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ConsideracoesCrimeAbortoSantos-2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
 
ANDRÉ DIAS DOS SANTOS 
 
 
 
 
 
 
 
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE ABORTO E O INÍCIO DA VIDA: 
DESAFIOS E CONCEITOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2021
ANDRÉ DIAS DOS SANTOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE ABORTO E O INÍCIO DA VIDA: DESAFIOS E 
CONCEITOS 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao 
curso de graduação em Direito, da Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito 
parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. 
 
Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Dantas de Souza 
Leão 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2021 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANDRÉ DIAS DOS SANTOS 
 
 
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE ABORTO E O INÍCIO DA VIDA: DESAFIOS E 
CONCEITOS 
 
 
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao 
curso de graduação em Direito, da Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito 
parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. 
 
 
 
Aprovado em: 23/04/2021 - ATA Nº 6 / 2021 - DEPRO/CCSA (16.19) - Nº do Protocolo: 
23077.040586/2021-90 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
______________________________________ 
Prof. Dr. Paulo Roberto Dantas de Souza Leão 
Orientador 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
 
______________________________________ 
Profa. Dr(a) Lidianne Araújo Aleixo de Carvalho 
Membro interno 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
 
______________________________________ 
Prof. Dr. Morton Luiz Faria de Medeiros 
Membro interno 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À minha esposa, pelo amor e incentivo de 
sempre. 
AGRADECIMENTOS 
 
Obrigado meu Deus por absolutamente tudo. 
Esse trabalho faz parte da conclusão de um curso que demanda anos de muita 
dedicação e disciplina. Por isso é que agradeço a minha esposa, mulher maravilhosa que 
sempre esteve ao meu lado, sempre me encorajou e ajudou a ver que o caminho, apesar de 
longo e cansativo, um dia termina e que nada de bom vem sem sacrifício. 
A minha família que, mesmo distante, sempre esteve torcendo por mim, 
independente da jornada que eu traçava. 
Aos colegas de turma do curso noturno que, de forma direta ou indireta, ajudaram a 
formar o tecido de respeito, fraternidade, determinação e alegria que é absolutamente 
necessários para se chegar até aqui, porque o cansaço pós-trabalho e pré-aula às vezes era 
muito grande. 
Ao professor Paulo Roberto Dantas de Souza Leão, que além de um professor 
marcante, sem pestanejar, aceitou participar comigo desse trabalho, prestando auxílio e 
sempre apresentando a cordialidade e disponibilidade que lhe caracterizam. 
A todos os professores do curso, cada um ao seu jeito e maneira, que me ajudaram a 
seguir até aqui. 
À Aparecida, servidora da CORDI, pela dedicação, auxílio e esmero de sempre, 
independente do dia e horário. 
Encerro meus agradecimentos com a seguinte mensagem: “a dificuldade e o 
sofrimento têm seu tempo; use-os a seu favor, transformando-os em coragem para seguir”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não na 
vitória propriamente dita. 
Mahatma Ghandi 
RESUMO 
 
O atual Código Penal trata do aborto nos artigos 124 ao 128. Por meio de abordagem 
descritiva e exploratória, com base em pesquisa bibliográfica, tratou-se do referido crime. A 
doutrina penalista diverge quanto ao início da proteção da vida, que pode ser desde a 
concepção ou desde a nidação. Noções gerais sobre o crime foram apresentadas para subsidiar 
debate de ideias decorrentes de conjecturas embriológicas. Por não haver consenso sobre o 
momento do início do parto, concluiu-se que, diante do bem jurídico tutelado - vida 
intrauterina -, para fins penais, enquanto o nascituro ainda estiver completamente dentro do 
útero, haverá o crime de aborto; apenas quando qualquer parte dele se projetar para fora do 
útero, estaria iniciado o parto na perspectiva penal e o crime seria, então, de homicídio ou 
infanticídio, conforme o caso. Identificou-se que o STF já se manifestou que não há o crime 
de aborto no caso da técnica de fertilização in vitro, da antecipação terapêutica do parto em 
casos de gravidez de feto anencefálico e da interrupção voluntária da gravidez até o primeiro 
trimestre de gestação, na ADI 3.510/DF, na ADPF 54/DF e no HC 124.306/RJ, 
respectivamente. Além disso, pela sobredita ADI, a concepção é o marco do início da vida 
para fins de proteção infraconstitucional, mas para o referido HC, ela só ocorre após o 
primeiro trimestre de gestação. Concluiu-se que o início da vida humana a ser tutelado 
juridicamente deveria considerar o mandamento da Convenção Americana Sobre Direitos 
Humanos - Pacto de São José da Costa Rica (1969), que adota a concepção como regra, pois a 
Constituição e o Código Penal não tratam daquele momento e o STF já decidiu que a referida 
Convenção tem status infraconstitucional, mas supralegal. A embriologia permite outros 
olhares ao crime de aborto, notadamente ao objeto jurídico do crime, sujeito passivo, 
consumação e até mesmo sobre a existência ou não do crime, com cenários desafiadores. A 
expressão ‘vida humana, desde a concepção até o início do parto’ poderia ser a mais adequada 
ao bem jurídico a ser tutelado na perspectiva da teoria da concepção. Ponderou-se, ainda, que 
o uso de alguns contraceptivos poderia, em tese, ser considerado abortivo, mas verificou-se 
que seu uso estaria amparado pelo exercício regular do direito. 
 
Palavras-chave: Aborto. Início do parto. STF. Início da vida. Embriologia humana. 
ABSTRACT 
 
The current Penal Code deals with abortion in articles 124 to 128. Through a descriptive and 
exploratory approach, based on bibliographic research, this crime was analyzed. The penal 
doctrine dissent about the beginning of the protection of life, which could be from the 
conception or from nesting. General notions about the crime were presented to support debate 
of ideas resulting from embryological conjectures. As there is no consensus on the moment of 
the start of childbirth, it was suggested that, in view of the protected legal good - intrauterine 
life - for criminal purposes, as long as the unborn child is still completely inside the uterus, 
there will be the crime of abortion; only when any part of it protrudes out of the uterus, 
childbirth would be initiated from a penal perspective and the crime would be homicide or 
infanticide, depending on the case. It was identified that the STF has already declared that 
there is no crime of abortion in the case of the in vitro fertilization technique, the therapeutic 
anticipation of childbirth in cases of anencephalic fetus pregnancy and the voluntary 
termination of pregnancy until the first trimester of gestation, in ADI 3.510/DF, in ADPF 
54/DF and in HC 124.306/RJ, respectively. In addition, according to the referred ADI, the 
conception is the beginning of life for the purposes of infra-constitutional protection, but for 
the aforecited HC, it only occurs after the first trimester of pregnancy. It was concluded that 
the beginning of human life to be legally protected should consider the commandment of the 
American Convention on Human Rights - Pact of San José of Costa Rica (1969) that adopts 
the conception as a rule, as the Constitution and the Penal Code does not deal with that 
moment and the STF has already decided that the referred Convention has infraconstitutional 
but supralegal status. Embryology allows other views of the crime of abortion, notably the 
legal object of the crime itself, victim, consummation and even about the existenceor not of 
the crime, with challenging scenarios. The expression 'human life, from conception to the 
beginning of childbirth' could be the most appropriate for the protected object from the 
perspective of the theory of conception. It was also considered that the use of some 
contraceptives could, in theory, be considered abortive, but it was found that their use would 
be supported by the regular exercise of the right. 
 
Keywords: Abortion. Beginning of childbirth. STF. Beginning of life. Human embryology. 
LISTA DE SIGLAS 
 
ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade 
ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 
CC - Código Civil - Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 
CF - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 
CP - Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 
HC - Habeas Corpus 
STF - Supremo Tribunal Federal 
STJ - Superior Tribunal de Justiça 
SUS - Sistema Único de Saúde 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 12 
2 DEFINIÇÃO DOUTRINÁRIA E O ABORTO CRIMINOSO...................... 15 
2.1 Espécies de aborto.............................................................................................. 16 
2.2 Aborto criminoso................................................................................................ 18 
2.2.1 Bem jurídico tutelado no aborto criminoso.......................................................... 19 
2.2.2 Sujeitos ativo e passivo........................................................................................ 19 
2.2.3 Elemento subjetivo............................................................................................... 21 
2.2.4 Meios de execução............................................................................................... 21 
2.2.5 Consumação e tentativa........................................................................................ 22 
2.2.6 Delimitações do crime de aborto.......................................................................... 22 
2.3 Aborto Legal ou Permitido................................................................................ 25 
3 DECISÕES DO STF: HIPÓTESES EM QUE NÃO HÁ O CRIME DE 
ABORTO............................................................................................................. 
 
28 
3.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510 – Distrito Federal................. 28 
3.2 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 – Distrito 
Federal................................................................................................................. 
 
29 
3.3 Habeas Corpus nº 124.306 – Rio de Janeiro.................................................... 31 
4 DIREITO À VIDA, INÍCIO DA VIDA HUMANA E O CRIME DE 
ABORTO............................................................................................................. 
 
