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DESCRIÇÃO Definição de Química Computacional e Síntese Química no desenvolvimento de fármacos baseados na estrutura do alvo ou ligante e apresentação de estratégias modernas para a descoberta de novos fármacos. PROPÓSITO Compreender o processo de desenvolvimento de fármacos baseado na estrutura do alvo ou ligante atrelado à ciência da Química Computacional e Síntese Química é de suma importância para entender os diversos estudos relacionados às etapas pré-síntese e sintéticas envolvidas no desenvolvimento de fármacos. OBJETIVOS MÓDULO 1 Reconhecer os princípios e métodos da modelagem molecular e os estudos de relação estrutura-atividade MÓDULO 2 Reconhecer os princípios da retrossíntese e os métodos de planejamento de fármacos MÓDULO 3 Analisar estratégias e inovações voltadas para a descoberta de novos fármacos INTRODUÇÃO Figura 1. Química Computacional e síntese orgânica no desenvolvimento de fármacos. A interação efetiva entre a estrutura de um fármaco e a estrutura de seu alvo ocorre quando há complementariedade estérica e eletrônica entre as duas estruturas moleculares. Assim, informações sobre a estrutura tanto do alvo molecular quanto de ligantes são de suma importância para a compreensão da interação fármaco-alvo. A análise da interação ligante-alvo por via experimental pode ser demorada e a complexidade das estruturas proteicas dos alvos, assim como de seus complexos com os ligantes, dificultam ainda mais o emprego rotineiro dessas técnicas. Para facilitar as análises, a Química Computacional pode ser utilizada, uma vez que as técnicas de Modelagem Molecular tentam predizer in silico, por meio de simulação computacional, informações teóricas sobre as estruturas do alvo, ligante e seus complexos de forma rápida e barata, além de contribuir com o entendimento da relação estrutura-atividade envolvida. Após os estudos in silico, são iniciados os estudos pré-sintéticos e as etapas de síntese orgânica propriamente dita. Essa área é um dos pilares da indústria farmoquímica. Novas técnicas de triagem virtual, análises de bases de dados, novas reações, sínteses multicomponentes, condições reacionais eco-friendly (química verde), catalisadores mais eficazes, entre outros, são algumas das inúmeras estratégias e inovações voltadas para a descoberta de novos fármacos. MÓDULO 1 Reconhecer os princípios e métodos da modelagem molecular e os estudos de relação estrutura-atividade PLANEJAMENTO DE FÁRMACOS AUXILIADO POR COMPUTADORES Figura 2. Modelagem molecular no desenvolvimento de fármacos. Os programas de modelagem molecular são muito utilizados no que chamamos de Planejamento de Fármacos Auxiliado por Computadores (do inglês, Computer Assisted Drug Design, CADD). Diferentes programas englobam inúmeras análises que auxiliam no planejamento de fármacos tanto baseando-se na estrutura do ligantes quanto na estrutura do alvo molecular. LBDD O Planejamento de Fármacos Baseado na Estrutura dos Ligantes ou Ligand Based Drug Design (LBDD) utiliza informações sobre a estrutura de moléculas ativas e suas atividades biológicas. SBDD O Planejamento de Fármacos Baseado na Estrutura do Alvo ou Structure Based Drug Design (SBDD) baseia-se em informações sobre a estrutura do alvo molecular na qual se deseja planejar o fármaco. Um terceiro tipo de análise também pode ser usado, chamado de análise mista, a qual utiliza informações tanto dos ligantes quanto do seu alvo. A escolha da abordagem a ser utilizada no desenvolvimento de novos fármacos deve ser definida de acordo com as informações prévias disponíveis. Quando temos conhecimento da estrutura molecular do alvo para a qual se deseja planejar um novo fármaco, podemos utilizar as metodologias do tipo SBDD, como a docagem molecular e a dinâmica molecular. Em patologias cujo alvo é desconhecido, mas existem informações sobre moléculas ativas, a melhor abordagem pode ser feita via métodos de planejamento do tipo LBDD, como os estudos de relação estrutura-atividade qualitativo (Structure-Activity Relationship, SAR) ou quantitativo (Quantitative Structure-Activity Relationship, QSAR) COMENTÁRIO Independentemente da estratégia utilizada, o químico medicinal geralmente iniciará os estudos de CADD pelo uso de programas para a construção de modelos de estruturas moleculares, podendo ser de ligantes ou de alvos macromoleculares, como proteínas. PROGRAMAS DE MODELAGEM MOLECULAR Os programas de modelagem molecular objetivam otimizar modelos estruturais teóricos de moléculas (ligantes ou alvos), muitas vezes trabalhando via minimização de energia. É possível avaliar a otimização realizada pela observação dos valores de energia, em que quanto menor o seu valor, melhor o modelo de estrutura otimizado. O modelo de minimização de energia baseia-se em conceitos químicos teóricos, uma vez que a disposição dos átomos em uma molécula ou macromolécula tenderá a apresentar posições mais favoráveis com consequente menor energia. Embora, em geral, o objetivo de utilizar programas de modelagem molecular seja a minimização energética, em algumas situações é interessante que sejam estudados modelos de estruturas de alta energia, como, por exemplo, em cinética reacional onde há estruturas de maior energia, como em um estado transicional. Os programas de modelagem molecular devem ser capazes de calcular a energia em função da estrutura da molécula avaliada, mas quais parâmetros influenciam neste cálculo de energia? Parâmetros como posições atômicas nos eixos x, y, z (coordenadas cartesianas dos átomos) ou coordenadas internas (distâncias/ângulos de ligação e ângulos diedros — Figura 3) que caracterizam a estrutura da molécula influenciam diretamente nos cálculos de energia da estrutura da molécula. Figura 3. A: Coordenadas internas do n-butano; B: Ângulo diedro do n-butano e seus diferentes valores de ângulo de diedro. O parâmetro chamado de Superfície de Energia Potencial ou SEP de uma molécula é equivalente à superfície que representa a energia em função das posições de todos os átomos presentes em sua estrutura. ATENÇÃO A SEP rege muitas das análises de minimização de energia e, em razão de sua enorme complexidade, é preciso que o programa de modelagem disponha de métodos automatizados de busca de mínimos de energia em função de modificações nos diferentes parâmetros característicos da estrutura da molécula por meio de modelos matemáticos de função contínua. ANÁLISE CONFORMACIONAL A análise conformacional para cada confôrmero formado pela variação angular dos átomos e ligações da molécula faz com que existam muitos mínimos de energia presentes na SEP, sendo comum que a aplicação de um algoritmo de minimização de energia apenas leve ao mínimo mais próximo da geometria inicial do sistema. Assim, o mínimo absoluto apenas poderia ser alcançando pela análise conformacional sistemática do sistema molecular via pesquisa de gradiente (de todos os confôrmeros possíveis); essa é uma análise gigantesca devido aos inúmeros confôrmeros que uma molécula pode assumir para cada incremento de angulação aplicado na análise. A título de curiosidade, se essa técnica fosse aplicada à molécula de prostaglandina E1 (Figura 4), limitando-se apenas às ligações saturadas C-C e com incremento de 60o, envolveria a análise de energia de mais de 2 bilhões de estruturas de confôrmeros! A figura 4 mostra a prostaglandina E1 e dois confôrmeros otimizados, e duas diferentes angulações possíveis para a função ácido carboxílico. Figura 4. Comparação entre Prostaglandina E1 e dois confôrmeros otimizados. Diante desta problemática limitante, diversas metodologias foram criadas para contornar o problema da análise conformacional como o uso de métodos probabilísticos, como o método de Monte Carlo, o qual é realizado a partir de uma análise estatística da SEP, por meio de análises aleatórias entre as diferentes conformações do sistema molecular também minimizando o número de análises conformacionais. MÉTODO DE MONTE CARLO Os estudos estatísticos podem trabalhar utilizando métodos determinísticos ou métodos estocásticos (ou probabilísticos), em que a principal diferença entre eles se dará em relação ao comportamento da variável estudada, a qual no caso dos métodos estocásticos apresentará um comportamento randômico no tempo. Figura 5. Esquema simplificado do método Monte Carlo. Nesse contexto, temos o método estocástico de Monte Carlo que analisa as possibilidades conformacionais de uma molécula de forma randômica, em