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MilfacesGaia-Medeiros-2021

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Andrezza Lima de Medeiros 
 
UFRN 
 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS 
 
 
 
ANDREZZA LIMA DE MEDEIROS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 AS MIL FACES DE GAIA 
 
Ensaios sobre ciência, espiritualidade e ecologia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL-RN 
2021 
 
 
 
 
ANDREZZA LIMA DE MEDEIROS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AS MIL FACES DE GAIA 
 
Ensaios sobre ciência, espiritualidade e ecologia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais da Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito 
parcial para obtenção do título de doutora em Ciências 
sociais. 
 
Orientador: Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL-RN 
2021 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências 
Humanas, Letras e Artes - CCHLA 
 
Medeiros, Andrezza Lima de. 
 As mil faces de Gaia ensaios sobre ciência, espiritualidade e Ecologia / Andrezza Lima de Medeiros. - Natal, 
2021. 
 166f. : il. color. 
 
 Orientador: Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Junior. 
 
 Tese (doutorado) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Ciências 
Sociais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2021. 
 
 1. Ciência - Tese. 2. Cuidado de si - Tese. 3. Espiritualidade - Tese. 4. Ecologia - Tese. 5. Gaia - Tese. I. 
Lopes Júnior, Orivaldo Pimentel. II. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 316.7 
 
 
 Ficha Catalográfica elaborada por Heverton Thiago Luiz da Silva – CRB 15/710. 
 
 
 
 
 
 
ANDREZZA LIMA DE MEDEIROS 
 
 
 
AS MIL FACES DE GAIA 
 
Ensaios sobre ciência, espiritualidade e ecologia 
 
 
 
 
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais da Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito 
parcial para obtenção do título de doutora em Ciências 
sociais. 
 
 
Aprovada em: ____/____/______ 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
______________________________________________________________________ 
Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior – UFRN 
Presidente 
 
 
 
______________________________________________________________________ 
Profa. Dra. Josineide Silveira de Oliveira – UERN 
Membro Titular Externo 
 
______________________________________________________________________ 
Prof. Dr. José Gledson Nogueira Moura 
Membro Titular Externo 
 
 
______________________________________________________________________ 
Profa. Dra. Janaína Alexandra Capistrano da Costa – UFT 
Membro Titular Interno 
 
 
______________________________________________________________________ 
Prof. Dr. Fagner Torres de França - UFRN 
Membro Titular Interno 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para minha mãe. 
 
 
 
 
 AGRADECIMENTOS 
 
 
 
Por compartilharem essa experiência comigo, agradeço: 
 
 
Ao professor Orivaldo Lopes pela orientação atenta e perspicaz. Por ter apostado em mim e 
me fortalecido nessa trajetória de pesquisa ao longo dos anos. Por me ensinar vários conceitos 
e noções fundamentais para a vida, para o intelecto, para o espírito. Por fazer parte da minha 
caminhada acadêmica, desde a graduação, sempre com paciência e assertividade. Pela 
amizade, afeto e parceria no pensamento e na ação. Nada disso será esquecido. Meu enorme 
carinho e admiração. 
 
A Rodrigo Semente por ser parceiro de vida e intelecto. Por sua tranquilidade e criatividade 
latentes que norteiam a construção de um nós. Obrigada por ser o melhor companheiro no 
barco da vida desde viagens inesquecíveis até discussões sociológicas cirúrgicas. Por ter se 
tornado meu cúmplice no mundo das ideias, por ser o primeiro a ouvir sobre como pensei 
Gaia e sobre o cuidado de si desde suas fases embrionárias. Gratidão pela paciência, 
compreensão e afeto em tempos de importantes mudanças, e por fazer parte da concretização 
dos meus sonhos. 
 
A professora Maria Lúcia Bastos-Alves que despertou em mim o interesse pela pesquisa 
acadêmica desde a graduação, aguçou minha curiosidade e mostrou alternativas para enxergar 
o mundo e suas mudanças. Obrigada pelo apoio em tempos de fragilidade e transição, e por 
ter apostado em mim. Pela força e amparo que me fizeram persistir e acreditar, meu mais 
sincero agradecimento. 
 
Aos amigos de graduação Raimundo Rodrigues, Aline Lisboa, Grazieli, Palília Nunes, Mariza 
Cavalcanti, Joyce Sueli, Adriana Araújo e a todos que tornaram mais leve e divertido aquele 
início de trajetória acadêmica. Pelo misto de alegria e seriedade que nos ajudava a estudar e a 
engatinhar nos primeiros passos do pensamento sociológico. Por serem parte da alteração no 
olhar e da construção de novas rotas no formigueiro do conhecimento. 
 
Ao professor Alex Galeno por transmitir rigor e intelecto sempre da maneira mais natural 
possível. Que mesmo com sua eloquência se faz pequeno na doação que é a arte de ensinar. 
 
 
Obrigada pelo exemplo de humildade, direcionamento e pelas doses de ânimo em momentos 
decisivos. Pela parceria e apoio, de perto ou de longe, minha eterna gratidão. 
 
Aos amigos que fiz durante o mestrado, Thiago Lucena, Bruno Gomes, Antonino Condorelli, 
Alecrides Sena, David Soares, Ana Tázia, Fagner França, Ivone Priscilla por compartilharem 
experiência, conhecimento, cumplicidade, vida. Por tecerem laços de amizade de maneira tão 
singular e perene, ao mesmo tempo. Sempre guardarei no baú da memória nossas boas 
conversas cheias de leveza e humor. 
 
A Ceiça Almeida por plantar em mim as interrogações científicas ainda no começo do 
mestrado. Por conciliar em seu espírito o afeto e o rigor, a revolução e a tranquilidade, a 
simplicidade e a sofisticação. Por mostrar a complexidade por meio da metamorfose da vida. 
Por reacender em mim, a vontade de retomar a etapa acadêmica do doutorado. Pelas aulas 
impregnadas de razão e paixão, sempre arrojadas. Pela energia que transmite e pelo 
acolhimento afetivo da escuta. Por deixar claro que devemos participar da mudança do mundo 
a partir de nós mesmos. Retribuo com grande carinho. 
 
Aos amigos que caminharam junto comigo em algum momento ao longo do doutorado, 
Gledson Moura, Ana Judite, Louize Gabriela, Mônica Reis, Maria Rita, Larissa Nunes, Lucas 
Fortunato, Tarcísio Dunga, Marcos Mariano e todos aqueles que repartiram conhecimento e 
angústias, esperança e preocupações. Iniciamos o doutorado em um período de grande 
velocidade de mudança. Assistimos ao golpe, ao impeachment de Dilma, a prisão de Lula, a 
aleição de Bolsonaro, a pandemia. Entre susto e revolta resistimos. Nos fortalecemos para 
seguir na luta. 
 
Ao Professor Willington Germano que com sua temperança e inteligência conduz à buscar 
refazer rotas no ensino-aprendizagem da vida. Que inspira pelo simples brilho no olhar e 
emoção de sua fala seja sobre o assunto mais corriqueiro ou mais sofisticado. Por emanar luz 
e generosidade, em um território por vezes árido, como pode ser o ambiente acadêmico. Meu 
reconhecimento por sua contribuição expressiva em minha existência. 
 
Aos amigos co-orientandos do professor Orivaldo, denominados Tetraedro, Clécio Santos, 
Laísa Feitosa, Dannyel Rezende, Paulo Dourian, Patrícia Gomes, Diego Castro, Anderson 
Tavares por serem suporte e esteio em momentos de luta e de conquista. Por compartilharem 
 
 
as incertezas desde a elaboração de artigos até a emissão de propostas para eventos 
internacionais. Com vocês aprendi muito do queexpresso nesta tese. 
 
