perpassa os atores, traduzindo-se aqui como as manifestações concretas dos desafios postos em uma perspectiva de atendimento de rede. Não se trata aqui tão somente de singularização de casos de intervenção – mesmo compreendendo a relevância que tais ações incidem sobre a proposta de atuação em rede –, defendemos uma postura de gestão de políticas sociais com recontes territoriais, intersetoriais e interdisciplinares. Assim, podemos compreender que é por meio da reciprocidade e da contradição, que são elementos constitutivos de uma relação “inter” e, portanto, dialética, que se pode produzir o movimento necessário para um processo de mudança e de superação. Nesse sentido,a relação intersetorial pressupõe atitudes ao mesmo tempo recíprocas e antagônicas e ambas as características são fundamentais para que esse tipo de relação possa construir “o novo”. (Fuentes, 2019, p. 99) Agir de forma intersetorial possibilita a superação de ações isoladas e revela o debate enquanto caminho metodológico do decidir e agir, trabalhando em prol de movimentos democráticos, superando a setorialização e a individualização de uma pretensa completude em sua ação institucional. Para Pereira (2014), também temos aqui uma ação pedagógica, ao passo que ao debater e propor ações em conjunto também se circula conceitos e concepções de fenômenos, antes apropriados de forma isolada em seus nichos institucionais. o exercício de sua constituição como unidade de diversos saberes exige a elaboração de uma concepção que, ao optar por uma dada 9 visão de mundo, terá que romper com outra que lhe é oposta. (Pereira, 2014, p. 28) Para Fuentes (2019), há uma estreita ligação entre intersetorialidade e interdisciplinaridade, uma vez que as duas apontam para uma soma, uma relação em que não se perde de vista suas especificidades, mas se coadunam no sentido de construir arranjos interdependentes e complementares em face de uma mesma situação apresentada. Surge assim uma nova compreensão e ação sobre o objeto que se apresenta aos atores sociais. A autora, ainda, embasando-se nas concepções de Pereira (2014), afirma que a intersetorialidade ultrapassa a questão meramente de estratégia de intervenção, consolidando-se como elemento político uma vez que emana conceitos e posturas distintas dialeticamente diante dos fenômenos. Aqui é flagrante o quanto a compreensão de intersetorialidade e interdisciplinaridade se convergem no processo de atendimento em rede, superando, assim, as visões e concepções segmentadas diante dos fenômenos, então a questão que se apresenta a nós é: diante de suas concepções mais vantajosas, por que se insiste em uma postura setorializada e uma concepção disciplinar? A resposta aventada por Pereira (2014) é contundente. Apresenta-se à gestão pública formas burocratizadas de controle que se revelam administrativamente mais fáceis de controle por instâncias já consolidadas anteriormente. Como vimos, tal elemento é rico demais para encerrarmos o debate por aqui. Deste modo, continuaremos as nossas considerações a respeito da intersetorialidade e o atendimento em rede no próximo tópico. TEMA 4 - INTERSETORIALIDADE E ATENDIMENTO EM REDE II Defendermos uma postura de atendimento em rede pressupõe compreender um processo de constituição das expressões da questão social como constitutivas de um movimento imanente implícito na sociedade, cujo o enfrentamento requer a aglutinação de força. Esta compreensão, está apoiada de forma que, conforme as expressões da questão social vão se complexificando, também deve se complexificar as suas respostas. 10 Tanto uma como outra - expressões da questão social e seus enfrentamentos – revelam movimento, o que nos remete a um entendimento de constituição do ser social sempre em movimento. Ainda amparados em Fuentes (2019) destacamos que as políticas sociais brasileiras não apresentaram em sua origem concepções de necessidade intersetorial, mas sim uma setorialização, imanente à própria postura disciplinar que recorta suas proposições. Assim, a autora destaca ser relativamente nova esta postura e concepção. Afirma ainda que algumas políticas sociais constituem redes internas de aporte enquanto esforços para superar os desafios impostos setorialmente, mas que a constituição de suas especializações se configuraram