que cada nova geometria gerada aleatoriamente servirá como ponto inicial para a próxima etapa, caso a energia deste confôrmero seja menor que a energia do confôrmero anterior. Quando esta energia é maior, o fator de Boltzmann é calculado e comparado com um número entre 0 e 1 gerado aleatoriamente, levando ao aceite da geometria quando o fator de Boltzmann for maior ou à rejeição da geometria quando for menor (Figura 5). Esse processo possibilita gerar uma sequência de conformações para minimização subsequente, uma vez que a randomização possibilita mover-se entre diferentes pontos da superfície de energia potencial (SEP) da molécula, sem que seja necessária a avaliação de todos os pontos entre eles, como na análise sistemática via gradiente. MÉTODOS DE PLANEJAMENTO DE FÁRMACOS BASEADOS NA ESTRUTURA DO ALVO A abordagem de planejamento de fármacos baseada na estrutura do alvo (SBDD) contribui bastante para o sucesso na obtenção de moléculas bioativas, uma vez que tende a levar à descoberta direta de potenciais compostos protótipos (lead compounds) que apresentarão ao menos afinidade na escala micromolar pelo alvo. O SBDD em geral envolve inúmeras etapas multicíclicas antes que a molécula potencialmente ativa entre nas fases clínicas de avaliação. A primeira etapa se inicia pela clonagem, purificação e determinação estrutural da proteína-alvo de interesse por três métodos principais: 1 Cristalografia de raios X. 2 Técnicas de ressonância magnética nuclear. 3 Modelagem de proteínas por homologia. Os dois primeiros métodos respondem por análises experimentais e o segundo, por análises computacionais (Figura 6). Figura 6: Etapas de obtenção da estrutura de alvos moleculares: clonagem, purificação, cristalografia de raios X, construção do mapa de densidade eletrônica, determinação de sequência de aminoácidos e modelagem da proteína. Após a elucidação da estrutura molecular do alvo, os estudos de modelagem molecular podem ser realizados. Um banco de moléculas ou fragmentos é posicionado (docagem molecular ou dinâmica molecular) em uma região específica da estrutura molecular elucidada e, por meio de algoritmos matemáticos, estes compostos são pontuados e ranqueados de acordo com as interações estéricas e eletrostáticas entre ele e o alvo. Essas análises possibilitam entender quais regiões apresentam interações com resíduos do alvo molecular, possibilitando modificações estruturais nos compostos protótipos para melhoria da interação observada, orientando futuras modificações sintéticas nesses compostos. MODELAGEM DE PROTEÍNAS A elucidação da estrutura molecular do alvo, como proteínas, é essencial para a abordagem baseada na estrutura do alvo. Graças aos métodos experimentais de cristalografia de raios X e ressonância magnética nuclear, hoje existem informações de mais de 100.000 estruturas de proteínas potenciais alvos em bancos de dados como o Protein Data Bank (PDB), porém muitas dessas estruturas apresentam apenas informações sobre suas sequências de aminoácidos. Assim a modelagem de proteínas é importantíssima na elucidação estrutural desses alvos, permitindo, a partir dessas sequências, que estudos de modelagem sejam feitos obtendo a estrutura 3D de proteínas simulando suas estruturas “reais”. Em razão da alta complexidade das proteínas, sua modelagem necessita de algoritmos robustos e uma enorme capacidade computacional para mimetizar o processo de enovelamento proteico, para que sua conformação nativa seja encontrada. Uma forma de resolução desse problema é o uso da técnica de modelagem comparativa ou por homologia, em que são realizadas comparações de estruturas proteicas já conhecidas. Figura 7. Esquema resumido do processo de modelagem de proteínas por homologia. O método de modelagem de proteínas por homologia precisa que o molde apresente ao menos 30% de identidade com a sequência da proteína-alvo que se deseja elucidar, para que o modelo obtido apresente qualidade aceitável (Figura 7). A homologia utiliza algoritmos de seleção de moldes mais apropriados para a comparação, e estes são pesquisados em bancos de proteínas (por exemplo, PDB), sempre priorizando o máximo de similaridade entre as sequências de aminoácidos do molde e da proteína desconhecida. Após essa seleção, é realizado o alinhamento das sequências da proteína-alvo e dos moldes. Essa etapa é crucial para a qualidade estrutural final da proteína modelada. A análise então é concluída pela montagem da proteína-alvo criando um modelo inicial de sua estrutura que necessitará ser otimizado por métodos de mecânica molecular. Apesar das vantagens relacionadas a essa técnica, uma limitação pode ocorrer mesmo em proteínas-alvos com alta similaridade com moldes conhecidos em razão das regiões de alças — isso porque essas regiões de estrutura primária tendem a apresentar diferenças consideráveis em suas estruturas, em geral devido à sua alta flexibilidade. DOCAGEM MOLECULAR A partir da estrutura molecular da proteína-alvo elucidada e corrigida, o estudo de docagem molecular (docking) ou ancoramento molecular (AM) pode ser realizado. Esses estudos objetivam definir a melhor pose (orientação e conformação) do ligante estudado ao interagir com o receptor-alvo. O ancoramento do ligante ocorre por sua alocação na cavidade da proteína, próximo ao sítio catalítico, permitindo a análise das poses do ligante que apresentem melhor interação ligante-alvo, fornecendo funções de pontuação que permitem ser ranqueadas. Mesmo pela delimitação da cavidade de interação, estas tendem a ser suficientemente grandes, aceitando diversos arranjos espaciais distintos para um mesmo ligante, levando a diferentes mínimos de energia, o que é uma desvantagem. Ainda assim, os métodos de AM possibilitam o entendimento do modo de interação entre um ligante e uma proteína, é um método rápido e de baixo custo. ATENÇÃO A rapidez justifica-se pelo modo de interação empregado, no qual a estrutura da proteína apresenta-se em sua forma rígida (ancoramento rígido) ou semirrígida (ancoramento semirrígido), aproximando-se do clássico modelo de interação chave-fechadura. Apenas o alvo apresenta-se rígido, enquanto o ligante pode apresentar inúmeras conformações. Outro fator relacionado à rapidez é a utilização de algoritmos matemáticos altamente eficientes, como Monte Carlo, já mencionado anteriormente, ou de algoritmos genéticos. A técnica do algoritmo genético baseia-se no processo de evolução natural, em que os indivíduos (as poses) são caraterizados por um cromossomo que descreve sua posição no espaço de busca (espaço das conformações e orientações). Todos os indivíduos formam uma população inicial (de poses) gerada randomicamente, que sofrerão operações genéticas como mutações (mudanças pontuais aleatórias) e cruzamentos (mistura de características entre as poses), produzindo novas gerações via seleção dos mais aptos (melhores poses formadas pelas operações genéticas). O processo é finalizado quando o número de geração adequado é atingido (Figura 8). Figura 8. Exemplo do processo de algoritmo genético empregado no ancoramento molecular. A escolha das melhores poses geradas é feita pela classificação delas por meio de funções de pontuação específicas, as quais podem utilizar diversos parâmetros para compor suas funções, por exemplo, a avaliação do campo de força da energia de interação entre determinada pose e a proteína, entre outros. A escolha da melhor função de pontuação estará diretamente relacionada à qualidade dos resultados; é interessante que a função se aproxime ao máximo das características do sistema estudado. Quando é possível encontrar informações experimentais sobre os complexos ligante-alvo, o melhor método para definir um protocolo de AM a ser utilizado entre o alvo e novos ligantes é o de reancoramento (redocking), conheça: Clique nos cards a seguir. 1 Este método utiliza informações de cristalografia de raios X do complexo alvo-ligante obtidas na forma de cocristais, que são materiais cristalinos e homogêneos, sólidos a 25°C e 1 atm, constituídos por pelo menos dois compostos em proporção estequiométrica determinada. 2 O reancoramento do ligante que foi cocristalizado experimentalmente é realizado utilizando diferentes funções de pontuação. 