À professora Josineide Silveira por sempre estar presente seja numa disciplina lecionada, na 
banca de mestrado ou agora na defesa da tese. Por nos brindar, constantemente, com sua 
sabedoria, espontaneidade e leveza acerca de ideias oxigenadas. 
 
Ao PPGCS/UFRN pelo apoio e incentivo, expressos na cordialidade, competência e agilidade 
de seus secretários Otânio Revoredo e Nicholas de Oliveira. 
 
Ao Grupo de Estudos Mythos-Logos: imaginário e parcerias do conhecimento (UFRN), e 
àqueles que o fazem na figura dos professores Orivaldo Lopes e Ana Laudelina, Isabel 
Cristine, Ozaias Batista, Raimundo Paulino, Janaína Capistrano, Cícera, Valtenci, Ana Paula 
Felizardo, Francisco Rocha por promoverem um espaço de reflexão, discussão e alegria. Por 
serem resistência em tempos de descrença à Ciência e ao pensamento crítico. 
 
Ao Grupo de Estudos da Complexidade – GRECOM, ao qual sempre me senti vinculada, 
mesmo sem ser assídua. A energia de vocês, certamente, ressoou em mim e está nesta 
produção. 
 
Aos funcionários de apoio técnico do Setor II. 
 
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio 
financeiro. 
 
Às amigas de escola que herdei para a vida, Ana Luíse, Juliana Patrícia, Fernanda Caldas, 
Isabel Helena, Juliana Cordeiro, Renata Viviane, Sara Priscilla, Amanda Furtado, Sylvia 
Furtado, Débora Bolonhini, Fernanda sobral, Rafaela Marinho, Amanda Lucas que na 
parede da memória ocupam os quadros mais coloridos e felizes. A amizade é mesmo uma 
união de almas. 
 
À Casa de Caridade Caminho da Luz, na figura de seus dirigentes Paulo Sérgio do Carmo e 
Hiram Saldanha e de todos os trabalhadores espirituais e materiais, que há 8 anos me 
acolheu e me orientou no caminho de cuidado e autoconhecimento. Onde tive as primeiras 
 
 
experiências conscientes de que o cultivo de um cuidado e zelo por mim geram uma 
transformação na alma, e se estende ao outro, ao mundo. 
 
Às amigas que são um pouco irmãs que a vida trouxe de presente, Carliany Baker, Nan Qi, 
Isabela Santos, Josilene Lopes, Camila Lemos, Andreza Soares, Núbia Pires, Gabriela Pires, 
Rebeca Pires cada uma a seu modo, e, em épocas diferentes, dividiram, somaram e 
multiplicaram alegrias, sintonia, amizade. Entre risos e lágrimas forjamos nossa cumplicidade 
e nos fortalecemos. 
 
Ao grupo de Reikianos do qual faço parte composto por Weider, Elias, Chrystina, Aparecida, 
Juscimar Gregório, Celli, Tallison e nosso mestre Padre Magno que refletem a grandeza da 
alma a cada partilha e escuta sensível. Por colocarem em fluxo as forças do amor e da doação. 
 
Aos ex-alunos e orientandos da Faculdade Dom Heitor Sales (FAHS), com vocês aprendi 
infinitamente mais do que ensinei. Vocês me nutriram de pedagogia e criatividade; de vontade 
e coragem para expor ideias e estimular a investigação. Certamente, fazem parte da minha 
história. 
 
Aos amigos que já foram alunos, hoje padres e/ou professores, Pe. Juscimar Gregório, Pe. 
Jarbas Batista, Jaqueline Lourenço, Pe. Adriano Antônio, Pe. Clebison Faustino, Pe. Jarbson 
Batista, Pe. Sérgio Alexandre pelos diálogos, trocas e afeto verdadeiro. Obrigada por serem 
sempre presentes! 
 
A família Lima, através da matriarca, dona Creuza Valentim de Lima, que por sua resignação e 
resiliência tornou-se o alicerce de todos os descendentes. Com sua doçura e sabedoria 
alimenta nosso espírito e aconselha com sua lucidez ativa aos 84 anos de idade. Com ela 
aprendemos os valores mais humanos e dignos. Que sua vitalidade permaneça por muito 
tempo. 
 
A família Medeiros, na figura do patriarca Severino Luiz de Medeiros, que transmitiu aos 
descendentes caráter e disciplina que só um agricultor poderia ensinar. Com ele aprendemos 
os sinais da natureza, quando o tempo ia mudar e o vento soprava diferente ou quando as 
formigas trabalhavam mais intensamente anunciando uma chuva. Entre humildade e 
resistência o seu legado se firma no dia-a-dia de nossa existência. 
 
 
Aos meus queridos irmãos Kleber Lima e Andréa Lima com quem pude compartilhar os 
primeiros sentimentos de amizade e aprender a dividir. Obrigada por serem companheiros de 
aventuras nos filmes e séries que assistíamos; e por saberem calar diante das oscilações da 
vida, sempre amorosamente. O que a fraternidade semeia é a parceria e o apoio para toda a 
vida. 
 
Aos meus amados pais Josefa Lima de Medeiros (in memorian) e José Florivaldo de 
Medeiros que me ensinaram as mais valiosas lições de amor e generosidade por meio da 
humildade e do exemplo. Em quem pude espelhar-me para forjar uma conduta guiada pela 
compaixão, altruísmo e respeito – princípios fundamentais para qualquer ser humano e 
professor. É uma enorme honra e felicidade ter crescido em seu lar. Agradeço por acreditarem 
em mim! 
 
A todos que passaram por minha vida deixando um pouco de si e levando de mim uma parte, 
minha mais sincera gratidão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A investigação exige muita estratégia, invenção, 
e se quer ser ciência, também deve ser arte. 
 (Edgar Morin) 
 
 
Não podemos esperar construir um mundo 
melhor sem melhorar os indivíduos. 
(Marie Curie) 
 
 
Sim, tenho uma esperança demencial, ligada, paradoxalmente, à 
nossa pobreza existencial e ao desejo, que descubro em muitos 
olhares, de que algo grande nos consagre a cuidar com empenho da 
terra que vivemos. 
(Ernesto Sábato) 
 
 
RESUMO 
 
Os ensaios que compõem essa tese se dedicam à reflexão de questões imanentes à 
responsabilidade ético-política que cada um de nós deve cultivar. O que vemos na sociedade 
contemporânea é uma crescente destruição da Natureza, seja em nome do capital, do acúmulo 
e/ou da tecnologia. Mas, o que o humano não se dá conta é que ao instalar o caos, ele 
movimenta a força de Gaia (LATOUR, 2020), desencadeia crises irreversíveis no planeta, 
além de rupturas epistemológicas que nublam sua capacidade de refletir e dialogar com os 
regimes de enunciação (LATOUR, 2012) expressos na ciência, espiritualidade e ecologia. A 
disjunção entre eles e entre a dimensão da natureza e cultura – que não mais podem operar – 
gesta múltiplas tensões que se instauram impedindo o sujeito de uma livre possibilidade de 
existir. As parcerias do conhecimento (LOPES JÚNIOR, 2019) que norteiam nosso caminho 
nesta pesquisa são a noção de uma ciência sem dogmas (SHELDRAKE, 2015), que possa 
transitar pelo espaço da incerteza e que possa se expressar na voz ativa por ser consciente de 
que os sujeitos que a praticam estão envolvidos com suas descobertas, ao mesmo tempo em 
que seja mais humana por se permitir sentir. Outra parceria se deu com a noção de teia da 
vida (CAPRA, 1997) porque estamos implicados em uma mesma rede, somos vinculados e 
devemos aprender a cultivar o cuidado de si (FOUCAULT, 2010), nos voltar reflexivamente 
sobre nós mesmos constantemente, para desenvolver uma maneira melhor de interagir com o 
mundo. Logo, partimos da ideia de que esse sujeito que age em sintonia com o cuidado de si, 
aliado a noção de espiritualidade – entendida como a consciência do sujeito de seu 
pertencimento, constituída como vínculo, com a ciência, a política, a educação, a ecologia – é 
alguém que ilustra o significado de ser alfabetizado ecologicamente. 
 
