Buscar

QUÍMICA COMPUTACIONAL E DESENVOLVIMENTO DE FÁRMACOS

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

DESCRIÇÃO
Definição de Química Computacional e Síntese Química no desenvolvimento de fármacos
baseados na estrutura do alvo ou ligante e apresentação de estratégias modernas para a
descoberta de novos fármacos.
PROPÓSITO
Compreender o processo de desenvolvimento de fármacos baseado na estrutura do alvo ou
ligante atrelado à ciência da Química Computacional e Síntese Química é de suma importância
para entender os diversos estudos relacionados às etapas pré-síntese e sintéticas envolvidas
no desenvolvimento de fármacos.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Reconhecer os princípios e métodos da modelagem molecular e os estudos de relação
estrutura-atividade
MÓDULO 2
Reconhecer os princípios da retrossíntese e os métodos de planejamento de fármacos
MÓDULO 3
Analisar estratégias e inovações voltadas para a descoberta de novos fármacos
INTRODUÇÃO
 Figura 1. Química Computacional e síntese orgânica no desenvolvimento de fármacos.
A interação efetiva entre a estrutura de um fármaco e a estrutura de seu alvo ocorre quando há
complementariedade estérica e eletrônica entre as duas estruturas moleculares. Assim,
informações sobre a estrutura tanto do alvo molecular quanto de ligantes são de suma
importância para a compreensão da interação fármaco-alvo.
A análise da interação ligante-alvo por via experimental pode ser demorada e a complexidade
das estruturas proteicas dos alvos, assim como de seus complexos com os ligantes, dificultam
ainda mais o emprego rotineiro dessas técnicas. Para facilitar as análises, a Química
Computacional pode ser utilizada, uma vez que as técnicas de Modelagem Molecular tentam
predizer in silico, por meio de simulação computacional, informações teóricas sobre as
estruturas do alvo, ligante e seus complexos de forma rápida e barata, além de contribuir com o
entendimento da relação estrutura-atividade envolvida.
Após os estudos in silico, são iniciados os estudos pré-sintéticos e as etapas de síntese
orgânica propriamente dita. Essa área é um dos pilares da indústria farmoquímica.
Novas técnicas de triagem virtual, análises de bases de dados, novas reações, sínteses
multicomponentes, condições reacionais eco-friendly (química verde), catalisadores mais
eficazes, entre outros, são algumas das inúmeras estratégias e inovações voltadas para a
descoberta de novos fármacos.
MÓDULO 1
 Reconhecer os princípios e métodos da modelagem molecular e os estudos de
relação estrutura-atividade
PLANEJAMENTO DE FÁRMACOS
AUXILIADO POR COMPUTADORES
 Figura 2. Modelagem molecular no desenvolvimento de fármacos.
Os programas de modelagem molecular são muito utilizados no que chamamos de
Planejamento de Fármacos Auxiliado por Computadores (do inglês, Computer Assisted Drug
Design, CADD). Diferentes programas englobam inúmeras análises que auxiliam no
planejamento de fármacos tanto baseando-se na estrutura do ligantes quanto na estrutura do
alvo molecular.
LBDD
O Planejamento de Fármacos Baseado na Estrutura dos Ligantes ou Ligand Based Drug
Design (LBDD) utiliza informações sobre a estrutura de moléculas ativas e suas atividades
biológicas.