3 Posteriormente, as melhores poses obtidas serão comparadas com a pose do ligante cocristalizado utilizando critérios de comparação como a raiz do desvio médio quadrático (Root javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) Mean Square Deviation, RMSD), o que possibilita avaliar o nível de confiabilidade do protocolo de docagem que se deseja validar — são considerados valores ótimos para RMSD os inferiores a 2.0 Å. Figura 9. Comparação por RMSD entre ligante reancorado e ligante cocristalizado. A Figura 9 exemplifica as melhores poses obtidas na redocagem do ligante para três diferentes funções de pontuação, em que é possível observar visualmente e pelo valor de RMSD que a pose para o GoldScore foi a pose que mais se assemelhou à pose do ligante cocristalizado representado pela estrutura em amarelo. Além de auxiliar no entendimento das interações do ligante com o alvo, o AM permite a avaliação de bancos de moléculas para a verificação de potenciais compostos ativos, via avaliação da interação deste banco com um alvo específico via triagem virtual (Virtual Screening) de fármacos baseada na estrutura do alvo. A seguir, veremos a técnica de dinâmica molecular, a qual visa estudar a interação ligante-alvo de uma maneira mais dinâmica, considerando a influência das interações sobre a estrutura molecular de ambos e se aproximando ao modelo de encaixe induzido mais aceito. DINÂMICA MOLECULAR Desde o estabelecimento da teoria de interação do encaixe induzido por Koshland e colaboradores em 1959, muitos estudos tentam se aproximar ao máximo dos sistemas reais na avaliação da interação ligante-alvo. Sabe-se que, em sistemas biológicos, a energia cinética dos átomos possibilita que choques intermoleculares e mudanças conformacionais ocorram a todo momento, assim a inclusão desta premissa nos estudos de modelagem molecular possibilita uma melhor descrição do processo de interação entre o ligante e seu alvo. Nesse contexto surgem os estudos de dinâmica molecular (DM) que visam à resolução das equações de movimento de cada átomo do sistema molecular com a evolução do tempo (trajetória). Na prática, os tempos utilizados nas análises de dinâmica molecular são ínfimos na ordem de 0,5 a 1 femtosegundos (1fs = 10-15s). Assim a simulação de dinâmica revela, por exemplo, diferenças estruturais entre o ponto inicial e final da trajetória avaliada, levando ao esclarecimento mais aprofundado das informações conformacionais do ligante, alvo ou seu complexo ligante-alvo. Esses estudos apresentam a vantagem de obter informações sobre propriedades estruturais que dependem do tempo, diferentemente da docagem molecular que não o leva em consideração. Resumidamente, as análises de simulação molecular ou DM podem identificar as principais mudanças estruturais que ocorrem tanto na enzima quanto em seu ligante avaliado ao longo do tempo (Figura 10), podendo ser representadas em gráficos de energia potencial em função do tempo, levando ao entendimento das barreiras de energia que melhor se assemelham às barreiras reais. Figura 10. Exemplificação do processo de dinâmica molecular representando os movimentos do complexo ligante-alvo. A DM permite ainda a observação do tempo de ocorrência das interações observadas no ancoramento molecular, explicitando o quanto aquela interação pode ser importante para que um efeito biológico ocorra ou deixe de ocorrer. COMO FAZER DOCAGEM MOLECULAR Neste vídeo, você conhecerá um pouco sobre o planejamento de fármacos baseado na estrutura do alvo. MÉTODOS DE PLANEJAMENTO DE FÁRMACOS BASEADOS NA ESTRUTURA DO LIGANTE E A RELAÇÃO ESTRUTURA- ATIVIDADE Quando se deseja planejar um novo fármaco para determinada patologia e não se conhece informações sobre a estrutura molecular do possível alvo, pode ser utilizado o planejamento baseado na estrutura do ligante (Ligand-Based Drug Design, LBDD). Os principais métodos de LBDD baseiam-se na análise comparativa de moléculas potencialmente ativas ou efetivamente ativas já conhecidas, podendo ser empregadas técnicas de buscas por similaridade (molecular fingerprint), estudos de modelos farmacofóricos, técnicas de predição de ativos/inativos por inteligência artificial ou estudos quantitativos de relação estrutura-atividade (QSAR). RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE (REA) Figura 11. Exemplificação dos estudos de relação estrutura-atividade realizados por Crum-Brown e Fraser. Os primeiros estudos sobre a relação estrutura molecular e atividade biológica conduzidos por Crum-Brown e Fraser (1869) demonstraram que muitos compostos contendo grupos funcionais do tipo amina terciária pareciam apresentar atividade relaxante muscular ao serem convertidos a seus respectivos sais de amônio quaternário. A relação foi observada em moléculas como no anticonvulsivante estricnina, no analgésico morfina e no anticolinérgico atropina, os quais, ao terem suas estruturas metiladas, convertiam seus efeitos biológicos à ação de relaxante muscular, ação presente na tubocurarina que apresenta a mesma função de sal de amônio quaternário (Figura 11). Mais tarde essa hipótese foi rejeitada pela descoberta do neurotransmissor e ativador da contração muscular acetilcolina, que também apresenta em sua estrutura um sal de amônio quaternário. Mesmo estando incorreta, a hipótese de Crum-Brown e Fraser levantou olhares importantes sobre a concepção de que a estrutura molecular do ligante poderia influenciar a atividade biológica produzida, assim como modificações nele poderiam levar a modificações da atividade. BUSCA POR SIMILARIDADE A busca por similaridade consiste em uma das estratégias de triagem mais simples e com menor gasto computacional. Basicamente o processo é iniciado pela seleção de uma molécula ou um banco de moléculas com atividade biológica conhecida (moléculas de referência) que servirão para comparar, por triagem virtual, a similaridade com outras moléculas, por exemplo, presentes em bases de dados de moléculas. A triagem identificará moléculas com determinado grau de similaridade com as estruturas de referência, estas são as mais prováveis de apresentar propriedades similares às de referência, tornando-as candidatas para avaliação biológica. ATENÇÃO Ou seja, se o princípio da similaridade é aplicável a um grupo de moléculas que não passaram por testes biológicos, mas são estruturalmente semelhantes a moléculas já descritas como ativas, existirá uma alta probabilidade de que essas moléculas também apresentem atividade similar. Para avaliar essa similaridade, é necessário que seja aplicado um padrão de medida chamado de coeficiente de similaridade, que quantificará por meio de expressões matemáticas o grau de semelhança entre as moléculas avaliadas. Entre os inúmeros coeficientes de similaridade que podem ser utilizados, o coeficiente de Tanimoto é o mais empregado. Nos coeficientes de similaridade, o termo “a” representa o número de características presentes em uma molécula A e ausentes em uma molécula “B”. O termo “b”, o número de características presentes em “B” e ausentes em “A”. Por fim, o termo “c”, o número de características comuns a “A” e “B”. Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal Além dos coeficientes citados anteriormente, existe ainda outra possibilidade de medir a similaridade entre duas moléculas por meio da presença ou ausência de determinada Coeficiente de Tanimoto = c a+b−c característica estrutural da molécula chamada de fingerprint. Cada característica estrutural de uma molécula determinará, por meio de um código binário, (bits) a presença (1) ou ausência (0) de uma característica específica, gerando representações binárias alternadas entre 1 e 0 na forma de uma impressão digital da molécula, que pode ser facilmente comparada com o conjunto binário de outra molécula. Figura 12. Comparação de similaridade entre duas moléculas A e B por representação binária de seus fingerprints. Assim, quando a sequência binária de A for comparada com B apresentando o número 1 em ambos, temos um bit de similaridade; quando forem 0, temos diferença e ausência do bit. Quanto mais bits ocorrerem entre a comparação de seus fingerprints, maior a similaridade das moléculas comparadas (Figura 12). MODELOS FARMACOFÓRICOS A modelagem farmacofórica ou criação de modelos farmacofóricos baseada na estrutura do ligante tem se tornado a chave de muitos estudos computacionais estratégicos de desenvolvimento de fármacos. Em geral, esses estudos são realizados pela extração de características químicas comuns de estruturas 3D de um banco de ligantes conhecidos que apresentam interações com um alvo macromolecular específico. A geração de modelos farmacofóricos a partir de múltiplos ligantes envolve duas etapas principais: criação do espaço