Palavras-chave: Ciência. Cuidado de si. Espiritualidade. Ecologia. Gaia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
THE THOUSAND FACES OF GAIA 
Essays about science, spirituality and ecology 
 
Abstract: The essays that make up this thesis are dedicated to the reflection of issues 
immanent to the ethical-political responsibility that each of us must cultivate. What we see in 
contemporary society is a growing destruction of nature, whether in the name of capital, 
accumulation and / or technology. But, what the human does not realize is that by installingchaos, he moves the force of Gaia (LATOUR, 2020), unleashes irreversible crises on the 
planet, in addition to epistemological ruptures that cloud his ability to reflect and dialogue 
with the regimes enunciation (LATOUR, 2012) expressed in science, spirituality and ecology. 
The disjunction between them and between the dimension of nature and culture – which they 
can no longer operate – creates multiple tensions that are installed, preventing the subject 
from a free possibility of existing. The knowledge partnerships (LOPES JÚNIOR, 2019) that 
guide our path in this research are the notion of a science without dogmas (SHELDRAKE, 
2015), which can move through the space of uncertainty and which can express itself in the 
active voice for being aware that the subjects who practice it are involved with his 
discoveries, while being more human for allowing himself to feel. Another partnership took 
place with deep ecology (CAPRA, 1997) because we are involved in the same web, we are 
linked and we must learn to cultivate self-care (FOUCAULT, 2010), to reflect reflexively on 
ourselves constantly, and then to act on the world. Therefore, we start from the idea that this 
subject who acts in harmony with self-care, combined with the notion of spirituality - 
understood as the subject's awareness of his belonging, constituted as a link, with science, 
politics, education, ecology - is someone who illustrates the meaning of being ecologically 
literate. 
 
Keywords: Science. Care of the self. Spirituality. Ecology. Gaia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMEN 
 
Los ensayos que componen esta tesis están dedicados a la reflexión de cuestiones inmanentes 
a la responsabilidad ético-política que cada uno de nosotros debe cultivar. Lo que vemos en la 
sociedad contemporánea es una creciente destrucción de la Naturaleza, ya sea en nombre del 
capital, la acumulación y/o la tecnología. Pero, lo que el humano no se da cuenta es que al 
instalar el caos, mueve la fuerza de Gaia (LATOUR, 2020), desata crisis irreversibles en el 
planeta, además de rupturas epistemológicas que nublan su capacidad de reflexión y diálogo 
con la enunciación de los regímenes. (LATOUR, 2012) expresado en ciencia, espiritualidad y 
ecología. La disyunción entre ellos y entre la dimensión de naturaleza y cultura – que ya no 
pueden operar – genera múltiples tensiones que se instalan impidiendo al sujeto una libre 
posibilidad de existir. Las alianzas de conocimiento (LOPES JÚNIOR, 2019) que guían 
nuestro camino en esta investigación son la noción de una ciencia sin dogmas 
(SHELDRAKE, 2015), que puede moverse por el espacio de la incertidumbre y que puede 
expresarse en la voz activa de la conciencia que los sujetos que lo practican se involucran con 
sus descubrimientos, siendo más humanos porque se permiten sentir. Otra alianza se dio con 
la noción de la red de la vida (CAPRA, 1997) porque estamos involucrados en la misma red, 
estamos vinculados y debemos aprender a cultivar el cuidarse uno mismo (FOUCAULT, 
2010), a reflexionar reflexivamente sobre nosotros mismos constantemente, para desarrollar 
una mejor forma de interactuar con el mundo. Por tanto, partimos de la idea de que este sujeto 
que actúa en armonía con el autocuidado, combinado con la noción de espiritualidad – 
entendida como la conciencia del sujeto de su pertenencia, constituida como vínculo, con la 
ciencia, la política, la educaciòn, la ecología – es alguien que ilustra el significado de ser 
ecológicamente alfabetizado. 
 
Palabras clave: Ciencia. Cuidarse uno mismo. Espiritualidad. Ecología. Gaia. 
 
 
SUMÁRIO 
DO COSMOS ÀS PARCERIAS 13 
 
UMA HUMANA CIÊNCIA 23 
Alquimia de saberes 24 
Entre luzes e metamorfoses 28 
Espiritualidade e ética 32 
Uma ciência que dança 42 
O cientista como poeta 48 
 
A ESPIRITUALIDADE COMO CUIDADO DE SI 54 
Epiméleia heautoû, o cuidado de si mesmo 56 
O cuidado necessário 61 
A vida como obra de arte 68 
A alma e o todo 76 
Ecologia e cuidado 84 
 
EDUCAÇÃO DA ALMA 93 
Vita ativa e Homo sacer 94 
Autonomia e subjetividade 101 
Estimular a Percepção, fazer a Resistência 107 
Espiritualidade Ecológica 114 
 
GAIA: UMA POTÊNCIA SUSCETÍVEL 122 
A linguagem de Gaia 124 
Entre fluxos e criatividade 129 
A Cenografia de Gaia 135 
“Onde há humano, há influência humana” 141 
 
O FUTURO ESTÁ ABERTO… 149 
 
REFERÊNCIAS 154 
 
ANEXO 1 159 
 
ANEXO 2 164 
13 
 
DO COSMOS ÀS PARCERIAS 
 
Olhando o céu nos deparamos com uma dimensão do cosmos. Seja uma noite estrelada 
que inspira ou uma chuva de meteoros que nos cala. Seja a água que cai limpando e 
harmonizando. Ou trovões que inquetam e afligem. Às vezes nos oferece apenas a brisa 
suave, não a inspiração que queremos. Às vezes é só céu para quem não sabe ver. 
Aguardamos pela estrela cadente para fazer o pedido sufocado n’alma, ela não vem. O céu 
representa a nós mesmos. Nunca estável. Sempre em metamorfose. 
A metamorfose é uma palavra com grande significado na minha vida. O caminho 
traçado por mim, nessa existência, me fez ver o mundo com diferentes olhares: o científico 
que aprendi ao longo da trajetória acadêmica, o espiritualista que aprendi através do reiki e da 
yoga, o religioso que ganhou espaço em um momento de luto através do espiritismo, o da 
educação como professora e aluna que me estimulam a sempre buscar novas respostas e 
perguntas. O entrelaçamento desses aspectos me fizeram ver a vida pela lente da 
espiritualidade e, ainda, atentar para a capacidade ou necessidade de sentir que se torna ainda 
mais relevante em tempos de incertezas. A temática, assim como as associações que busco 
traçar nessa tese, adquirem um tom ensaístico. Pois, enquanto a escrevo acontece a peste que 
mudou para sempre nossos modos de existência. 
Ensaio porque as ideias ainda estão em formação, em encadeamento. Enquanto escrevo 
tudo se transmuta, metamorfoseia, se altera, muda. Sabemos, conscientemente, que vivemos 
num mundo mutável. Essa noção nos acompanha desde a infância através de nossa face 
refletida no espelho. Vemos os anos passarem, muitas vezes não em traços e rugas, e sim na 
paisagem do dia-a-dia, no entorno de nossa casa, na vitalidade (ou falta dela) nos animais de 
estimação, nos amigos que se afastam e retornam, e nos que não mais estão aqui. 
Ensaio porque esboço algo que ainda não está concluído, acabado, terminado. Ensaio 
porque a imaginação é terreno fértil que permite refletir, criar, inventar. O esboço não é uma 
imagem definida, clara ou precisa. Ele é, antes, o oposto disso. É na imprecisão de palavras 
ensaiadas que é possível propor novas interpretações para assuntos já discutidos, para 
conflitos, aparentemente, sem saída, para lutas que inquietam o espírito. 
Podemos fazer diferente. Inventar novas rotas por meio da arte, espiritualidade e poesia, 
pois elas podem ser vistas como mecanismos de preservação das tradições. Podemos ver Deus 
na natureza e podemos cuidar dela, sem menosprezar o cuidado conosco. Quando sabemos 
14 
 