SBDD
O Planejamento de Fármacos Baseado na Estrutura do Alvo ou Structure Based Drug Design
(SBDD) baseia-se em informações sobre a estrutura do alvo molecular na qual se deseja
planejar o fármaco.
Um terceiro tipo de análise também pode ser usado, chamado de análise mista, a qual utiliza
informações tanto dos ligantes quanto do seu alvo. A escolha da abordagem a ser utilizada no
desenvolvimento de novos fármacos deve ser definida de acordo com as informações prévias
disponíveis. Quando temos conhecimento da estrutura molecular do alvo para a qual se
deseja planejar um novo fármaco, podemos utilizar as metodologias do tipo SBDD, como a
docagem molecular e a dinâmica molecular.
Em patologias cujo alvo é desconhecido, mas existem informações sobre moléculas ativas, a
melhor abordagem pode ser feita via métodos de planejamento do tipo LBDD, como os estudos
de relação estrutura-atividade qualitativo (Structure-Activity Relationship, SAR) ou quantitativo
(Quantitative Structure-Activity Relationship, QSAR)
 COMENTÁRIO
Independentemente da estratégia utilizada, o químico medicinal geralmente iniciará os estudos
de CADD pelo uso de programas para a construção de modelos de estruturas moleculares,
podendo ser de ligantes ou de alvos macromoleculares, como proteínas.
PROGRAMAS DE MODELAGEM
MOLECULAR
Os programas de modelagem molecular objetivam otimizar modelos estruturais teóricos de
moléculas (ligantes ou alvos), muitas vezes trabalhando via minimização de energia. É possível
avaliar a otimização realizada pela observação dos valores de energia, em que quanto menor
o seu valor, melhor o modelo de estrutura otimizado. O modelo de minimização de energia
baseia-se em conceitos químicos teóricos, uma vez que a disposição dos átomos em uma
molécula ou macromolécula tenderá a apresentar posições mais favoráveis com consequente
menor energia.
Embora, em geral, o objetivo de utilizar programas de modelagem molecular seja a
minimização energética, em algumas situações é interessante que sejam estudados modelos
de estruturas de alta energia, como, por exemplo, em cinética reacional onde há estruturas de
maior energia, como em um estado transicional.
Os programas de modelagem molecular devem ser capazes de calcular a energia em função
da estrutura da molécula avaliada, mas quais parâmetros influenciam neste cálculo de energia?
Parâmetros como posições atômicas nos eixos x, y, z (coordenadas cartesianas dos átomos)
ou coordenadas internas (distâncias/ângulos de ligação e ângulos diedros — Figura 3) que
caracterizam a estrutura da molécula influenciam diretamente nos cálculos de energia da
estrutura da molécula.
 Figura 3. A: Coordenadas internas do n-butano; B: Ângulo diedro do n-butano e seus
diferentes valores de ângulo de diedro.
O parâmetro chamado de Superfície de Energia Potencial ou SEP de uma molécula é
equivalente à superfície que representa a energia em função das posições de todos os átomos
presentes em sua estrutura.
 ATENÇÃO
A SEP rege muitas das análises de minimização de energia e, em razão de sua enorme
complexidade, é preciso que o programa de modelagem disponha de métodos automatizados
de busca de mínimos de energia em função de modificações nos diferentes parâmetros
característicos da estrutura da molécula por meio de modelos matemáticos de função contínua.
ANÁLISE CONFORMACIONAL
A análise conformacional para cada confôrmero formado pela variação angular dos átomos e
ligações da molécula faz com que existam muitos mínimos de energia presentes na SEP,
sendo comum que a aplicação de um algoritmo de minimização de energia apenas leve ao
mínimo mais próximo da geometria inicial do sistema. Assim, o mínimo absoluto apenas
poderia ser alcançando pela análise conformacional sistemática do sistema molecular via
pesquisa de gradiente (de todos os confôrmeros possíveis); essa é uma análise gigantesca
devido aos inúmeros confôrmeros que uma molécula pode assumir para cada incremento de
angulação aplicado na análise.
A título de curiosidade, se essa técnica fosse aplicada à molécula de prostaglandina E1 (Figura
4), limitando-se apenas às ligações saturadas C-C e com incremento de 60o, envolveria a
análise de energia de mais de 2 bilhões de estruturas de confôrmeros! A figura 4 mostra a
prostaglandina E1 e dois confôrmeros otimizados, e duas diferentes angulações possíveis para
a função ácido carboxílico.
 Figura 4. Comparação entre Prostaglandina E1 e dois confôrmeros otimizados.
Diante desta problemática limitante, diversas metodologias foram criadas para contornar o
problema da análise conformacional como o uso de métodos probabilísticos, como o método
de Monte Carlo, o qual é realizado a partir de uma análise estatística da SEP, por meio de
análises aleatórias entre as diferentes conformações do sistema molecular também
minimizando o número de análises conformacionais.
MÉTODO DE MONTE CARLO
Os estudos estatísticos podem trabalhar utilizando métodos determinísticos ou métodos
estocásticos (ou probabilísticos), em que a principal diferença entre eles se dará em relação ao
comportamento da variável estudada, a qual no caso dos métodos estocásticos apresentará
um comportamento randômico no tempo.
 Figura 5. Esquema simplificado do método Monte Carlo.
Nesse contexto, temos o método estocástico de Monte Carlo que analisa as possibilidades
conformacionais de uma molécula de forma randômica, em que cada nova geometria gerada
aleatoriamente servirá como ponto inicial para a próxima etapa, caso a energia deste
confôrmero seja menor que a energia do confôrmero anterior. Quando esta energia é maior, o
fator de Boltzmann é calculado e comparado com um número entre 0 e 1 gerado
aleatoriamente, levando ao aceite da geometria quando o fator de Boltzmann for maior ou à
rejeição da geometria quando for menor (Figura 5).
Esse processo possibilita gerar uma sequência de conformações para minimização
subsequente, uma vez que a randomização possibilita mover-se entre diferentes pontos da
superfície de energia potencial (SEP) da molécula, sem que seja necessária a avaliação de
todos os pontos entre eles, como na análise sistemática via gradiente.
MÉTODOS DE PLANEJAMENTO DE
FÁRMACOS BASEADOS NA ESTRUTURA
DO ALVO
A abordagem de planejamento de fármacos baseada na estrutura do alvo (SBDD) contribui
bastante para o sucesso na obtenção de moléculas bioativas, uma vez que tende a levar à
descoberta direta de potenciais compostos protótipos (lead compounds) que apresentarão ao
menos afinidade na escala micromolar pelo alvo.
O SBDD em geral envolve inúmeras etapas multicíclicas antes que a molécula potencialmente
ativa entre nas fases clínicas de avaliação. A primeira etapa se inicia pela clonagem,
purificação e determinação estrutural da proteína-alvo de interesse por três métodos principais:
1
Cristalografia de raios X.
2
Técnicas de ressonância magnética nuclear.
3
Modelagem de proteínas por homologia.
Os dois primeiros métodos respondem por análises experimentais e o segundo, por análises
computacionais (Figura 6).
 Figura 6: Etapas de obtenção da estrutura de alvos moleculares: clonagem, purificação,
cristalografia de raios X, construção do mapa de densidade eletrônica, determinação de
sequência de aminoácidos e modelagem da proteína.
Após a elucidação da estrutura molecular do alvo, os estudos de modelagem molecular podem
ser realizados. Um banco de moléculas ou fragmentos é posicionado (docagem molecular ou
dinâmica molecular) em uma região específica da estrutura molecular elucidada e, por meio de
algoritmos matemáticos, estes compostos são pontuados e ranqueados de acordo com as
interações estéricas e eletrostáticas entre ele e o alvo.
Essas análises possibilitam entender quais regiões apresentam interações com resíduos do
alvo molecular, possibilitando modificações estruturais nos compostos protótipos para melhoria
da interação observada, orientando futuras modificações sintéticas nesses compostos.
MODELAGEM DE PROTEÍNAS
A elucidação da estrutura molecular do alvo, como proteínas, é essencial para a abordagem
baseada na estrutura do alvo. Graças aos métodos experimentais de cristalografia de raios X e
ressonância magnética nuclear, hoje existem informações de mais de 100.000 estruturas de
proteínas potenciais alvos em bancos de dados como o Protein Data Bank (PDB), porém
muitas dessas estruturas apresentam apenas informações sobre suas sequências de
aminoácidos. Assim a modelagem de proteínas é importantíssima na elucidação estrutural
desses alvos, permitindo, a partir dessas sequências, que estudos de modelagem sejam feitos
obtendo a estrutura 3D de proteínas simulando suas estruturas “reais”.
Em razão da alta complexidade das proteínas, sua modelagem necessita de algoritmos
robustos e uma enorme capacidade computacional para mimetizar o processo de
enovelamento proteico, para que sua conformação nativa seja encontrada. Uma forma de
resolução desse problema é o uso da técnica de modelagem comparativa ou por homologia,
em que são realizadas comparações de estruturas proteicas já conhecidas.
 Figura 7. Esquema resumido do processo de modelagem de proteínas por homologia.
O método de modelagem de proteínas por homologia precisa que o molde apresente ao menos
30% de identidade com a sequência da proteína-alvo que se deseja elucidar, para que o
modelo obtido apresente qualidade aceitável (Figura 7). A homologia utiliza algoritmos de
seleção de moldes mais apropriados para a comparação, e estes são pesquisados em bancos
de proteínas (por exemplo, PDB), sempre priorizando o máximo de similaridade entre as
sequências de aminoácidos do molde e da proteína desconhecida.
Após essa seleção, é realizado o alinhamento das sequências da proteína-alvo e dos moldes.
Essa etapa é crucial para a qualidade estrutural final da proteína modelada. A análise então é
concluída pela montagem da proteína-alvo criando um modelo inicial de sua estrutura que
necessitará ser otimizado por métodos de mecânica molecular.
Apesar das vantagens relacionadas a essa técnica, uma limitação pode ocorrer mesmo em
proteínas-alvos com alta similaridade com moldes conhecidos em razão das regiões de alças
— isso porque essas regiões de estrutura primária tendem a apresentar diferenças
consideráveis em suas estruturas, em geral devido à sua alta flexibilidade.
DOCAGEM MOLECULAR
A partir da estrutura molecular da proteína-alvo elucidada e corrigida, o estudo de docagem
molecular (docking) ou ancoramento molecular (AM) pode ser realizado. Esses estudos
objetivam definir a melhor pose (orientação e conformação) do ligante estudado ao interagir
com o receptor-alvo. O ancoramento do ligante ocorre por sua alocação na cavidade da
proteína, próximo ao sítio catalítico, permitindo a análise das poses do ligante que apresentem
melhor interação ligante-alvo, fornecendo funções de pontuação que permitem ser ranqueadas.
Mesmo pela delimitação da cavidade de interação, estas tendem a ser suficientemente
grandes, aceitando diversos arranjos espaciais distintos para um mesmo ligante, levando a
diferentes mínimos de energia, o que é uma desvantagem. Ainda assim, os métodos de AM
possibilitam o entendimento do modo de interação entre um ligante e uma proteína, é um
método rápido e de baixo custo.
 ATENÇÃO
A rapidez justifica-se pelo modo de interação empregado, no qual a estrutura da proteína
apresenta-se em sua forma rígida (ancoramento rígido) ou semirrígida (ancoramento
semirrígido), aproximando-se do clássico modelo de interação chave-fechadura. Apenas o alvo
apresenta-se rígido, enquanto o ligante pode apresentar inúmeras conformações. Outro fator
relacionado à rapidez é a utilização de algoritmos matemáticos altamente eficientes, como
Monte Carlo, já mencionado anteriormente, ou de algoritmos genéticos.
A técnica do algoritmo genético baseia-se no processo de evolução natural, em que os
indivíduos (as poses) são caraterizados por um cromossomo que descreve sua posição no
espaço de busca (espaço das conformações e orientações). Todos os indivíduos formam uma
população inicial (de poses) gerada randomicamente, que sofrerão operações genéticas como
mutações (mudanças pontuais aleatórias) e cruzamentos (mistura de características entre as
poses), produzindo novas gerações via seleção dos mais aptos (melhores poses formadas
pelas operações genéticas). O processo é finalizado quando o número de geração adequado é
atingido (Figura 8).
 Figura 8. Exemplo do processo de algoritmo genético empregado no ancoramento
molecular.
A escolha das melhores poses geradas é feita pela classificação delas por meio de funções de
pontuação específicas, as quais podem utilizar diversos parâmetros para compor suas funções,
por exemplo, a avaliação do campo de força da energia de interação entre determinada pose e
a proteína, entre outros. A escolha
da melhor função de pontuação estará diretamente
relacionada à qualidade dos resultados; é interessante que a função se aproxime ao máximo
das características do sistema estudado.
Quando é possível encontrar informações experimentais sobre os complexos ligante-alvo, o
melhor método para definir um protocolo de AM a ser utilizado entre o alvo e novos ligantes é o
de reancoramento (redocking), conheça:
 Clique nos cards a seguir.
1
Este método utiliza informações de cristalografia de raios X do complexo alvo-ligante obtidas
na forma de cocristais, que são materiais cristalinos e homogêneos, sólidos a 25°C e 1 atm,
constituídos por pelo menos dois compostos em proporção estequiométrica determinada.