conformacional para cada ligante representado pela flexibilidade conformacional dos ligantes e o alinhamento de múltiplos ligantes, o que culmina na determinação da característica química essencial: a construção do modelo farmacofórico (Figura 13). Figura 13. Exemplificação de um modelo farmacofórico. Com os avanços dos programas de Química Computacional, hoje todo esse processo é automatizado, resultando na obtenção de modelos farmacofóricos de forma rápida e eficaz, além de possibilitar sua aplicação em outros métodos de desenvolvimento de fármacos, como a triagem virtual de moléculas e a criação de novas moléculas potencialmente ativas via métodos de fragmentação como o método de novo. ESTUDOS QUANTITATIVOS DE RELAÇÃO ESTRUTURA-ATIVIDADE (QSAR) Quando se tem disponíveis informações sobre a atividade biológica de diversos compostos, porém sem informações sobre o alvo molecular, essas informações podem ser combinadas a propriedades moleculares dos compostos levando a modelos que busquem correlacionar quantitativamente a relação entre a estrutura e a atividade biológica observada. Estes estudos são chamados de QSAR (Quantitative Structure Activity Relationship). De início essa relação foi estudada por Hansch e Fujjita, correlacionando a atividade biológica apenas a características estruturais via parâmetros físico-químicos, como efeitos eletrônicos, hidrofóbicos (Log P) e estéricos de substituintes, cada qual recebendo um peso específico na correlação. Para que sejam realizados os estudos de QSAR, primeiramente é necessária a construção ou definição de um banco base de moléculas que serão avaliadas quanto a diferentes características, chamadas de descritores. As moléculas que irão compor os bancos de compostos de onde serão obtidos os descritores podem ser obtidas por séries de compostos buscados em bases de moléculas como o ChEMBL, que hospeda diversas informações sobre estruturas de ligantes já conhecidos. Basicamente o modelo de QSAR utiliza informações chamadas de descritores moleculares, que são informações de diferentes origens moleculares, como constitucional, eletrônica, geométrica, hidrofóbica, lipofilicidade, estérica, quântica ou topológica. A partir dessas informações, modelos matemáticos de análise multivariada são criados com base numa espécie de treinamento do modelo pela inserção das informações de diferentes descritores moleculares sobre ligantes conhecidos. ATENÇÃO Então uma correlação quantitativa entre a estrutura e a atividade pode ser determinada e extrapolada para molécula de interesse, a qual se deseja avaliar perante seu potencial de atividade. Desta forma, o modelo de correlação estabelecido poderá determinar se o ligante estudado apresenta ou não um potencial de atividade semelhante às moléculas utilizadas no treinamento (Figura 14). Figura 14. Exemplificação das etapas de um estudo de QSAR. Apresentados os diferentes estudos de planejamento de fármacos, tanto baseados na estrutura do alvo como na estrutura no ligante, a escolha isolada de cada um deles ou de metodologias de planejamento mistas depende de quais informações estarão disponíveis ao químico medicinal, no momento em que se deseja planejar um novo fármaco, devendo sempre ter em mente quais conceitos regem cada método para a escolha do melhor método pertinente às informações conhecidas. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Reconhecer os princípios da retrossíntese e os métodos de planejamento de fármacos QUÍMICA ORGÂNICA E SÍNTESE ORGÂNICA APLICADA A FÁRMACOS A Síntese Orgânica é o ramo da Química Orgânica que estuda a criação e/ou transformação de substâncias orgânicas via modificações químicas estruturais lógicas e racionais em determinado substrato. Antigamente, antes do desenvolvimento da síntese orgânica, a obtenção de compostos orgânicos para diferentes fins, incluindo os terapêuticos, acontecia por meio de isolamento direto de fontes naturais como raízes e folhas de plantas medicinais, ou por meio de processos de fermentação. Figura 15. Síntese Orgânica aplicada a fármacos. Assim, muitos produtos naturais foram possibilidades terapêuticas para diversas doenças até que, nos primórdios da síntese orgânica, químicos sintéticos impulsionados pela limitação da fonte natural de obtenção de alguns produtos naturais começaram a sintetizar seus análogos, chegando algumas vezes à síntese total de alguns compostos. Figura 16. Primeiros marcos da síntese orgânica. Três grandes descobertas marcaram a origem da síntese orgânica (Figura 16). Figura 17. Síntese da Ureia por Friedrich Wöhler. 1828 Friedrich Wöhler conseguiu realizar a síntese da Ureia (Figura 17), o primeiro composto orgânico sintetizado em laboratório, modificando o conceito até então vigente do postulado da força vital que defendia a ideia de que apenas os seres vivos seriam capazes de produzir compostos orgânicos. 1856 Outro grande marco foi a síntese do corante Púrpura de Mauve, por William Henry Perkin, considerada a primeira síntese industrial. 1897 O laboratório farmacêutico alemão Bayer conjugou quimicamente o ácido salicílico com acetato, criando o ácido acetilsalicílico (Aspirina), o primeiro fármaco a ser sintetizado na história da farmácia. SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX A síntese orgânica teve um impulsionamento, não somente por causa das novas demandas da sociedade da época, mas também pela descoberta de diversas reações, principalmente envolvendo a formação de ligações carbono-carbono (C-C) e a química de compostos organometálicos. 1980 A ênfase se volta para a resolução de problemas relacionados à pureza enantiomérica de fármacos por meio de reações enantiosseletivas que utilizavam catalisadores quirais (catálise assimétrica). 1990 A ênfase da síntese orgânica permanece sobre a síntese assimétrica, aplicando-a às moléculas de maior complexidade quiral, além da descoberta de novas metodologias que visavam minimizar o número de etapas sintéticas. 2000 Entre os anos 2000 e 2010, a comunidade acadêmica observou o aumento progressivo nos números de publicações sobre organocatálise e biocatálise, muitas ainda visando à resolução de problemas de mistura de estereoisômeros. 2010 Os químicos sintéticos aumentam sua preocupação para questões ambientais, alavancando temas relacionados ao uso de reagentes ambientalmente amigáveis (environmentally friendly) como na química verde. A área da síntese orgânica vem passando por uma grande evolução, possibilitando hoje a síntese de inúmeros compostos com complexidades cada vez maiores. Da mesma forma que os estudos de modelagem molecular, a síntese de fármacos pode ser embasada na estrutura do alvo de interesse ou na estrutura de ligantes com potencial atividade já conhecida. A seguir iremos estudar os fundamentos relacionados à síntese de moléculas bioativas, como os estudos pré-sintéticos de análise retrossintética e as reações e abordagens sintéticas mais comumente empregadas no planejamento de fármacos. PLANEJAMENTO SINTÉTICO Geralmente alguns parâmetros, como a complexidade da molécula de interesse, influenciam o número de etapas reacionais, impactando o rendimento global da síntese e seu êxito (Figura 18). Figura 18. Relação complexidade do alvo X Número de etapas reacionais no planejamento. Por isso, antes de iniciar o planejamento sintético de um fármaco, devemos tentar atender aos pontos fundamentais que contemplam o planejamento de uma síntese ideal: 1 - Apresentar rendimento global elevado. 2 - Utilização de produtos de partida de fácil acesso e baixo custo. 3 - Ser operacionalmente simples. 4 - Utilizar, sempre que possível, etapas contendo reações do tipo multicomponentes. 