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Manifestações Digestivas Fisiológicas na Criança

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SCA II – Manifestações Digestivas Fisiológicas na Criança 
O sistema digestório do recém-nascido e lactente é um sistema em maturação, apresentando sinais e sintomas 
peculiares, sendo necessário que o médico deve distinguir o fisiológico e patológico. A alimentação tem como 
função prover o organismo de água e nutrientes que suprem as necessidades energéticas, impactando no ser 
em desenvolvimento. O diagnóstico e intervenção precoce de distúrbios da alimentação/nutrição é essencial. 
A alimentação apresenta 5 fases, sendo a pré-oral a primeira, onde a criança sente e comunica a fome a seus 
cuidadores, passando para a fase oral, fase faríngea, fase esofagiana e fase gastrointestinal. 
Na fase pré-oral, é possível apresentar distúrbios do apetite, as quais podem ser de origem orgânica ou psí-
quicas. As aversões podem ser específicas ou generalizadas, sendo a primeira é quando determinado alimento 
é eventualmente associado com experiência desagradável (DRGE, alergia alimentar), e nas generalizadas são 
experiências de aspiração ou engasgamento durante a alimentação. As alterações anatômicas ou funcionais 
que fazem a alimentação difícil/desconfortável podem resultar em aversão aprendida ao ato da alimentação. 
Na fase oral, entra a cavidade oral que é a interface do sistema digestivo, respiratório e fala. Essa fase tem 
como função a formação do bolo alimentar (alimentos sólidos são preparados para a deglutição) e a transfe-
rência do bolo para a faringe. A cavidade oral muda com o crescimento, sendo pequena ao nascer, facilitando 
a sucção, a qual ocorre quando os lábios se fecham sobre a mama, a língua pressiona contra a faringe posterior 
formando a cavidade fechada, a mandíbula e maxila são necessárias para a compressão do bico do seio e 
expressão do seu conteúdo. O padrão de sucção/deglutição é estável com 34 a 36 semanas de gestação (ali-
mentação no prematuro). A força de sucção aumenta com a maturação, sendo que nos primeiros meses, o 
padrão de movimentação da língua passa da extensão-retração, que permite que o bico do seio seja trazido 
para dentro da boca para movimentos também laterais que permitem a manipulação do bolo alimentar. Algu-
mas variáveis são a anatomia e a fisiologia, apresentando possíveis sintomas como sialorreia constante, ali-
mentação demorada, engasgamentos, etc. O tamanho do mamilo e aréola, número e tamanho dos dutos deter-
minam o fluxo de leite. O fluxo rápido aumenta a frequência de deglutição, podendo ocorrer engasgos e inter-
ferências na ventilação. Já o fluxo lento aumenta o esforço de sucção e o tempo necessário para a amamenta-
ção. O bebê a termo se adapta a essas condições, enquanto prematuros ou bebês com distúrbios neurológicos 
podem ter dificuldades neste ajuste. A sucção, inicialmente reflexa, passa a ter o controle consciente à medida 
que outras funções surgem e amadurecem. Nos primeiros três meses, o lactente não distingue sólidos de lí-
quido e utiliza movimentos de sucção para ambos, portanto, não se deve dar papinhas para as crianças, po-
dendo ocorrer engasgos e constipações. Posteriormente, haverá o aprendizado de novas funções: morder, mas-
tigar, mover o alimento e formando o bolo alimentar. Com 6 meses, o bebê já consegue remover alimentos 
com textura de uma colher, apresentando mastigação aos 6 a 8 meses. Nessa fase, para o desenvolvimento 
adequado, é necessário que ocorra uma anatomia normal da cavidade oral e funções neuromusculares preser-
vadas: feedback sensorial, força e coordenação muscular. São alterações anatômicas da cavidade oral: fissura 
labiopalatina, hipertrofia do frênulo lingual (podendo ocorrer, eventualmente, dificuldades às mamadas). 
Já a fase faríngea é involuntária e desencadeada pelo contato do bolo alimentar com os pilares amigdalianos 
e parede da faringe. Durante a deglutição faríngea, a faringe superior e palato mole fecham a cavidade nasal. 
Alguns engasgamentos durante as mamadas podem ser normais nos primeiros dias/semanas de vida, devendo 
desaparecer à medida que a criança cresce. A coordenação da fase oral e faríngea da deglutição e a respiração 
é essencial na prevenção da aspiração de leite para as vias aéreas inferiores, devendo lembrar que o lactente 
apresenta uma alta frequência respiratória (> 20). Também durante a sucção e deglutição no início da ama-
mentação, há redução na ventilação com hipóxia leve, mesmo em lactentes normais. Pacientes com função 
cardíaca ou respiratórias comprometidas podem ter dificuldade devido à hipóxia durante a alimentação. 
Na fase esofagiana há o uso do esfíncter superior o qual relaxa durante a deglutição, ocorrendo a entrada do 
bolo alimentar no estômago por contrações peristálticas. O esfíncter esofágico inferior também relaxa para 
permitir a passagem do bolo alimentar para o estômago. Uma alteração nessa fase é a fístula traqueoesofágica. 