como respostas fragmentadas do Estado brasileiro diante das expressões da questão social. Junqueira (1999) destaca que dada a complexidade das expressões da questão social, a setorialização passa a ser um desafio junto às políticas sociais brasileiras, daí emergem enquanto estrutura do real, mediações que postulam a intersetorialidade em nossas ações. Diferentes documentos têm se erguido nesta direção, movimento este que não é acompanhado pelas estruturas burocráticas de gestão pública, com suas especializações fragmentadas expressas em orçamentos próprios. Contudo, as formas de gestão, capacidades tecnológicas e condições de financiamento de cada política pública estão longe de serem homogêneas. Portanto, a problematização da intersetorialidade deverá considerar as particularidades de cada política social. Isso não significa dizer que a trajetória de cada setor tenha se dado de maneira endógena, ao contrário, ocorreu, em grande medida, a partir da relação com os demais. (Fuentes, 2019, p. 105) Contudo, a autora adverte que implícito nesta forma inovadora de ação junto às políticas sociais também temos contornos conservadores travestidos de renovação. Aqui está se referindo à corrente neoliberal, que tem entre seus caminhos percorridos a otimização de recursos a fim de conseguir realizar mais com menos recursos. Esta abordagem não teria uma tonalidade flagrantemente nociva se a questão do fundo público não estivesse em disputa. Mas, inerente à postura neoliberal, temos sua constituição também formada por uma postura de isenção do aparato estatal com relação aos investimentos nas áreas sociais, a fim de direcionar fundo público. 11 A eficácia das políticas sociais estaria relacionada, sobretudo, à economia de recursos, sejam eles financeiros, humanos e materiais. Assim, a busca por essa eficácia gerencial com enfoque na economia de gastos poderia suplantar objetivos de cunho mais estruturantes, como a superação de uma dada realidade. Além disso, ela poderia ainda estabelecer ritos procedimentais focados no monitoramento e controle, que não atendam às exigências de uma realidade dinâmica e contraditória. (Fuentes, 2014, p. 106) Que fique evidente aqui, esta não é a postura defendida por nós, e rechaçamos suas inclinações neste sentido. Nossas afirmações vêm tão somente a acrescentar que o fundo público e as iniciativas de Estado, sejam elas de caráter estatal ou da sociedade civil organizada, contemplem a dinamicidade das expressões da questão social, façam seu enfrentamento com múltiplas especialidades que se somam em busca de soluções comuns, e acima de tudo, com o território e seus componentes relacionais. Somamos nossa postura com a de Monnterat e Souza (2014): [...] estratégia de gestão voltada para a construção de interfaces entre setores e instituições governamentais (e não governamentais), visando o enfrentamento de problemas sociais complexos que ultrapassem a alçada de um só setor de governo ou área de política pública. (Monnerat; Souza, 2014, p. 42) Diante da configuração multisetorial das políticas públicas, esta afirmação nos parece mais coerente, uma vez que não se limita apenas aos aparatos estatais, mas contempla a realidade complexa dos territórios, sendo constituído por diferentes atores da sociedade civil. A visão aqui exposta extrapola a concepção adotada por Pereira (2014), uma vez que contempla não só aquilo que é da dinâmica burocrática do aparato estatal, mas busca se aproximar do movimento concreto do território. Bronzo (2010) destaca que as respostas de intersetorialidade junto às políticas sociais revelam também a complexidade exigida ao combate das expressões da questão social, aqui entendida mais no conjunto de expressão de pobreza. A intersetorialidade na gestão é a contraface da multidimensionalidade da pobreza; a intersetorialidade é uma decorrência lógica da concepção da pobreza como fenômeno multimensional. Este é o primeiro registro sob o qual se deve examinar o tema da intersetorialidade. (Bronzo, 2010, p. 9) Sabemos que as políticas sociais não são necessariamente soluções estruturais para o combate às expressões da questão social, estando inscritas no rol dos movimentos dialéticosda sociedade capitalista contemporânea, no 12 entanto, é bem verdade de que como