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Urbana Prof.ª Andressa Lídicy Morais Lima antropologia rUral e Indaial – 2022 1a Edição Elaboração: Prof.ª Andressa Lídicy Morais Lima Copyright © UNIASSELVI 2022 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI. Núcleo de Educação a Distância. LIMA, Andressa Lídicy Morais. Antropologia Rural e Urbana. Andressa Lídicy Morais Lima. Indaial - SC: UNIASSELVI, 2022. 200p. ISBN 978-85-515-0614-1 ISBN Digital 978-85-515-0615-8 “Graduação - EaD”. 1. Antropologia 2. Rural 3. Urbana CDD 306.981 Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Prezado acadêmico! Bem-vindo à disciplina de Antropologia Rural e Urbana. Este é o nosso livro didático, material elaborado com o objetivo de auxiliar e contribuir para a formação profissional e o avanço nos seus estudos. Este material lhe ajudará a conhecer um universo de muito conhecimento a respeito da vida social entre grupos humanos, a antropologia se caracteriza pelo estudo da diversidade dos modos de vida, nos proporciona um conhecimento vasto acerca das diferentes línguas, hábitos culturais, religiões, formas de direito, sentidos de justiça, artes, modos de existir e construir relações entre grupos sociais pertencentes a localidades distintas. Por isso, você pode usar este material como base para iniciar a sua imersão em um conteúdo que hoje pode parecer muito familiar, como é a cidade, a vida urbana ou a vida rural, suas formas de organização social, mas aqui você poderá conhecer um pouco do relevante processo histórico de formação e transformação da vida humana a partir dos fenômenos rural e urbano e das suas interferências e interfaces. Na Unidade 1, abordaremos como ponto de partida os estudos do urbano, isto porque a maneira como a antropologia brasileira se desenvolveu passou por diferentes expectativas de construção e aplicação de pesquisas marcadas substancialmente pelo acontecimento da Revolução Industrial e do sistema capitalista. Logo, cidade, urbano e indivíduo fazem parte de um conjunto de categoriais de análise para compreender o que é Antropologia Urbana. Em seguida, na Unidade 2, estudaremos a Antropologia Rural, durante muito tempo essa subárea ficou conhecida como “sociedades camponesas”. Seu estudo procura se relacionar por contraponto ao urbano. Abordaremos um retrato da grande diversidade social e cultural que há no rural brasileiro. A dimensão antropológica dessa área de estudos permitirá o entendimento dos indivíduos que habitam os campos, seus conflitos, seus saberes e suas lutas pelo direito à terra. Por fim, na Unidade 3, estudaremos a relação entre os estudos urbanos e rurais, sabendo que as transformações que ocorrem tanto no rural quanto no urbano interferem uma na outra. Será possível entender como vários aspectos de uma cultura estão interligados a diferentes modos de existir, assim percebidas a interface entre rural e urbano como produtora de uma riqueza de modos de vida e de conflitos sociais. Neste livro você encontrará os conteúdos que lhe serão úteis para sua formação. Entretanto, lembre-se que o conhecimento é uma fonte inesgotável e aqui é um bom ponto de partida para você navegar pela Antropologia Rural e Urbana tendo como perspectiva que essas reflexões despertem o desejo pelo conhecimento, pela investigação antropológica, pela leitura de etnografias de temas que estão movendo os debates contemporâneos. APRESENTAÇÃO Sabemos que neste livro será apresentado um conjunto de abordagens, escolas de pensamento, categorias de análise e linhas de pesquisa, fornecendo assim um mapa para facilitar a compreensão deste tema tão desafiador. Aproveite e navegue pelos estudos antropológicos. Desejo a você um bom estudo e que as leituras deste livro ampliem seus horizontes na busca por sempre renovar o interesse pelo conhecimento. Boa leitura! Prof.ª Andressa Lídicy Morais Lima Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. QR CODE Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! SUMÁRIO UNIDADE 1 — ANTROPOLOGIA URBANA ................................................................... 1 TÓPICO 1 — CONTEXTO: O URBANO, AS CIDADES E OS SUJEITOS ..................... 3 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3 2 O URBANO ........................................................................................................... 6 3 AS CIDADES ....................................................................................................... 10 4 OS SUJEITOS .................................................................................................... 15 RESUMO DO TÓPICO1 .......................................................................................... 19 AUTOATIVIDADE ...................................................................................................20 TÓPICO 2 — ENTRE ESCALAS E ESCOLAS DE ETNOGRAFIA URBANA .............23 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................23 2 ESCOLA DE CHICAGO .......................................................................................24 3 ESCOLA DE MANCHESTER ............................................................................... 31 RESUMO DO TÓPICO 2 ..........................................................................................39 AUTOATIVIDADE .................................................................................................. 40 TÓPICO 3 — MOVIMENTOS SOCIAIS, SUBCULTURAS E IDENTIDADES URBANAS .........................................................................................43 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................43 2 MOVIMENTOS SOCIAIS E SUBCULTURAS URBANAS .................................... 44 3 IDENTIDADES URBANAS .................................................................................. 51 LEITURA COMPLEMENTAR ..................................................................................58 RESUMO DO TÓPICO 3 ..........................................................................................63 AUTOATIVIDADE ...................................................................................................64 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 67 UNIDADE 2 — ANTROPOLOGIA RURAL .................................................................71 TÓPICO 1 — CONCEITOS E TRADIÇÕES TEÓRICAS NOS ESTUDOS DE CAMPESINATO E DA RURALIDADE .................................................. 73 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 73 2 OS ESTUDOS DO RURAL NA FORMAÇÃO DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA ......75 3 OS ESTUDOS DE COMUNIDADE ........................................................................89 RESUMO DO TÓPICO 1 ..........................................................................................93 AUTOATIVIDADE ...................................................................................................94 TÓPICO 2 — POVOS TRADICIONAIS E SEUS MODOS DE USO E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO RURAL .......................................................................... 97 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 97 2 ANTROPOLOGIA RURAL NO BRASIL ...............................................................102 3 CAMPESINATO .................................................................................................106 4 COMUNIDADES TRADICIONAIS ......................................................................109 4.1 INDÍGENAS ..........................................................................................................................111 4.2 QUILOMBOLAS .................................................................................................................. 114 4.3 CAIÇARAS .......................................................................................................................... 115 4.4 RIBEIRINHOS ..................................................................................................................... 116 RESUMO DO TÓPICO 2 .........................................................................................119 AUTOATIVIDADE .................................................................................................120 TÓPICO 3 — ORGANIZAÇÕES ECONÔMICAS, RELAÇÕES SOCIAIS E MORALIDADES NO MUNDO RURAL ............................................... 123 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 123 2 TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE ...............................................................124 3 IDENTIDADE, TERRITÓRIO E NOVAS QUESTÕES DO MUNDO RURAL .......... 126 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................................131 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................ 136 AUTOATIVIDADE ................................................................................................. 