que somos feitos da mesma partícula das águas dos mares, da terra do deserto, do pó das 
estrelas nossa compreensão de cuidado supõe amplitude. 
Ao juntar os domínios da filosofia, da espiritualidade e da ciência é possível dialogar 
com diferentes vozes que se religam nos fazendo olhar para trás, para aprender – ou 
reaprender – com os mitos, para perceber que tudo está interligado numa grande ecologia 
cultural. Aprender a conviver com as diferenças requer o desafio de criar saídas e estratégias, 
se enxergar como parte integrante de uma teia de relações que comporta o humano e o não 
humano e suas criações. 
É o elemento da coragem que reabre outros caminhos. Faz restituir a sofisticação do 
pensamento, sabendo que o foco é a realidade – entendida como o acordo de existência das 
coisas. Não esquecendo que a criatividade está na natureza, na memória, nosmitos. Nós, 
humanos, podemos pressentir o espírito do tempo por meio das palavras. Atuamos apenas 
como instrumentos; força impulsionadora. 
As forças criativas são o conjunto da realidade. Essas forças estão dentro do dogma da 
ciência. São, simultaneamente, vivência e conexão biológica. Se traduzem como 
oportunidade, possibilidade, ordenação. As forças criativas estão na ordem do biológico. A 
realidade é objetiva e subjetiva. Nós, oscilamos entre razão e afetividade. 
Foi pensando nessas ideias que escolhi Gaia para nomear esta tese. Por ser difícil de 
definir e tão incerta quanto o momento que vivemos, com mudanças cada vez mais intensas e 
constantes, que sua pertinência se torna ativa em territórios diversos. Seja na política, na arte, 
na ciência ou na espiritualidade vemos um pouco da face de Gaia. Mas o pouco que ela 
revela, se traduz em instabilidade e incerteza, para nós, que habitamos seu interior. Gaia foi o 
último conceito somado a este trabalho, porém chegou para arrematar as parcerias do 
conhecimento e auxiliar compreensões importantes para a intenção geral que temos aqui. 
Portanto, Gaia não só intitula a pesquisa, como também lhe dá vida. Explicaremos, 
brevemente, a seguir, seu fundamento mitológico. Evidentemente, esta não é a concepção que 
norteia o modo como a vemos ao longo dos capítulos, mostra antes a origem de seu nome. 
Na mitologia, Gaia, Gé, Terra, não é necessariamente uma deusa, é uma força que veio 
antes mesmo dos deuses. Marcel Détienne (apud LATOUR, 2020, p. 136) coloca a Terra 
como um “grande poder do começo” que não deixa de ser prolífica, perigosa, precavida, a 
antiga Gaia vem através de extensas efusões de sangue, vapor e terror. 
15 
 
Na verdade, nos primeiros tempos nasceu Caos, o Abismo-Enorme – e em 
seguida Gaia, a Terra com largos flancos –, universal morada para sempre 
estável dos imortais senhores dos picos do Olimpo nevado […] e Eros, 
aquele que é o mais belo dos deuses […]. Quanto à Terra, em primeiro lugar, 
ela fez nascer, igual a si mesma (ele tinha que ser capaz de escondê-la, 
envolvê-la inteiramente), Urano, o Céu estrelado […]. Ela pariu Teia, a 
Divina, Reia, Têmis, a Justa medida, Mnemosine, a Memória, Febo, a 
Luminosa, toda coroada de ouro, e Tétis, que inspira amor. E, depois deles, 
um bom caçula, Cronos, com ideias distorcidas, o mais terrível dos filhos – 
ele sentiu ódio por seu vigoroso pai. (DÉTIENNE apud LATOUR, 2020, 
p. 137) 
 
A essência da Gaia mitológica pode ser compreendida a partir de seus atributos, que 
assim como o que ela faz, manifestam multiplicidade, contraditoriedade, confusão. Ela, 
certamente, não é uma figura que inspira harmonia; passa longe de ser maternal. A questão 
maior é que Gaia tem mil nomes. E os rituais que ela inspirava tinham sempre um traço forte 
de horror. Hesíodo, poeta grego da Antiguidade, em sua obra Teogonia, narra como ela 
inventou uma estratégia para se desfazer do marido, Urano; chegando a criar o aço de metal 
branco que os filhos, manipulados por ela, usaram para torturar o pai. A maioria deles titubeia 
e o único que cumpre a missão é o caçula, Cronos. 
Na história contada por Hesíodo, Gaia possui habilidades que vão desde o terror até 
uma boa conselheira. Ela é astuta o suficiente para jamais cometer crimes hediondos, ao invés 
disso, inspira os outros a cometer vingança em seu lugar. Ao ponto de levar seus familiares 
em batalhas abomináveis, oferecendo-lhes conselhos maternais e proféticos, direcionados aos 
mesmos deuses contra os quais conspirou – Urano, Cronos, Zeus –, e isso a faz não ter 
sucesso nos conflitos. A Terra tem facilidade para se expressar, sempre faz previsões, 
prevenções, confabula os desígnios que orientam o rumo dos fatos de modo definitivo. 
Descrita como uma potência, com pele negra e sombria, Gaia não satisfeita em 
estimular Cronos a cortar com uma lança de aço as genitais de Urano, alia-se a filha Teia para 
incitar Zeus a derrotar o pai. Não obstante, usa sua astúcia para convencer seu filho mais 
novo, Tufão, para destruir o império de seu filho Zeus. Quem sai vitorioso é este último, mas 
a ira de Tufão afeta os humanos que passam a ser vítimas de ventos, tempestades e de 
ciclones. Na perspectiva dos deuses olímpicos, Gaia é sinônimo de violência, gênese e 
astúcia, invariavelmente antecedente e contraditória. É ligada à duplicidade. 
Foi Gaia quem concebeu o subterfúgio da pedra enrolada no lugar do último 
filho, escondido no fundo de uma caverna em Creta, esperando que ele se 
tornasse Zeus. Em toda essa “arqueologia” do mundo divino, Gaia 
demonstrou capacidade de saber o que vai advir: ela aprecia o presente em 
função do futuro que o habita, prefigurando assim os bons conselhos e a 
16 
 
prudência precavida que caracterizará a ação de Têmis, em vários momentos 
da carreira de Zeus e, em particular, quando Terra, desta vez exigente, 
voltará a reclamar da proliferação da espécie humana e de sua crescente 
impiedade em seu “largo peito”. (DÉTIENNE apud LATOUR, 2020, p. 
139/140) 
 