expressamos maiores condições de sociabilidade com maiores acessos aos frutos coletivamente produzidos, também nos movemos nesta esteira social para aprofundar nossos graus de liberdade. Pois bem, com estas expressões finalizamos as nossas considerações a respeito da intersetorialidade, compreendendo seu vínculo estreito com a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade, compreendendo ainda que não se faz intervenções sociais com a perspectiva de integralidade longe de uma postura de rede amparada no território. TEMA 5 – APONTAMENTOS E PERSPECTIVAS Chegamos até aqui percorrendo um caminho que se propôs a compreender elementos constitutivos para um atendimento em rede. Desmistificamos o conceito de Estado, em que nos apoiamos na concepção gramsciniana de Estado a fim de sinalizar as responsabilidades, seu caráter dialética, dinâmico e em construção nas relações sociais contemporâneas. Com isso contemplamos ainda a compreensão sobre as políticas sociais enquanto relações concretas e contraditórias que alcançam objetivos distintos para atores distintos, não se revelando apenas com uma única faceta, mas como elementos de movimento dialético e histórico. Compreendemos que o ser social se constrói na história sob forma concreta e expressando-se em uma dimensão espacial que pressupõe ainda o uso desta porção delimitada de espaço, trazendo assim o entendimento sob o território e sua relação com os sujeitos que ali se objetivam. Buscamos ainda nesta corrente argumentar que as medidas de proteção social configuradas no movimento dialético devem ter na perspectiva do território o seu fundamento e expressão, aqui também entendida como as diferentes expressões das redes sociais. E por falar em rede, buscamos uma aproximação conceitual dos diferentes formatos que estas expressam, compreendendo ainda que estas teias relacionais de proteção social tendem a não se isolar, buscando na intersetorialidade, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade as expressões mais fiéis de suas manifestações, sendo estas um vocábulo recorrente para aqueles que desejam uma atuação mais progressista nas políticas sociais. 13 Contudo, não seria possível trazer a questão do atendimento em rede sem expressar que tipo de participação defendemos, compreendendo aqui, caro discente, que na perspectiva de rede temos que ter a dimensão de uma participação progressista, e não apenas como um adorno, ou invólucro em que seu conteúdo passa distante de uma participação efetiva. Após tecermos nossas considerações sobre os conceitos de disciplinaridade, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, – esta última ainda por se realizar – buscamos compreender e lançar mão de uma ação que tenha em mente uma ética verdadeiramente humana, compreendendo aqui seus desafios e perspectivas concretas e historicamente construídas e/ou a serem construídas. Delimitamos aqui como a incidência da ética permearia as relações de atendimento em rede. Aqui defendemos uma construção nos valores humanos na medida ontológica dos elementos do ser social, buscando com isso incidir as posturas junto às políticas sociais em um processo que revela não apenas as necessidades imediatas, mas enquanto caminhos mediatizados nas relações do Estado com a sociedade. É aqui que as posturas de rede enquanto mediações constitutivas e necessárias junto às expressões da questão social se fazem presentes, requerendo ações de caráter mais do que setorial, mas sim em relações interinstitucionais, intersetoriais e além das materializações dos aparatos burocráticos do aparelho estatal. Esperamos que com estas indicações possamos conjuntamente construir os elementos constitutivos de uma nova postura junto às políticas sociais, requerendo assim uma visão integral e humana em suas valorações éticas que a história vem proporcionar na constituição sempre em movimento do ser social. 14 REFERÊNCIAS BATTINI, O. Atitude investigativa e prática profissional. In: A prática profissional do assistente social. Teoria, ação, construção do conhecimento, v. 1. São Paulo: Veras Editora, 2009. BRONZO, C. Intersetorialidade, autonomia e território em programas municipais de enfrentamento da pobreza: experiências de Belo Horizonte e São Paulo. 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