137 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 139 UNIDADE 3 — RELAÇÃO ENTRE O RURAL E O URBANO ...................................143 TÓPICO 1 — O CONTINUUM ENTRE O URBANO E O RURAL NA PRODUÇÃO DE IDENTIDADES SOCIAIS .............................................................145 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................145 2 ALGUMAS CATEGORIAS ANALÍTICAS ............................................................ 147 3 O RURAL E O MODERNO ................................................................................... 153 RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................158 AUTOATIVIDADE ................................................................................................. 159 TÓPICO 2 — MODOS DE PRODUÇÃO, CONSUMO E USO DE RECURSOS ...........161 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................161 2 MODOS DE PRODUÇÃO .................................................................................... 163 3 MORALIDADES ENTRE O RURAL E URBANO .................................................. 166 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................ 176 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................177 TÓPICO 3 — A QUESTÃO AMBIENTAL: TENSÕES, FRONTEIRAS E DISPUTAS ........ 179 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 179 2 NOVAS RURALIDADES .................................................................................... 181 3 NOVAS URBANIDADES ...................................................................................184 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................188 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................194 AUTOATIVIDADE ................................................................................................. 195 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 199 1 UNIDADE 1 — ANTROPOLOGIA URBANA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • identificar a formação da antropologia urbana a partir dos estudos de diferentes contextos, grupos sociais e tempos históricos; • estudar as escolas clássicas como a Escola de Chicago e a Escola de Manchester permitirá compreender as contribuições metodológicas que suas pesquisas oferecem aos estudos do rural e do urbano e suas implicações para nossa a sociedade contem- porânea; • dominar as categorias centrais do campo como o conceito de “cidade”, “metrópole”, “vida urbana” e “tribos urbanas”; • relacionar os elementos conceituais com a aplicação em estudos etnográficos para entender os efeitos das aglomerações, moradias, jornadas intensas de trabalho, precarização da mão de obra nas novas formas de organização social da vida urbana. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividadescom o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CONTEXTO: O URBANO, AS CIDADES E OS SUJEITOS TÓPICO 2 – ENTRE ESCALAS E ESCOLAS DE ETNOGRAFIA URBANA TÓPICO 3 – MOVIMENTOS SOCIAIS, SUBCULTURAS E IDENTIDADES URBANAS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 CONTEXTO: O URBANO, AS CIDADES E OS SUJEITOS TÓPICO 1 — UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A antropologia se consolidou a partir de importantes estudos etnográficos do final do século XIX. Neles, os antropólogos dedicavam-se ao estudo aprofundado de diversas sociedades, tomando como premissa entender a diversidade dos modos de vida em relação com a da sociedade do pesquisador. Assim, as ricas etnografias clássicas da antropologia colocavam em evidência um conjunto robusto de descrições dos povos com os quais conviveram em suas pesquisas, um exemplo desse tipo de trabalho é o centenário “Os Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos Arquipélagos da Nova Guiné Melanésia” do antropólogo polonês Bronislaw Malinowski, publicado em 1922. Acadêmico, a seguir você verá uma imagem do antropólogo Malinowski interagindo entre trobriandeses durante sua pesquisa de campo. Figura 1 – Argonautas do pacífico ocidental Fonte: https://bit.ly/3J5hYw6. Acesso em: 20 jul. 2022. Naquela época as investigações antropológicas concentravam-se nos estudos de diferentes sociedades ao redor do mundo e seus modos de viver. Aquelas sociedades que não pertenciam à civilização ocidental foram caracterizadas como “sociedades de pouco contato”, cuja tecnologia não era considerada desenvolvida ou que havia baixa divisão do trabalho social. Tais povos que ali habitavam foram chamados em diferentes momentos históricos de “primitivos”, “sociedades simples”, “arcaicos” ou “sociedades frias”, sempre em comparação com as chamadas “sociedade complexas” – aquelas consideradas “civilizadas”, “sociedades modernas” ou “sociedades quentes”. 4 Quer saber mais a respeito de um dos livros mais importantes da história da Antropologia? Assista ao vídeo das “Aulas abertas: teorias e histórias da antropologia – o centenário de argonautas”. Promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Campinas (UNICAMP), com a presença da Prof.ª Dra. Mariza Peirano (Universidade de Brasília): https://bit.ly/3osZpsv. DICA Acadêmico, neste momento, você pode se perguntar: quais seriam então essas “sociedades quentes”? Pois bem, já adiantamos a você: são aquelas das quais pertenciam os pesquisadores e antropólogos. Além disso, é importante que você saiba que ambos os termos, sociedades “frias” e “quentes”, foram introduzidos pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, na tentativa de identificar e classificar as estruturas inconscientes básicas que definiriam as culturas humanas. Assim, aquelas sociedades que estavam mais perto do estado de natureza cujo volume de pessoas era menor e embora dinâmicas nutriam resistência às mudanças culturais foram chamadas de sociedades frias ou simples. Por outro lado, as sociedades quentes ou complexas são aquelas marcadas pelos processos industriais e que foram afetadas pela globalização, pelo progresso e apresentam maior desarmonia e conflitos de desordem social, possuem ainda entre suas características o grande contingente populacional, históricas, estão mais distantes do estado de natureza. No entanto, essas terminologias passaram por revisões críticas dentro da própria disciplina e tem procurado no contexto contemporâneo não se referir aos povos cujas culturas se diferenciam da nossa de “primitivos”, entendendo que isto é uma forma de etnocentrismo. Aliás, importante conceito antropológico que será muito utilizado em nosso entendimento acerca da Antropologia Rural e Urbana. Abordaremos o estudo da Antropologia Rural em nossa próxima unidade. ESTUDOS FUTUROS De acordo com o antropólogo Everardo Rocha (1988), etnocentrismo é uma visão de mundo, na qual a pessoa toma seu próprio grupo como ponto de partida para avaliar e medir valores, hábitos e modelos de existências como se fossem superiores, melhores ou os mais corretos a serem seguidos e assim passa a negar a existência da diversidade. Cabe ainda destacar que o etnocentrismo é uma característica presente em qualquer sociedade ou grupo social, pois todas elas tendem a olhar umas para as outras a partir de si próprias. 5 A partir disso, outro importante conceito antropológico merece atenção: trata-se do relativismo. Este conceito possibilita o conhecimento da diversidade, entendendo os seus próprios valores e contextos, nos quais se realizam, portanto, no encontro com o “Outro” e com a diferença. Assim, o relativismo cultural nos auxilia a não hierarquizar ou emitir juízos de valor que estejam investidos de preconceitos. É importante lembrar que esse Outro se trata daqueles que não pertencem à mesma cultura que o “nós” do pesquisador. O etnocentrismo é produto do Ocidente, que toma seu estágio de desenvolvimento científico e tecnológico como o de maior grau em desenvolvimento humano, ao fazer isto analisa outras sociedades de modo a hierarquizá-las partindo de suas próprias categorias, valores e conhecimento (LÉVI-STRAUSS, 1993). Assim, uma crítica contundente ao evolucionismo praticado na antropologia, permitirá entender que "existem nas sociedades humanas, simultaneamente em elaboração, forças trabalhando em direções opostas: umas tendem à manutenção, e mesmo à acentuação dos particularismos; as outras agem no sentido da convergência e da afinidade" (LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 331). Ao adotarmos o pensamento relativista compreendemos que a diversidade deixaria de ser entendida com base em processos evolutivos e passaria a ser vista de uma perspectiva de valorização da diferença, respeitando suas configurações e as possibilidades de relações de culturas entre si. No Brasil, a antropologia tem uma longa trajetória de pesquisas versadas em estudos de populações indígenas, grupos rurais, grupos urbanos e aqueles grupos definidos conforme a divisão de classes sociais (MELLATI, 1983; OLIVEN; 2007). Essa característica é importante por nos aproximar de nossa própria disciplina aqui estudada: Antropologia Rural e Urbana. A relação entre o eu e o outro ganha agora novos contornos analíticos que privilegiam a perspectiva da alteridade. Do ponto de vista antropológico a alteridade significa que o “eu” só pode ser entendido a partir da interação que estabelece com o “outro”, tal categoria é