2
O reancoramento do ligante que foi cocristalizado experimentalmente é realizado utilizando
diferentes funções de pontuação.
3
Posteriormente, as melhores poses obtidas serão comparadas com a pose do ligante
cocristalizado utilizando critérios de comparação como a raiz do desvio médio quadrático (Root
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
Mean Square Deviation, RMSD), o que possibilita avaliar o nível de confiabilidade do protocolo
de docagem que se deseja validar — são considerados valores ótimos para RMSD os
inferiores a 2.0 Å.
 Figura 9. Comparação por RMSD entre ligante reancorado e ligante cocristalizado.
A Figura 9 exemplifica as melhores poses obtidas na redocagem do ligante para três diferentes
funções de pontuação, em que é possível observar visualmente e pelo valor de RMSD que a
pose para o GoldScore foi a pose que mais se assemelhou à pose do ligante cocristalizado
representado pela estrutura em amarelo.
Além de auxiliar no entendimento das interações do ligante com o alvo, o AM permite a
avaliação de bancos de moléculas para a verificação de potenciais compostos ativos, via
avaliação da interação deste banco com um alvo específico via triagem virtual (Virtual
Screening) de fármacos baseada na estrutura do alvo.
A seguir, veremos a técnica de dinâmica molecular, a qual visa estudar a interação ligante-alvo
de uma maneira mais dinâmica, considerando a influência das interações sobre a estrutura
molecular de ambos e se aproximando ao modelo de encaixe induzido mais aceito.
DINÂMICA MOLECULAR
Desde o estabelecimento da teoria de interação do encaixe induzido por Koshland e
colaboradores em 1959, muitos estudos tentam se aproximar ao máximo dos sistemas reais na
avaliação da interação ligante-alvo. Sabe-se que, em sistemas biológicos, a energia cinética
dos átomos possibilita que choques intermoleculares e mudanças conformacionais ocorram a
todo momento, assim a inclusão desta premissa nos estudos de modelagem molecular
possibilita uma melhor descrição do processo de interação entre o ligante e seu alvo.
Nesse contexto surgem os estudos de dinâmica molecular (DM) que visam à resolução das
equações de movimento de cada átomo do sistema molecular com a evolução do tempo
(trajetória). Na prática, os tempos utilizados nas análises de dinâmica molecular são ínfimos na
ordem de 0,5 a 1 femtosegundos (1fs = 10-15s).
Assim a simulação de dinâmica revela, por exemplo, diferenças estruturais entre o ponto inicial
e final da trajetória avaliada, levando ao esclarecimento mais aprofundado das informações
conformacionais do ligante, alvo ou seu complexo ligante-alvo. Esses estudos apresentam a
vantagem de obter informações sobre propriedades estruturais que dependem do tempo,
diferentemente da docagem molecular que não o leva em consideração.
Resumidamente, as análises de simulação molecular ou DM podem identificar as principais
mudanças estruturais que ocorrem tanto na enzima quanto em seu ligante avaliado ao longo do
tempo (Figura 10), podendo ser representadas em gráficos de energia potencial em função do
tempo, levando ao entendimento das barreiras de energia que melhor se assemelham às
barreiras reais.
 Figura 10. Exemplificação do processo de dinâmica molecular
representando os movimentos do complexo ligante-alvo.
A DM permite ainda a observação do tempo de ocorrência das interações observadas no
ancoramento molecular, explicitando o quanto aquela interação pode ser importante para que
um efeito biológico ocorra ou deixe de ocorrer.
COMO FAZER DOCAGEM MOLECULAR
Neste vídeo, você conhecerá um pouco sobre o planejamento de fármacos baseado na
estrutura do alvo.
MÉTODOS DE PLANEJAMENTO DE
FÁRMACOS BASEADOS NA ESTRUTURA
DO LIGANTE E A RELAÇÃO ESTRUTURA-
ATIVIDADE
Quando se deseja planejar um novo fármaco para determinada patologia e não se conhece
informações sobre a estrutura molecular do possível alvo, pode ser utilizado o planejamento
baseado na estrutura do ligante (Ligand-Based Drug Design, LBDD). Os principais métodos de
LBDD baseiam-se na análise comparativa de moléculas potencialmente ativas ou efetivamente
ativas já conhecidas, podendo ser empregadas técnicas de buscas por similaridade (molecular
fingerprint), estudos de modelos farmacofóricos, técnicas de predição de ativos/inativos por
inteligência artificial ou estudos quantitativos de relação estrutura-atividade (QSAR).
RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE (REA)
 Figura 11. Exemplificação dos estudos de relação estrutura-atividade
realizados por Crum-Brown e Fraser.
Os primeiros estudos sobre a relação estrutura molecular e atividade biológica conduzidos por
Crum-Brown e Fraser (1869) demonstraram que muitos compostos contendo grupos funcionais
do tipo amina terciária pareciam apresentar atividade relaxante muscular ao serem convertidos
a seus respectivos sais de amônio quaternário. A relação foi observada em moléculas como no
anticonvulsivante estricnina, no analgésico morfina e no anticolinérgico atropina, os quais, ao
terem suas estruturas metiladas, convertiam seus efeitos biológicos à ação de relaxante
muscular, ação presente na tubocurarina que apresenta a mesma função de sal de amônio
quaternário (Figura 11).
Mais tarde essa hipótese foi rejeitada pela descoberta do neurotransmissor e ativador da
contração muscular acetilcolina, que também apresenta em sua estrutura um sal de amônio
quaternário. Mesmo estando incorreta, a hipótese de Crum-Brown e Fraser levantou olhares
importantes sobre a concepção de que a estrutura molecular do ligante poderia influenciar
a atividade biológica produzida, assim como modificações nele poderiam levar a
modificações da atividade.
BUSCA POR SIMILARIDADE
A busca por similaridade consiste em uma das estratégias de triagem mais simples e com
menor gasto computacional. Basicamente o processo é iniciado pela seleção de uma molécula
ou um banco de moléculas com atividade biológica conhecida (moléculas de referência) que
servirão para comparar, por triagem virtual, a similaridade com outras moléculas, por exemplo,
presentes em bases de dados de moléculas.
A triagem identificará moléculas com determinado grau de similaridade com as estruturas de
referência, estas são as mais prováveis de apresentar propriedades similares às de referência,
tornando-as candidatas para avaliação biológica.
 ATENÇÃO
Ou seja, se o princípio da similaridade é aplicável a um grupo de moléculas que não passaram
por testes biológicos, mas são estruturalmente semelhantes a moléculas já descritas como
ativas, existirá uma alta probabilidade de que essas moléculas também apresentem atividade
similar.
Para avaliar essa similaridade, é necessário que seja aplicado um padrão de medida chamado
de coeficiente de similaridade, que quantificará por meio de expressões matemáticas o grau
de semelhança entre as moléculas avaliadas. Entre os inúmeros coeficientes de similaridade
que podem ser utilizados, o coeficiente de Tanimoto é o mais empregado. Nos coeficientes de
similaridade, o termo “a” representa o número de características presentes em uma molécula A
e ausentes em uma molécula “B”. O termo “b”, o número de características presentes em “B” e
ausentes em “A”. Por fim, o termo “c”, o número de características comuns a
“A” e “B”.
 Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal
Além dos coeficientes citados anteriormente, existe ainda outra possibilidade de medir a
similaridade entre duas moléculas por meio da presença ou ausência de determinada
Coeficiente de Tanimoto =   c
a+b−c
característica estrutural da molécula chamada de fingerprint. Cada característica estrutural de
uma molécula determinará, por meio de um código binário, (bits) a presença (1) ou ausência
(0) de uma característica específica, gerando representações binárias alternadas entre 1 e 0 na
forma de uma impressão digital da molécula, que pode ser facilmente comparada com o
conjunto binário de outra molécula.
 Figura 12. Comparação de similaridade entre duas moléculas A e B
por representação binária de seus fingerprints.
Assim, quando a sequência binária de A for comparada com B apresentando o número 1 em
ambos, temos um bit de similaridade; quando forem 0, temos diferença e ausência do bit.
Quanto mais bits ocorrerem entre a comparação de seus fingerprints, maior a similaridade das
moléculas comparadas (Figura 12).
MODELOS FARMACOFÓRICOS
A modelagem farmacofórica ou criação de modelos farmacofóricos baseada na estrutura do
ligante tem se tornado a chave de muitos estudos computacionais estratégicos de
desenvolvimento de fármacos. Em geral, esses estudos são realizados pela extração de
características químicas comuns de estruturas 3D de um banco de ligantes conhecidos que
apresentam interações com um alvo macromolecular específico.
A geração de modelos farmacofóricos a partir de múltiplos ligantes envolve duas etapas
principais: criação do espaço conformacional para cada ligante representado pela flexibilidade
conformacional dos ligantes e o alinhamento de múltiplos ligantes, o que culmina na
determinação da característica química essencial: a construção do modelo farmacofórico
(Figura 13).
 Figura 13. Exemplificação de um modelo farmacofórico.
Com os avanços dos programas de Química Computacional, hoje todo esse processo é
automatizado, resultando na obtenção de modelos farmacofóricos de forma rápida e eficaz,
além de possibilitar sua aplicação em outros métodos de desenvolvimento de fármacos, como
a triagem virtual de moléculas e a criação de novas moléculas potencialmente ativas via
métodos de fragmentação como o método de novo.
ESTUDOS QUANTITATIVOS DE RELAÇÃO
ESTRUTURA-ATIVIDADE (QSAR)
Quando se tem disponíveis informações sobre a atividade biológica de diversos compostos,
porém sem informações sobre o alvo molecular, essas informações podem ser combinadas a
propriedades moleculares dos compostos levando a modelos que busquem correlacionar
quantitativamente a relação entre a estrutura e a atividade biológica observada. Estes estudos
são chamados de QSAR (Quantitative Structure Activity Relationship). 
De início essa relação foi estudada por Hansch e Fujjita, correlacionando a atividade biológica
apenas a características estruturais via parâmetros físico-químicos, como efeitos eletrônicos,
hidrofóbicos (Log P) e estéricos de substituintes, cada qual recebendo um peso específico na
correlação. 
Para que sejam realizados os estudos de QSAR, primeiramente é necessária a construção ou
definição de um banco base de moléculas que serão avaliadas quanto a diferentes
características, chamadas de descritores. As moléculas que irão compor os bancos de
compostos de onde serão obtidos os descritores podem ser obtidas por séries de compostos
buscados em bases de moléculas como o ChEMBL, que hospeda diversas informações sobre
estruturas de ligantes já conhecidos.
Basicamente o modelo de QSAR utiliza informações chamadas de descritores moleculares,
que são informações de diferentes origens moleculares, como constitucional, eletrônica,
geométrica, hidrofóbica, lipofilicidade, estérica, quântica ou topológica. A partir dessas
informações, modelos matemáticos de análise multivariada são criados com base numa
espécie de treinamento do modelo pela inserção das informações de diferentes descritores
moleculares sobre ligantes conhecidos.
 ATENÇÃO
Então uma correlação quantitativa entre a estrutura e a atividade pode ser determinada e
extrapolada para molécula de interesse, a qual se deseja avaliar perante seu potencial de
atividade. Desta forma, o modelo de correlação estabelecido poderá determinar se o ligante
estudado apresenta ou não um potencial de atividade semelhante às moléculas utilizadas no
treinamento (Figura 14).
 Figura 14. Exemplificação das etapas de um estudo de QSAR.
Apresentados os diferentes estudos de planejamento de fármacos, tanto baseados na estrutura
do alvo como na estrutura no ligante, a escolha isolada de cada um deles ou de metodologias
de planejamento mistas depende de quais informações estarão disponíveis ao químico
medicinal, no momento em que se deseja planejar um novo fármaco, devendo sempre ter em
mente quais conceitos regem cada método para a escolha do melhor método pertinente às
informações conhecidas.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
 Reconhecer os princípios da retrossíntese e os métodos de planejamento de
fármacos
QUÍMICA ORGÂNICA E SÍNTESE ORGÂNICA
APLICADA A FÁRMACOS
A Síntese Orgânica é o ramo da Química Orgânica que estuda a criação e/ou transformação de
substâncias orgânicas via modificações químicas estruturais lógicas e racionais em
determinado substrato. Antigamente, antes do desenvolvimento da síntese orgânica, a
obtenção de compostos orgânicos para diferentes fins, incluindo os terapêuticos, acontecia por
meio de isolamento direto de fontes naturais como raízes e folhas de plantas medicinais, ou por
meio de processos de fermentação.
 Figura 15. Síntese Orgânica aplicada a fármacos.
Assim, muitos produtos naturais foram possibilidades terapêuticas para diversas doenças até
que, nos primórdios da síntese orgânica, químicos sintéticos impulsionados pela limitação da
fonte natural de obtenção de alguns produtos naturais começaram a sintetizar seus análogos,
chegando algumas vezes à síntese total de alguns compostos.
 Figura 16. Primeiros marcos da síntese orgânica.
Três grandes descobertas marcaram a origem da síntese orgânica (Figura 16).
 Figura 17. Síntese da Ureia por Friedrich Wöhler.