35 
4.1 Início da proteção à vida.................................................................................... 36 
4.2 Teorias sobre o início da vida humana............................................................. 38 
4.2.1 Posicionamento doutrinário.................................................................................. 40 
4.2.2 Posicionamento do STF........................................................................................ 41 
4.2.3 Perspectiva de resposta com base no Direito positivo brasileiro........................ 48 
 5 EMBRIOLOGIA COMO DISCIPLINA DE SUPORTE................................ 50 
5.1 Fecundação, fertilização, concepção................................................................. 50 
5.2 Gravidez.............................................................................................................. 52 
5.3 Denominações utilizadas no desenvolvimento humano.................................. 54 
5.4 Vida intrauterina................................................................................................ 55 
5.5 Anticoncepcionais............................................................................................... 56 
 6 CONCLUSÃO.................................................................................................... 59 
 REFERÊNCIAS................................................................................................. 61 
 
 
 
 
 
 
12 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A palavra aborto tem origem em duas palavras: ab (privação) e orthus (nascimento), 
significando, portanto, privação de nascimento.1 Tecnicamente, o aborto não é uma conduta, 
mas o resultado dessa conduta, ou seja, quando se tratar da conduta, deve-se adotar a palavra 
abortamento e não a palavra aborto, esta última tida como o resultado daquela.2 Neste 
trabalho, ambas as palavras serão utilizadas como sinônimos, pois assim são comum e 
tradicionalmente utilizadas e tratadas – e a expectativa é de não se criar uma dificuldade a 
mais na leitura. 
É certo que a prática e a punição do aborto remontam tempos antigos. Por exemplo, 
as leis Bíblicas de Moisés têm como parâmetro o dano sofrido à gestante: se houvesse apenas 
o aborto sem outro dano, haveria multa, mas se a gestante também morresse, a sentença seria 
a pena de morte.3 
No Brasil, o Código Criminal de 18304 e o Código Penal de 18905 já previam o 
crime de aborto. O atual Código Penal6 trata do aborto nos artigos 124 ao 128, estabelecendo 
que, em regra, provocar o aborto é tipificado como crime, com previsão de penas que podem 
ser a de detenção ou a de reclusão, conforme subsunção do fato à norma. Diz-se ‘em regra’, 
pois o Art. 128 do CP não pune o aborto praticado por médico quando não há outro meio de 
salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de 
consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. 
O aborto é ainda tema muito atual, debatido nos tribunais e continuamente discutido 
na sociedade – especialmente quanto à sua descriminalização. Só em 2020, houve a polêmica 
em torno do caso da menina de 10 anos que, após estuprada pelo tio, engravidou e foi 
 
1 ZUGAIB, M.; FRANCISCO, R. P. V. Zugaib Obstetrícia. 4. ed. São Paulo: Manole, 2020. p. 1321. 
2 AZEVEDO, M. A.; SALIM, A. Direito Penal: Parte especial - Dos crimes contra a pessoa aos crimes contra a 
família. 9. ed. rev., atual. e amp. Salvador: Ed. Juspodivm, 2020. p. 88. 
3 BÍBLIA ONLINE. Êxodo 21:22-23. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/ex/2. Acesso em: 02 
jan. 2021. 
4 BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-
16-12-1830.htm. Acesso em: 02 jan. 2021. 
5BRASIL. Decreto-Lei nº 847 de 11 de outubro de 1890. Disponível em: 
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D847.htmimpressao.htm. Acesso em: 02 jan. 2021. 
6 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF: Presidência da República. 
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 18 maio 
2019. 
 
13 
 
autorizada a realizar o abortamento7; a publicação e a revogação da Portaria nº 2.282 do 
Ministério da Saúde8 em menos de um mês – conforme Portaria nº 2.5619 que também tratava 
sobre o procedimento de justificação e autorização da interrupção da gravidez nos casos 
previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS–; além da recente aprovação na 
Argentina de projeto de lei que permite o abortamento até a 14ª semana de gestação.10 
Muitos autores têm tratado do crime de aborto, mas é possível que o leitor de tais 
textos apresente dúvidas, especialmente porque são utilizados termos relacionados a outras 
áreas do conhecimento, notadamente a embriologia humana, o que pode ser um complicador – 
como aconteceao se definir o sujeito passivo do crime e ao se diferenciar os crimes de aborto, 
infanticídio e de homicídio, conforme será visto neste trabalho. Assim, verifica-se a 
necessidade de interconexão de disciplinas para que se possa, no mínimo, tentar aclarar 
questões que se mostram complexas. 
Com os avanços sociais e dada a relevância jurídica do tema, o STF já se manifestou 
algumas vezes nos últimos quinze anos sobre questões polêmicas que estariam associadas 
direta ou indiretamente ao cometimento do crime de aborto. 
Além disso, aparentemente, não há hoje uma definição objetiva no ordenamento 
jurídico brasileiro de quando se inicia a vida humana ou a mesmo a gravidez, questões 
intimamente ligadas ao cometimento do crime de aborto e que podem facilmente ser 
deslocadas para o âmbito da moralidade ou da religiosidade, assuntos que fogem ao escopo 
desse trabalho. 
O presente estudo busca discutir alguns elementos jurídicos relativos ao sobredito 
crime – como a distinção entre o crime de aborto, de infanticídio e homicídio; o objeto 
jurídico tutelado, o sujeito passivo, a consumação e a própria existência do crime; o início da 
vida para fins jurídicos – observando-se os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais –, 
 
7 BRUM, Mateus. Tio acusado de estuprar e engravidar menina de 10 anos é preso; entenda o caso. Estadão, São 
Paulo, 18 ago. 2020.Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,policia-prende-acusado-de-
estuprar-e-engravidar-menina-de-10-anos,70003403409. Acesso em: 16 jan. 2021. 
8 BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.282, de 27 de agosto de 2020. Dispõe 
sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no 
âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.282-
de-27-de-agosto-de-2020-274644814. Acesso em: 16 jan. 2021. 
9 BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.561, de 23 de setembro de 2020. Dispõe 
sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no 
âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS. Disponível em:https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.561-
de-23-de-setembro-de-2020-279185796. Acesso em: 16 jan. 2021. 
10 Argentina aprova legalização do aborto: em que países da América Latina o procedimento já é legal. BBC 
News Brasil. 30 dezembro 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-55476576. Acesso em: 
16 jan. 2021. 
14 
 
ao mesmo tempo em que buscou agregar informações ligadas a outras ciências, que possam 
contribuir com a discussão do tema. 
A abordagem deste trabalho é descritiva – na medida em que se pretende constatar 
alguns fatos – e exploratória – pois são buscadas maiores informações sobre o assunto em 
análise, ou mesmo são propostos novos enfoques sobre ele –, com base em pesquisa 
bibliográfica. 
O trabalho está dividido em quatro capítulos que tem a expectativa de explorar o 
assunto nas seguintes temáticas: definição doutrinária e o crime de aborto; decisões do STF: 
hipóteses em que não há o crime de aborto; direito à vida, início da vida humana e o crime de 
aborto; embriologia como disciplina de suporte. 
O primeiro capítulo aborda a definição da doutrina penalista sobre o crime de aborto, 
deixando evidente algumas diferenças de posicionamento entre os autores e percebendo-se 
que há a utilização, no campo penal, de termos que podem ser avaliados sob a perspectiva de 
outras áreas da ciência. Além disso, trata das espécies de aborto, com foco no aborto 
criminoso, previsto no Código Penal brasileiro. A expectativa é trazer noções gerais desse 
crime para que seja possível, posteriormente, refletir e avaliar as conjecturas embriológicas 
correlatas. Discute-se também a questão do início do parto. 
O segundo capítulo aborda algumas decisões relevantes do STF que, em algum 
aspecto, tratam da temática do aborto, buscando-se, assim, verificar o posicionamento da 
suprema corte sobre a própria tipicidade em determinados casos concretos. 
O terceiro capítulo trata de tema muito difícil e caro que é o direito à vida e o 
estabelecimento de quando se inicia a vida humana, questões que impactam diretamente a 
discussão sobre o cometimento do aborto. Buscou-se apresentar visões doutrinárias e 
jurisprudenciais sobre o tema de forma a enriquecer o debate, apresentando-se uma proposta 
relativa ao início da vida para fins jurídicos. 
Por fim, o quarto capítulo procura trazer elementos da embriologia humana – seja na 
abordagem biológica ou médica – para promover reflexão mais ampla no campo do Direito a 
respeito do crime de aborto, incluindo-se aí o uso de contraceptivos. 
 