frequentemente usada como definidora da própria antropologia, por colocar em foco a importância de estudarmos as diferenças entre várias culturas, sociedades e grupos sociais com o interesse de conhecermos e estabelecermos uma relação de respeito mútuo e aprendizado moral a partir das diferenças. Desse modo, os estudos de diferentes contextos, grupos sociais e tempos históricos permitirá compreender as contribuições dos estudos do rural e do urbano e suas implicações para nossa a sociedade contemporânea. As especificidades que estão na descrição de grupos sociais como jovens e tribos urbanas nos permitem conhecer suas práticas, consumo, formas de lazer na cidade e no mundo urbano, ao mesmo tempo em que é possível conhecermos os campesinos, seus processos de trabalho no campo, suas culturas de subsistência bem como seus rituais festivos. E, finalmente, na interação entre esses universos vastos de pesquisas e experiências vividas podemos ainda descobrir o fio invisível que permanece ligando essas interações entre o rural e o urbano no mundo contemporâneo.6 Nesse sentido, o antropólogo em campo busca reunir um vasto material que possa registrar as diferenças entre essas populações de acordo com a observação da organização social, do sistema de parentesco, do idioma daquela população, o modo como manejam alimentos, a maneira de se relacionar com os animais, as práticas rituais de magia e religião, seus sentidos de justiça e direito, assim como diferentes outros aspectos da vida social de um povo, sempre respeitando suas diferenças. A partir dessas considerações iniciais e da breve apresentação desses conceitos elementares e definidores do campo da antropologia, nos Tópico 2 e 3, abordaremos mais diretamente o urbano e o surgimento da Antropologia Urbana. Sistema de parentesco: conforme bom apontamento da antropóloga Cynthia Sarti (1992, p. 71) quando falamos em sistemas de parentesco na antropologia estamos nos referindo as estruturas formais de relação social, que resultam da combinação de três tipos de relações básicas: a) a relação de descendência, que é a relação entre pai e filho e mãe e filho; b) a relação de consanguinidade, que é a relação entre irmãos; e c) a relação de afinidade, ou seja, a que se dá por meio do casamento, pela aliança. Essas três relações são básicas e o estudo do parentesco é o estudo da sua combinação. Essas relações são a estrutura formal universal. Qualquer sociedade se forma pela combinação dessas três relações. A variabilidade está em como se faz essa combinação. NOTA 2 O URBANO Caro acadêmico, até aqui podemos considerar que você já está um pouco familiarizado com o universo da antropologia, uma riqueza sem fim de informações e conhecimento das formas de vida, agora vamos nos aprofundar um pouco no contexto da antropologia urbana, uma subárea da antropologia, na qual se dará nossa disciplina. Uma dimensão interessante é procurar entender as transformações sociais advindas com o meio urbano, isto porque tais transformações definiram uma importante agenda de estudos que cobre, principalmente, processos de mudanças sociais ocorridas após o surgimento do sistema capitalista que foi impulsionado pela Revolução Industrial. Assim, as cidades industriais são uma consequência desse intenso processo de urbanização que marca o século XIX em termos de infraestrutura do espaço social, mas também mudanças de comportamento e interação entre pessoas nesse novo contexto o que nos leva ao estudo aprofundado das diferenças, dos conflitos, das novas formas de sociabilidade nesse ambiente e muitas outras dimensões da vida social agora no meio urbano. 7 FILME TEMPOS MODERNOS – CHARLIE CHAPLIN DICA Modern Times (Tempos Modernos) é um filme do cineasta Charlie Chaplin, no qual seu famoso personagem "O Vagabundo" tenta sobreviver em meio ao mundo moderno e industrializado. Lançado em 5 de fevereiro de 1936 (Nova Iorque), com produção, roteiro, direção e música (Smile) composta por Charlie Chaplin. Fonte: https://bit.ly/2ErrXxM. Acesso em: 3 ago. 2022. Assim, um dos principais objetos de interesse de investigação científica foram as “cidades” e o “urbano”, isto porque efeitos como aglomerações, moradias, jornadas intensas de trabalho, precarização da mão de obra eram notáveis nas formas de organização social da vida urbana. As mudanças profundas oriundas desses acontecimentos modificaram a vida em sociedade não só em aspectos relacionados ao espaço, ao ambiente das cidades, mas também naquilo que se refere ao modo de habitar e os próprios indivíduos. Cientistas sociais acompanharam os primeiros efeitos dessas mudanças nas relações sociais e nas estruturas do ambiente. A partir de então a questão urbana tornou-se uma preocupação por parte de uma rede de pesquisadores interessados nas mudanças advindas desse processo de inchaço nas grandes cidades e, do mesmo modo, como isso impactava na vida rural. Muitos cientistas sociais foram contra os processos intensos de urbanização defendendo que a vida rural com hábitos e população mais homogêneas era uma forma de vida cujos laços sociais eram mais intensos e detentor de maior qualidade. Naquele momento, a vida rural passou a ser modificada com eventos como a migração e o êxodo cada vez mais presentes e intensificados. https://bit.ly/2ErrXxM 8 Em 1903, o sociólogo alemão George Simmel publicou um interessante ensaio intitulado “A metrópole e a vida mental”, e trouxe para o debate científico no campo das ciências sociais essas preocupações em torno das mudanças no binômio rural e urbano. Simmel apresentou um impressionante olhar sobre os estilos de vida urbanos e a questão da personalidade nesse contexto. Sua contribuição observa a organização social e as práticas culturais que caracterizavam as áreas urbanas como consequência da grande aglomeração de pessoas. Em sua rica descrição, somos instigados a perceber as características físicas da cidade em correlação com as características sociais de seus habitantes. Simmel, que era filho de industrial, observava as transformações a partir da cidade de Berlim, onde nasceu. Percebia a mudança de sua cidade natal a partir de uma moderna aglomeração urbana, caracterizada pelo enorme fluxo de pessoas, presença intensa de comércios, práticas de prostituição, assim como uso de bondes e elevada circulação de dinheiro. Para Simmel, Berlim era um modelo da cidade moderna, mais até do que Londres, por ter experimentado um processo tardio de industrialização. A partir da observação sistemática, isto é, uma observação regular da metrópole, o sociólogo alemão encontrou o cenário de seu diagnóstico a respeito da modernidade. Naquele momento Simmel estava diante de um “campo empírico” de experiências de proximidade e a partir disso foi possível elaborar suas reflexões com base nas tensões modernas entre a experiência do indivíduo e da sociedade ou, dito de outro modo, “a base psicológica do tipo metropolitano de individualidade consiste na intensificação dos estímulos nervosos, que resulta na alternação brusca e ininterrupta entre estímulos exteriores e interiores” (SIMMEL, 1979, p. 14). A descrição minuciosa de Simmel forneceu bases teóricas e analíticas essenciais para o desenvolvimento de uma sociologia urbana, posteriormente, também de uma Antropologia Urbana. Além de observar a sociabilidade ali contida, Simmel aprofundou sua análise das emoções e os sentimentos que estavam presentes naquela intensa mudança na vida citadina. Era assim que seu texto se tornava um clássico para os estudos de Antropologia Urbana, nos fazendo mergulhar em uma análise contundente das emoções e as subjetividades no interior de uma grande metrópole. Abordaremos o estudo da migração e do êxodo rural no Brasil na próxima Unidade deste livro, quando aprenderemos Antropologia Rural. ESTUDOS FUTUROS 9 Sua narrativa coloca em evidência aspectos como “a intensificação da vida nervosa”, seu fundamento psicológico e as consequências de uma vida agitada, com alta concentração de indivíduos e que produz menos consciência das diferenças. O raciocínio sociológico de Simmel atua em distinções importantes para compreender a dinâmica do fenômeno urbano, quando ele problematiza diferentes dicotomias (individuo/sociedade, cidade/campo, intelectual/sentimental, cultura subjetiva/cultura objetiva). Uma das principais contribuições está na maneira de observar as emoções oriundas do urbano, da cidade, da intensa relação de indivíduos que passam a naturalizar um ritmo de vida acelerado, um código temporal medido em relógios para marcar o tempo do trabalho, a experiência coletiva de deslocamento em transportes coletivos, quando passa a ser dominante os “egoísmos econômicos” e, portanto, a presença maiscomum do sentimento de indiferença. O dinheiro, também um objeto de sua análise, é um elemento importante para entender a vida urbana, isto porque, por meio desse novo sistema econômico, o dinheiro valida a relação de interdependência que se constitui essencial no mundo da metrópole urbana, pois o indivíduo que agora passa fazer parte dessa dinâmica urbana está imerso em um tipo de economia monetária que lhe confere um