1828
Friedrich Wöhler conseguiu realizar a síntese da Ureia (Figura 17), o primeiro composto
orgânico sintetizado em laboratório, modificando o conceito até então vigente do postulado da
força vital que defendia a ideia de que apenas os seres vivos seriam capazes de produzir
compostos orgânicos.
1856
Outro grande marco foi a síntese do corante Púrpura de Mauve, por William Henry Perkin,
considerada a primeira síntese industrial.


1897
O laboratório farmacêutico alemão Bayer conjugou quimicamente o ácido salicílico com
acetato, criando o ácido acetilsalicílico (Aspirina), o primeiro fármaco a ser sintetizado na
história da farmácia.
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
A síntese orgânica teve um impulsionamento, não somente por causa das novas demandas da
sociedade da época, mas também pela descoberta de diversas reações, principalmente
envolvendo a formação de ligações carbono-carbono (C-C) e a química de compostos
organometálicos.


1980
A ênfase se volta para a resolução de problemas relacionados à pureza enantiomérica de
fármacos por meio de reações enantiosseletivas que utilizavam catalisadores quirais (catálise
assimétrica).
1990
A ênfase da síntese orgânica permanece sobre a síntese assimétrica, aplicando-a às moléculas
de maior complexidade quiral, além da descoberta de novas metodologias que visavam
minimizar o número de etapas sintéticas.


2000
Entre os anos 2000 e 2010, a comunidade acadêmica observou o aumento progressivo nos
números de publicações sobre organocatálise e biocatálise, muitas ainda visando à resolução
de problemas de mistura de estereoisômeros.
2010
Os químicos sintéticos aumentam sua preocupação para questões ambientais, alavancando
temas relacionados ao uso de reagentes ambientalmente amigáveis (environmentally friendly)
como na química verde.