15 
 
2 DEFINIÇÃO DOUTRINÁRIA E O ABORTO CRIMINOSO 
 
Desde o Código Criminal de 1830 – primeiro Código Penal Brasileiro –, passando 
pelo Código Penal de 1890, já havia a previsão do crime de aborto. Porém, em nenhum deles 
foi definido o que seria exatamente o aborto. O Código Penal de 1940 o posiciona dentro do 
capítulo dos crimes contra a vida, mas “[…] não o define, limitando-se a adotar a fórmula 
neutra e indeterminada ‘provocar aborto’[…].”11 Assim, essa missão ficou a cargo da doutrina 
do Direito. 
“Aborto é a interrupção da gravidez antes de atingir o limite fisiológico, isto é, 
durante o período compreendido entre a concepção e o início do parto, que é o marco final da 
vida intrauterina.”12 O Direito Penal protege a vida humana desde a sua formação embrionária 
– que resulta da junção dos elementos genéticos masculino e feminino, momento em que o 
novo ser é gerado13, formado um ovo, um embrião e um feto, sequencialmente – até o início 
do parto14. De forma muito similar, outros autores compartilham desse entendimento15,16, 17,18. 
Outra definição é a de que “o aborto é a cessação da gravidez, cujo início se dá com a 
nidação, antes do termo normal, causando a morte do feto ou do embrião.”19, até o início do 
parto20, definindo a nidação como sendo o momento em que o óvulo fecundado se fixa na 
parede do útero.21 
Há quem sustente que “Aborto é a interrupção da gravidez com destruição do 
produto da concepção [...] o ovo, [...] embrião [...] ou feto [...].”22, embora entendam que a 
gravidez se inicia após a implantação – nidação23 – indo até o início do parto.24 
 
11 BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. Crimes Contra a Pessoa. v. 2. 17. ed. rev., 
amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 186. (Grifo do autor). 
12 Ibid., p. 186. 
13 Ibid., p. 52. 
14 Ibid., p. 186. 
15 AZEVEDO, M. A.; SALIM, A. Direito Penal: Parte especial - Dos crimes contra a pessoa aos crimes contra a 
família. 9. ed. rev., atual. e amp. Salvador: Ed. Juspodivm, 2020. p. 32 e 87-88. 
16 CAPEZ, F. Curso de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 18. ed. atual. São Paulo: Saraiva 
Educação, 2018. p. 184. 
17 GONÇALVEZ, V. E. R. Curso de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 183). 3. ed. São Paulo: Saraiva 
Educação, 2019. p. 125 e 132. 
18 MASSON, C. Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São 
Paulo: Método, 2020. p. 11 e 74-75. 
19 NUCCI, G. S. Curso de Direito Penal: Parte Especial: Arts. 121 ao 212 do Código Penal. 4. ed. Rio de 
Janeiro: Forense, 2020. p. 92. 
20 Ibid., p. 13. 
21 Ibid., p. 95. 
22 MIRABETE, J. F.; FABBRINI, R. N. Manual de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 234-B do CP). 
35. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 62. 
23 Ibid., p. 63-64. 
24 Ibid., p. 26. 
16 
 
Outra definição é a de que o aborto é a interrupção violenta do processo fisiológico 
de maturação do feto e que, tecnicamente, embora seja possível identificar vida no ovo, no 
embrião e no feto, só há o crime se houver interrupção da gravidez e a morte do embrião e do 
feto, mas não do ovo25– desde a nidaçãoaté o início do parto.26 
Nesse primeiro momento, pode-se extrair de todas as definições que o crime de 
aborto se dá com a interrupção da gravidez e a eliminação da vida intrauterina – aquela em 
desenvolvimento no útero da gestante – até o início do parto. 
Isso acaba por promover, para uns, a correlação imediata entre concepção, início da 
vida e gravidez. Para outros, a correlação será entre nidação, início da vida e gravidez. 
Já nesse momento, embora sejam tratados com mais detalhes adiante, expõe-se que a 
concepção é a formação de uma nova célula pela junção dos gametas masculino e feminino e 
a nidação corresponde à implantação do embrião na parede do útero. 
Assim, consequência natural do que foi exposto, é que a proteção penal associa-se a 
momentos distintos do desenvolvimento embrionário, de forma que para os que defendem a 
proteção a partir da nidação, o estágio entre a concepção e a implantação na parede do útero 
não está protegido penalmente. Além disso, a palavra vida intrauterina pode ter sido 
equivocadamente apresentada, a depender das premissas que sejam adotadas – pontos que 
serão melhor analisados em momento oportuno. 
 
2.1 Espécies de aborto 
 
Apresentam-se abaixo as espécies de aborto existentes: 
 
a) natural: é a interrupção espontânea da gravidez. Exemplo: O organismo 
da mulher, por questões patológicas, elimina o feto. Não há crime. 
b) acidental: é a interrupção da gravidez provocada por traumatismos, tais 
como choques e quedas. Não caracteriza crime, por ausência de dolo. 
c) criminoso: é a interrupção dolosa da gravidez. Encontra previsão nos art. 
124 a 127 do Código Penal. 
d) legal ou permitido: é a interrupção da gravidez de forma voluntária e 
aceita por lei. O art. 128 do Código Penal admite o aborto em duas 
hipóteses: quando não há outro meio para salvar a vida da gestante (aborto 
necessário ou terapêutico) e quando a gravidez resulta de estupro (aborto 
sentimental ou humanitário). Não há crime por expressa previsão legal. 
 
25 ISHIDA, V. K. Curso de Direito Penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 299. 
26 Ibid., p. 300. 
17 
 
e) eugênico ou eugenésico: é a interrupção da gravidez para evitar o 
nascimento da criança com graves deformidades genéticas. Discute-se se 
configura ou não crime de aborto. [...]. 
f) econômico ou social: mata-se o feto para não agravar a situação de 
miserabilidade enfrentada pela mãe ou por sua família. Trata-se de 
modalidade criminosa, pois não foi acolhida pelo direito penal brasileiro.27 
 
Nesse contexto, e de forma didática, importante registrar que o CP trata apenas do 
aborto criminoso – artigos 124 a 127 – e do legal ou permitido – artigo 128 –, nos seguintes 
termos: 
 
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento 
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho 
provoque: (Vide ADPF 54) 
 Pena - detenção, de um a três anos. 
 
Aborto provocado por terceiro 
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: 
 Pena - reclusão, de três a dez anos. 
 
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 
54) 
 Pena - reclusão, de um a quatro anos. 
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é 
maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o 
consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. 
 
Forma qualificada 
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de 
um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para 
provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são 
duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. 
 
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54) 
Aborto necessário 
 I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; 
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro 
 II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de 
consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.28 
 
 
 
27 MASSON, C. Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São 
Paulo: Método, 2020. p. 75-76. (Grifo do autor). 
28 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF: Presidência da República. 
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 18 maio 
2019. 
18 
 
2.2 Aborto criminoso 
 
Depreende-se da leitura do Art. 124 – primeira parte –, que é a própria gestante que 
adota as manobras abortivas, de forma a provocar o aborto em si mesma, sendo, assim, a 
única autora do crime – autoaborto. A questão quanto à participação não é pacífica, mas, de 
maneira geral, os autores entendem pela sua possibilidade29,30,31 de forma que esse partícipe 
pode fornecer algum tipo de auxílio como, por exemplo, um auxílio financeiro para a prática 
do crime. 
Em relação ao Art. 124 – segunda parte – não é a gestante que realiza o procedimento 
abortivo, mas é ela, e somente ela, quem consente que terceiro o provoque. Interessante notar 
que, neste tipo penal, a gestante é a única autora do crime, porque o terceiro que pratica a 
conduta típica responderá como autor do crime do Art. 126, cuja pena é, inclusive, mais 
gravosa. Entende-se que aqui também pode haver concurso de pessoas na forma de 
participação. 
A nomenclatura para os crimes previstos nos artigos 125 e 126 é a de aborto 
provocado por terceiro – com o consentimento da gestante (Art. 126) ou sem ele (Art. 125). 
Importante registrar que o consentimento da gestante deve ser válido, inclusive para o tipo 
previsto no Art. 124. Isso significa que ela deve ser maior de quatorze anos, ou não ser 
alienada ou débil mental, ou o consentimento não ser obtido mediante fraude, grave ameaça 
ou violência, nos termos do Art. 126, parágrafo único do CP. 
Verifica-se que a ação nuclear é a de provocar; é este o núcleo (verbo) dos tipos 
penais (artigos 124 a 126). Sobre o tema: 
 
O núcleo dos tipos, em suas três variações, é o verbo provocar, que significa 
causar, promover ou produzir o aborto. As elementares especializantes, como 
“em si mesma”, “sem o consentimento da gestante” e “com o consentimento 
da gestante”, determinarão a modalidade ou espécie de aborto, além da 
particular figura “consentir”, que complementa o crime próprio ao lado do 
autoaborto.32 
 
 
29 BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. Crimes Contra a Pessoa. v. 2. 17. ed. rev., 
amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 188. 
30 CAPEZ, F. Curso de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 18. ed. atual. São Paulo: Saraiva 
Educação, 2018. p. 193-194. 
31 MASSON, C. Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São 
Paulo: Método, 2020. p. 80. 
32 BITENCOURT, C. R. op cit., p. 187. (Grifo do autor). 
19 
 
O artigo 127 trata de causas de aumento de pena, somente para as condutas descritas 
nos artigos 125 e 126, ou seja, os casos de aborto provocado por terceiro, com ou sem o 
consentimento da gestante, nas situações em que os procedimentos abortivos ou o próprio 
aborto resultam em lesão corporal de natureza grave à gestante – pena aumentada em um 
terço – ou em morte da mesma – pena duplicada. 
 