conjunto de práticas essenciais ao seu cotidiano: “comparações, cálculos, determinações em numéricas e reduções de valores qualitativos e valores quantitativos” (SIMMEL, 2013, p. 315). O dinheiro será um meio de acesso à bens, mas também uma forma de medir valor para objetos, pessoas e relações, além de abrir um campo vasto para as formas de consumo. A cidade produz efeitos na vida urbana, na sociabilidade e mesmo na psicologia humana. A “atitude blasé”, por exemplo, é uma consequência da vida urbana e produto de um excesso de estímulos nervosos, “é o embotamento em relação a distinção das coisas”, aponta Simmel (2013, p. 317). Assim, um indivíduo que seria visto como antissocial pois não se relaciona com os outros, na verdade estabelece uma relação de indiferença com a multidão, ele caminha no meio dela, mas não interage com ela. O indivíduo urbano na metrópole faz questão do anonimato, é indiferente, não manifesta suas reações. Vejamos um exemplo disso. Um dos acontecimentos mais comuns no cotidiano de uma metrópole urbana é estarmos nos deslocando de casa para o trabalho ou de casa para a escola e somos surpreendidos por um acidente de carro no meio de nosso percurso habitual. Um indivíduo de “atitude blasé” não vai parar ou interromper seu percurso para observar, pelo contrário, ele verá o acidente, mas vai seguir adiante sem estabelecer uma intencionalidade sobre aquele evento. Em outras ocasiões, podemos ter como exemplo, aquele indivíduo que caminha livremente pela cidade para “flanar”, isto é, sem pretensão de estabelecer uma intencionalidade de encontro com outros indivíduos, mas apenas estar por estar caminhando pela rua. Estas seriam análises feitas por Simmel (2013) sobre o urbano e como ele produz novos acontecimentos na vida social, o autor nos apresenta as experiências e percepções da singularidade nesse novo lugar. O indivíduo citadino é então apresentado pelo autor como aquele que cultiva o anonimato e o individualismo, às vezes são considerados como “frios e sem ânimo” ou como indivíduos que nutrem 10 uma “atitude de reserva” no meio social. Nas descrições do contexto de surgimento do fenômeno urbano, a vida na cidade é definida por uma alta diferenciação social, e Simmel (2013) destaca um conjunto de práticas de sociabilidade, assim como de atitudes psicológicas (“leve aversão”, “repulsa mútua”, “indiferenças” e “aversões”) que serão próprias desse meio urbano. Menos interessado em emitir um juízo de valor sobre essas mudanças, Simmel (2013) nos estimula a pensar os efeitos sociais dessas transformações no meio urbano, considerando que a presença intensa de um quantitativo elevado de indivíduos no mesmo espaço gera novas formas de interação que terão efeitos em escala individual e coletiva. Isto deve ser mais bem compreendido como um efeito da forma de relação social experimentada na cidade moderna. Não é ausência do “social” ou do “coletivo”, mas uma nova morfologia do social e de uma presença “quantitativa” do coletivo. Para Simmel (2013), um dos sentidos adquiridos pela vida na metrópole é o conjunto de transtornos e adversidades para acomodar seus acontecimentos, múltiplos, descontínuos, acelerados e inesperados, sempre orientando o indivíduo a ter a razão como precedência para organizar sua vida na metrópole. A seguir, conheceremos detalhes desses processos a partir do estudo de outras categorias analíticas importantes para o campo da Antropologia Urbana na forma como se desenvolveu no Brasil. 3 AS CIDADES Caro acadêmico, a reflexão que propomos aqui permitirá a você o entendimento da complexidade das mudanças da cidade moderna, principalmente nas grandes metrópoles, ao observarmos como esse evento influenciou decisivamente para a consolidação de pesquisas e escolas de investigação dessa área de conhecimento. A segunda metade do século XIX marca profundamente o interesse de diversos estudiosos pertencentes a áreas diferentes na busca pelo entendimento do que estava acontecendo no contexto de grande efervescência por onde surgiam as grandes metrópoles urbanas e é aqui que a cidade assume relevante interesse, tratada enquanto uma categoria de análise científica e um objeto de investigação desse fenômeno urbano. Na antropologia, usamos o termo morfologia social para descrever de que maneira uma sociedade está estruturada. O estudo dessas estruturas permitiria ao antropólogo entender como funcionava e de que maneira estariam interligadas as diferentes partes que integram uma sociedade. NOTA 11 Em seu famoso ensaio “A cidade: sugestões para a investigação do comporta- mento humano no meio urbano”, publicado originalmente em março de 1916, Robert Ezra Park definirá cidade como um “estado de espírito, um corpo de costumes e tradições e dos sentimentos e atitudes organizados, inerentes a esses costumes e transmitidos por essa tradição”. Em outras palavras a cidade é para este autor um laboratório para entender os processos sociais, Park (1979, p. 26) ainda diz “a cidade não é meramente um mecanismo físico e uma construção artificial. Está envolvida nos processos vitais das pessoas que a compõem; é um produto da natureza, e particularmente da natureza humana”. Ao mesmo tempo que alguns estudiosos precipitam uma definição de cidade como uma unidade geográfica e ecológica de um tipo social produto da ação humana, ela também é percebida como o lugar das transações políticas e econômicas e de construção dos novos modos de vida. Desse modo, Park insiste em nos aproximar de uma definição de cidade que procura considerar nuances presentes nesse meio social. Ele observa as mudanças de densidade populacional, assim como o espalhamento das vias de circulação para automóveis, a construção das rodovias, a expansão das profissões, e a intensidade do fluxo urbano que caracterizam o perfil das cidades. A partir desse ponto de vista podemos perceber alguns fatores que são considerados primários na abordagem da cidade, aquilo que motivou um intenso grupo de pesquisadores em uma investigação científica sobre tais transformações. Hoje podemos facilmente entender as rotinas de circulação, navegação e movimento do trânsito na cidade urbana, nas grandes metrópoles, porém naquele momento isso não era tão simples. Fatores como transporte e comunicação, por exemplo, eram importantes dimensões da vida social, pois interferiam na circulação, a mobilidade e o acesso da casa ao trabalho na vida urbana, à época serviços como as linhas de bonde eram mais popularizadas, serviam para deslocar os trabalhadores em seus destinos e objetos como o telefone, os jornais impressos e a publicidade organizavam a comunicação e a propagação de informações. Tudo isso fazia parte de um conjunto muito recente de objetos, formas de viver na metrópole ou de organizar o tempo que não faziam parte da rotina ou dos modos de viver encontrados na vida rural. Só para que você, acadêmico, tenha uma ideia mais clara do que significam essas transformações, tente exercitar o pensamento comparativo, as diferentes maneiras de se comunicar que existiam antes e que temos agora. Se antes da revolução industrial o uso de animais para transporte era mais comum, com a chegada da indústria automobilística vamos aprimorando o uso de transportesintroduzindo o bonde, o ônibus, o carro particular, o carro de aluguel, o táxi, o metrô, o trem, dentre outros. Na comunicação ainda é mais interessante se considerados a presença dos smartphones que tudo podem fazer a um toque das mãos, mas antes a comunicação era por cartas, correspondências, anúncios públicos em jornais impressos, panfletos ou recados. 12 A Revolução Industrial foi um acontecimento histórico que revolucionou as formas de viver em sociedade, transformando aspectos físicos, espaciais e coletivos como também aspectos da vida mental, da subjetividade, das emoções e moralidades entre os indivíduos. De acordo com o antropólogo brasileiro Gilberto Velho, no Brasil, até mais ou menos os anos 1970 os eixos de pesquisa dominantes na antropologia eram a etnologia, as relações interétnicas e os estudos camponeses ou estudos tradicionais, todos eles estavam dentro dos chamados “estudos de comunidade”. Conforme veremos adiante foi mais precisamente neste período que os estudos urbanos ganharam outro enfoque, assim a cidade passou a ser um objeto de interesse científico e um campo fértil de estudos para antropólogos brasileiros interessados em estudar as “redes” e os “sistemas de relações” que se referem às interações sociais (VELHO, 2003, p. 11-12). Diferente das etnografias clássicas entre os Trobriand ou os Nuer, na antropologia urbana a descrição das práticas culturais se torna um desafio ao antropólogo porque nas cidades a cultura é organizada de formas muito diferentes e concentram uma riqueza de conhecimento sobre pessoas, espaços e modos de habitar centrais para o entendimento do meio urbano. Não por acaso Gilberto Velho (1987) escreve, em “Observando o familiar”, a respeito da dificuldade em estabelecer métodos e técnicas de pesquisa que captem a riqueza dessa diversidade pois estamos tão imersos na vida citadina, que é muito provável que jamais