A área da síntese orgânica vem passando por uma grande evolução, possibilitando hoje a
síntese de inúmeros compostos com complexidades cada vez maiores. Da mesma forma que
os estudos de modelagem molecular, a síntese de fármacos pode ser embasada na estrutura
do alvo de interesse ou na estrutura de ligantes com potencial atividade já conhecida.
A seguir iremos estudar os fundamentos relacionados à síntese de moléculas bioativas, como
os estudos pré-sintéticos de análise retrossintética e as reações e abordagens sintéticas mais
comumente empregadas no planejamento de fármacos.
PLANEJAMENTO SINTÉTICO
Geralmente alguns parâmetros, como a complexidade da molécula de interesse, influenciam o
número de etapas reacionais, impactando o rendimento global da síntese e seu êxito (Figura
18).
 Figura 18. Relação complexidade do alvo X Número de etapas reacionais no planejamento.
Por isso, antes de iniciar o planejamento sintético de um fármaco, devemos tentar atender aos
pontos fundamentais que contemplam o planejamento de uma síntese ideal:
1 - Apresentar rendimento global elevado.
2 - Utilização de produtos de partida de fácil acesso e baixo custo.
3 - Ser operacionalmente simples.
4 - Utilizar, sempre que possível, etapas contendo reações do tipo multicomponentes.
5 - Apresentar segurança e mínima produção de subprodutos que agridam meio ambiente.
Empiricamente, o conceito de Hendricson propõe que a eficiência de uma síntese está
baseada na importância de se formarem ligações entre carbonos ou na possibilidade de se
formarem anéis. Assim, apenas as reações da formação do esqueleto da molécula poderiam
ser consideradas. Reações complementares, tais como a proteção e desproteção de funções
orgânicas, diminuiriam a eficiência da síntese.
Esse pensamento de Hendricson pode ser resumido pela razão:
 Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal
 Figura 19. Emprego da seletividade atômica para dois exemplos.
Um conceito importante empregado no contexto de eficiência sintética no que se refere às
questões relacionadas ao meio ambiente é o fator denominado economia de átomos ou
seletividade atômica (SA) (Figura 19), a qual defende que o peso molecular final do produto
desejado deve ser o mais próximo possível da soma de todos os pesos moleculares de todas
as substâncias produzidas, refletindo diretamente no quantitativo de rejeitos ao final da síntese.
Eficiência Sintética =   Número de Reações Construtivas
Número Total de Reações
 Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal
Muitos fatores podem contribuir para dificultar o processo de síntese de uma molécula-alvo,
como os fatores estruturais de tamanho molecular, instabilidade da substância alvo, presença
de estereocentros e necessidade de conectividade cíclica e/ou presença de anéis heterociclos.
Após a avaliação da estrutura química da molécula de interesse sintético e dos fatores
dificultadores relacionados à sua estrutura, é pensado o plano sintético.
O plano sintético inicia-se pela verificação da disponibilidade e da escolha dos reagentes e
pelos estudos das possibilidades reacionais priorizando reações conhecidas, previsíveis e que
respeitem um raciocínio químico lógico de transformações entre os reagentes de partida, os
intermediários e o produto final.
Desde a década de 1980, os metais de transição (por exemplo: paládio, níquel, ferro, cromo,
molibdênio, zircônio e rutênio) vêm ganhando destaque nas reações de formação de ligações
do tipo C-C. Esta ampla área é denominada de Química dos Organometálicos de Transição.
Como exemplos de reações conhecidas que empregam esses tipos de metais em seus
mecanismos reacionais, temos as reações de Adição de Michael, Anelação de Robinson,
Alquilação e Acilação de Friedel-Craft, entre outras.
Dependendo do reagente de partida utilizado e da estrutura do esqueleto carbônico do produto
final, as reações de ligação C-C podem nem ser necessárias, assim o químico sintético pode
empregar as reações de inserções, remoções e interconversões de grupos funcionais que
envolvem as reações clássicas como de redução, oxidação, halogenação, nitração e
epoxidação.
Independentemente da metodologia planejada, tanto nas reações de formação de ligações C-C
como nas manipulações de grupos funcionais, algumas técnicas podem aumentar a eficiência
das reações como:
1 - Utilização de catálise por transferências de fases ou em líquidos iônicos.
2 - Reações suportadas ou catalisadas por polímeros (em fase sólida).
3 - Reações eletroquímicas ou com alta pressão.
4 - Reações com utilização de ultrassom ou micro-ondas.
5 - Reações fotoquímicas.
SA = Peso Molecular do Produto Final
Pesos Moleculares de Todas as Subtâncias Produzidas
ANÁLISE RETROSSINTÉTICA
Uma das grandes dificuldades enfrentadas antes do conceito de retrossíntese era a
identificação do material de partida adequado que originaria o produto sequencial desejado. As
sínteses eram planejadas baseando-se na escolha de reagentes de partida que se
assemelhassem com a molécula-alvo a ser sintetizada. O planejamento da síntese de
moléculas de forma mais lógica iniciou-se com os trabalhos desenvolvidos por R. B. Woodward
na década de 1950, mas o maior avanço veio com os trabalhos de E. J. Corey que introduziram
o conceito de retrossíntese via sínton (Figura 20).
 Figura 20. Foto de EJ Corey em Harvard; Retrossíntese do ácido giberélico; .
Essa estratégia mudou o foco da identificação dos materiais de partida que desde a
retrossíntese passaram a depender mais da percepção de particularidades estruturais da
molécula, como a identificação das regiões de conexões e de transformações de grupos
funcionais.
Quando o composto químico de interesse apresenta carbono quiral, uma outra metodologia de
retrossíntese pode ser empregada, chamada de retrossíntese via chiron, conceito introduzido
por Stephen Hanessian (Figura 21).
O chiron é um fragmento quiral derivado de fonte natural ou intermediário quiral escolhido pela
similaridade com a molécula-alvo. É diferente da abordagem via sínton, em que uma molécula
é considerada a base de um procedimento sintético, sendo escolhido por sua similaridade com
a molécula-alvo ou com o reagente.
Em resumo, as técnicas de retrossíntese consistem em modificar progressivamente a molécula
de interesse em unidades mais simples, priorizando substâncias facilmente disponíveis, como
se fosse realizado um raciocínio de trás (molécula-alvo) para a frente (intermediários e
reagentes de partida).
 Figura 21. Retrossíntese via chiron por Stephen Hanessian (1983).
Diante da diversidade de reações possíveis para as inúmeras funções químicas existentes,
muitas rotas diferentes podem ser empregadas para a obtenção de uma mesma molécula
química. As rotas podem sofrer influência direta da disponibilidade de reagentes, estrutura
laboratorial compatível com a complexidade das reações, assim como da criatividade e dos
conhecimentos que o químico sintético possui, devendo sempre visar ao melhor rendimento
global da reação e, consequentemente, a um menor número de etapas, além da utilização de
reagentes com custos reduzidos.
Uma forma de representar graficamente a análise de retrossíntese é por meio de desconexões
( ~ ) ou interconversões de grupos funcionais (IGF), utilizando a seta dupla: ⇒ que terá o
sentido oposto da reação proposta. Por exemplo, digamos que o fármaco ácido acetilsalicílico
seja a molécula-alvo que, após a análise retrossintética, fosse identificada por meio de
desconexões, podendo ser sintetizada a partir da reação entre duas moléculas Y (ácido
salicílico) + Z (anidrido acético). Caso fosse desejado sintetizar a molécula Y, a retrossíntese
poderia continuar a partir de uma desconexão C ~ C ou por uma reação de interconversão de
grupo funcional, conforme mostrado na Figura 22.
 Figura 22. Análise retrossintética do ácido acetilsalicílico.
A etapa de desconexão pode incluir uma ou mais modificações, ou ainda uma reação
multicomponente. Neste contexto, podemos dividir os tipos de síntese orgânica em: síntese
linear, síntese convergente e síntese mista.
SÍNTESE LINEAR
Trabalha com pequenas modificações na estrutura da molécula, na qual pequenas unidades
serão acrescentadas ou modificadas uma a uma ao esqueleto carbônico principal numa
sequência.
SÍNTESE CONVERGENTE
Pode dividir a molécula-alvo em duas moléculas, as quais sofrerão reações sequenciais para a
obtenção de intermediários-chave.
SÍNTESE MISTA
Essa é a mais utilizada e irá misturar reações em série e em paralelo.
Sempre que possível, devemos evitar trabalhar com a síntese linear, principalmente quando
houver muitas etapas, pois diminuirá o rendimento global da síntese. A Figura 23 demonstra os
diferentes rendimentos globais, quando empregadas as técnicas por síntese linear ou mista.
 Figura 23. Comparação entre os rendimentos globais de uma síntese linear e uma síntese
mista.
A ideia retrossintética pode ser facilitada quando pensamos nas possibilidades químicas
suscetíveis de ocorrer na molécula, como:
 Clique nas etapas a seguir.
1
Interconversão de grupos funcionais.
2
Funcionalizações de carbonos.
3
Mudanças da posição de grupamentos.
4
Modificações do esqueleto carbônico.
O passo de desconexão da retrossíntese leva à quebra de ligação, produzindo dois fragmentos
menores. Tipicamente, um fragmento (sínton) será positivo, enquanto o outro será carregado
negativamente e, em geral, síntons não são compostos reais. Devemos avaliar qual fragmento
receberá o caráter positivo e o negativo por meio das características químicas. Por exemplo,
uma carbonila apresenta caráter eletrofílico, enquanto uma hidroxila de uma função álcool
comportará melhor uma carga negativa por causa de seu caráter mais nucleofílico. Quando o
reagente pensado na análise retrossintética é um composto real, ele é denominado de
equivalente sintético (Figura 24).
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
 Figura 24. Exemplos de desconexão e interconversão de grupo funcional em uma análise
retrossintética.
Em geral, quando há interconversão de grupos funcionais em uma retroanálise, temos a
formação de um equivalente sintético. Quando ocorre a quebra de ligação formando síntons,
estes também deverão ser analisados individualmente, para que se determine qual o
equivalente sintético que se relaciona com os síntons obtidos. Dependendo do composto-
alvo, este poderá sofrer inúmeras desconexões ou interconversões de grupo funcional com o
objetivo de se obter um reagente de partida que esteja disponível para sua síntese.
RETROSSÍNTESE
Neste vídeo, você conhecerá um pouco sobre a análise retrossintética.
Ainda nos estudos de planejamento de síntese de fármacos, iremos lembrar, a seguir, algumas
das principais reações de formação de ligação e de interconversão de grupos funcionais que
auxiliarão na identificação dessas características em uma molécula-alvo para a análise
retrossintética.
REAÇÕES QUÍMICAS EMPREGADAS NO
PLANEJAMENTO DE FÁRMACOS
O conhecimento sobre as diversas reações químicas auxilia muito o trabalho do químico
sintético, ampliando sua visão sobre as diferentes possibilidades de transformações químicas
que poderão ser executadas visando à obtenção de um composto-alvo de interesse.
REAÇÕES DE FORMAÇÃO DE LIGAÇÃO
CARBONO-CARBONO (C-C)
Em Química Orgânica, a construção do esqueleto de hidrocarboneto é fundamental, todavia
estes compostos em geral não reagem entre si. Assim, para facilitar a ocorrência de ligações
entre carbonos, muitas vezes é necessário que os hidrocarbonetos sejam funcionalizados,
tornando-se reativos para a formação de ligações C-C.
Em geral, as reações de formação de ligação C-C necessitam que cada substrato da reação
apresente porções eletrofílicas ou nucleofílicas, permitindo a interação entre si. Assim, essas
reações podem ocorrer por:
VIA ANIÔNICA
Quando o carbono apresentar caráter nucleofílico (Via Carbânion).

VIA CATIÔNICA
Quando apresentar caráter eletrofílico (Via Carbocátion).