5 - Apresentar segurança e mínima produção de subprodutos que agridam meio ambiente. Empiricamente, o conceito de Hendricson propõe que a eficiência de uma síntese está baseada na importância de se formarem ligações entre carbonos ou na possibilidade de se formarem anéis. Assim, apenas as reações da formação do esqueleto da molécula poderiam ser consideradas. Reações complementares, tais como a proteção e desproteção de funções orgânicas, diminuiriam a eficiência da síntese. Esse pensamento de Hendricson pode ser resumido pela razão: Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal Figura 19. Emprego da seletividade atômica para dois exemplos. Um conceito importante empregado no contexto de eficiência sintética no que se refere às questões relacionadas ao meio ambiente é o fator denominado economia de átomos ou seletividade atômica (SA) (Figura 19), a qual defende que o peso molecular final do produto desejado deve ser o mais próximo possível da soma de todos os pesos moleculares de todas as substâncias produzidas, refletindo diretamente no quantitativo de rejeitos ao final da síntese. Eficiência Sintética = Número de Reações Construtivas Número Total de Reações Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal Muitos fatores podem contribuir para dificultar o processo de síntese de uma molécula-alvo, como os fatores estruturais de tamanho molecular, instabilidade da substância alvo, presença de estereocentros e necessidade de conectividade cíclica e/ou presença de anéis heterociclos. Após a avaliação da estrutura química da molécula de interesse sintético e dos fatores dificultadores relacionados à sua estrutura, é pensado o plano sintético. O plano sintético inicia-se pela verificação da disponibilidade e da escolha dos reagentes e pelos estudos das possibilidades reacionais priorizando reações conhecidas, previsíveis e que respeitem um raciocínio químico lógico de transformações entre os reagentes de partida, os intermediários e o produto final. Desde a década de 1980, os metais de transição (por exemplo: paládio, níquel, ferro, cromo, molibdênio, zircônio e rutênio) vêm ganhando destaque nas reações de formação de ligações do tipo C-C. Esta ampla área é denominada de Química dos Organometálicos de Transição. Como exemplos de reações conhecidas que empregam esses tipos de metais em seus mecanismos reacionais, temos as reações de Adição de Michael, Anelação de Robinson, Alquilação e Acilação de Friedel-Craft, entre outras. Dependendo do reagente de partida utilizado e da estrutura do esqueleto carbônico do produto final, as reações de ligação C-C podem nem ser necessárias, assim o químico sintético pode empregar as reações de inserções, remoções e interconversões de grupos funcionais que envolvem as reações clássicas como de redução, oxidação, halogenação, nitração e epoxidação. Independentemente da metodologia planejada, tanto nas reações de formação de ligações C-C como nas manipulações de grupos funcionais, algumas técnicas podem aumentar a eficiência das reações como: 1 - Utilização de catálise por transferências de fases ou em líquidos iônicos. 2 - Reações suportadas ou catalisadas por polímeros (em fase sólida). 3 - Reações eletroquímicas ou com alta pressão. 4 - Reações com utilização de ultrassom ou micro-ondas. 5 - Reações fotoquímicas. SA = Peso Molecular do Produto Final Pesos Moleculares de Todas as Subtâncias Produzidas ANÁLISE RETROSSINTÉTICA Uma das grandes dificuldades enfrentadas antes do conceito de retrossíntese era a identificação do material de partida adequado que originaria o produto sequencial desejado. As sínteses eram planejadas baseando-se na escolha de reagentes de partida que se assemelhassem com a molécula-alvo a ser sintetizada. O planejamento da síntese de moléculas de forma mais lógica iniciou-se com os trabalhos desenvolvidos por R. B. Woodward na década de 1950, mas o maior avanço veio com os trabalhos de E. J. Corey que introduziram o conceito de retrossíntese via sínton (Figura 20). Figura 20. Foto de EJ Corey em Harvard; Retrossíntese do ácido giberélico; . Essa estratégia mudou o foco da identificação dos materiais de partida que desde a retrossíntese passaram a depender mais da percepção de particularidades estruturais da molécula, como a identificação das regiões de conexões e de transformações de grupos funcionais. Quando o composto químico de interesse apresenta carbono quiral, uma outra metodologia de retrossíntese pode ser empregada, chamada de retrossíntese via chiron, conceito introduzido por Stephen Hanessian (Figura 21). O chiron é um fragmento quiral derivado de fonte natural ou intermediário quiral escolhido pela similaridade com a molécula-alvo. É diferente da abordagem via sínton, em que uma molécula é considerada a base de um procedimento sintético, sendo escolhido por sua similaridade com a molécula-alvo ou com o reagente. Em resumo, as técnicas de retrossíntese consistem em modificar progressivamente a molécula de interesse em unidades mais simples, priorizando substâncias facilmente disponíveis, como se fosse realizado um raciocínio de trás (molécula-alvo) para a frente (intermediários e reagentes de partida). Figura 21. Retrossíntese via chiron por Stephen Hanessian (1983). Diante da diversidade de reações possíveis para as inúmeras funções químicas existentes, muitas rotas diferentes podem ser empregadas para a obtenção de uma mesma molécula química. As rotas podem sofrer influência direta da disponibilidade de reagentes, estrutura laboratorial compatível com a complexidade das reações, assim como da criatividade e dos conhecimentos que o químico sintético possui, devendo sempre visar ao melhor rendimento global da reação e, consequentemente, a um menor número de etapas, além da utilização de reagentes com custos reduzidos. Uma forma de representar graficamente a análise de retrossíntese é por meio de desconexões ( ~ ) ou interconversões de grupos funcionais (IGF), utilizando a seta dupla: ⇒ que terá o sentido oposto da reação proposta. Por exemplo, digamos que o fármaco ácido acetilsalicílico seja a molécula-alvo que, após a análise retrossintética, fosse identificada por meio de desconexões, podendo ser sintetizada a partir da reação entre duas moléculas Y (ácido salicílico) + Z (anidrido acético). Caso fosse desejado sintetizar a molécula Y, a retrossíntese poderia continuar a partir de uma desconexão C ~ C ou por uma reação de interconversão de grupo funcional, conforme mostrado na Figura 22. Figura 22. Análise retrossintética do ácido acetilsalicílico. A etapa de desconexão pode incluir uma ou mais modificações, ou ainda uma reação multicomponente. Neste contexto, podemos dividir os tipos de síntese orgânica em: síntese linear, síntese convergente e síntese mista. SÍNTESE LINEAR Trabalha com pequenas modificações na estrutura da molécula, na qual pequenas unidades serão acrescentadas ou modificadas uma a uma ao esqueleto carbônico principal numa sequência. SÍNTESE CONVERGENTE Pode dividir a molécula-alvo em duas moléculas, as quais sofrerão reações sequenciais para a obtenção de intermediários-chave. SÍNTESE MISTA Essa é a mais utilizada e irá misturar reações em série e em paralelo. Sempre que possível, devemos evitar trabalhar com a síntese linear, principalmente quando houver muitas etapas, pois diminuirá o rendimento global da síntese. A Figura 23 demonstra os diferentes rendimentos globais, quando empregadas as técnicas por síntese linear ou mista. Figura 23. Comparação entre os rendimentos globais de uma síntese linear e uma síntese mista. A ideia retrossintética pode ser facilitada quando pensamos nas possibilidades químicas suscetíveis de ocorrer na molécula, como: Clique nas etapas a seguir. 1 Interconversão de grupos funcionais. 2 Funcionalizações de carbonos. 3 Mudanças da posição de grupamentos. 4 Modificações do esqueleto carbônico. O passo de desconexão da retrossíntese leva à quebra de ligação, produzindo dois fragmentos menores. Tipicamente, um fragmento (sínton) será positivo, enquanto o outro será carregado negativamente e, em geral, síntons não são compostos reais. Devemos avaliar qual fragmento receberá o caráter positivo e o negativo por meio das características químicas. Por exemplo, uma carbonila apresenta caráter eletrofílico, enquanto uma hidroxila de uma função álcool comportará melhor uma carga negativa por causa de seu caráter mais nucleofílico. Quando o reagente pensado na análise retrossintética é um composto real, ele é denominado de equivalente sintético (Figura 24). javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) Figura 24. Exemplos de desconexão e interconversão de grupo funcional em uma análise retrossintética. Em geral, quando há interconversão de grupos funcionais em uma retroanálise, temos a formação de um equivalente sintético. Quando ocorre a quebra de ligação formando síntons, estes também deverão ser analisados individualmente, para que se determine qual o equivalente sintético que se relaciona com os síntons obtidos. Dependendo do composto- alvo, este poderá sofrer inúmeras desconexões ou interconversões de grupo funcional com o objetivo de se obter um reagente de partida que esteja disponível para sua síntese. RETROSSÍNTESE Neste vídeo, você conhecerá um pouco sobre a análise retrossintética. Ainda nos estudos de planejamento