pensemos sobre “o que sempre vemos e encontramos pode ser familiar, mas não é necessariamente conhecido”. No Brasil, após os anos 1970 a cidade passará a ser considerada um objeto para a investigação antropológica que se orienta pelo estudo das relações e interações com outros atores sociais. De acordo com o antropólogo brasileiro Guilherme Magnani embora a cidade fosse lugar de importantes etnografias antes desse período, seu foco estava no “estudo de culturas indígenas e seus contatos com a civilização; o estudo das culturas caboclas; e o estudo da aculturação de certos grupos étnicos e raciais, como negros, japoneses, alemães etc.” (MAGNANI, 1996, p. 8). As cidades se tornariam um grande desafio científico, pois agora tinha-se um laboratório de estudos e problemáticas que poderiam ser investigadas a partir de uma perspectiva antropológica. Este novo espaço social trouxe junto com suas modificações espaciais as mudanças internas na vida dos próprios indivíduos. É importante também termos clareza de que a cidade é uma categoria polissêmica, isto é, varia de um lugar para outro mesmo que possam ter aqueles elementos comuns a cada uma delas, sempre encontraremos singularidades a respeito de cada uma delas. Nesse sentido, a cidade é parte de uma reflexão antropológica sobre o urbano e compreende um conjunto de informações de sequências da vida urbana que são coletadas pelo antropólogo e que representam apenas uma ínfima parte desse todo social do mundo urbano. Não é por acaso que a antropologia urbana brasileira crescerá com bastante fôlego em pesquisas empíricas, pois há um universo de conhecimento 13 de narrativas, experiências, práticas, arranjos de organização social e de gestão administrativa que varia de uma cidade para outra. O conjunto dessas informações possibilita, do ponto de vista antropológico, um conhecimento vasto e diversificado a respeito dos diferentes modos de vida no meio urbano. Qual seria, então, a contribuição específica da antropologia nesse entendimento da cidade e o meio urbano? Podemos definir dois critérios iniciais, a saber, o primeiro responde ao tipo de trabalho de investigação científica que se ocupa das relações em escala microssociais. O segundo, está mais associado ao modo de fazer pesquisa etnográfica em que o antropólogo baseia suas atividades de pesquisa em uma coleta de dados de primeira mão, isto é, ele está em campo e faz suas próprias perguntas, observa e interage face a face com a população e o local de sua observação. Essa prática científica oferece uma percepção mais apurada sobre o contexto pesquisado, pois baseia-se em uma relação direta com os interlocutores da pesquisa. Desse modo, a cidade aparece como um elemento chave para a compreensão de uma realidade cada vez mais complexa e heterogênea, em termos de indivíduos, práticas culturais e questões sociais. Conforme já vimos com Simmel (1979) e Wirth (1979) isso pode aparecer na descrição de aspectos de personalidade e hábitos culturais, como também revela nuances da vida social. NOTA Quando nos referimos ao termo microssocial, estamos falando dos processos por meio dos quais as pessoas constroem suas relações de interação, em perspectiva de escala, nos referimos às interações face a face entre pessoas de uma mesma família, grupo juvenil, vizinhança e assim por diante para estudar a integração do indivíduo e sociedade. São relações mais próximas, rotineiras, entre poucos parceiros. Para entender melhor, notem que usamos o termo macrossocial quando queremos designar outras relações, aquelas que dizem respeito ao Estado, sistema político ou modelo econômico, estas são relações estruturais, que estuda a estrutura da sociedade buscando entender o seu modo de funcionamento, quais os mecanismos e as partes que compõem uma sociedade e como se articulam. A cidade não somente é, em graus sempre crescentes, a moradia e o local de trabalho do homem moderno, como é o centro iniciador e controlador da vida econômica, política e cultural que atraiu as localidades mais remotas do mundo para dentro de sua órbita e interligou as diversas áreas, os diversos povos e as diversas atividades em um universo” (WIRTH, 1979, p. 91). Para termos uma noção mais concreta dessas múltiplas percepções que a cidade pode revelar da vida social, consideremos a coexistência de práticas individuais inseridas em um espaço social e culturalmente diferente daquele encontrado na vida rural. Se, por um lado, aqueles indivíduos que migram da zona rural para o meio urbano 14 veem a cidade como uma fonte de oportunidades, liberdade e futuro da modernidade, noutros termos, “a cidade é encarada como um espaço de liberdade e possibilidades, na medida em que o emprego regular é visualizado como uma segurança e independência, inexistentes no campo” (OLIVEN, 2007, p. 36). No Brasil, o fenômeno do êxodo rural marcou significativamente o contexto e a organização social do país, traduzindo um longo processo entre os anos de 1960 e 1980 em que indivíduos e famílias inteiras abandonaram suas residências fixas na vida rural com destino às grandes metrópoles em busca de melhores oportunidades de sobreviver – principalmente aquelas populações mais empobrecidas do interior do Brasil, que sofrendo com a seca, como foi o caso da região nordeste, ou com a escassez de oportunidades, como é o caso da região norte, buscavam nas cidades em grande desenvolvimento um destino para modificar sua vida e de sua família. Nesse período, em torno de 27 milhões de brasileiros saíram da zona rural para a zona urbana. O crescimento da indústria e das próprias cidades eram vistas como oportunidades de trabalho para esses trabalhadores que agora estavam despossuídos de oportunidades de subsistência. Sem esquecermosque também nesse período o intenso processo de mecanização das atividades produtivos substituíram a mão de obra humana por máquinas (ALVES; SOUZA; MARRA, 2011). Essas são mudanças significativas da realidade brasileira e os antropólogos que antes se mostravam preocupados se teriam ou não o que pesquisar após os intensos processos de urbanização da vida social, passaram a perceber que agora deveriam lançar seu olhar sobre os acontecimentos do cotidiano vivido nas grandes cidades, procurando entender como esses indivíduos que passam a habitar a cidade interpretam, agem, escolhem, modificam ou guardam traços pessoais de sua vida rural no espaço urbano. Nesse sentido, a antropologia urbana dava seus primeiros e principais passos na direção de uma renovação da própria disciplina que agora permitia um desafio de compreender a realidade urbana assim como estavam acostumados a fazer em relação às sociedades “simples”, seu clássico objeto de estudo. Há também novidades nesse novo fazer antropológico na cidade, em que pese o ajuste das lentes de observação e pesquisa sobre os acontecimentos no universo de indivíduos que compartilham seu local de vivência, fala o mesmo idioma e compartilha um universo de práticas culturais comuns. Assim, os antropólogos urbanos passaram a aplicar os métodos de pesquisa próprios da antropologia, a etnografia e a observação participante (MALINOWSKI, 1978), para estudar aspectos da vida social no contexto urbano. Assim, definiam duas importantes linhas de pesquisa: aquela que procurava colocar ênfase nos indivíduos e suas práticas sociais e outra que dava ênfase nos estudos do território onde estavam situados, entendendo a cidade e o urbano como aquele espaço social constitutivo da ação desses indivíduos. 15 Caro acadêmico, você já pode se familiarizar um pouco com as principais re- ferências e aspectos das mudanças com a introdução da vida urbana, olhamos para os fenômenos sociais mais amplos e nos aproximamos de um conjunto de categorias conceituais importantes para entendermos essas mudanças e nos aproximar de um exercício reflexivo em que de forma autônoma você possa refletir sobre essas transfor- mações usando esse mapa conceitual. Agora, no próximo, vamos fazer um mergulho nesse sujeito social, aquele indivíduo que chega no meio urbano e como ele é afetado por esse novo lugar. 