VIA RADICALAR
Quando houver cisão homolítica.
Como exemplo de funções que imprimem caráter eletrofílico aos hidrocarbonetos, temos: os
haletos de alquila, epóxidos, compostos carbonílicos (como aldeídos e cetonas) e alcenos
ligados a grupos retiradores de elétrons. Em geral, os reagentes de caráter nucleofílico usados
para formação de ligações entre carbonos são do tipo organometálico, isso porque o carbono
ligado ao metal apresentará carga parcial negativa, favorecendo a reação via carbânion. Muitos
catalisadores que utilizam metais também são empregados em reações de formação de
ligação C-C.
A figura 25 ilustra algumas das inúmeras reações utilizadas para a formação de ligação
carbono-carbono, como: Condensação Aldólica, Reação Aldol, Condensação de Claisen,
Reação de Diels-Alder, Alquilação e Acilação de Friedel-Crafts, entre outras.
 Figura 25. Reações importantes de formação de ligação carbono-carbono.
REAÇÕES DE INTERCONVERSÃO DE GRUPO
FUNCIONAL (IGF)
A Figura 26 ilustra as principais interconversões de grupos funcionais utilizadas em síntese
orgânica. Observamos que alcanos podem ser convertidos a alcenos ou haletos; haletos
podem ser convertidos a uma gama de outras funções químicas, como álcoois, nitrila e aminas.
Alcenos podem formar epóxidos ao serem oxidados e, por adição, podem se converter em
haletos de alquila. Por hidrólise, os epóxidos podem sofrer abertura do seu anel, formando
dióis.
A função álcool pode ser oxidada a compostos carbonilados como aldeídos, cetonas ou ácidos
carboxílicos, enquanto estes, por processo inverso de redução, podem ser convertidos ao
álcool correspondente.
 Figura 26. Reações importantes de interconversão de grupos funcionais.
As funções nitrogenadas como nitrilas e amidas podem ser convertidas a ácidos carboxílicos
por hidrólise. Cloretos de acila podem ser formados a partir de ácidos carboxílicos por
substituição, podem ainda formar amidas ou ésteres por reação de acilação. Reações de
eliminação podem converter ácidos carboxílicos a anidridos e estes, por acilação, podem ser
transformados em ésteres ou amidas. Por fim, a função éter pode ser obtida por meio de
eliminação de funções do tipo álcool.
REAÇÕES MULTICOMPONENTES (ONE-POT)
 Figura 27. Síntese do nifedipino via reação multicomponente (Síntese de Hantzsch).
As reações multicomponentes (RMC) ou reações one-pot partem de três ou mais reagentes
iniciais visando obter um único produto final, seja por reações sucessivas ou por reações que
envolvam os reagentes em uma única etapa. Essas reações tendem a envolver todos ou a
maior parte dos átomos de carbono dos produtos de partida, reduzindo a formação de
subprodutos e rejeitos.
No nível molecular, as reações one-pot são sequências reacionais em que uma transformação
prévia torna a espécie formada reativa diante de uma terceira molécula também presente no
meio reacional, seguindo até a formação da molécula-alvo planejada. Como vantagem utilizam
um número menor de etapas, o que tende a melhorar o rendimento global da síntese. Também
possuem menos etapas de purificação e isolamento de intermediários e, em geral, apresentam
maior facilidade operacional, além de diminuir em muito a geração de rejeitos.
O primeiro relato sobre as RMC foi a publicação da Reação de Strecker, em 1850, seguida de
inúmeras reações importantes como as reações de Hantzsch (1882), de Mannich (1917) e de
Ugi (1959). A reação de Hantzsch, muito utilizada na obtenção de derivados da piridina, foi
utilizada para a síntese do anti-hipertensivo Nifedipina em apenas uma etapa via reação
multicomponente (Figura 27).
SÍNTESE ASSIMÉTRICA
Uma das fronteiras atuais da síntese orgânica é a síntese assimétrica, que tem como objetivo
preparar substâncias enantiomericamente
puras (SEP) por meio de síntese seletiva a um
determinado estereoisômero. A presença de quiralidade em uma molécula pode levar a efeitos
no organismo — efeitos distintos para cada um de seus isômeros, podendo ser benéfico,
indiferente ou prejudicial. A partir da década de 1970, a síntese assimétrica ganhou destaque
sobre a abordagem de resolução de racematos.
 ATENÇÃO
Na síntese assimétrica, as abordagens envolvem a utilização de substratos quirais denominada
de chiron approach ou substratos pró-quirais, podendo ainda utilizar auxiliares quirais,
reagentes quirais ou catálise assimétrica na obtenção de um enantiômero puro.
A primeira metodologia via utilização de substratos quirais possibilita a formação de novos
centros estereogênicos a partir de matérias-primas quirais por meio de reações
diastereosseletivas, ou seja, que visam apenas um único estereoisômero. A síntese do fármaco
captopril é realizada a partir do aminoácido (L)-prolina (matéria-prima quiral) (Figura 28). Em
geral, a manipulação do centro quiral desta metodologia ocorre pela transferência de
quiralidade do substrato quiral para o produto formado na reação.
 Figura 28. Metodologia de síntese assimétrica baseada em matéria-prima quiral.
O uso de auxiliares quirais é considerado um método de segunda geração que permite a
formação de centros quirais a partir de matérias-primas aquirais. Neste caso, quem transfere a
quiralidade é o auxiliar quiral e não o substrato, e este é removido da molécula de interesse por
um processo de regeneração que permite sua reutilização. A Figura 29 ilustra a síntese
assimétrica do intermediário-chave (R)-(+)-β-piperonilil-butirolactona utilizada na síntese de
lignanas naturais biologicamente ativas.
 Figura 29. Metodologia de síntese assimétrica baseada em auxiliares quirais.
O método de utilização de reagentes quirais substitui a utilização dos auxiliares quirais, e este
é considerado um método de terceira geração. Nesta abordagem, um substrato pró-quiral é
diretamente convertido a um produto quiral pelo uso de um reagente quiral por meio de
reações enantiosseletivas. A Figura 30 ilustra a utilização do reagente quiral redutor
enantiosseletivo (R)-alpino-borano que reduz uma cetona (composto pró-quiral) a apenas um
estereoisômero.
 Figura 30. Metodologia de síntese assimétrica baseada em reagentes quirais.
Por fim, podem ser utilizados os catalisadores quirais (quarta geração), em que um substrato
pró-quiral é diretamente convertido a um produto quiral pelo uso de um reagente aquiral na
presença de um catalisador quiral. A Figura 31 ilustra a utilização do catalisador quiral em uma
síntese assimétrica.
 Figura 31. Metodologia de síntese assimétrica baseada em catalisadores quirais.
Com os conceitos estudados e relembrados sobre síntese orgânica aplicada a fármacos,
poderemos entender melhor sobre as estratégias modernas e inovações voltadas para a
descoberta de novos fármacos no próximo módulo.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
 Analisar estratégias e inovações voltadas para a descoberta de novos fármacos
ESTRATÉGIAS MODERNAS PARA A
DESCOBERTA DE NOVOS FÁRMACOS
O avanço da biotecnologia, principalmente aplicada à Medicina, possibilitou a elucidação de
inúmeras fisiopatologias até então desconhecidas, assim como a identificação de diversos
novos alvos moleculares, tanto para doenças já há muito estudadas quanto para novas
doenças como a pandemia de Síndrome Respiratória Aguda Severa por Coronavírus (SARS-
CoV-2). O impulsionamento da ciência da computação e da ciência dos dados (Data Science)
parece ter sido também um grande responsável pelos avanços biotecnológicos vividos por
todos nós atualmente. Graças à fusão dessas três ciências, muitas novas tecnologias são
estudadas, visando à aceleração no planejamento e desenvolvimento de novos fármacos,
vacinas e tratamentos para as mais diversas doenças.
 Figura 32. Inovações e estratégias modernas no planejamento de novos fármacos.
Nesse contexto, técnicas aplicadas à química combinatória, quimioinformática, triagem virtual
de compostos (virtual screening), inteligência artificial e aprendizado de máquina (machine
learning) conseguem se unir na automação e aceleração de diversas etapas do planejamento
de novos fármacos. Um bom exemplo é a criação de quimiotecas de compostos similares
potencialmente ativos ou séries de compostos com alta diversidade estrutural para um alvo
desconhecido, até mesmo alcançando processos de síntese automatizada e emprego de
ferramentas de reposicionamento de fármacos que estudam a aplicação de fármacos já
conhecidos para outras doenças, acelerando a descoberta de novos tratamentos.
QUIMIOINFORMÁTICA
 Figura 33. Quimioinformática no desenvolvimento de fármacos.
 ATENÇÃO
O termo quimioinformática foi utilizado pela primeira vez em 1998 por Frank Brown, que a
definiu como uma mistura de recursos computacionais utilizados para transformar dados em
informação, visando maior rapidez na tomada de decisões na área de identificação e
otimização de compostos protótipos (lead-compounds).
Confira a seguir algumas particularidades da quimioinformática:

1
Resumidamente, a quimioinformática é uma ciência interdisciplinar que utiliza recursos da
ciência da computação e da ciência de dados para a resolução de problemas químicos. Apesar
de nova, essa ciência está evoluindo desde a década de 1960.
2
Nesse período, diversas áreas foram se consolidando na quimioinformática, como a
representação, visualização e manipulação de estruturas químicas; a organização de bases de
dados sobre as estruturas químicas; e os estudos das relações quantitativas entre estrutura e
atividade e suas propriedades químicas relacionadas.