Bruno Latour, em seu livro Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches 
(2002) faz uma crítica sobre a maneira como os herdeiros do iluminismo europeu enxergam a 
crença de povos vistos por eles como primitivos e paralelo a isso defendem a não ruptura 
entre as esferas da realidade dos fatos concretos e dos fetiches e feitiços, que possuem um 
sentido conectado a sistemas de crenças. Por isso, Latour propõe um novo vocábulo para 
expressar a fusão entre fato e fetiche, originando a palavra fe(i)tiche. Na consideração dos 
fe(i)tiches é preciso compreender apenas a postura comum ao cientista, ao aborígene e ao 
personagem de uma fábula diante de um objeto simbólico artificial tornado real por meio de 
uma construção coletiva. Neste contexto, o sociólogo francês afirma que construção e 
realidade, representando imanência e transcendência, convertem-se em sinônimos. 
Dentro da concepção do construtivismo simétrico inaugurado pelo fe(i)tichismo 
latouriano, a divindade é real e artificial, simultaneamente. O iluminista é incapaz, com toda a 
sua formalização racional de conceitos pautados pela lógica, de imaginar que uma escolha 
assim venha a ser desnecessária, uma vez que a própria disjunção opera de modo artificial. Na 
cultura ocidental, enquanto herdeira do iluminismo moderno, o que caracteriza a intenção do 
realista moderno, é precisamente a crença na proibição do feitiço. No entanto, para Latour, 
conhecimento e crença passam a ter o mesmo significado. À esta noção ele complementa 
dizendo que a crença não remete a uma capacidade cognitiva, e sim a uma configuração 
complexa pela qual os modernos constroem a si próprios ao proibirem, com o objetivo de 
entender suas ações, o retorno aos fetiches. 
Na modernidade oficial, as separações mente/mundo e natureza/cultura existem e têm 
um significado teórico que não figura na versão oficiosa da modernidade, ou seja, na prática 
dos modernos que buscam purificar os fenômenos, porém findam proliferando os híbridos, 
como explica Latour (1994). Caso exista crença, ela se coloca como a atividade mais 
complexa, mais sofisticada e crítica, ao mesmo tempo que sutil e reflexiva que há. 
A crença está distante de ser aquilo que os modernos queriam que ela fosse, isto é, uma 
prática mitológica de povos primitivos. É neste aspecto que reside a crítica latouriana ao 
pensamento “moderno”: olhar impregnado de pretensão à certeza absoluta. O moderno é 
aquele que carrega uma visão de mundo de um iluminista convicto, e sua crença se restringe 
17 
 
ao ato racional, contudo seu comportamento é pretensamente prepotente e ingênuo por 
entender as crenças de outros povos como absurdas. É moderno aquele que acredita que os 
outros acreditam, Ele sempre procura se distinguir do primitivo, por esse motivo se considera 
mais preparado para alcançar a realidade absoluta. Em síntese, ele concebe todos os outrostipos de crença a partir da ideia de fetiches. 
Envolto no dilema para saber de onde vem a força dos símbolos e dos fetiches se vem 
do sujeito ou da sociedade, o moderno (antifetichista) termina por reconhecer que existe um 
poder no coletivo, nos vínculos construídos, nas associações, nas relações. Após dissipar a 
fantasia do fetiche, o humano esclarecido se dá conta que, por isso mesmo, não está mais 
sozinho, que compartilha sua existência com uma multidão de agentes. Não sabe distinguir 
com clareza de onde partem as ações verdadeiras e onde há engano sobre a ação. Segundo 
Latour (2002, p. 29) percebe-se em um mundo “povoado por tantos aliens quanto o mundo 
dos fetiches”, e percebe-se, ainda, em um mundo em que o sujeito é composto, a um só tempo 
pela história, pela linguagem, pela política, pela ecologia, etc.. 
Por não saber como resolver a questão da ação, o moderno se apega à sua conclusão 
acerca do fetichismo e do seu orgulhoso antifetichismo. Ai que se encontra seu território de 
segurança, o qual está vinculado à distinção essencial entre fatos, que fundam o saber, e 
fetiches que fundam a ilusão. Em meio a este impasse, o moderno pretende revelar um ato de 
duplo julgamento: elaborar a crítica da crença religiosa e fetichista, por conceber, então, uma 
manipulação do sujeito que faz seus objetos fetiches. Ao passo que tece uma crítica, ainda, à 
noção de ação humana individual; por compreender que existe ali uma manipulação exterior. 
Na mente iluminista, portanto, ocorre uma diferença entre os objetos frutos da ação 
humana e os objetos que resultam da ação do mundo. A intenção de Latour foi evidenciar a 
distinção entre fetiches e expressos em objetos-encantados, provenientes da religião, moda, 
superstições etc.; e fatos refletidos em objetos-causa, originados pela economia, sociologia, 
geografia, neurociências, mecânica. Cada um deles recebe um prestígio social distinto. Onde 
se coloca a ciência como algo confiável, respeitável. E a não ciência, por sua vez, bem como 
tudo o que produz, fica relegado como um saber sem rigor. 
A compreensão antropológica-filosófica latouriana se fundamenta em uma clara 
oposição aos sistemas de crenças dos modernos, que têm seu cerne entre construção e 
realidade (modernidade oficial) e na rigorosa proliferação de híbridos (modernidade oficiosa). 
Quando elabora sua alquimia por meio de fato e fetiche, o autor realiza uma abordagem não-
antropocêntrica na qual tanto humanos quanto não-humanos participam da construção da 
18 
 
realidade. Ao introduzir o neologismo fe(i)tiche, Latour destaca que em todo gesto de fabricar 
com as mãos, em todo tipo de manipulação, existe uma geração de autonomia. É onde o 
“feito” vira “coisa”, vira “feitiço”, vira “fato.” 
Podemos agora definir com precisão o antifetichismo: é a proibição de 
apreender como se passa da ação humana que fabrica às entidades 
autônomas que ali se formam, que ali se revelam. Ao contrário, 
podemos definir a antropologia simétrica como aquilo que revoga esta 
proibição, e confere ao fe(i)tiche um sentido positivo. O fe(i)tiche 
pode ser definido, portanto, como a sabedoria do passe, como aquilo 
que permite a passagem da fabricação à realidade. (LATOUR, 2002, 
p.69) 
 
A realidade é feita pela ação humana e por entidades autônomas que se mostram 
constantemente. Nós, os viventes, que habitamos a porção interna de Gaia somos esse misto 
de fato e fe(i)tiche. Ainda temos crenças como habitar Marte e destruir a natureza em nome 
do capital, como se não houvesse consequências. Sabemos que não construímos o mundo 
sozinhos. A linguagem, assim como a história e a política, nos integra e nos vincula à uma 
compreensão que nos ultrapassa, sem nos restringir. Esta noção elaborada por Latour foi 
usada como escopo nesta tese, com ele e outros autores estabelecemos parcerias do 
conhecimento. 
Como perspectiva teórico-metodológica usamos as parcerias do conhecimento, pois são 
aplicáveis a todas as áreas de investigação social. Tais parcerias se fundamentam como um 
reflexo epistemológico do pensamento complexo. Tendo em vista, o que explica Lopes Júnior 
(2019, p.26): 
Todo pesquisador “fala” e “escuta” não só um outro ser humano, mas 
também a uma célula, um átomo, uma planta, qualquer animal, na 
medida em que compreende as indicações que tais entes emitem para 
o mundo exterior a si e percebem as interferências que os humanos 
fazem em seu mundo. 
 