2.2.1 Bem jurídico tutelado no aborto criminoso 
 
Interessante resultado se obtém com a depreensão da parte especial do Código Penal, 
ao se verificar que os Títulos e Capítulos foram lá posicionados em uma sequência na qual, 
claramente, o legislador considerou a relevância do bem jurídico tutelado. Verifica-se que o 
crime de aborto está inserido no Capítulo I (Crimes contra a vida) que, por sua vez, faz parte 
do Título I (Crimes contra a pessoa). Com base nisso, de pronto, já é possível perceber que o 
referido Capítulo busca proteger a vida humana– bem jurídico mais valioso do ser humano. 
No crime de aborto, pode-se dizer que a tutela se dá, invariavelmente, em relação à 
vida intrauterina. Dessa forma, qualquer tentativa de eliminar aquela vida que se desenvolve 
no útero poderá ser tipificada como aborto. Em sentido contrário, após iniciado o parto, em 
atenção ao artigo 123 do CP33, estar-se-á diante do crime de infanticídio ou de homicídio, 
conforme o caso concreto. Registre-se, como já exposto anteriormente, que a expressão vida 
intrauterina será objeto de análise e ponderação em momento posterior neste estudo, mas até 
lá, optar-se-á por utilizá-la. 
Entende-se que, no aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante – 
Art. 125 do CP –, a proposta legal é a de se proteger, além da vida intrauterina, a integridade 
física e mental da gestante. 
 
2.2.2 Sujeitos ativo e passivo 
 
Verificou-se que há convergência no entendimento de que a gestante é o sujeito ativo 
do crime previsto no Art. 124 do CP e que nos artigos 125 e 126 pode ser qualquer 
pessoa34,35,36,37,38,39,40,41,42. 
 
33Infanticídio.Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: 
Pena - detenção, de dois a seis anos. (Grifo nosso). 
34 AZEVEDO, M. A.; SALIM, A. Direito Penal: Parte especial - Dos crimes contra a pessoa aos crimes contra a 
família. 9. ed. rev., atual. e amp. Salvador: Editora. Juspodivm, 2020. p. 87. 
20 
 
Quanto ao sujeito passivo, as nomenclaturas acabam sendo um pouco distintas, 
conforme o autor. Assim, em relação ao tipo penal previsto no artigo 124, para uns é o 
produto da concepção – óvulo, embrião ou feto43,44,45,46; para outros é o feto47,48,49; ou ainda o 
feto ou embrião50. 
Em relação ao tipo penal previsto no artigo 125, o sujeito passivo é a gestante e o 
feto51,52,53,54; ou o produto da concepção e a gestante55,56; ou ainda o feto ou o embrião e a 
gestante57. 
Não restam dúvidas que as diferentes nomenclaturas usadas pelos diferentes autores 
podem gerar certa confusão no leitor e a expectativa é que até o fim do trabalho isso possa 
estar aclarado. 
Por fim, em relação ao tipo penal previsto no artigo 126, os autores seguem 
basicamente a mesma abordagem já apresentada para o artigo 124. 
 
 
 
 
35 BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. Crimes Contra a Pessoa. v. 2. 17.ed. rev., 
amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 185-186. 
36 CAPEZ, F. Curso de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 18. ed. atual. São Paulo: Saraiva 
Educação, 2018. p. 187. 
37 CUNHA, R. S. Manual de Direito Penal: Parte Especial. (Arts. 121 ao 361). 12. ed. rev., atual. e ampl. São 
Paulo: Saraiva, 2020. p. 107 e 110-111. 
38 DELMANTO, C. et al. Código Penal Comentado. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016. Edição 
e-book, Kindle. p. 1514. 
39 ISHIDA, V. K. Curso de Direito Penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 300. 
40 MASSON, C. Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São 
Paulo: Método, 2020. p. 77. 
41 MIRABETE, J. F.; FABBRINI, R. N. Manual de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 234-B do CP). 
35. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 63. 
42 RODRIGUES, C. Manual de Direito Penal. Indaiatuba: Editora Foco, 2019. p. 456. 
43 AZEVEDO, M. A.; SALIM, A. Direito Penal: Parte especial - Dos crimes contra a pessoa aos crimes contra a 
família. 9. ed. rev., atual. e amp. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p. 87. 
44 BITENCOURT, C. R. op. cit., p. 186. 
45 CUNHA, R. S. op. cit., p. 108. 
46 RODRIGUES, C. op. cit. p., 456. 
47 CAPEZ, F. op. cit., p. 187. 
48 DELMANTO, C. et al. op. cit., p. 1514. 
49 MASSON, C. op. cit., p. 77. 
50 NUCCI, G. S. Curso de Direito Penal: Parte Especial: Arts. 121 ao 212 do Código Penal. 4. ed. Rio de 
Janeiro: Forense, 2020. p. 96. 
51 BITENCOURT, C. R. op. cit., p. 186. 
52 CAPEZ, F. op. cit., p. 188. 
53 DELMANTO, C. et al. op. cit. p. 1514. 
54 MASSON, C. op. cit., p. 77. 
55 AZEVEDO, M. A.; SALIM, A. op. cit., p. 87. 
56 CUNHA, R. S. op. cit. p. 110. 
57 NUCCI, G. S. op. cit. p. 101. 
21 
 
2.2.3 Elemento subjetivo 
 
Por ausência de previsão legal, não há a hipótese de aborto culposo, de forma que o 
elemento subjetivo do crime será sempre o dolo. Além disso, se “[...] a própria gestante agir 
culposamente e ensejar o aborto, o fato será atípico, pois o princípio da alteridade veda a 
punição da autolesão.”58 
Provado que a conduta do agressor foi dolosa quanto à ofensa à integridade corporal 
ou à saúde da gestante, mas culposa em relação ao resultado aborto, aplica-se a previsão de 
lesão corporal grave, conforme art. 129, § 2º, inciso V, do CP59. 
 
2.2.4 Meios de execução 
 
Como já mencionado, o núcleo do tipo penal é o verbo provocar. Assim, quaisquer 
meios (comissivo ou omissivo) que sejam capazes de findar dolosamente a vida humana 
intrauterina serão considerados válidos pelo Direito. Sobre o tema, destacam-se as seguintes 
informações: 
 
Trata-se de crime de ação livre, podendo a provocação do aborto ser 
realizada de diversas formas, seja por ação, seja por omissão. A ação 
provocadora poderá dar-se através dos seguintes meios executivos: 
(i) meios químicos: são substâncias não propriamente abortivas, mas que 
atuam por via de intoxicação, como o arsênio, fósforo, mercúrio, quinina, 
estricnina, ópio etc.; 
(ii) meios psíquicos: são a provocação de susto, terror, sugestão etc.; 
(iii) meios físicos: são os mecânicos (p. ex., curetagem); térmicos (p. ex., 
aplicação de bolsas de água quente e fria no ventre); e elétricos (p. ex., 
emprego de corrente galvânica ou farádica). 
- Omissão: o delito também pode ser praticado por conduta omissiva nas 
hipóteses em que o sujeito ativo tem a posição de garantidor; por exemplo, o 
médico, a parteira, a enfermeira que, apercebendo-se do iminente aborto 
espontâneo ou acidental, não tomam as medidas disponíveis para evitá-lo, 
respondem pela prática omissiva do delito.60 
 
 
 
 
58 MASSON, C. Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São 
Paulo: Método, 2020. p. 78. 
59 Lesão corporal de natureza grave [...] § 2° Se resulta: [...] V - aborto: Pena - reclusão, de dois a oito anos. 
60 CAPEZ, F. Curso de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 18. ed. atual. São Paulo: Saraiva 
Educação, 2018. p. 187. (Grifo do autor). 
22 
 
2.2.5 Consumação e tentativa 
 
A consumação e a tentativa estão previstas no Art. 14 do CP. Assim, quanto à 
consumação do crime de aborto, por ser um crime material, entende-se que ela ocorrerá se, 
diante da conduta dolosa, resultar na eliminação da vida humana intrauterina – até o início do 
parto –, independente de esse resultado ocorrer dentro ou fora do corpo da gestante e, 
consequentemente, cessar a gestação. 
Quanto à tentativa, ela é possível se, iniciada a conduta com a finalidade de dar fim à 
vida humana intrauterina – até o início do parto –, o objetivo não for alcançado por 
circunstâncias alheias à vontade do agente, ou seja, aquela vida ofendida deverá persistir – 
dentro ou fora do corpo da gestante –, mesmo após o emprego de meios idôneos àquele fim. 
Evidente que, sob o risco de se estar diante de um crime impossível nos termos do 
artigo 17 do CP, para fins de consumação ou de tentativa, necessário se faz comprovar pelos 
meios aceitos pelo Direito que, em qualquer dos casos, havia a vida humana intrauterina. 
Porém, antecipa-se que essas provas podem ser muito difíceis de serem colhidas, 
especialmente nas etapas iniciais do desenvolvimento embrionário, como será visto no tópico 
5.2. 
 