3
Passando por diferentes aspectos práticos e teóricos, a quimioinformática atualmente tem
como papel primordial a exploração de bases de dados químicos e a descoberta de novos
compostos com atividade e/ou propriedade de interesse, seja ele medicinal, industrial ou
voltado para outras áreas.
4
A exploração dessas bases de dados permite que informações importantes sejam extraídas e
elucidem comportamentos de determinados grupos de compostos, o que possibilita a geração
de modelos computacionais de predição de atividade, podendo ser aplicados a moléculas de
atividade desconhecida.

Devemos ressaltar que a quimioinformática está relacionada e comumente converge com
outras áreas químicas que utilizam computadores em suas análises, como a Química
Computacional, que usa métodos de química teórica para a calcular a estrutura e as
propriedades químicas de moléculas; a modelagem molecular, que, por meio de gráficos 3D e
otimizações, auxilia o entendimento da interação entre moléculas químicas e alvos; e o
planejamento de fármacos auxiliado por computadores, que emprega diversas técnicas
computacionais, visando à descoberta e ao planejamento de novos fármacos.
QUÍMICA COMBINATÓRIA
Apesar de seu surgimento na década de 1990, a química combinatória ainda se apresenta
como uma ferramenta avançada na descoberta de protótipos a novos fármacos. Ela apresenta
ferramentas de sínteses que podem variar de sínteses em polímeros insolúveis ou solúveis,
solução ou, ainda, programas computacionais. Sua principal meta visa reduzir o tempo
necessário na obtenção de novos fármacos por meio da síntese de coleções de moléculas
chamadas de quimiotecas.
Uma quimioteca é uma coleção de compostos sintetizados simultaneamente em forma de
misturas ou isolados, a partir de um ou mais reagentes de partida, podendo ser constituída de
diversas quantidades de moléculas estruturalmente diferentes, o que aumenta bastante as
chances de se obter um protótipo de um futuro fármaco. O emprego de recursos
computacionais e de modelagem molecular auxilia o planejamento racional da diversidade das
moléculas que irão compor a quimioteca, graças às propriedades estruturais e físico-químicas
obtidas por essas técnicas.
A química combinatória tem como
objetivo tanto a identificação de protótipos quanto a
otimização da atividade ou de propriedades farmacocinéticas e/ou toxicológicas.
Dependendo da metodologia de síntese empregada na técnica de química combinatória, as
quimiotecas podem ter suas moléculas preparadas por síntese em solução ou utilizando o
auxílio de polímeros solúveis ou insolúveis, a Síntese Orgânica em Fase Sólida (SOFS).
Quanto à estratégia utilizada nas etapas de síntese, estas podem ocorrer por síntese em
paralelo, o que origina diversos compostos já isolados, ou por síntese de misturas, a qual utiliza
um composto inicial (building block) adicionado a uma mistura de reagentes que originará uma
mistura de compostos da quimioteca (Figura 34).
 Figura 34. Lógica da química combinatória e metodologia e estratégias
de síntese para obtenção de quimiotecas.
SOFS - SÍNTESE ORGÂNICA EM FASE SÓLIDA
Na SOFS, são empregados suportes sólidos constituídos de polímeros solúveis ou insolúveis,
que possuem uma subunidade responsável pela sustentação física da molécula e outra parte
conhecida como ligante, responsável pelo acoplamento ao material de partida. Após as
transformações químicas realizadas em outra parte da molécula, as resinas são separadas do
produto por meio de estratégias de clivagem ou dissolução. Como vantagem, a SOFS
apresenta um alto nível de simplificação de etapas de purificação dos produtos sintetizados e
consequente pureza dos produtos finais.
QUIMIOTECAS
Já a síntese de quimiotecas em solução consiste na dissolução de todos os reagentes no
solvente, o que aumenta o contato entre os reagentes, elevando a probabilidade de
deslocamento da reação para a obtenção do produto desejado, o que é uma vantagem em
relação à SOFS. Como não utilizam o acoplamento e o desacoplamento dos produtos a
polímeros, esse tipo de obtenção de quimioteca se torna mais barata e mais rápida, apesar de
ter o inconveniente do isolamento e da purificação dos produtos finais. Após a síntese das
quimiotecas, suas moléculas podem ser avaliadas pelos chamados ensaios biológicos
automatizados (high throughput screening, HTS), um processo rápido de determinação da
atividade de moléculas de uma quimioteca combinatória, geralmente de forma paralela em
placas com poços acoplados a leitores de emissão de fluorescência que identificam os
protótipos biologicamente ativos.
SÍNTESE ORIENTADA PELA DIVERSIDADE
ESTRUTURAL
A síntese orientada pela diversidade estrutural surge como estratégia interessante, uma vez
que permite a síntese de um banco de compostos com elevada diversidade estrutural,
possibilitando maiores chances de alcançar um composto ativo (hit compounds) para um alvo
desconhecido, contrário à estratégia de similaridade estrutural da química combinatória.
A série de compostos planejados via química combinatória ou síntese orientada pelo alvo
raramente é eficaz quando as informações sobre a estrutura do alvo são desconhecidas, e
muitas vezes isso ocorre em razão da baixa diversidade dos compostos encontrados nesses
bancos obtidos por química combinatória. Nesse contexto, a síntese orientada pela diversidade
costuma ser a melhor estratégia para a obtenção de séries de moléculas potencialmente ativas
para diferentes alvos moleculares estudados.
 ATENÇÃO
Na síntese orientada pela diversidade estrutural, o composto de interesse ou série de
compostos não apresenta uma estrutura particular. Desta forma, a análise retrossintética não
pode ser realizada na condução da síntese por esse método.
No início dos anos 2000, partindo da necessidade de se criar um algoritmo para ser utilizado na
síntese de série de moléculas orientadas pela diversidade estrutural, Stuart Schreiber propôs e
iniciou o desenvolvimento do algoritmo de análise sintética direta, com o objetivo de delinear a
estratégia de síntese de modo a aumentar a complexidade, diversidade e eficiência dos
compostos obtidos.
Em outras palavras, esse algoritmo propõe que a complexidade dos membros de uma série de
compostos deve ser aumentada na realização das etapas de síntese proposta, e a
diversificação estrutural pode ser alcançada por meio da variação de quatro elementos básicos:
PRIMEIRO
Os blocos de síntese.
SEGUNDO
Os grupos funcionais.
TERCEIRO
A estereoquímica.
QUARTO
Os esqueletos moleculares dos compostos (Figura 35).
 Figura 35. Elementos básicos de variação empregados na síntese orientada pela
diversidade estrutural.
Ainda que as quatro estratégias de diversificação sejam utilizadas na síntese de séries de
compostos, observa-se que a diversidade estrutural de uma série de compostos é
primariamente dependente da diversidade dos esqueletos moleculares centrais, e que os
substituintes periféricos, como, por exemplo, diferentes grupos funcionais, são menos
importantes. Desta forma, para que a série de moléculas ocupe uma maior cobertura do
espaço químico, é vital que seus compostos apresentem alto grau de diversidade dos
esqueletos moleculares.
Para alcançar essa diversidade, dois métodos podem ser empregados: a estratégia de
ramificação dos caminhos sintéticos ou o processo de dobragem.
A ESTRATÉGIA DE RAMIFICAÇÃO DOS CAMINHOS SINTÉTICOS
Baseia-se no uso de um único material de partida reagindo com diferentes reagentes, levando
à produção de moléculas com arquitetura molecular distinta.