 Quando incide uma compreensão mútua, existe a possibilidade de conceber a parceria. 
Por esse motivo escolhemos essa perspectiva nesta tese; sendo abrangente, nos permite 
ramificar para os campos além das humanidades. Aqui, a biologia, a filosofia, e a sociologia 
dialogam como parceiros que devem ser para traçar os caminhos de uma outra maneira de ver 
a ciência, um modo diferente de ser sujeito no mundo, cuidar de si mesmo e, assim, conseguir 
perceber que Gaia (um nome que remete à mitologia e migra para a ciência) tem diversas 
faces. 
19 
 
O conhecimento se elabora por meio da linguagem (como falaremos melhor no Capitulo 
IV) e estas se mostram como Regimes de Enunciação. De modo que a eficácia dessa relação 
gera conhecimento. Esses regimes se definem, como lembra Deleuze, em função do visível e 
do enunciável, com suas derivações, suas transformações, suas mutações. E em cada 
dispositivo as linhas atravessam limiares em função dos quais são estéticas, científicas, 
políticas, etc. 
As parcerias do conhecimento, por sua vez, denotam um novo vínculo de conexão que 
figura na complexa rede tecida entre os atores envolvidos em um certo processo. Cada regime 
de enunciação trabalhado nesta pesquisa por meio da ciência, espiritualidade e educação 
estabelece uma comunicação com o outro regime; sabendo que cada um deles, é, “em si 
mesmo, mais um ator em seu campo, pois tal regime é construído e objetivado como todos os 
outros atores pelos seres que o compõe” (Ibid, p. 55). 
Quando nos referimos ao sujeito no decorrer dos capítulos ele assume uma dupla forma, 
a saber: sujeito sujeitado (SS), os que se alienam da realidade construída pelos humanos e são 
obrigados a se submeter a ela, e o sujeito sujeito-de-si (SSS). Este não é independente, pois 
estabelece uma unidade-dupla, embora fraturada com o sujeito sujeitado. Reside no sujeito-
sujeito-de-si uma qualidade subjetiva que aliado com sua dupla ajuda a construir um mundo, 
pois um representa a porção objetiva traduzida por artefatos, conceitos, palavras, instituições, 
enquanto o SSS, como coloca Lopes Júnior (2019, p. 60), “é aquele que conhece, reconhece, 
computa, decide”. Mesmo que seu substrato seja difícil de capturar de maneira pragmática, 
atua como base para todo universo humano. É do entrelace entre esses dois tipos de sujeito 
que nascem as Parcerias do Conhecimento, uma vez que só assim podemos compreender 
como o mundo é construído. Nesta pesquisa, por ser bibliográfica, traçamos parcerias do 
conhecimento com variados autores. 
O sujeito resiste a série de potências que estão ao seu redor, e é justamente essa 
resistência que designa o sujeito. Caso o sujeito não resista, ele se torna subordinado ao outro, 
submetido à autoridade que o outro exerce sobre ele. Segundo Lopes Jr., o deslocamento 
subjetivo é quando o que está socialmente programado para acontecer na vida do sujeito é 
interrompido e algo novo eclode. Isso inclui um leque de infinitas possibilidades. Com isso, o 
investimento no deslocamento subjetivo e a resistência ao gozo do outro resultam em um par 
importante para a afirmação do sujeito, pois comporta uma relevância política e 
epistemológica, simultaneamente. 
20 
 
Neste cenário, concebemos o primeiro capítulo sob a compreensão de uma ciência sem 
dogmas, como propõe o inglês Rupert Sheldrake (2014). Uma ciência mais humana, implica 
dizer que ela não comporta verdades absolutas, nem visões de mundo enclausuradas. Longe 
de querer inauguraruma nova ciência, propomos um olhar sobre aquela que já existe, mas que 
pode se adaptar para encontrar saídas distintas para problemas inéditos. Para isso, é preciso 
que se instale na ciência algo que desperte sua capacidade de sentir. Algo que permita que os 
cientistas, em meio às suas apreciações e compreensões, sejam capazes de perceber e admitir 
seus medos, sonhos e esperanças, além de conceitos e métodos. Imaginação e ciência andam 
de mãos dadas desde seu início, Galileu, Newton, Marie Curie, Einstein são exemplos disso. 
Obstinação e objetividade junto com poesia e arte dão um tempero a mais na habilidade de 
perceber e participar da mudança do mundo. Neste caminho, outros ingredientes são incluídos 
como ética e a ideia do cientista como poeta que faz com que os sujeitos ajam alicerçados em 
potência e ação. Assim, conseguem resistir por meio da criatividade. Parafraseando Morin, 
por considerar que sua interpretação nos oferece boas pistas, pensamos que a investigação 
exige muita estratégia e também invenção, e se quer ser ciência, deve ainda ser arte. 
O segundo capítulo, por sua vez, se conecta com o mundo em transformação que vemos 
ao nosso redor por onde quer que vamos e olhamos. E se o mundo está passando por uma 
metamorfose, o melhor é que possibilitemos uma mudança em nós mesmos. Evidentemente, 
não se trata de algo simples ou rápido. Mas, nem por isso é menos urgente. A espiritualidade 
como cuidado de si – noção fundamentada pelo filósofo francês Michel Foucault (2010) – é o 
percurso para tal alteração. Norteado por uma preocupação e inquietação consigo mesmo, 
longe de um sentido egocêntrico, que perpassa pela dimensão do trabalho e zelo sobre si com 
a intenção de recuperar o acesso a si e gerar uma redescoberta de si. Essas atitudes formam o 
cerne de uma arte da existência, servindo como base para uma forma de viver e conviver com 
os outros. Muito mais amplo do que um conceito filósofico, o cuidado de si não é reservado 
apenas aos filósofos, pois é um princípio válido para todos, durante toda a vida. A 
espiritualidade é entendida neste trabalho de tese como um conjunto de buscas, práticas e 
experiências tais como as purificações, as asceses, as renúncias, as conversões do olhar, as 
modificações de existência, etc., que formam, não para o conhecimento, mas para o sujeito, 
para o ser do sujeito, o preço a pagar para ter acesso à verdade. É, precisamente, na verdade e 
no caminho até ela que existe algo que completa o próprio sujeito, que preenche o ser mesmo 
do sujeito e que o transfigura. Certamente, a espiritualidade concebida através do cuidado de 
21 
 