2.2.6 Delimitações do crime de aborto 
 
A tipificação do crime de aborto buscatutelar, conforme já exposto, a vida humana 
intrauterina até o início do parto. Porém, há uma questão crucial: quando tem início o parto? 
A resposta nos parece absolutamente relevante para que não haja dúvidas quanto ao 
tipo penal a que se refere determinada conduta, de forma que se possa ter clareza quanto ao 
cometimento do crime de aborto, de infanticídio ou de homicídio. Sobre o tema: 
 
A eliminação da vida humana não acarreta na automática tipificação do 
crime de homicídio. De fato, se a vida humana for intrauterina estará 
caracterizado o delito de aborto. Além disso, se já iniciado o trabalho de 
parto, a morte do feto configura homicídio ou infanticídio, dependendo do 
caso concreto, mas não aborto.61 
 
 
 
61 MASSON, C. Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São 
Paulo: Método, 2020. p. 11. (Grifo nosso). 
23 
 
Em sentido similar: 
 
3. Os fatos descritos na denúncia são claros e determinados, podendo 
caracterizar, em tese, o crime de homicídio culposo [...] consta dos autos que 
a mãe já havia entrado em trabalho de parto há mais de oito horas e os 
batimentos cardíacos foram monitorados por todo esse período até não mais 
serem escutados. 4. Iniciado o trabalho de parto, não há falar mais em 
aborto, mas em homicídio ou infanticídio, conforme o caso, pois não se 
mostra necessário que o nascituro tenha respirado para configurar o crime de 
homicídio, notadamente quando existem nos autos outros elementos para 
demonstrar a vida do ser nascente.62 
 
Ora, a expressão durante o parto prevista no artigo 123 do CP pressupõe que se sabe 
com clareza quando o parto foi iniciado, mas ainda não terminado. A pergunta, agora 
fundamental, é: em que momento exato é iniciado o parto? Há entendimento no sentido de 
que “a vida [no contexto do crime de homicídio] começa com o início do parto, com o 
rompimento do saco amniótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver. 
Antes do início do parto, o crime será de aborto.”63 
De forma similar, “[...] o parto, a que se refere o texto legal, é o que começa com o 
período de expulsão, ou, mais precisamente, com o rompimento da membrana amniótica. 
Antes desse período, [...], a ocisão do feto constitui aborto.”64 
Há, ainda, outras visões sobre o tema: 
 
É preciso delimitar o exato instante em que se configurará o delito de aborto 
e o delito de homicídio. Para tanto, devemos lançar mão de diversos 
ensinamentos da doutrina a esse respeito: Alfredo Molinario entende que o 
nascimento é o completo e total desprendimento do feto das entranhas 
maternas. Para Soler, inicia-se desde as dores do parto [...]. Na 
jurisprudência há julgado no sentido de que, “provocada a morte do feto a 
caminho da luz, por ato omissivo ou comissivo de outrem que não a mãe, 
quando o ser nascente já fora encaixado com vida no espaço para tanto 
reservado na pelve feminina, o crime é de homicídio. Iniciado o trabalho de 
parto, vindo a ocorrer a morte do feto por culpa do Médico Assistente, não 
há como cogitar-se de aborto, ficando bem tipificado o crime de homicídio 
culposo” (RJDTACrim, 34/390). Todas essas noções servem para se ter uma 
 
62 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Habeas Corpus 228.998/MG. Habeas Corpus impetrado 
em substituição ao recurso previsto no ordenamento jurídico. 1. Não Cabimento. [...] 3. Homicídio culposo por 
inobservância de regra técnica. 4. Iniciado o trabalho de parto não há falar mais em aborto. [...]. Relator: Min. 
Marco Aurélio Bellizze, 23 de outubro de 2012. (Grifo nosso). Disponível em: 
https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201103075485&dt_publicacao=30/10/20
12. Acesso em: 07 jan. 2021. 
63 BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. Crimes Contra a Pessoa. v. 2. 17.ed. rev., 
amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 54. (Grifo nosso). 
64 HUNGRIA; FRAGOSO, 1979, p. 264 apud CAPEZ, F. Curso de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 
212). v. 2. 18. ed. atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 178. (Grifo do autor). 
24 
 
compreensão de que, dependendo do que for considerado o início do 
nascimento, poder-se-á estar diante ou do delito de aborto, ou infanticídio, se 
presente o privilégio, ou homicídio, se ausente o privilégio.65 
 
O parto tem início com a dilatação, instante em que se evidenciam as 
características das dores e da dilatação do colo do útero. Em seguida, passa-
se à expulsão, na qual o nascente é impelido para fora do útero. Finalmente, 
há a expulsão da placenta, e o parto está terminado. A morte do ofendido, 
em qualquer dessas fases, tipifica o crime de infanticídio.66 
 
De acordo com parte da doutrina médica, o parto passa por quatro fases: 1ª) 
período de dilatação: contrações do útero. Em alguns casos, inicia-se com a 
ruptura do saco amniótico. [...] Frise-se, porém, que parte da doutrina penal 
sustenta que o parto se inicia com a expulsão do feto.67 
 
Há ainda entendimento no sentido de que o começo do nascimento é marcado pelo 
início das contrações expulsivas.68 
Associado a esse cenário de controvérsias, está o fato de não haver norma penal não 
incriminadora de caráter explicativo sobre a questão do início do parto – além de não ter se 
identificada no ordenamento jurídico uma resposta definitiva para ela. 
Ora, evidente que nesse caso a preocupação com a clareza do tipo penal não é aquela 
relativa à dúvida de se estar ou não cometendo um crime: aqui, o ataque à vida humana, 
independente de ter ocorrido antes, durante ou depois do parto, implicará em um crime contra 
a vida. A questão nebulosa paira apenas sobre uma circunstância temporal prevista no tipo 
penal. 
Na perspectiva clínica e na embriológica, depreende-se que o início do parto se dá 
com a associação de dilatação do colo do útero com as contrações.69,70,71,72 
Curioso que a utilização de algumas das possibilidades previstas nos parágrafos 
acima permite dizer que o início do parto ocorre enquanto aquele que vai nascer ainda se 
encontra completamente dentro do útero da gestante, ou seja, já seria possível, mesmo com o 
 
65 CAPEZ, F. Curso de Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 18. ed. atual. São Paulo: Saraiva 
Educação, 2018. p. 69-70. (Grifo nosso). 
66 MASSON, C. Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São 
Paulo: Método, 2020. p. 71. (Grifo do autor). 
67 AZEVEDO, M. A.; SALIM, A. Direito Penal: Parte especial - Dos crimes contra a pessoa aos crimes contra a 
família. 9. ed. rev., atual. e amp. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p. 33. (Grifo do autor). 
68 PRADO, 2013, p. 62 apud CUNHA, R. S. Manual de Direito Penal: Parte Especial. (Arts. 121 ao 361). 12. 
ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 47. 
69 MOORE, K. L., PERSAUD, T. V. N., TORCHIA, M. G. Embriologia Básica. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 
2016. p. 79. 
70 GARCIA, S. M. L.; FERNÁNDEZ, C. G. Embriologia. 3.ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2012. p. 449-450. 
71 MOORE, K. L., PERSAUD, T. V. N. Embriologia Clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2004. p. 
146. 
72 ZUGAIB, M.; FRANCISCO, R. P. V. Zugaib Obstetrícia. 4. ed. São Paulo: Manole, 2020. p. 323. 
25 
 
nascente ainda totalmente intrauterino, o cometimento de infanticídio ou homicídio, conforme 
o caso. 
Como não há consenso quanto à escolha de um indicativo específico que deixe claro 
quando se inicia o parto, diante de tudo o que já foi exposto e buscando conciliação com o 
bem jurídico tutelado no aborto – a vida intrauterina –, propõe-se que, enquanto aquele que 
está prestes a nascer ainda estiver completamente dentro do útero, o crime seja de aborto. 
Assim, para fins penais, entende-se que estaria iniciado o parto a partir do momento em que 
qualquer parte do nascentese projete para fora do útero, e os crimes cabíveis seriam, então, o 
homicídio e o infanticídio, conforme o caso. 
Até agora, abordou-se o tema sob a perspectiva do parto conhecido por parto normal 
ou natural – momento do nascimento do bebê de forma natural, começando e terminado 
espontaneamente, com baixo risco, com ele de cabeça para baixo, ocorrendo normalmente 
entre as 37 e as 42 semanas de gestação73. A questão se tornaria muito mais tormentosa 
quando, por exemplo, a gestante ou o feto venham a apresentar alguma condição que implique 
a necessidade de realização de parto tipo cesariana em período distante do fim da gestação – 
no qual não há dilatação do útero, contrações, rompimento do saco amniótico ou qualquer um 
daqueles momentos candidatos ao posto de marcarem o início ao parto. Mencionam-se ainda 
casos raros em que o nascimento ocorre sem que haja rompimento da membrana amniótica74, 
dificultando ainda mais a temática. 
 