Na fase gastrointestinal, o bolo alimentar chega ao estômago e, posteriormente, ao intestino para a digestão 
e absorção. As proteínas podem ser absorvidas intactas nas primeiras semanas de vida, onde pode ser 
desvantajoso quando se torna um antígeno para alergias alimentares, e uma vantagem quando ocorre a preser-
vação de imunoglobulinas do leite materno. As gorduras apresentam absorção menos eficiente, especialmente 
em recém-nascidos. Enquanto os carboidratos apresentam a lactose que vai sofrer a ação da enzima lactase, a 
qual é presente nas microvilosidades dos enterócitos. A deficiência de lactase pode ser primária, onde é con-
gênita, ou secundária que surge após diarreias que causam alterações nas microvilosidades. A maioria dos 
indivíduos adultos permanece com apenas 10% da capacidade de produção de lactase em relação aos níveis 
observados durante o período de lactentes. 
São manifestações nos distúrbios da alimentação e deglutição a recusa alimentar, vômitos recorrentes, má 
evolução ponderal, pneumonias recorrentes e doença pulmonar crônica. Deve-se, portanto, pesquisar a histó-
ria alimentar, verificando a dieta atual, texturas, via e tempo de administração, modificações, posição ao 
alimentar e aversões específicas. Refeições prolongadas (> 30 min) pode ocorrer por problemas comporta-
mentais ou mecanismos ineficazes de alimentação, devendo-se investigar a anatomia/fisiologia da deglutição. 
Na história mórbida pregressa, deve-se investigar a ocorrência de pneumonias constantes ou aspirações 
crônicas, além da presença de estridor e roncos noturnos (possível hipertrofia adenoamigdalianas), podendo o 
médico observar uma refeição que pode demonstrar indícios importantes. Outra observação a ser feita é as 
interações negativas na alimentação forçada, sem conversas ou contato ocular, com ameaças, chantagens e 
inconsistências. 
No exame físico, deve-se avaliar o tônus, postura durante a alimentação, estrutura e funções da cavidade oral, 
eficiência da ingestão, habilidade de manejos das secreções orais, ritmo da alimentação, escape de alimentos 
da boca, movimentos da língua e mandíbula, deglutições, ruídos hidroaéreos após a deglutição, coordenação 
da sucção, elevação da laringe, alterações da voz ou choro. No caso de dificuldades alimentares, deve-se, 
primeiramente, descartar causas orgânicas pela avaliação de anomalias anatômicas, anomalias da coordenação 
do movimento da deglutição/refluxo. 
As eructações são a expulsão de ar deglutido proveniente do estômago, sendo necessária para prevenir o 
desconforto e regurgitações ou vômitos. Esse fenômeno ocorre por deglutição excessiva de ar devida a ma-
madas prolongadas, ausência de vedação labial em torno do seio, mamadeira dada incorretamente (pouco 
inclinada ou orifício do bico muito grande), avidez excessiva, dispneia ou choro. 
Os lactentes comumente regurgitam pequenas quantidades de leite durante ou logo após a alimentação, fre-
quentemente quando eructam. A regurgitação é a debilidade do esfíncter interior esofagiano, o conteúdo es-
tomacal reflui com facilidade atéa boca, sobretudo quando a cavidade gástrica está cheia (refluxo gastresofa-
giano [RGE]). A prevalência do RGE é de 50% nas crianças menores de 3 meses, 67% na faixa dos 4 a 6 
meses, 21% entre o 7 e o 9 mês e 5% entre os 10 a 12 meses. Após as mamadas, deve-se fazer com que o 
lactente eructe, conservando o bebê em posição ereta por 20 a 30 minutos após as mamadas. O RGE fisioló-
gico é comum nos primeiros meses de vida, apresentando regurgitações e/ou vômitos com frequência e volu-
mes variados, sendo que a curva ponderal se mantém adequada, não apresentando outros sintomas ou compli-
cações associadas. A diminuição dos sintomas ocorre em torno dos 6 meses, e a conduta é uma dieta es-
pessa/postura supina elevada até 1 ano. Já o vômito energético e repetido (vômito em jato) pode indicar um 
estreitamento ou uma obstrução da saída do estômago (estenose pilórica – 1 a 2 mês). A obstrução do intestino 
delgado pode acarretar um vômito com bile, enquanto vômito e febre ou inapetência podem indicar processo 
infeccioso. 
As evacuações ocorrem com eliminação de mecônio ou material viscoso escuro nos primeiros dias de vida, 
ocorrendo fezes de transição com a descida do leite materno (fezes mais amolecidas) que ocorre, geralmente, 
no terceiro ou quarto dia. A ausência de eliminação de mecônio nas primeiras 24 horas em recém-nascidos a 
termo levanta a suspeita de obstrução intestinal. As variáveis das evacuações consistem na frequência, cor e 
consistência. A consistência pode ser líquida, semilíquida, semi ou pastosa. A frequência pode variar de várias 
vezes ao dia a 1 evacuação a cada 7 a 10 dias. Dependendo das variações destas, é necessário verificar a 
alimentação, com introdução de LV, preparado da madeira, papinhas e água.

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