4 OS SUJEITOS Robert Ezra Park (1979, p. 28), proeminente representante dos estudos urbanos desenvolvidos na renomada Escola de Chicago, afirmava em 1916 que “o homem civilizado é um objeto de investigação igualmente interessante, e ao mesmo tempo sua vida é mais aberta à observação e ao estudo”. Nesse sentido, o indivíduo urbano passou a ser visto como um sujeito dotado de diversidade cultural, e justamente por isso, renovava o interesse e a atualidade da Antropologia e do fazer antropológico que em muito poderia contribuir para entender os problemas urbanos postos com a chegada em massa de indivíduos às grandes cidades. Os clássicos estudos de Simmel e Wirth, aqui já mencionados, nutriam pesquisas com reflexões a respeito desse processo de individualização nas cidades, considerando a questão do individualismo urbano uma importante porta de entrada para compreender o modo de vida urbano. Se tomarmos o exemplo da cidade de Chicago, na década de 1930, facilmente entenderemos quais as motivações de estudos nesse segmento. Ora, nesse período, Chicago era a segunda aglomeração urbana dos Estados Unidos e a quinta do mundo com uma população estimada em três milhões de habitantes, vindos de todas as partes do país e do mundo. Problemas sociais como segregação, delinquência, criminalidade, desemprego, formação de guetos, logo se tornariam temas pungentes de investigação. O que caracteriza o fazer etnográfico no contexto da cidade é o duplo movimento de mergulhar no particular para depois emergir e estabelecer comparações com outras experiências e estilos de vida – semelhantes, diferentes, complementares, conflitantes – no âmbito das instituições urbanas, marcadas por processos que transcendem os níveis local e nacional (MAGNANI, 1996, p. 3). Agora falávamos de cidade como o mundo social do indivíduo urbano, este não era mais considerado um mero estrangeiro individualista, e as etnografias passaram a mostrar a diversidade de sujeitos sociais que estavam reunidos em torno de uma mesma localidade. Os estudos antropológicos demonstrariam que a cidade passaria a constituir seu próprio modo de vida urbano, no qual há uma vasta heterogeneidade de sujeitos como o migrante, o estrangeiro, o malandro, o criminoso, 16 o desviante, o sofisticado, o burocrático, todos tipos sociais de um lugar próprio aos projetos de interação do mundo urbano. O grau de sociabilidade é muito variável e vai sendo moldado com o passar do tempo e o habitar das cidades urbanas, se no início do processo de intensa urbanização os indivíduos eram percebidos como um tanto mais impessoais em relação uns aos outros, com efeito, o passar do tempo mostra novas formas de estabelecer sociabilidade e integração afetiva nesse mundo urbano. As redes de parentesco e amizade ganham novos contornos sociais disputando a intensa impessoalidade comum em lugares como aeroportos, estações de metrô ou rodovias, exemplos de uma intensa e concentrada multidão. Nesse momento já encontramos espaços de convivência para a sociabilidade como casas de show, casa de terreiro, igrejas, centros comunitários, clubes de lazer que se organizam e ancoram as relações sociais de afinidade e pertencimento com uma familiaridade já configurada do espaço urbano, da cidade vivida. Muitos jovens passaram a compartilhar espaços comuns para viverem suas práticas de lazer e afetividade. As famílias de classe média acostumaram-se com a ida frequente aos clubes de lazer particulares, os praticantes de religiões de matriz africana consolidavam seus terreiros e casas de santo como espaços de sociabilidade e práticas de rituais, jovens de diferentes sexualidade passaram a frequentar e construir espaços para práticas de uma sexualidade livre em clubes noturnos, velhos senhores frequentemente passaram a se encontrar na praça do bairro para jogar dominó e cartas, assim como foi possível notar a formação de bairros de acordo com o pertencimento étnico, a exemplo do bairro da Liberdade em São Paulo. “A sociabilidade é a forma pela qual os indivíduos constituem uma unidade no intuito de satisfazer seus interesses, onde forma e conteúdo são na experiência concreta processos indissociáveis” (SIMMEL, 2006, p. 65). NOTA 17 Que tal conhecer um pouco mais das questões de gênero, sexualidade e antropologia? Espia essa dica de Podcast: Gênero, Sexualidade, Antropologia, Quadrinhos | HQ Sem Roteiro Podcast: Monique Malcher estudou Jornalismo na Universidade da Amazônia (UNAMA) e se formou com um TCC sobre Superman. No entanto, muito do que ela lia nos quadrinhos de super-heróis não a tocavam em sua realidade, não por serem obas de ficção, mas por não dialogarem com quem ela era. Até que Fun Home, HQ da estadunidense Alison Bechdel, apareceu em suas mãos e sua vida mudou. Monique hoje faz mestrado em Antropologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) com um estudo sobre quadrinhos, gênero e sexualidade, focado principalmente nas graphic novels Fun Home e Azul é a Cor Mais Quente, da francesa Julie Maroh. No HQ Sem Roteiro Podcast de hoje, conversamos sobre etnografia, performance de gênero, heteronormatividade e muito mais. Taca o play! Fonte: https://apple.co/3cLyc1D. Acesso em: 20 jul. 2022. INTERESSANTE O que se percebe com a intensificação da urbanização é a presença de novas estratégias de organização dos laços familiares e afetivos na cidade. Assim, surge também a necessidade dos citadinos de estabeleceruma relação com o espaço, a cidade, o urbano e suas atividades de simbolização, rituais ou festivas. Para os sujeitos sociais a cidade pode ser familiar, mesmo mantendo uma relação descontinuada entre o conhecido e não conhecido, entre o familiar e o distante. Dessa maneira, a tensão entre mundos que pareciam distantes e incompatíveis passará a determinar novas possibilidades de conexão, relações e pertencimentos que determinam à nossa maneira de estar na cidade. Identidade e alteridade passam a fazer parte de um binômio característico da antropologia urbana, onde se percebe por quais condições e possibilidades é possível vivenciar a vida citadina com proximidade e criação de vínculos. A construção da identidade e a criação de espaços e guetos que definem um grupo social também é uma forma de dar sentido e apropriação ao espaço da cidade onde esses sujeitos vivem. As chamadas culturas urbanas revelam na verdade um conjunto robusto de diferenças entre grupos sociais que fazem parte desse meio urbano. Eles podem aparecer como estratégias de inclusão e participação ou como agrupamentos que se conectam e praticam exclusão por meio de “bloqueios culturais”. Nesse sentido, cultura seria definida como todo o modo de vida, seus hábitos, suas instituições, seus idiomas e formas de linguagem, bem como uso de símbolos e códigos escritos e morais. Na antropologia urbana, a partir da observação dessas mudanças e formação das metrópoles urbanas, era possível descrever e conhecer uma riqueza de práticas, grupos e comunidades culturais ali presentes. 18 A essa altura cabe considerar que aspectos foram sendo transformados entre o contexto de surgimento das cidades industriais e as cidades urbanas da maneira como habitamos hoje em dia. No início, as pesquisas colocavam uma ênfase a respeito da questão macrossociológica procurando entender as instituições, a estrutura e os componentes que fazer o urbano e a cidade, deixando de lado o interesse pelos sujeitos em sua dimensão microssociológica. A maioria das descrições davam ênfase ao caráter estrutural que modificava e introduzia outros modos de vida no mundo urbano, mas a antropologia urbana no Brasil passou a dar visibilidade a um conjunto de vozes de moradores da cidade que são diferentes. Assim, o enfoque será para uma análise em microescala da questão urbana. Essa mudança de perspectiva fará com que a antropologia urbana revise questões epistemológicas a partir da diferença entre uma antropologia da cidade, aquela que se afina com à sociologia urbana e que pensa a cidade a partir de sua totalidade, e a antropologia na cidade que tentará mostrar as dinâmicas da vida urbana e seu cotidiano a partir das relações ali contidas, olhando para os atores sociais mais do que para a estrutura da cidade. É assim que há uma mudança de escalas e uma consolidação de uma agenda de pesquisas em antropologia urbana no Brasil que dará revelo às múltiplas manifestações culturais, a diversidades de grupos e comunidades sociais no meio urbano, práticas de resistências e aos conflitos urbanos. 19 Neste tópico, você aprendeu: • O contexto de surgimento dos estudos urbanos com o advento da Revolução Industrial e do Sistema Capitalista foi modificando o campo de estudos da antropologia clássica para as novas formas de vida no meio urbano. • Os principais conceitos da antropologia como sociedades simples e complexas, etnocentrismo, relativismo cultural, alteridade, assim como a importância do método etnográfico e o uso da etnografia a partir das contribuições de Bronislaw Malinowski e a técnica da observação participante. • A definição de categorias centrais do campo da antropologia urbana como cidade e urbano. Além disso, estudamos as mudanças ocorridas na formação das cidades e do modo de vida urbano interferindo sobre estratégias de organização dos laços familiares e afetivos na cidade e, como apontado por George Simmel, os impactos da metrópole sobre a vida mental. • Algumas das principais influências teóricas do campo de formação da Antropologia Urbana americana como Robert E. Park e Louis Wirth, assim como as contribuições de George Simmel e no Brasil a importância dos estudos de Gilberto Velho e Guilherme Magnani. • As contribuições da Escola de Chicago e da Escola de Manchester na construção e consolidação de pesquisa sobre o fenômeno urbano no Brasil. Estudamos também a importância dos estudos de interacionismo simbólico, pragmatismo e as análises situacionais e de redes sociais, respectivamente. RESUMO DO TÓPICO 1 20 1 Com base em nossos estudos, há uma contribuição específica da antropologia para o entendimento da cidade e o meio urbano. Sobre ela, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A antropologia observa e interage face a face com a população e o local de sua observação. Essa prática científica oferece uma percepção mais apurada do contexto pesquisado, pois se baseia em uma relação direta com os interlocutores da pesquisa. b) ( ) A antropologia propõe uma investigação etnográfica baseada em análise de dados quantitativos. c) ( ) A antropologia inaugura o método de pesquisa chamado grupo focal e suas primeiras pesquisas foram realizadas com sociedades primitivas. d) ( ) A antropologia trabalha com pesquisa operacional, conta com o apoio e a decisão de um único entrevistado para definir seu campo de pesquisa. 