2.3 Aborto Legal ou Permitido 
 
Por decisão legislativa, o Art. 128 do CP prevê que não se pune o aborto quando 
praticado por médico: (a) se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto 
necessário); (b) se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da 
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (aborto no caso de gravidez resultante 
de estupro). 
Importante registrar já de início que, em uma leitura rápida do caput do supracitado 
artigo, em que consta a expressão ‘não se pune’, poderia haver o entendimento de que o fato é 
 
73 PEREIRA, E. Parto Normal. Saúde bem estar. Seção Clínica, Ginecologia e obstetrícia. Saudebemestar.pt. 
Disponível em: https://www.saudebemestar.pt/pt/clinica/ginecologia/parto-normal/. Acesso em: 23 dez. 2020. 
74 O surpreendente caso do bebê que nasceu em bolsa amniótica intacta. BBC News Brasil, 25 fevereiro 2015. 
Disponível em: 
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/02/150225_bebe_bolsa_amniotica_pai#:~:text=A%20bolsa%20
%C3%A9%20composta%20de,%2C%20segundo%20o%20Cedars%2DSinai. Acesso em: 24 ago. 2020. 
26 
 
típico, ilícito e culpável – na perspectiva tripartite –, mas não punível, ou seja, nesse caso 
específico haveria o crime de aborto, mas não haveria a punição ao médico que o houvesse 
praticado. Contudo, a natureza dessa previsão legal é de uma excludente de ilicitude75,76,77, 
pois se entende que o fato será típico, mas em razão de expressa previsão legal, aquela 
conduta não é tida por ilícita. 
No caso do aborto necessário, há duas vidas em questão – da própria gestante e a 
intrauterina, ambas, em princípio, invioláveis constitucionalmente nos termos do caput do 
artigo 5º da CF –, mas uma delas está em risco, a da gestante. Diante desse terrível conflito – 
em que seria irrazoável a aceitação da perda das duas vidas, quando uma delas pode ser salva, 
desde que não haja outro meio de se proceder –, a opção legislativa foi pela vida da gestante. 
Já o aborto no caso de gravidez resultante de estupro, o entendimento legislativo foi 
de que é aceitável que a mulher que sofra um estupro, não tenha condições psicológicas ou 
mesmo não queira chegar ao ponto de dar a luz a uma criança oriunda de um crime sexual tão 
brutal e hediondo. Assim, é comum o uso de adjetivos para esse tipo de aborto, como 
humanitário, ético, sentimental ou piedoso. Não há dúvidas de que deve haver consentimento 
da gestante. Sobre a prova do cometimento do crime: 
 
A prova do crime de estupro pode ser produzida por todos os meios em 
Direito admissíveis. É desnecessário autorização judicial, sentença 
condenatória ou mesmo processo criminal contra o autor do crime sexual. 
Essa restrição não consta do dispositivo, e, consequentemente, sua ausência 
não configura o crime de aborto. O médico deve procurar certificar-se da 
autenticidade da afirmação da paciente, quer mediante a existência de 
inquérito policial, ocorrência policial ou processo judicial, quer por 
quaisquer outros meios ou diligências pessoais que possa e deva realizar para 
certificar-se da veracidade da ocorrência de estupro. Acautelando-se sobre a 
veracidade da alegação, somente a gestante responderá criminalmente (art. 
124, 2ª figura) se for comprovada a falsidade da afirmação. A boa-fé do 
médico caracteriza erro de tipo, excluindo o dolo, e, por consequência, afasta 
a tipicidade.78 
 
Diante do cenário exposto e buscando garantir segurança jurídica efetiva aos 
profissionais de saúde envolvidos no procedimento de interrupção da gravidez nos casos de 
aborto humanitário ou piedoso, já que a lei penal não trata desses procedimentos, o Governo 
 
75 BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. Crimes Contra a Pessoa. v. 2. 17. ed. rev., 
amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 194. 
76 CUNHA, R. S. Manual de Direito Penal: Parte Especial. (Arts. 121 ao 361). 12. ed. rev., atual. e ampl. São 
Paulo: Saraiva, 2020. p. 114. 
77 MASSON, C. Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São 
Paulo: Método, 2020. p. 86. 
78 BITENCOURT, C. R. op. cit. p. 195. 
27 
 
Federal publicou a Portaria nº 2.561/2020, que dispõe sobre todo o procedimento de 
justificação e autorização da interrupção legal da gravidez, no âmbito do SUS. 
Diferentemente do que ocorre no aborto necessário, em princípio, não há no aborto 
sentimental um conflito que busca salvar uma das vidas em detrimento da outra. Consideradas 
as circunstâncias excepcionais do fato, a lei prioriza a integridade física e psicológica da 
gestante, sua escolha, dignidade, liberdade e autonomia, independentemente de ela carregar 
uma vida humana em perfeitas condições de seguir seu desenvolvimento. Porém, a 
manutenção da gravidez decorrente de um estupro também pode ser vista sob a perspectiva de 
que essa gestação implicaria em uma vida tão indigna para a gestante que, no fundo, haveria 
sim a colisão entre duas vidas, pois a vida sem dignidade para a CF é o mesmo que 
inexistência de vida humana.79 
 
 
 
79 MASSON, C. Direito Penal: Parte Especial (arts. 121 ao 212). v. 2. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São 
Paulo: Método, 2020. p. 87. 
28 
 
3 DECISÕES DO STF: HIPÓTESES EM QUE NÃO HÁ O CRIME DE ABORTO 
 
Apresentam-se as três principais decisões do STF relacionadas a hipóteses nas quais 
não restou configurado o crime de aborto. Os casos abordados apresentam uma vasta 
complexidade que vai além do escopo deste trabalho, de forma que os temas a serem 
abordados neste tópico se restringem à perspectiva da não ocorrência do crime de aborto e 
observarão uma estrutura sintética. 
 
3.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510 – Distrito Federal80 
 
Tratava essa ADI de pedido relativo à inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei 
Federal nº 11.105 (“Lei da Biossegurança”), de 24 de março de 2005, que permite a utilização 
– para fins de pesquisa e terapia – de células-tronco embrionárias obtidas de embriões 
humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, 
atendidas as condições legais. 
Alegava o requerente, o então Procurador-Geral da República, que o citado artigo 
ofendia a inviolabilidade do direito à vida, já que entendia ser o embrião humano uma vida 
humana e tal violação iria contra o fundamento maior do Estado democrático de direito – a 
dignidade da pessoa humana. Sustentou, principalmente, que a vida humana aconteceria na, e 
a partir da, fecundação, desenvolvendo-se continuamente de forma que a célula formada da 
união dos gametas masculino e feminino – o zigoto – já seria um ser humano e que nesse 
momento da fecundação se daria a gravidez da mulher. 
Acordaram os Ministros do STF, por maioria e nos termos do voto do Ministro Ayres 
Britto, relator, em julgar improcedente a ADI, afirmando que a pesquisa com células-troncoembrionárias para fins terapêuticos não viola o direito à vida e não caracteriza crime de 
aborto. Em apertada síntese, apresentam-se os principais fundamentos trazidos pelo STF na 
ação, no que aqui importa registrar: 
 
Inexistência de ofensas ao direito à vida e da dignidade da pessoa humana 
[...] O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o 
preciso instante em que ela começa. [...] O embrião pré-implantado é um 
 
80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510/DF. 
Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei de Biossegurança. [...] Constitucionalidade do uso de 
células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para fins terapêuticos. Descaracterização do aborto. [...] 
Improcedência total da ação. Relator: Min. Ayres Britto, 29 de maio de 2008. Disponível em: 
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723. Acesso em: 10 jun. 2020. 
29 
 
bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se 
refere a Constituição. [...] nem todo embrião humano desencadeia uma 
gestação igualmente humana, em se tratando de experimento "in vitro". 
Situação em que deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo menos 
enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do 
útero feminino. O modo de irromper em laboratório e permanecer confinado 
"in vitro" é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva. Isto sem 
prejuízo do reconhecimento de que o zigoto assim extra-corporalmente 
produzido e também extra-corporalmente cultivado e armazenado é entidade 
embrionária do ser humano. [...] A Lei de Biossegurança não veicula 
autorização para extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião. 
Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio, ou 
nele já fixado. Não se cuida de interromper gravidez humana, pois dela aqui 
não se pode cogitar. A "controvérsia constitucional em exame não guarda 
qualquer vinculação com o problema do aborto.” [...] Para que ao embrião 
"in vitro" fosse reconhecido o pleno direito à vida, necessário seria 
reconhecer a ele o direito a um útero. Proposição não autorizada pela 
Constituição. [...] Ação direta de inconstitucionalidade julgada totalmente 
improcedente.81 
 
Natural que o STF entendesse que não há crime de aborto associado à Lei de 
Biossegurança, já que o objeto jurídico tutelado nesse crime é a vida humana intrauterina até 
o início do parto e a técnica de fertilização in vitro, como o próprio nome já sugere, promove 
a fertilização e manutenção do embrião extra-corporalmente, em um recipiente no laboratório, 
inviabilizando a tipificação do crime. Registre-se que as questões relativas ao status e ao 
tratamento jurídico afeitos ao produto da técnica de fertilização in vitro fogem do escopo 
desse estudo. 
A questão sobre eventual perspectiva de estabelecimento de marco para o início da 
vida relativa a esse julgado será discutida em outro tópico deste trabalho. 
 