si resulta em benefícios não apenas para o próprio sujeito que a pratica, mas também para o 
mundo que o cerca. Aquele que faz o cuidado de si é um cidadão do mundo. 
Na terceira sessão, temos a proposta de uma educação da alma. A ideia é a educação 
para a resistência do sujeito, que mesmo diante de uma sociedade do desempenho pautada na 
velocidade, na falta de tempo, no aumento do stress emocional e profissional, busca realizar 
sua transformação. Certamente, é uma discussão sobre uma educação para além das fronteiras 
institucionais. O sistema de educação que, atualmente, se baseia fortemente na eficácia, 
privilegiando o sistema de competição e de especialização prematura, findam por amputar as 
potencialidades do espírito, desviam da possibilidade das práticas de uma vida mais ampla, 
além de reprimir o desenvolvimento científico para o futuro. O que precisamos é cultivar a 
essência crítica na inteligência dos jovens. No caminho para desenvolver a emancipação é 
preciso estimular o aprendizado por meio da motivação. Uma sociedade pautada na ausência 
de liberdade já pressupõe a emancipação, como pensa Theodor Adorno (2020), considerando 
as variantes sociais, a relação com a linguagem e a capacidade de se expressar. A dimensão 
emancipatória deve proporcionar educação, cultura e ética voltadas à formação de sujeitos 
democráticos. A compreensão acerca da educação da alma a concebe como uma escola da 
vida, onde seja possível desenvolver a habilidade de perceber e atuar no mundo, um lugar 
onde se articule cognição, percepção, imaginação e diálogo. Em meio a isso, Prigogine 
concebe a criação do universo, que comporta a vida e o homem, como uma criação de 
possibilidades, onde nem tudo se efetua. Em nós opera uma reorganização que envolve 
metamorfose, bifurcações e criatividades como deslocamentos da natureza estendida e do 
cosmos que agem de maneira hipercomplexa e nova. Essas características nos afetam, nos 
movem e nos formam. Pela metamorfose nos tornamos as outras coisas, somados aos outros 
seres do mundo. A educação da alma conduz à uma espiritualidade ecológica. 
No capítulo final trazemos uma discussão sobre Gaia, considerando duas concepções 
sobre ela: uma biológica, a partir do inventor da teoria Gaia, James Lovelock (2014) e outra 
sociológica, com base em no pensador francês Bruno Latour (2020). Por Gaia ser complexa, 
difícil de descrever e ampla, propomos sua reflexão a partir da religação de diferentes áreas 
do pensamento. A intenção não é apreendê-la em sua completude e sim mostrá-la, 
evidenciando seus aspectos mais relevantes. Sua aproximação da sociologia é relativamente 
recente, portanto, é um território novo. Por esse motivo, devemos conceber um novo formato 
para a Terra, pois ela não é uma esfera. Gaia ocupa uma pequena membrana, um delicado 
envoltório de zonas críticas. Ela se constitui como um entrelaçamento de conexões 
22 
 
conflitantes. Gaia demonstra sua face suscetível à nossa ação com a mesma rapidez e 
intensidade que promovemos sua destruição. Ela reage ao que sente e detecta. Gaia é 
composta por ciclos; suas conexões são feitas através de um movimento sobre si mesma. 
Gaia, definitivamente, não é uma figura simpática de unificação, ou seja, a intromissão dela 
não unifica o que está se decompondo como as noções de Natureza e Humano. Perceber a 
face de Gaia, na ciência, na espiritualidade, na política nos coloca, à um só tempo, diante da 
mudança que devemos fazer. Portanto, nosso entendimento ideal de Globo precisa passar por 
uma destruição para fazer surgir em seu lugar uma obra de arte, uma estética da existência que 
priorize a espiritualidade para promover a redescoberta de si e consolidar o sentimento de 
amizade com tudo que habita Gaia. Esta estética é traduzida, ainda, como a habilidade de 
perceber e de estar afetado. Nós, os viventes de Gaia, precisamos aprender a fazer um 
percurso norteado pela espiritualidade se quisermos traçar uma nova trilha em Gaia. 
 
 
 
23 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UMA HUMANA 
 CIÊNCIA 
24 
 
Alquimia de saberes 
 
 
Poesia e ciência são entidades que não se podem 
confundir, mas podem e devem deitar-se na mesma 
cama. E, quando fizerem isso, espero que dispam 
as velhas camisas de dormir. 
 
Mia Couto 
 
 
A ciência é uma das atividades mais características da espécie humana. Muito já 
caminhamos enquanto humanidade. Descobrimos novos caminhos na arte, passamos por 
distintos sistemas políticos e modelos econômicos, e experimentamos múltiplas expressões 
religiosas. A humanidade parece ter uma constante busca pelo novo, mas não ousa desapegar 
de hábitos obsoletos. Nessa trajetória, muito ficou para trás, se perdeu ou se desconectou. E, 
atualmente, o homem parece um ser quase vazio, e, talvez, por isso, muito suscetível à 
influência de dispositivos tecnológicos, propagação de inverdades, materialismo excessivo e 
paradigmas reducionistas. Afastando-se, assim, de uma perspectiva mais poética, 
contemplativa e reflexiva sobre si e sobre o mundo do qual faz parte, onde pode e deve atuar, 
e não apenas assistir e reagir. 
Há muito tempo, as ciências e as técnicas geram fascínio e medo, ao mesmo tempo.Uma vez que conferiram mais poder dos homens sobre a natureza e sobre eles mesmos; 
acentuando sua porção inumana. Henri Atlan (2004), em seu livro A ciência é inumana? 
levanta, logo nas primeiras páginas, a discussão sobre a inumanidade. E, na tentativa de 
responder esse questionamento, ele lança uma dupla interpretação, ao dizer: 
Se a inumanidade consiste em desmistificar 
tanto quanto possível as paixões alienantes e 
as ilusões humanas, inclusive as que a 
ciência contribui para fomentar, então não 
resta dúvida de que a ciência é inumana. 
Mas se a inumanidade consiste em submeter 
os corpos e as mentes ao sofrimento, à 
incapacidade e à ignorância, a ciência, ao 
contrário, é um fator insubstituível de 
humanidade. (ATLAN, 2004, p. 9-10) 
 
Logo, a ciência apresenta duas facetas, na visão de Atlan. Uma mais objetiva e que se 
distancia das emoções e outra que faz sentir, transformar, pulsar. Isso nos leva a ideia de 
estimular uma sensibilidade mais plena do sujeito diante de si e do mundo, talvez nessa ótica 
25 
 
resida um dos princípios fundamentais que se deve preservar para desabrochar um novo modo 
de conhecer da ciência. 
As questões do nosso tempo nos levam a questionar o que é a vida? mas, essa não é uma 
pergunta cabível apenas aos biólogos, ela pode inquietar filosófos ou qualquer ser humano 
que esteja confuso diante da profusão de dilemas e descobertas com as quais se depara no 
cotidiano, ainda assim não é mais uma interrogação do terreno da biologia. Saber o que é a 
vida nos distancia da possibilidade do fim e da morte, e essa compreensão ressoa na nossa 
vivência, na nossa linguagem, nas trocas simbólicas com o humano e o não-humano. A vida é 
uma experiência indiscutível, mas apenas uma experiência. 
Alinhando-se aos filósofos estóicos, entre eles Baruch de Spinoza (1632-1677), Henri 
Atlan considera que o poder de ação da natureza – tida como substância única – pode ser 
observado em todas as suas partes, ou modos particulares de existência (incluindo-se aqui o 
homem), por meio das leis da física, da química e de como estas se organizam nos sistemas 
biológicos. Dentre estes, a espécie humana, devido ao alto grau de complexidade de seu 
cérebro, adquiriu a capacidade da razão, à qual são paralelas as capacidades cognitivas de 
representação, memória, simbolização, intencionalidade, etc. Tal visão está em clara oposição 
à representação clássica kantiana da natureza da razão. 
A revolução biológica do século XX consistiu em explicar comportamentos 
considerados exclusivos da vida a partir de propriedades físico-químicas das moléculas. 
Atualmente, a única especificidade do ser vivo refere-se à complexidade de sua organização e 
à das funções que a acompanham. Existe, portanto, no plano biológico, um continuum entre o 
vivo e o não-vivo e, entre um mundo sem consciência e a consciência humana, de modo que a 
própria questão do que seja vida não mais pertença a seus domínios, mas sim àqueles que 
lidam com as experiências de significação para o homem. Assim, há um hiato cognitivo 
irredutível entre o conhecimento objetivo dos determinismos que nos constituem e nossa 
experiência de agente eficaz, de escolhas e de responsabilidade. 
Henri Atlan (2004) propõe, ao invés, um experimento mental radical, segundo o qual se 
prolongariam ficticiamente as descobertas atuais, até o dia em que se explicaria o conjunto 
dos comportamentos e das escolhas em relação às quais nos sentimos livres. Com isso, a 
moral e o sentimento de felicidade adequar-se-iam a uma existência e a uma filosofia em que 
nós nos perceberíamos responsáveis pelo que somos e fazemos, independentemente de uma 
crença metafísica no livre-arbítrio, admitindo que somos determinados a fazer o que fazemos, 
26 
 