de síntese de fármacos, iremos lembrar, a seguir, algumas das principais reações de formação de ligação e de interconversão de grupos funcionais que auxiliarão na identificação dessas características em uma molécula-alvo para a análise retrossintética. REAÇÕES QUÍMICAS EMPREGADAS NO PLANEJAMENTO DE FÁRMACOS O conhecimento sobre as diversas reações químicas auxilia muito o trabalho do químico sintético, ampliando sua visão sobre as diferentes possibilidades de transformações químicas que poderão ser executadas visando à obtenção de um composto-alvo de interesse. REAÇÕES DE FORMAÇÃO DE LIGAÇÃO CARBONO-CARBONO (C-C) Em Química Orgânica, a construção do esqueleto de hidrocarboneto é fundamental, todavia estes compostos em geral não reagem entre si. Assim, para facilitar a ocorrência de ligações entre carbonos, muitas vezes é necessário que os hidrocarbonetos sejam funcionalizados, tornando-se reativos para a formação de ligações C-C. Em geral, as reações de formação de ligação C-C necessitam que cada substrato da reação apresente porções eletrofílicas ou nucleofílicas, permitindo a interação entre si. Assim, essas reações podem ocorrer por: VIA ANIÔNICA Quando o carbono apresentar caráter nucleofílico (Via Carbânion). VIA CATIÔNICA Quando apresentar caráter eletrofílico (Via Carbocátion). VIA RADICALAR Quando houver cisão homolítica. Como exemplo de funções que imprimem caráter eletrofílico aos hidrocarbonetos, temos: os haletos de alquila, epóxidos, compostos carbonílicos (como aldeídos e cetonas) e alcenos ligados a grupos retiradores de elétrons. Em geral, os reagentes de caráter nucleofílico usados para formação de ligações entre carbonos são do tipo organometálico, isso porque o carbono ligado ao metal apresentará carga parcial negativa, favorecendo a reação via carbânion. Muitos catalisadores que utilizam metais também são empregados em reações de formação de ligação C-C. A figura 25 ilustra algumas das inúmeras reações utilizadas para a formação de ligação carbono-carbono, como: Condensação Aldólica, Reação Aldol, Condensação de Claisen, Reação de Diels-Alder, Alquilação e Acilação de Friedel-Crafts, entre outras. Figura 25. Reações importantes de formação de ligação carbono-carbono. REAÇÕES DE INTERCONVERSÃO DE GRUPO FUNCIONAL (IGF) A Figura 26 ilustra as principais interconversões de grupos funcionais utilizadas em síntese orgânica. Observamos que alcanos podem ser convertidos a alcenos ou haletos; haletos podem ser convertidos a uma gama de outras funções químicas, como álcoois, nitrila e aminas. Alcenos podem formar epóxidos ao serem oxidados e, por adição, podem se converter em haletos de alquila. Por hidrólise, os epóxidos podem sofrer abertura do seu anel, formando dióis. A função álcool pode ser oxidada a compostos carbonilados como aldeídos, cetonas ou ácidos carboxílicos, enquanto estes, por processo inverso de redução, podem ser convertidos ao álcool correspondente. Figura 26. Reações importantes de interconversão de grupos funcionais. As funções nitrogenadas como nitrilas e amidas podem ser convertidas a ácidos carboxílicos por hidrólise. Cloretos de acila podem ser formados a partir de ácidos carboxílicos por substituição, podem ainda formar amidas ou ésteres por reação de acilação. Reações de eliminação podem converter ácidos carboxílicos a anidridos e estes, por acilação, podem ser transformados em ésteres ou amidas. Por fim, a função éter pode ser obtida por meio de eliminação de funções do tipo álcool. REAÇÕES MULTICOMPONENTES (ONE-POT) Figura 27. Síntese do nifedipino via reação multicomponente (Síntese de Hantzsch). As reações multicomponentes (RMC) ou reações one-pot partem de três ou mais reagentes iniciais visando obter um único produto final, seja por reações sucessivas ou por reações que envolvam os reagentes em uma única etapa. Essas reações tendem a envolver todos ou a maior parte dos átomos de carbono dos produtos de partida, reduzindo a formação de subprodutos e rejeitos. No nível molecular, as reações one-pot são sequências reacionais em que uma transformação prévia torna a espécie formada reativa diante de uma terceira molécula também presente no meio reacional, seguindo até a formação da molécula-alvo planejada. Como vantagem utilizam um número menor de etapas, o que tende a melhorar o rendimento global da síntese. Também possuem menos etapas de purificação e isolamento de intermediários e, em geral, apresentam maior facilidade operacional, além de diminuir em muito a geração de rejeitos. O primeiro relato sobre as RMC foi a publicação da Reação de Strecker, em 1850, seguida de inúmeras reações importantes como as reações de Hantzsch (1882), de Mannich (1917) e de Ugi (1959). A reação de Hantzsch, muito utilizada na obtenção de derivados da piridina, foi utilizada para a síntese do anti-hipertensivo Nifedipina em apenas uma etapa via reação multicomponente (Figura 27). SÍNTESE ASSIMÉTRICA Uma das fronteiras atuais da síntese orgânica é a síntese assimétrica, que tem como objetivo preparar substâncias enantiomericamente puras (SEP) por meio de síntese seletiva a um determinado estereoisômero. A presença de quiralidade em uma molécula pode levar a efeitos no organismo — efeitos distintos para cada um de seus isômeros, podendo ser benéfico, indiferente ou prejudicial. A partir da década de 1970, a síntese assimétrica ganhou destaque sobre a abordagem de resolução de racematos. ATENÇÃO Na síntese assimétrica, as abordagens envolvem a utilização de substratos quirais denominada de chiron approach ou substratos pró-quirais, podendo ainda utilizar auxiliares quirais, reagentes quirais ou catálise assimétrica na obtenção de um enantiômero puro. A primeira metodologia via utilização de substratos quirais possibilita a formação de novos centros estereogênicos a partir de matérias-primas quirais por meio de reações diastereosseletivas, ou seja, que visam apenas um único estereoisômero. A síntese do fármaco captopril é realizada a partir do aminoácido (L)-prolina (matéria-prima quiral) (Figura 28). Em geral, a manipulação do centro quiral desta metodologia ocorre pela transferência de quiralidade do substrato quiral para o produto formado na reação. Figura 28. Metodologia de síntese assimétrica baseada em matéria-prima quiral. O uso de auxiliares quirais é considerado um método de segunda geração que permite a formação de centros quirais a partir de matérias-primas aquirais. Neste caso, quem transfere a quiralidade é o auxiliar quiral e não o substrato, e este é removido da molécula de interesse por um processo de regeneração que permite sua reutilização. A Figura 29 ilustra a síntese assimétrica do intermediário-chave (R)-(+)-β-piperonilil-butirolactona utilizada na síntese de lignanas naturais biologicamente ativas. Figura 29. Metodologia de síntese assimétrica baseada em auxiliares quirais. O método de utilização de reagentes quirais substitui a utilização dos auxiliares quirais, e este é considerado um método de terceira geração. Nesta abordagem, um substrato pró-quiral é diretamente convertido a um produto quiral pelo uso de um reagente quiral por meio de reações enantiosseletivas. A Figura 30 ilustra a utilização do reagente quiral redutor enantiosseletivo (R)-alpino-borano que reduz uma cetona (composto pró-quiral) a apenas um estereoisômero. Figura 30. Metodologia de síntese assimétrica baseada em reagentes quirais. Por fim, podem ser utilizados os catalisadores quirais (quarta geração), em que um substrato pró-quiral é diretamente convertido a um produto quiral pelo uso de um reagente aquiral na presença de um catalisador quiral. A Figura 31 ilustra a utilização do catalisador quiral em uma síntese assimétrica. Figura 31. Metodologia de síntese assimétrica baseada em catalisadores quirais. Com os conceitos estudados e relembrados sobre síntese orgânica aplicada a fármacos, poderemos entender melhor sobre as estratégias modernas e inovações voltadas para a descoberta de novos fármacos no próximo módulo. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 3 Analisar estratégias e inovações voltadas para a descoberta de novos fármacos ESTRATÉGIAS MODERNAS PARA A DESCOBERTA DE NOVOS FÁRMACOS O avanço da biotecnologia, principalmente aplicada à Medicina, possibilitou a elucidação de inúmeras fisiopatologias até então desconhecidas, assim como a identificação de diversos novos alvos moleculares, tanto para doenças já há muito estudadas quanto para novas doenças como a pandemia de Síndrome Respiratória Aguda Severa por Coronavírus (SARS- CoV-2). O impulsionamento da ciência da computação e da ciência dos dados (Data Science) parece ter sido também um grande responsável pelos avanços biotecnológicos vividos por todos nós atualmente. Graças à fusão dessas três ciências, muitas novas tecnologias são estudadas, visando à aceleração no planejamento e desenvolvimento de novos fármacos, vacinas e tratamentos para as mais diversas doenças. Figura 32. Inovações e estratégias modernas no planejamento de novos fármacos. Nesse contexto, técnicas aplicadas à química combinatória, quimioinformática, triagem virtual de compostos (virtual screening), inteligência artificial e aprendizado de máquina (machine learning) conseguem se unir na automação e aceleração de diversas etapas do planejamento de novos fármacos. Um bom exemplo é a criação de quimiotecas de compostos similares potencialmente ativos ou séries de compostos com alta diversidade estrutural para um alvo desconhecido, até mesmo alcançando processos de síntese automatizada e emprego de ferramentas de reposicionamento de fármacos que estudam a aplicação de fármacos já conhecidos para outras doenças, acelerando a descoberta de novos tratamentos. QUIMIOINFORMÁTICA Figura 33. Quimioinformática no desenvolvimento de fármacos. ATENÇÃO O termo quimioinformática foi utilizado pela primeira vez em 1998 por Frank Brown, que a definiu como uma mistura de recursos computacionais utilizados para transformar dados em informação, visando maior rapidez na tomada de decisões na área de identificação e otimização de compostos protótipos (lead-compounds). Confira a seguir algumas particularidades da quimioinformática: 1 Resumidamente, a quimioinformática é uma ciência interdisciplinar que utiliza recursos da ciência da computação e da ciência de dados para a resolução de problemas químicos. Apesar de nova, essa ciência está evoluindo desde a década de 1960. 2 Nesse período, diversas áreas foram se consolidando na quimioinformática, como a representação, visualização e manipulação de estruturas químicas; a organização de bases de dados sobre as estruturas químicas; e os estudos das relações quantitativas entre estrutura e atividade e suas propriedades químicas relacionadas. 3 Passando por diferentes aspectos práticos e teóricos, a quimioinformática atualmente tem como papel primordial a exploração de bases de dados químicos e a descoberta de novos compostos com atividade e/ou propriedade de interesse, seja ele medicinal, industrial ou voltado para outras áreas. 4 A exploração dessas bases de dados permite que informações importantes sejam extraídas e elucidem comportamentos de determinados grupos de compostos, o que possibilita a geração de modelos computacionais de predição de atividade, podendo ser aplicados a moléculas de atividade desconhecida. Devemos ressaltar que a quimioinformática está relacionada e comumente converge com outras áreas químicas que utilizam computadores em suas análises, como a Química Computacional, que usa métodos de química teórica para a calcular a estrutura e as propriedades químicas de moléculas; a modelagem molecular, que, por meio de gráficos 3D e otimizações, auxilia o entendimento da interação entre moléculas químicas e alvos; e o planejamento de fármacos auxiliado por computadores, que emprega diversas técnicas computacionais, visando à descoberta e ao planejamento de novos fármacos. QUÍMICA COMBINATÓRIA Apesar de seu surgimento na década de 1990, a química combinatória ainda se apresenta como uma ferramenta avançada na descoberta de protótipos a novos fármacos. Ela apresenta ferramentas de sínteses que podem variar de sínteses em polímeros insolúveis ou solúveis, solução ou, ainda, programas computacionais. Sua principal meta visa reduzir o tempo necessário na obtenção de novos fármacos por meio da síntese de coleções de moléculas chamadas de quimiotecas. Uma quimioteca é uma coleção de compostos sintetizados simultaneamente em forma de misturas ou isolados, a partir de um ou mais reagentes de partida, podendo ser constituída de diversas quantidades de moléculas estruturalmente diferentes, o que aumenta bastante as chances de se obter um protótipo de um futuro fármaco. O emprego de recursos computacionais e de modelagem molecular auxilia o planejamento racional da diversidade das moléculas que irão compor a quimioteca, graças às propriedades estruturais e físico-químicas obtidas por essas técnicas. A química combinatória tem como objetivo tanto a identificação de protótipos quanto a otimização da atividade ou de propriedades farmacocinéticas e/ou toxicológicas. Dependendo da metodologia de síntese empregada na técnica de química combinatória, as quimiotecas podem ter suas moléculas preparadas por síntese em solução ou utilizando o auxílio de polímeros solúveis ou insolúveis, a Síntese Orgânica em Fase Sólida (SOFS). Quanto à estratégia utilizada nas etapas de síntese, estas podem ocorrer por síntese em paralelo, o que origina diversos compostos já isolados, ou por síntese de misturas, a qual utiliza um composto inicial (building block) adicionado a uma mistura de reagentes que originará uma mistura de compostos da quimioteca (Figura 34). Figura 34. Lógica da química combinatória e metodologia e estratégias de síntese para obtenção de quimiotecas. SOFS - SÍNTESE ORGÂNICA EM FASE SÓLIDA Na SOFS, são empregados suportes sólidos constituídos de polímeros solúveis ou insolúveis, que possuem uma subunidade responsável pela sustentação física da molécula e outra parte conhecida como ligante, responsável pelo acoplamento ao material de partida. Após as transformações químicas realizadas em outra parte da molécula, as resinas são separadas do produto por meio de estratégias de clivagem ou dissolução. Como vantagem, a SOFS apresenta um alto nível de simplificação de etapas de purificação dos produtos sintetizados e consequente pureza dos produtos finais. QUIMIOTECAS Já a síntese de quimiotecas em solução consiste na dissolução de todos os reagentes no solvente, o que aumenta o contato entre os reagentes, elevando a probabilidade de deslocamento da reação para a obtenção do produto desejado, o que é uma vantagem em relação à SOFS. Como não utilizam o acoplamento e o desacoplamento dos produtos a polímeros, esse tipo de obtenção de quimioteca se torna mais barata e mais rápida, apesar de ter o inconveniente do isolamento e da purificação dos produtos finais. Após a síntese das quimiotecas, suas moléculas podem ser avaliadas pelos chamados ensaios biológicos automatizados (high throughput screening, HTS), um processo rápido de determinação da atividade de moléculas de uma quimioteca combinatória, geralmente de forma paralela em placas com poços acoplados a leitores de emissão de fluorescência que identificam os protótipos biologicamente ativos. SÍNTESE ORIENTADA PELA DIVERSIDADE ESTRUTURAL A síntese orientada pela diversidade estrutural surge como estratégia interessante, uma vez que permite a síntese de um banco de compostos com elevada diversidade estrutural, possibilitando maiores chances de alcançar um composto ativo (hit compounds) para um alvo desconhecido, contrário à estratégia de similaridade estrutural da química combinatória. A série de compostos planejados via química combinatória ou síntese orientada pelo alvo raramente é eficaz quando as informações sobre a estrutura do alvo são desconhecidas, e muitas vezes isso ocorre em razão da baixa diversidade dos compostos encontrados nesses bancos obtidos por química combinatória. Nesse contexto, a síntese orientada pela diversidade costuma ser a melhor estratégia para a obtenção de séries de moléculas potencialmente ativas para diferentes alvos moleculares estudados. ATENÇÃO Na síntese orientada pela diversidade estrutural, o composto de interesse ou série de compostos não apresenta uma estrutura particular. Desta forma, a análise retrossintética não pode ser realizada na condução da síntese por esse método. No início dos anos 2000, partindo da necessidade de se criar um algoritmo para ser utilizado na síntese de série de moléculas orientadas pela diversidade estrutural, Stuart Schreiber propôs e iniciou o desenvolvimento do algoritmo de análise sintética direta, com o objetivo de delinear a estratégia de síntese de modo a aumentar a complexidade, diversidade e eficiência dos compostos obtidos. Em outras palavras, esse algoritmo propõe que a complexidade dos membros de uma série de compostos deve ser aumentada na realização das