3.2 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 – Distrito Federal82 
 
Tratava essa ADPF, principalmente, de pedir a declaração de inconstitucionalidade 
da interpretação – dada aos artigos 124, 126 e 128 incisos I e II, do CP – que impede a 
 
81BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510/DF. 
Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei de Biossegurança. [...] Constitucionalidade do uso de 
células-tronco embrionárias em pesquisas científicas para fins terapêuticos. Descaracterização do aborto. [...] 
Improcedência total da ação. Relator: Min. Ayres Britto, 29 de maio de 2008. (Grifo nosso). Disponível em: 
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723. Acesso em: 10 jun. 2020. 
82BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 
54/DF. Estado – Laicidade. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. 
Considerações. Feto anencéfalo – Interrupção da gravidez – Mulher – Liberdade sexual e reprodutiva – Saúde – 
Dignidade – Autodeterminação – Direitos fundamentais – Crime – Inexistência. Mostra-se inconstitucional 
interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, 
incisos I e II, do Código Penal. Relator: Min. Marco Aurélio, 12 de maio de 2012. Disponível em: 
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334. Acesso em: 16 jun. 2020. 
30 
 
antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico, se diagnosticado 
por médico habilitado. Como consequência natural, deveria ser reconhecido o direito de a 
gestante, exclusivamente nesses casos, se submeter à referida antecipação do parto sem que se 
incorresse em crime de aborto e sem a necessidade de autorização prévia do Estado. 
De maneira geral, a principal discussão constante nos votos dos Ministros da Corte 
Suprema foi sobre a ausência ou não, em algum aspecto, de vida no feto anencéfalo e a 
ponderação entre os possíveis conflitos de direitos fundamentais. 
Por fim, acordaram os Ministros do STF, por maioria, em julgar procedente a ADPF, 
nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio, relator. Em apertada síntese, apresentam-se os 
principais fundamentos trazidos pelo referido Ministro, no que aqui importa registrar: 
 
[...] No caso, não há colisão real entre direitos fundamentais, apenas conflito 
aparente. [...] na verdade, a questão posta sob julgamento é única: saber se a 
tipificação penal da interrupção da gravidez de feto anencéfalo coaduna-se 
com a Constituição, notadamente com os preceitos que garantem o Estado 
laico, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da 
autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde. [...] a resposta é 
desenganadamente negativa. [...] O anencéfalo, tal qual o morto cerebral, 
não tem atividade cortical. [...] “O anencéfalo é um morto cerebral, que tem 
batimento cardíaco e respiração”. [...] “O feto anencéfalo, sem cérebro, não 
tem potencialidade de vida. Hoje, é consensual, no Brasil e no mundo, que a 
morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro, não tem 
vida” [...] o Conselho Federal de Medicina, mediante a Resolução nº 
1.752/2004, consignou serem os anencéfalos natimortos cerebrais. [...] não 
se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. O fato de respirar e ter 
batimento cardíaco não altera essa conclusão [...] não é dado invocar o 
direito à vida dos anencéfalos. Anencefalia e vida são termos antitéticos. [...] 
Por ser absolutamente inviável, o anencéfalo não tem a expectativa nem é ou 
será titular do direito à vida, motivo pelo qual aludi, [...] a um conflito 
apenas aparente entre direitos fundamentais. Em rigor, no outro lado da 
balança, em contraposição aos direitos da mulher, não se encontra o direito à 
vida ou à dignidade humana de quem está por vir, justamente porque não há 
ninguém por vir, não há viabilidade de vida [...]. Aborto é crime contra a 
vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe 
vida possível.[...] o feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque 
feito de células e tecidos vivos, é juridicamente morto, não gozando de 
proteção jurídica e, acrescento, principalmente de proteção jurídico-penal. 
Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura 
crime contra a vida – revela-se conduta atípica.[...] cumpre tomar de 
empréstimo o conceito jurídico de morte cerebral previsto na Lei nº 
9.434/97[72], para concluir ser de todo impróprio falar em direito à vida 
intrauterina ou extrauterina do anencéfalo, o qual é um natimorto 
cerebral.[...] Não se coaduna com o princípio da proporcionalidade proteger 
apenas um dos seres da relação, privilegiar aquele que, no caso da 
anencefalia, não temsequer expectativa de vida extrauterina, aniquilando, 
em contrapartida, os direitos da mulher, impingindo-lhe sacrifício 
desarrazoado. A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado 
31 
 
final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro aos princípios 
basilares do sistema constitucional [...].83 
 
A decisão da corte com base na perspectiva de que a anencefalia equivaleria à morte 
cerebral nos termos legais – uma antítese à vida –, permite a imediata conclusão de que o 
cometimento do crime de aborto se mostra impossível nesses casos, já que não há vida em 
questão a ser tutelada. A Lei 9.434/1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e 
partes do corpo humano para fins de transplante, foi comumente citada no julgado como uma 
fonte de fundamentação, pois, em seu artigo 3º, ela traz o diagnóstico de morte sob o aspecto 
jurídico, ao prever que a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano 
destinados a transplante ou tratamento deve ser precedida de diagnóstico de morte encefálica. 
Interessante perceber que a decisão do STF também considerou informações técnicas 
obtidas pelos Ministros nas audiências públicas, relativas ao tema em julgamento, realizadas 
com entidades religiosas, sociológicas e especialistas das áreas Medicina e Biologia. Nesse 
julgamento, ficou bastante claro que o Direito, em muitos casos, pode se valer dos saberes de 
outras áreas do conhecimento para promover entendimentos que levem, em última análise, à 
pacificação social. 
A questão sobre eventual perspectiva de estabelecimento de marco para o início da 
vida relativa a esse julgado será discutida em outro tópico deste trabalho. 
 
3.3 Habeas Corpus nº 124.306 – Rio de Janeiro84 
 
Tratava esse HC de requerimento de revogação da prisão preventiva para garantir 
que os pacientes pudessem responder em liberdade à ação penal. No caso, duas pessoas 
haviam sido presas por suposto cometimento dos seguintes crimes previstos no Código Penal: 
Associação Criminosa – artigo 288 – e aborto provocado com o consentimento da gestante – 
artigo 126 –, em concurso material. 
 
83 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 
54/DF. Estado – Laicidade. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. 
Considerações. Feto anencéfalo – Interrupção da gravidez – Mulher – Liberdade sexual e reprodutiva – Saúde – 
Dignidade – Autodeterminação – Direitos fundamentais – Crime – Inexistência. Mostra-se inconstitucional 
interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, 
incisos I e II, do Código Penal. Relator: Min. Marco Aurélio, 12 de maio de 2012. (Grifo nosso). Disponível em: 
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334. Acesso em: 16 jun. 2020. 
84 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 124.306/RJ. Direito Processual Penal. 
Habeas Corpus. Prisão Preventiva. Ausência dos requisitos para sua decretação. Inconstitucionalidade da 
incidência do tipo penal do aborto no caso de interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre. Ordem 
concedida de ofício [...]. Relator: Min. Marco Aurélio, 29 de novembro de 2016. Disponível em: 
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12580345. Acesso em: 16 jun. 2020. 
32 
 
Acordaram os ministros da primeira turma, nos termos do voto-vista do ministro Luís 
Roberto Barroso, que os fundamentos da concessão da ordem eram: (1) ausência de requisitos 
para legitimar a prisão cautelar e (2) necessidade de se realizar interpretação conforme a 
Constituição dos artigos 124 a 126 do Código Penal – crime de aborto, nos seguintes termos 
que aqui importam registrar: 
 
3. [...] é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios 
art. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para 
excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação 
efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola 
diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da 
proporcionalidade. [...] 4. A criminalização é incompatível com os seguintes 
direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não 
pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a 
autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas 
existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no 
seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da 
mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de 
gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. […] 6. A 
tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por 
motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação 
para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), [...]; 
(ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais 
eficazes e menos lesivos do que a criminalização, [...]; (iii) a medida é 
desproporcional em sentido estrito [...]85 
 
Percebe-se, num primeiro momento, que o entendimento da primeira Turma do STF 
estabelece um novo marco temporal, em julgado da Corte, para o início da proteção à vida 
intrauterina, de forma que apenas após o primeiro trimestre de gestação poder-se-ia falar em 
aborto. 
Ao se observar o voto-vista do Ministro Luís Roberto Barroso, que serviu de base 
para o acórdão, é possível verificar com mais detalhes a justificativa para o estabelecimento 
do limite temporal do primeiro trimestre de gravidez, conforme abaixo: 
 