2 Em 1903, o sociólogo alemão George Simmel publicou um interessante ensaio intitulado “A metrópole e a vida mental”, e trouxe para o debate científico no campo das ciências sociais as preocupações em torno das mudanças do modo de vida entre mundos rural e urbano. Com base nas definições dos enfoques dessa abordagem de Simmel, analise as sentenças a seguir: I- Uma das principais contribuições está na maneira de observar as emoções oriundas da cidade urbana definida pela intensa relação de indivíduos que passam a naturalizar um ritmo de vida acelerado, adotam um código temporal medido em relógios para marcar o tempo do trabalho e afrouxa as relações sociais de amizade, família e vizinhança. II- A vida citadina é uma grande possibilidade de estreitamento dos laços sociais, segundo Simmel, os indivíduos tendem a exercer mais livremente os afetos e passam a maior parte de seu tempo flanando em parques e caminhadas para estar por estar com quem pessoas que querem se relacionar. III- A experiência coletiva de deslocamento e o inchaço das cidades modernas, favorecem o excesso de individualismo e isso passa a ser dominante na formação psíquica e social do indivíduo, quando os “egoísmos econômicos” emergem e o sentimento de indiferença se manifesta em atitude blasé. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I e II estão corretas. b) ( ) Somente a sentença II está correta. c) ( ) As sentenças I e III estão corretas. d) ( ) Somente a sentença III está correta. AUTOATIVIDADE 21 3 “O urbanismo como modo de vida” do sociólogo estadunidense Louis Wirth (1979) é considerado um importante estudo para a abordagem do urbano na antropologia brasileira. O autor é considerado um dos mais notáveis estudiosos do fenômeno urbano nos Estados Unidos e foi muito influenciado pela sociologia de Simmel. A partir das contribuições de Wirth, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: Fonte: WIRTH. L. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO, O. (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979. p. 89-112. ( ) A entidade tem como objetivo a inserção da Engenharia de Produção na comunidade científica e produtiva no sentido de promover o desenvolvimento social. ( ) A ABEPRO Jovem é responsável pela congregação detodos os profissionais inativos de Engenharia de Produção e busca articular com empresas e instituições de ensino. ( ) A ABEPRO tem como missão assegurar à sociedade a busca permanente de uma prática correta e responsável dos profissionais de Engenharia de Produção. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – F – F. b) ( ) V – F – V. c) ( ) F – V – F. d) ( ) F – F – V. 4 A antropologia é uma ciência social que pode ser definida pelo estudo da diversidade das formas de vida. Uma das grandes áreas de concentração é a Antropologia Urbana que surge de um contexto social de extrema mudança. A partir disso, disserte sobre o fenômeno que deu origem ao subcampo da antropologia urbana. 5 Existem muitas estratégias de pesquisa possíveis de serem adotadas nas atividades de investigação científica da antropologia. A etnografia é uma delas. Nesta proposta, Bronislaw Malinowski é considerado um dos principais autores da antropologia e é também lembrado pelo seu método de pesquisa. Neste contexto, disserte sobre os princípios que fundamentam as relações de pesquisa em antropologia, citando os principais conceitos antropológicos. 22 23 ENTRE ESCALAS E ESCOLAS DE ETNOGRAFIA URBANA UNIDADE 1 TÓPICO 2 — 1 INTRODUÇÃO O termo “antropologia urbana” designa uma subárea da antropologia que, no Brasil, tem seus primeiros estudos na década de 1940 com os chamados “estudos de comunidade”. Tais estudos foram fortemente influenciados pela tradição de estudos da renomada “Escola de Chicago”, nos Estados Unidos, cuja principal característica era o interesse por uma investigação antropológica sobre as cidades e as mudanças a partir da urbanização. Naquele contexto fatores relacionados às transformações sociais, econômicas e culturais que marcaram o final da Segunda Guerra Mundial, sobretudo, após os anos 1960, contribuíram para um inovador ponto de reflexão acerca das condições de vida no contexto da modernidade. Conforme vimos até aqui a ideia de uma antropologia urbana veio de uma preocupação com aspectos do dia a dia nas cidades industriais, principalmente relacionadas com fenômeno urbano em amplo desenvolvimento que acompanha eventos históricos importantes como o enorme contingente populacional e a intensa migração de europeus na passagem do século XIX para o século XX. A partir desse crescimento uma série de conflitos e mudanças ocorrem na cidade e tais manifestações passam a ser chamadas de “patologia social”, exemplo delas são a delinquência, os conflitos entre grupos étnicos, assim como problemas de planejamento urbano como a circulação, mobilidade e as precárias habitações (VELHO, 1979, p. 7-8). Daí o renovado interesse por pesquisas empíricas que pudessem nutrir informações e diagnósticos acerca do que se consolidou como “fenômeno urbano”. Nesse contexto, a diversidade cultural, formas de vida, religiões, consumo, arte, migração, festas, assim como a “favela” passam a ser objetos de interesse pelos quais a antropologia pode se realizar. Nota-se, é claro, que tais mudanças acompanham uma influência por parte do desenvolvimento da Antropologia Urbana que se faz a partir da Escola de Chicago nos Estados Unidos e da Escola de Manchester na Inglaterra, ambas foram recepcionadas no Brasil por duas importantes correntes teóricas capitaneadas pelos antropólogos Gilberto Velho (1987; 2003) e Guilherme Magnani (1996; 2003). É sobre essas escolas e as suas contribuições para antropologia urbana brasileira que falaremos nos próximos subtópicos. 24 Que tal conhecer um pouco mais dois importantes antropólogos brasileiros no campo da antropologia urbana? Olha, acadêmico, aqui você encontra uma entrevista com o antropólogo Gilberto Velho realizada em 13 de agosto de 2009 para o projeto Memória das ciências sociais no Brasil. Confira o seguinte endereço: https:// bit.ly/3otqICO. E não para por aí! Acadêmico, conheça um pouco mais do perfil e da formação do antropólogo Guilherme Magnani nessa entrevista concedida em 9 de outubro de 2017, ao projeto Memória das Ciências Sociais no Brasil. Acesse: https://bit.ly/3cJdMpR. DICA 2 ESCOLA DE CHICAGO A tradicional Escola de Chicago dominou os estudos de sociologia urbana logo das primeiras décadas do século XX, mais precisamente nos anos de 1920. Surgiu a partir da iniciativa de um conjunto de professores e pesquisadores que estavam sediados na Universidade de Chicago, onde surgiu também o primeiro Departamento de Sociologia estabelecido, assim como o primeiro jornal sociológico, o American Journal of Sociology, que passou a ser publicado a partir de 1895. A grande doação do empresário norte- americano John Rockerfeller, investidor da indústria do petróleo, impulsionou o projeto de formação e consolidação de um proeminente conjunto de pesquisadores reunidos em torno das pesquisas sobre Chicago. Figura 2 – Escola de Chicago Fonte: https://bit.ly/3zaPBbu. Acesso em: 20 jul. 2022. 25 A fundação dessa escola está intimamente ligada ao processo de desenvol- vimento das grandes metrópoles relacionadas com o desenvolvimento industrial. Até 1830, Chicago tinha cerca de 350 habitantes reunidos em torno de uma pequena comu- nidade, meio século depois a cidade de Chicago expandiu-se muito rapidamente che- gando a ter três milhões de habitantes – e, como consequência desse intenso processo de urbanização e modernização, vieram também problemas sociais como o aumento da pobreza e do desemprego, bem como acentuada criminalidade e delinquência juvenil, presença de imigração, formação de guetos sociais, verticalização e gentrificação urba- nas, segregação e violências urbanas. Todos esses problemas foram considerados pelos estudiosos da Escola de Chicago “patologias sociais” e se tornariam objeto de interesse e investigação por parte de seus pesquisadores. Importantes autores que estiverem reunidos em torno da Escola de Chicago construíram um programa e agenda de estudos do fenômeno urbano. A primeira geração de sociólogos que integravam a Escola de Chicago era formada pelo próprio Robert Ezra Park (1864-1944), além de nomes como Ernest Watson Burgess (1886-1966), Roderick McKenzie (1885-1940) e William Thomas (1863-1947) e, posteriormente, Louis Wirth (1897-1952). Muitos conceitos, teorias, estudos e métodos de pesquisa utilizados para compreender