etapas de síntese proposta, e a diversificação estrutural pode ser alcançada por meio da variação de quatro elementos básicos: PRIMEIRO Os blocos de síntese. SEGUNDO Os grupos funcionais. TERCEIRO A estereoquímica. QUARTO Os esqueletos moleculares dos compostos (Figura 35). Figura 35. Elementos básicos de variação empregados na síntese orientada pela diversidade estrutural. Ainda que as quatro estratégias de diversificação sejam utilizadas na síntese de séries de compostos, observa-se que a diversidade estrutural de uma série de compostos é primariamente dependente da diversidade dos esqueletos moleculares centrais, e que os substituintes periféricos, como, por exemplo, diferentes grupos funcionais, são menos importantes. Desta forma, para que a série de moléculas ocupe uma maior cobertura do espaço químico, é vital que seus compostos apresentem alto grau de diversidade dos esqueletos moleculares. Para alcançar essa diversidade, dois métodos podem ser empregados: a estratégia de ramificação dos caminhos sintéticos ou o processo de dobragem. A ESTRATÉGIA DE RAMIFICAÇÃO DOS CAMINHOS SINTÉTICOS Baseia-se no uso de um único material de partida reagindo com diferentes reagentes, levando à produção de moléculas com arquitetura molecular distinta. PROCESSO DE DOBRAGEM É realizado o oposto, ou seja, diferentes materiais de partida reagem com um mesmo reagente, também levando à formação de diferentes esqueletos moleculares. Esses dois métodos podem ser aplicados a um mesmo planejamento sintético que pode ter a diversidade estrutural aumentada pela adição de outras três estratégias, como a introdução de grupos funcionais, a estereoquímica e os blocos sintéticos diferentes. COMENTÁRIO Graças ao avanço da Química Computacional, atualmente muitas proposições reacionais aplicadas à síntese orientada pela diversidade estrutural podem ser executadas de forma automatizada em programas computacionais, os quais, por meio de diferentes algoritmos matemáticos de aleatorização, podem sugerir blocos de sínteses, funções químicas, estereoquímica e esqueletos moleculares distintos, para que se obtenham séries com altíssima diversidade estrutural, principalmente em situações cujas informações sobre o alvo molecular não são conhecidas. TRIAGEM VIRTUAL Figura 36. Triagem virtual. A triagem virtual (virtual screening) é uma ferramenta computacional (in silico) muito eficaz para a identificação de novos compostos ativos de alvos de interesse. Em geral, a estrutura química dos possíveis ligantes avaliados em uma triagem virtual é obtida em base de dados que apresenta milhares de compostos com propriedades físico-químicas semelhantes às exibidas por fármacos de atividade já conhecida. Ao comparar os bancos de moléculas com informações de moléculas ativas, a triagem virtual possibilita identificar compostos promissores tanto do ponto de vista farmacofórico quanto do ponto de vista físico-químico, indicando, por exemplo, quais compostos deverão ser sintetizados, para que possam ser avaliados por métodos experimentais in vitro e posteriormente in vivo. As estratégias de triagem virtual compreendem basicamente duas abordagens principais: a triagem baseada na estrutura do alvo molecular e a triagem baseada na estrutura do ligante. TRIAGEM BASEADA NA ESTRUTURA DO ALVO MOLECULAR Essa é uma das estratégias mais robustas em vista de sua capacidade de identificar novos ligantes, capaz de contribuir em todo o processo, desde a análise da estrutura tridimensional do alvo até a otimização das interações moleculares e propriedades farmacocinéticas dos compostos potencialmente ativos. Essa estratégia depende diretamente da disponibilidade de informações estruturais sobre o alvo, auxiliando estudos de complementaridade estérica, eletrostática e hidrofóbica entre o potencial ligante e o alvo. ESTRATÉGIAS COM FOCO NOS LIGANTES Por outro lado, a estratégias com foco nos ligantes trabalham com moléculas orgânicas de atividade biológica conhecida, que funcionarão como moldes para a triagem em bases de dados de novas moléculas químicas, tendo estas que apresentar algum nível de similaridade com as moléculas moldes, para que possuam a atividade biológica semelhante. Assim, as moléculas dos bancos avaliados são selecionadas de acordo com diferentes métodos de similaridade molecular e farmacofórica, direcionados por relações entre propriedades estruturais e de atividade biológica (relação estrutura-atividade). COMENTÁRIO A triagem virtual funciona como uma espécie de filtro de seleção de compostos que trabalha simultaneamente com as técnicas de modelagem molecular, como o ancoramento molecular ou simulação molecular, os quais aplicam diferentes pontuações aos compostos avaliados, podendo passar pela triagem virtual, facilitando a identificação do composto ativo em meio a inúmeros compostos avaliados. A triagem virtual é aplicada também em estudos baseados no ligante, por triagem virtual, por padrão farmacofórico, por comparação com mapas farmacofóricos ou por similaridade, como é o caso dos estudos de QSAR. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E APRENDIZAGEM DE MÁQUINA Com a crescente aplicação da inteligência artificial e mineração de dados no ramo do planejamento de fármacos, a avaliação de bancos de moléculas como potenciais ativos e inativos diante de um alvo molecular tem sido cada vez mais estudada. A aprendizagem de máquinas é um ramo da inteligência artificial que estuda a criação de algoritmos de classificação capazes de classificar, por exemplo, moléculas a partir de um conjunto de moléculas de treinamento. Programas de mineração de dados e aprendizagem de máquina podem ser utilizados para a avaliação de um enorme número de informações químicas sobre banco de ligantes cada vez maiores. Figura 37. Inteligência artificial e aprendizagem de máquina. ATENÇÃO Esses programas permitem a criação de modelos de discriminação via bancos de treinamento com um grupo de moléculas de características conhecidas, o qual treinará algoritmos matemáticos de busca para que sejam criados critérios de predição entre moléculas potencialmente ativas e moléculas potencialmente inativas. Esse poder discriminatório ajuda bastante na criação de bancos de moléculas ou fragmentos com interações potencialmente eficazes entre o ligante e o alvo de interesse. Atualmente, a inteligência artificial e a aprendizagem de máquina aplicadas à descoberta de fármacos têm avançado exponencialmente, ao ponto que hoje existem processos automatizados que contemplam quase todas as etapas do desenvolvimento de novos fármacos, desde seus estudos in silico até mesmo em sínteses orgânicas de moléculas ativas mediadas totalmente por máquinas, demonstrando ser o futuro da química medicinal aplicada ao desenvolvimento de fármacos. DESENVOLVIMENTO DE FÁRMACOS Neste vídeo, você conhecerá um pouco sobre novos fármacos e os desafios e as perspectivas futuras. VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Em nosso estudo, vimos os princípios e os métodos que regem as técnicas de modelagem molecular e os estudos de relação estrutura-atividade, além dos princípios relacionados à síntese de fármacos, como a análise retrossintética, importante no planejamento sintético desses compostos. Entendemos também que as novas estratégias e inovações voltadas para a descoberta de novos fármacos permitem ampliar nossa visão sobre quais caminhos essa ampla área de estudo tenderá a seguir nos anos seguintes, orientando o farmacêutico de forma eficiente na busca por soluções de problemas relacionados ao planejamento e desenvolvimento de fármacos. PODCAST AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ANDERSON, A. C. The process of structure-based drug design. Chemistry & Biology, [s.l.], v. 10, n. 9, p. 787-797, 2003. BACILIERI, M.; MORO, S. Ligand-based drug design methodologies in drug discovery process: an overview. Current Drug Discovery Technologies, [s.l.], v. 3, n. 3, p. 155-165, 2006. BARREIRO, E. J.; FRAGA, A. M. Química medicinal: as bases moleculares da ação dos fármacos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. cap. 5, p. 231-254. CERQUEIRA, M. F. S. A. N., et al. Receptor-based virtual screening protocol for drug discovery. Archives of Biochemistry and Biophysics, v. 582, 15 set. 2015. 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CONTEUDISTA Pedro Henrique Rodrigues de Alencar Azevedo CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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