12. [...] O bem jurídico protegido – vida potencial do feto – é evidentemente 
relevante. Porém, a criminalização do aborto antes de concluído o primeiro 
trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher [...] 22. 
[...] Porém, exista ou não vida a ser protegida, o que é fora de dúvida é que 
não há qualquer possibilidade de o embrião subsistir fora do útero materno 
 
85 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 124.306/RJ. Direito Processual Penal. 
Habeas Corpus. Prisão Preventiva. Ausência dos requisitos para sua decretação. Inconstitucionalidade da 
incidência do tipo penal do aborto no caso de interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre. Ordem 
concedida de ofício [...]. Relator: Min. Marco Aurélio, 29 de novembro de 2016. (Grifo nosso). Disponível em: 
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12580345. Acesso em: 16 jun. 2020. 
33 
 
nesta fase de sua formação. Ou seja: ele dependerá integralmente do corpo 
da mulher. [...] 23. [...] 1.1. Violação à autonomia da mulher [...] 1.2. 
Violação do direito à integridade física e psíquica [...] 1.3. Violação aos 
direitos sexuais e reprodutivos da mulher [...] 1.4. Violação à igualdade de 
gênero [...]1.5. Discriminação social e impacto desproporcional sobre 
mulheres pobres [...] 31. Em suma: [...], a criminalização da interrupção da 
gestação no primeiro trimestre vulnera o núcleo essencial de um conjunto de 
direitos fundamentais da mulher. Trata-se, portanto, de restrição que 
ultrapassa os limites constitucionalmente aceitáveis. [...] a questão do aborto 
até o terceiro mês de gravidez precisa ser revista à luz dos novos valores 
constitucionais trazidos pela Constituição de 1988, das transformações dos 
costumes e de uma perspectiva mais cosmopolita. [...] 45. [...] o peso 
concreto do direito à vida do nascituro varia de acordo com o estágio de seu 
desenvolvimento na gestação.O grau de proteção constitucional ao feto é, 
assim, ampliado na medida em que a gestação avança e que o feto adquire 
viabilidade extrauterina, adquirindo progressivamente maior peso concreto. 
[...] 47. [...] para que não se confira uma proteçãoinsuficiente nem aos 
direitos das mulheres, nem à vida do nascituro, é possível reconhecer a 
constitucionalidade da tipificação penal da cessação da gravidez que ocorre 
quando o feto já esteja mais desenvolvido. [...] De acordo com o regime 
adotado em diversos países, a interrupção voluntária da gestação não deve 
ser criminalizada, pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação. 
Durante esse período, o córtex cerebral – que permite que o feto desenvolva 
sentimentos e racionalidade – ainda não foi formado, nem há qualquer 
potencialidade de vida fora do útero materno. Por tudo isso é preciso conferir 
interpretação conforme a Constituição aos artigos 124 e 126 do Código 
Penal [...]86 
 
Ficou claro que, ainda que haja vida até o terceiro mês de gestação, há outros valores 
constitucionais fundamentais que prevaleceriam sobre ela nesse conflito, permitindo, assim, à 
gestante interromper a gestação nesse ínterim sem que isso implicasse no cometimento do 
crime de aborto. 
Além disso, pesou o fundamento da proteção conforme haja progressão da 
viabilidade extrauterina do feto e da ausência de formação do córtex cerebral. Este último 
talvez tenha amparo na Lei 9.434/97, numa interpretação a contrário senso da morte 
encefálica. 
Relevante, nesse ponto, a reflexão sobre o uso de compensações proporcionais como 
instrumento para solução de situações concretas relativas a conflitos de direitos fundamentais: 
 
 
86 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 124.306/RJ. Direito Processual Penal. 
Habeas Corpus. Prisão Preventiva. Ausência dos requisitos para sua decretação. Inconstitucionalidade da 
incidência do tipo penal do aborto no caso de interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre. Ordem 
concedida de ofício [...]. Relator: Min. Marco Aurélio, 29 de novembro de 2016. (Grifo nosso). Trecho do voto 
do Ministro Luís Roberto Barroso. Disponível em: 
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12580345. Acesso em: 16 jun. 2020. 
34 
 
Bens juridicamente relevantes podem contrapor-se à continuidade da 
gravidez. A solução cabível haverá de ser, contudo, a inexorável preservação 
da vida humana, ante a sua posição no ápice dos valores protegidos pela 
ordem constitucional. Veja-se que a ponderação do direito à vida com 
valores outros não pode jamais alcançar um equilíbrio entre eles, mediante 
compensações proporcionais. Isso porque, na compensação de valores 
contrapostos, se o fiel da balança apontar para o interesse que pretende 
superar a vida intrauterina, o resultado é a morte do ser contra quem se 
efetua a ponderação. Perde-se tudo de um lado da equação. Um equilíbrio 
entre interesses é impossível de ser obtido.87 
 
De qualquer forma, a decisão refletiu-se em novidade no âmbito do STF, seja quanto 
ao fundamento para justificar a inexistência do crime, seja pelo novo marco temporal 
estabelecido para que a vida intrauterina seja protegida. Porém, importante registrar que o 
efeito dessa decisão ficou restrito às partes do processo, porque se tratou do tema em sede de 
habeas corpus em julgado da primeira turma do STF. 
A questão sobre eventual perspectiva de estabelecimento de marco para o início da 
vida relativa a esse julgado será discutida em outro tópico deste trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
87 MENDES, G. F; BRANCO, P. G. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 
2020. p. 266. (Grifo nosso). 
35 
 
4 DIREITO À VIDA, INÍCIO DA VIDA HUMANA E O CRIME DE ABORTO 
 
A inviolabilidade do direito à vida é direito fundamental previsto no caput do artigo 
5º da CF88 e reforçado no caput de seus artigos 22789 e 23090. Dada a patente relevância desse 
direito e a sua proteção em âmbito penal, devem as autoridades agir ex oficio, pois ataca-se o 
bem jurídico mais importante do ser humano, que é a vida.91 
O avanço da sociedade em várias áreas do saber humano e as modificações sociais e 
culturais que nela ocorrem naturalmente com o tempo acabam impactando necessariamente o 
Direito, seja na elaboração, modificação ou interpretação das leis - lato sensu. Partindo do 
fato de a CF concentrar os mais importantes valores da sociedade brasileira, os bens tutelados 
no campo do Direito Penal devem, então, estar em perfeita harmonia com os preceitos 
constitucionais. Sabe-se que compete ao Estado o dever de produzir e de fazer cumprir suas 
normas, mas também o de derrogar preceitos penais ou mesmo o de restringir o alcance das 
figuras delitivas, atividade que cabe preponderantemente ao STF, por meio da declaração de 
inconstitucionalidade de normas penais.92 Isso se mostrou muito evidente nas recentes 
decisões do STF em relação à tipificação do crime em estudo, conforme já analisado. 
É certo que o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, base para a 
existência de todos os demais direitos. Sobre o tema: 
 
O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não 
faria sentido declarar qualquer outro se antes, não fosse assegurado o próprio 
direito de estar vivo para usufruir-lo. O seu peso abstrato, inerente a sua 
capital relevância, é superior a todo outro interesse. [...] Proclamar o direito à 
vida responde a uma exigência que é prévia ao ordenamento jurídico, 
inspirando-o e justificando-o. Trata-se de um valor supremo na ordem 
constitucional, que oriente, informa e dá sentido último a todos os demais 
direitos fundamentais. [...] Se todo o ser humano singulariza-se por uma 
dignidade intrínseca e indisponível, a todo ser humano deve ser reconhecida 
 
88 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos 
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à 
propriedade, nos termos seguintes: 
89 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com 
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, 
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda 
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade eopressão. (Redação dada Pela Emenda 
Constitucional nº 65, de 2010) 
90 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua 
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. 
91 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. Crimes Contra a Pessoa. v. 2. 17. 
ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 209. 
92 CUNHA, R. S. Manual de Direito Penal: Parte Geral (Arts. 1° ao 120). 8. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: 
Juspodivm, 2020. p. 37-38. 
36 
 
a titularidade do direito mais elementar de expressão dessa dignidade única – 
o direito de existir. [...] Onde, pois, houver um ser humano, há aí o indivíduo 
com o direito de viver, mesmo que o ordenamento jurídico não se dê ao 
trabalho de proclamar explicitamente.93 
 
Contudo, a própria CF, de forma expressa94, apresenta uma hipótese em que o Estado 
está autorizado a excepcionar esse direito, além de a legislação infraconstitucional também 
prever sua relativização, por exemplo, nas excludentes de ilicitude. 
Verifica-se também que é pacífico que os direitos fundamentais venham a sofrer 
limitações ao se confrontarem com outros valores de ordem constitucional, inclusive outros 
direitos fundamentais – a CF mostra que essas limitações podem até estar expressas no texto, 
como o direito à vida, que tem limitações explícitas.95 
 
4.1 Início da proteção à vida 
 
Embora a CF faça expressa previsão do direito à vida como um direito fundamental, 
ela não informa

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