e explicar as transformações do urbano hoje são influenciados pela produção dessa escola. William Isaac Thomas (1863-1947) realizou um trabalho investigação qualitativa que privilegiava “a visão dos participantes na definição das situações sociais” a partir dos “polacos”, em 1908 realizou sua pesquisa sobre migrantes da Europa Oriental nos Estados Unidos. Thomas destacou-se por introduzir uma pesquisa baseada no uso de documentos pessoais como diários, cartas, autobiografias, dossiês psiquiátricos, bem como aqueles produzidos por outros profissionais como assistentes sociais e cientistas sociais. Um dos seus principais conceitos foi elaborado junto com Florian Znaniecki entre 1918 e 1920, quando afirmaram a partir de sua investigação que os processos de formação do pensamento dos indivíduos são determinados pela interação entre o seu comportamento e a sua situação social. A “desorganização social” sugeria, assim, que a vizinhança, isto é, as relações ali contidas, poderiam atuar na probabilidade de um indivíduo cometer um crime. Robert Ezra Park (1864-1944), entrou para Escola de Chicago em 1911, trazendo sua experiência como jornalista de investigação e a forte influência das publicações do sociólogo alemão Georg Simmel, formulou um programa de investigações que combinava uma análise dos grupos de minorias sociais e a sua relação com o fenômeno urbano. Sua principal característica era arealização de estudos por meio de pesquisas qualitativas combinando ainda conceitos ecológicos para o estudo das cidades e do urbano, assim a sociedade era entendida como um organismo social. 26 Para Park (1979), a cidade era um grande laboratório social a ser estudado, a partir dele poderíamos conhecer o homem urbano e o seu “habitat natural”. O estudo qualitativo da cidade captaria assim as relações sociais entre os cidadãos ali reunidos bem como o meio social onde vivem e sua constante transformação. Foi um dos primeiros a formar seus alunos para aplicação de pesquisas com métodos empregados pela antropologia, pois em seu entendimento esse método possibilitava a investigação dos costumes, crenças, valores, práticas sociais e culturais da vida social no meio urbano. Ernest Watson Burgess (1886-1966) foi um dos pesquisadores recrutados por Park para a formação de uma equipe de pesquisadores empíricos em Chicago. Juntos publicaram o importante livro Introdução à Ciência da Sociologia, em 1921, abordando temas como natureza humana, história da sociologia, interação social, conflitos, assimilação, dentre outros. Sua contribuição vai ser decisiva para contestar o argumento eugênico que definia os problemas sociais da vida urbana como traços de uma herança genética. Assim, Burgess vai afirmar que é a “desorganização social” que vai produzir patologias sociais como causas de doenças, crimes e mazelas sociais do meio urbano. Sua pesquisa sobre criminalidade criou uma forma de medição de sucesso e fracasso com base na observação das práticas sociais de presidiários em liberdade condicional. Desse modo, Burgess vai demonstrar que um presidiário em liberdade provisória sem habilidades profissionais teria uma menor pontuação para contribuir com o sucesso de ressocialização, diferente de um indivíduo dotado de habilidades, estudo e condições de vida que o afastem da possibilidade de reincidir na criminalidade. Roderick McKenzie (1885-1940), Park e Burgess elaboraram o conceito de ecologia humana formulado a partir do estudo do comportamento humano e a posição dos indivíduos no meio urbano. Assim, nessa abordagem o habitat do homem urbano, considerando tanto o espaço físico onde ele mora quanto as relações que ele constrói e mantém, é um dos elementos que que determinará ou influenciar o seu modo de viver e o seu estilo de vida. Tal perspectiva foi muito utilizada para estudos da criminalidade e bairros considerados “perigosos”, apontando para o entendimento de que os comportamentos considerados desviantes são produtos do meio social no qual um indivíduo ou grupo social está inserido. Considerado um dos mais destacados sociólogos da Escola de Chicago, Louis Wirth (1897-1952) procurou desenvolver uma teoria sobre o urbanismo como modo de vida, entendendo que o urbano era uma forma ecológica particular que deveria ser estudada não só em sua dimensão econômica e geográfica, mas fundamentalmente como um espaço social por onde irradiam ideias e práticas sociais. A cidade era pensada como um espaço por onde se exerce influência nos indivíduos que nela habitam, isto porque ela agrega diferentes elementos da vida social do sujeito moderno como a moradia, o local de trabalho, a vida econômica, a vida política e cultural agregando inclusive indivíduos em sua diversidade de atividades, mas também de acordo com o seu pertencimento de gênero, sexualidade, raça e etnia. Para Wirth, quanto maior a cidade maior será a “diferenciação social” expressa no afrouxamento 27 dos vínculos sociais, em uma maior competitividade social, acentuado controle dos indivíduos e mais propensões às distorções da personalidade (anonimato, hiper individualismo, superficialidade, baixa afetividade, menor participação social, ruptura de laços comunitários). A relação de proximidade entre pesquisadores do campo da sociologia e da antropologia se faz por diferentes razões, uma delas está associada ao grande trabalho de campo e estudos empíricos que os “etnógrafos de Chicago”, como também ficaram conhecidos durante muito tempo, desenvolveram a partir desta consolidada escola de estudos. Sua tradição é fortemente influenciada pelo pragmatismo, articulando a observação direta da realidade à análise dos processos sociais urbanos. Tais circunstâncias permitiram aos sociólogos de Chicago inovar em teorias, formulação de conceitos além de desenvolver e renovar métodos e metodologias de análise a partir do urbano. O principal tema produzido em Chicago era a questão urbana, assim como o surgimento das cidades, as mudanças das paisagens das cidades e as transformações do modo de vida no mundo urbano. Essa escola estava comprometida com o trabalho empírico, a pesquisa de campo e a coleta de dados em primeira mão. Cientes do impacto das transformações pelas quais vivenciavam no cotidiano da própria cidade que habitavam, esses pesquisadores investiram em um projeto de pesquisa empírica que deslocava os pés para fora dos gabinetes de pesquisa para que seus pesquisadores fossem eles próprios em busca das singularidades, mudanças e problemas sociais que o fenômeno urbano evidenciava. Nesse sentido, era considerável a experimentação realizada em termos de métodos de pesquisa quando serviram-se fartamente da observação participante e do método de estudo de caso para cobrir um grupo heterogêneo de pesquisas em torno da cidade de Chicago. Era aqui que sociólogos e antropólogos se encontravam influenciados mutuamente. Entretanto, é importante destacar que a Escola de Chicago foi pioneira na experimentação e combinação de métodos, se por um lado não tinha pudor em aplicar métodos da antropologia para pensar o urbano, por outro não deixou de surpreender ao empreender as pesquisas estatísticas combinadas com pesquisas sociais baseadas em estudo de comunidade, quando passou a realizar mapeamentos quantitativos de bairros em desenvolvimento, grupos sociais de imigrantes e registros de atividades até então consideradas desviantes naquele contexto. Assim como podemos hoje identificar uma forte tradição de estudos etnográficos em Chicago, podemos reconhecer seu pioneirismo no trabalho de combinação entre pesquisas quantitativas e qualitativas. Outro importante autor, Everett C. Hughes, destaca-se como um dos principais membros da Escola de Chicago e pioneiro nos estudos de ocupações e profissões na década de 1940. Hughes escreveu inúmeros artigos, hoje considerados clássicos, investigando as consequências subjetivas do trabalho para o indivíduo e demonstrando as estratégias utilizadas para buscar status, prestígio e ganhos nos locais de trabalho (HUGHES, 1958). Hughes foi um dos primeiros a tratar a “carreira” como uma categoria conceitual, informado pela perspectiva interacionista. No Brasil, Gilberto Velho será um dos antropólogos influenciados pelo trabalho de Hughes. 28 Figura 3 – Gilberto Velho Fonte: https://bit.ly/3cGc9ZY. Acesso em: 20 jul. 2022. Para Hughes (1937, p. 404), a carreira deveria ser compreendida como uma “sequência de papéis, status e cargos realizados pelo indivíduo”. Tal concepção incorpora duas perspectivas de análise de uma sociologia das profissões: objetiva e subjetiva. A primeira é aquela que corresponde ao estudo do status e dos cargos já estabelecidos em uma determinada sociedade e a outra coloca em evidenciar a própria percepção dos indivíduos sobre a sua própria vida, isto é, “uma perspectiva dinâmica pela qual a pessoa concebe sua vida como um conjunto e interpreta o significado de suas diversas características, das ações e das coisas que lhe ocorrem” (HUGHES, 1937, p. 409-410). Resumindo uma das principais características da Escola de Chicago era o interesse
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