PROCESSO DE DOBRAGEM
É realizado o oposto, ou seja, diferentes materiais de partida reagem com um mesmo reagente,
também levando à formação de diferentes esqueletos moleculares.
Esses dois métodos podem ser aplicados a um mesmo planejamento sintético que pode ter a
diversidade estrutural aumentada pela adição de outras três estratégias, como a introdução de
grupos funcionais, a estereoquímica e os blocos sintéticos diferentes.
 COMENTÁRIO
Graças ao avanço da Química Computacional, atualmente muitas proposições reacionais
aplicadas à síntese orientada pela diversidade estrutural podem ser executadas de forma
automatizada em programas computacionais, os quais, por meio de diferentes algoritmos
matemáticos de aleatorização, podem sugerir blocos de sínteses, funções químicas,
estereoquímica e esqueletos moleculares distintos, para que se obtenham séries com altíssima
diversidade estrutural, principalmente em situações cujas informações sobre o alvo molecular
não são conhecidas.
TRIAGEM VIRTUAL
 Figura 36. Triagem virtual.
A triagem virtual (virtual screening) é uma ferramenta computacional (in silico) muito eficaz para
a identificação de novos compostos ativos de alvos de interesse. Em geral, a estrutura química
dos possíveis ligantes avaliados em uma triagem virtual é obtida em base de dados que
apresenta milhares de compostos com propriedades físico-químicas semelhantes às exibidas
por fármacos de atividade já conhecida.
Ao comparar os bancos de moléculas com informações de moléculas ativas, a triagem virtual
possibilita identificar compostos promissores tanto do ponto de vista farmacofórico quanto do
ponto de vista físico-químico, indicando, por exemplo, quais compostos deverão ser
sintetizados, para que possam ser avaliados por métodos experimentais in vitro e
posteriormente in vivo.
As estratégias de triagem virtual compreendem basicamente duas abordagens principais: a
triagem baseada na estrutura do alvo molecular e a triagem baseada na estrutura do ligante.
TRIAGEM BASEADA NA ESTRUTURA DO ALVO MOLECULAR
Essa é uma das estratégias mais robustas em vista de sua capacidade de identificar novos
ligantes, capaz de contribuir em todo o processo, desde a análise da estrutura tridimensional
do alvo até a otimização das interações moleculares e propriedades farmacocinéticas dos
compostos potencialmente ativos. Essa estratégia depende diretamente da disponibilidade de
informações estruturais sobre o alvo, auxiliando estudos de complementaridade estérica,
eletrostática e hidrofóbica entre o potencial ligante e o alvo.

ESTRATÉGIAS COM FOCO NOS LIGANTES
Por outro lado, a estratégias com foco nos
ligantes trabalham com moléculas orgânicas de
atividade biológica conhecida, que funcionarão como moldes para a triagem em bases de
dados de novas moléculas químicas, tendo estas que apresentar algum nível de similaridade
com as moléculas moldes, para que possuam a atividade biológica semelhante. Assim, as
moléculas dos bancos avaliados são selecionadas de acordo com diferentes métodos de
similaridade molecular e farmacofórica, direcionados por relações entre propriedades
estruturais e de atividade biológica (relação estrutura-atividade).
 COMENTÁRIO
A triagem virtual funciona como uma espécie de filtro de seleção de compostos que trabalha
simultaneamente com as técnicas de modelagem molecular, como o ancoramento molecular ou
simulação molecular, os quais aplicam diferentes pontuações aos compostos avaliados,
podendo passar pela triagem virtual, facilitando a identificação do composto ativo em meio a
inúmeros compostos avaliados.
A triagem virtual é aplicada também em estudos baseados no ligante, por triagem virtual, por
padrão farmacofórico, por comparação com mapas farmacofóricos ou por similaridade, como é
o caso dos estudos de QSAR.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E
APRENDIZAGEM DE MÁQUINA
Com a crescente aplicação da inteligência artificial e mineração de dados no ramo do
planejamento de fármacos, a avaliação de bancos de moléculas como potenciais ativos e
inativos diante de um alvo molecular tem sido cada vez mais estudada. A aprendizagem de
máquinas é um ramo da inteligência artificial que estuda a criação de algoritmos de
classificação capazes de classificar, por exemplo, moléculas a partir de um conjunto de
moléculas de treinamento. Programas de mineração de dados e aprendizagem de máquina
podem ser utilizados para a avaliação de um enorme número de informações químicas sobre
banco de ligantes cada vez maiores.
 Figura 37. Inteligência artificial e aprendizagem de máquina.
 ATENÇÃO
Esses programas permitem a criação de modelos de discriminação via bancos de treinamento
com um grupo de moléculas de características conhecidas, o qual treinará algoritmos
matemáticos de busca para que sejam criados critérios de predição entre moléculas
potencialmente ativas e moléculas potencialmente inativas. Esse poder discriminatório ajuda
bastante na criação de bancos de moléculas ou fragmentos com interações potencialmente
eficazes entre o ligante e o alvo de interesse.
Atualmente, a inteligência artificial e a aprendizagem de máquina aplicadas à descoberta de
fármacos têm avançado exponencialmente, ao ponto que hoje existem processos
automatizados que contemplam quase todas as etapas do desenvolvimento de novos
fármacos, desde seus estudos in silico até mesmo em sínteses orgânicas de moléculas ativas
mediadas totalmente por máquinas, demonstrando ser o futuro da química medicinal aplicada
ao desenvolvimento de fármacos.
DESENVOLVIMENTO DE FÁRMACOS
Neste vídeo, você conhecerá um pouco sobre novos fármacos e os desafios e as perspectivas
futuras.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nosso estudo, vimos os princípios e os métodos que regem as técnicas de modelagem
molecular e os estudos de relação estrutura-atividade, além dos princípios relacionados à
síntese de fármacos, como a análise retrossintética, importante no planejamento sintético
desses compostos.
Entendemos também que as novas estratégias e inovações voltadas para a descoberta de
novos fármacos permitem ampliar nossa visão sobre quais caminhos essa ampla área de
estudo tenderá a seguir nos anos seguintes, orientando o farmacêutico de forma eficiente na
busca por soluções de problemas relacionados ao planejamento e desenvolvimento de
fármacos.
 PODCAST
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ANDERSON, A. C. The process of structure-based drug design. Chemistry & Biology, [s.l.],
v. 10, n. 9, p. 787-797, 2003.
BACILIERI, M.; MORO, S. Ligand-based drug design methodologies in drug discovery
process: an overview. Current Drug Discovery Technologies, [s.l.], v. 3, n. 3, p. 155-165, 2006.
BARREIRO, E. J.; FRAGA, A. M. Química medicinal: as bases moleculares da ação dos
fármacos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. cap. 5, p. 231-254.
CERQUEIRA, M. F. S. A. N., et al. Receptor-based virtual screening protocol for drug
discovery. Archives of Biochemistry and Biophysics, v. 582, 15 set. 2015.
FERREIRA, L. G. et al. Molecular docking and structure-based drug design strategies.
Molecules, [s.l.], v. 20, n. 7, p. 13.384-13.421, 2015.
KASERER, T. et al. Pharmacophore Models and Pharmacophore-Based Virtual Screening:
Concepts and Applications Exemplified on Hydroxysteroid Dehydrogenases. Molecules, 20(12),
22799-22832, 19 dez. 2015.
PINHEIRO, S.; FERREIRA, V. F. Abordagens em síntese assimétrica. Química Nova, [s.l.], v.
21, n. 3, p. 312-318, 1998.
QING, X. et al. Pharmacophore modeling: advances, limitations, and current utility in drug
discovery. Journal of Receptor, Ligand and Channel Research, [s.l.], n. 7, p. 81-92, 2014.
ROCHA, D. R.; FERREIRA, V. F.; SANTOS, W. C. Aspectos da síntese orgânica no
desenvolvimento de métodos e de moléculas biologicamente ativas. Revista Processos
Químicos, [s.l.], v. 2, n. 3, p. 9-22, 2008.
RODRIGUES, C. R. Processos modernos no desenvolvimento de fármacos: modelagem
molecular. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola, [s.l.], n. 3, 2001.
SÁNCHEZ-MEJORADA, G., COSTAS, M. E.; ACEVEDO-CHÁVEZ, R. Quantum mechanics
calculations on molecular and electronic structure properties of prostaglandin E1
conformers. Journal of Molecular Structure, [s.l.], v. 674, n. 1-3, p. 99-111, 2004.
SANGI, D. P. Estratégias de síntese na descoberta de fármacos: o emprego da síntese
orientada pela diversidade estrutural. Química Nova, [s.l.], v. 39, n. 8, p. 995-1.006, 2016.
EXPLORE+
Para saber mais sobre os assuntos tratados neste conteúdo, leia dois artigos:
Importância da síntese de fármacos, de Ricardo Menegatti, Carlos Alberto Manssour Fraga e
Eliezer J. Barreiro, e Processos modernos no desenvolvimento de fármacos: modelagem
molecular, de Carlos Rangel Rodrigues.
Os textos estão disponíveis no Caderno Temático de Química Nova na Escola, nº 3, publicado
em maio de 2001 pela Sociedade Brasileira de Química.
CONTEUDISTA
Pedro Henrique Rodrigues de Alencar Azevedo
 CURRÍCULO LATTES
javascript:void(0);

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Continue navegando