mesmo se não o reconhecemos desta forma na experiência cotidiana. Para bem compreendê-lo 
é imprescindível um esforço “intelectual inusual”. 
A aproximação da experiência de verdadeira liberdade corresponderia a um sentimento 
crescente de alegria e de aquiescência para com aquilo que em nós é vivido como um 
processo ativo de conhecimento. Assim, o hiato entre liberdade vivida e liberdade teórica se 
preenche pouco a pouco, graças à progressão do conhecimento das causas. Atlan (2004) 
compara a nossa época aos grandes períodos de transição da humanidade – como o fim do 
mundo antigo e a revolução científica do século XVII – e aposta numa investigação das 
redefinições conceituais, como as concernentes ao determinismo, para responder 
afirmativamente às inéditas exigências do nosso tempo, em prol da liberdade e da felicidade 
humana. Segundo o cientista, é possível construir uma existência e uma filosofia que sejam 
felizes, assim como morais. Devemos reaprender a considerar como somos responsáveis pelo 
que somos e pelo que fazemos, independente de uma crença metafísica no livre-arbítrio. 
Questões filosóficas muito antigas, como o determinismo, a felicidade e a liberdade, se 
recolocam de uma maneira nova, diante de acontecimentos que exigem a reavaliação de certas 
evidências. O mapeamento dos caminhos onde as sensibilidades serão mais consistentes 
possivelmente surgirá de sujeitos que se pautem por uma auto-eco-organização (Morin). Isso 
implica dizer que esse sujeito de si tem uma consciência da dimensão de seu lugar no mundo, 
do seu entrelace com a Natureza, com o ethos e o mythos, e de seu compromisso com o futuro 
da espécie. 
As leis que ainda desafiam a base atual do nosso conhecimento científico ganharam o 
nome de física quântica. Uma das maiores contribuições que estas novas leis trouxeram foi a 
possibilidade de resgate, ou reconciliação, da ciência com a espiritualidade. Em essência, a 
física quântica nos deu pistas importantes de que o universo não é tão material como 
pensamos, mas feito de energia, que toma forma no universo manifesto mediante as escolhas 
da consciência (ou o olhar de um observador). Em outras palavras, fazemos parte de um 
grande organismo vivo chamado universo e é nossa consciência que dá forma ao mundo 
exterior, ou ao mundo tal qual o enxergamos. 
A ocupação em torno do trabalho e do consumismo não nos deixa tempo livre para 
processarmos significados sobre a existência. Com isto, deixamos de fazer perguntas 
importantes, tais como: “o que eu estou fazendo aqui?”; “por que estou infeliz?”; “qual é meu 
propósito de vida?”; “por que existo?”; “o que me deixa feliz?”; quando pensamos no futuro, 
27 
 
o que nos ameaça como o perigo mais iminente e intenso é a confusão entre as potências más 
e boas, como nos diz o ganhador do nobel de física, Werner Heisenberg (2009). 
Em meio às turbulências da Segunda Guerra Mundial, entre maio de 1941 e o fim de 
1942, o físico quântico Werner Heisenberg redige o manuscrito intitulado A ordenação da 
realidade que só foi publicado bem posteriormente em 1984. Os textos filosóficos do físico 
alemão eram pautados pela brevidade e por certa falta de compromisso com a sistematicidade 
de suas ideias, o mesmo não se aplica a esse manuscrito. Esse texto foi escrito com fins 
pessoais, sendo acima de tudo um escrito filosófico que constitui a elaboração mais densa e 
sintética das ideias de Heisenberg sobre a significação epistemológica da física 
contemporânea e sobre o problema do conhecimento em geral. Mesmo que tenha sido 
redigido há 80 anos, o texto se mostra atual e pertinente. 
Heisenberg (2009) sempre esteve consciente de que a física moderna modificou a 
concepção de natureza. Para o cientista, recuperar a noção de filosofia da natureza poderia 
contribuir para a reunião das esferas cindidas: esfera científica, esfera ética, esfera artística. 
Pensar a concepção de natureza era para Heisenberg uma reflexão necessária para orientar 
sobre o destino do homem na Terra. Daí a importância de um diálogo interdisciplinar entre 
todas as esferas do conhecimento e da ação nas quais o homem se faz presente. 
Utilizamos opouco tempo livre que dispomos para processar significados sem 
relevância. Em um tempo em que a informação virou investimento (a internet hoje encontra-
se disponível aonde formos), perdemos nosso precioso tempo livre consumindo uma profusão 
de imagens, seja por meio de séries, novelas, redes sociais e/ou reality shows sem muito 
significado. Este é o preço que pagamos pelo uso indiscriminado da técnica, uma vez que ela 
modifica profundamente o entrelace entre natureza e cultura, nossos sentimentos e valores. 
Isso gera uma desconexão entre nossa consciência moral e nossa consciência espiritual, 
de modo que não nos reconhecemos naquilo que fazemos e onde trabalhamos. Perdemos a 
capacidade de responder os porquês. A vida, assim, para de fazer sentido. Não processamos 
mais significados. E quando isto acontece, a angústia preenche o abismo do vazio existencial 
dentro de nós e desperta uma avalanche de sensações tóxicas que manifestam-se através de 
doenças físico-psico-emocionais. 
As visões acerca de ciência mudam de acordo com o tempo e o imaginário social e 
histórico. Pensar dentro do espaço da incerteza se mostra como uma singularidade essencial 
da filosofia. É nesse espaço que podemos e, até mesmo, devemos sair fora da linha de 
28 
 
percursos já traçados, criar e propor novos caminhos, ousar abordar conhecimentos proibidos 
e ideias que ainda não estão concluídas. E, assim, é possível construir uma humana ciência 
que tenha em seu núcleo elementos que a torne mais nômade, amorosa e criativa. 
 
Entre luzes e metamorfoses 
O cientista é alguém que busca o sentido da vida. É um ser inteiro, embora constituído 
por conexões amplas, que tem entre seus atributos a ânsia do absoluto, a vontade de poder e 
um impulso à rebelião. Ele olha não apenas para trás, mas para o presente e para o futuro 
também. Um cientista deve ser ainda um filósofo, ou seja, aquele que pensa a vida. Ele 
precisa ter disposição para ouvir e perceber as várias narrativas, precisa sair de si para 
descentra-se. Deve ter a intenção de promover a intersecção de saberes. 
Realidades distintas conseguem ser lidas pelo intelectual contemporâneo, jogando luz 
onde antes não havia. Ou ainda, pode ser compreendido como aquele que recebe em pleno 
rosto o facho de trevas de seu próprio tempo – como pensa o filósofo italiano Giorgio 
Agamben (2009) – e, com isso, faz uma verdadeira alquimia ao misturar conhecimentos 
diferentes, pois se alimenta de diferentes fontes. 
Agamben nos leva a estar no mundo e pensar como o contemporâneo deve estruturar 
novas realidades. Para isso, é preciso olhar para algumas urgências e a primeira delas é a 
exigência ético-política que se desnuda como um exercício forjado no coletivo e na 
intimidade. A política pode ser vista como arte do deslocamento e esta é uma proposta que 
está nas raízes do sujeito e na origem do vivente. Ensinar a viver é uma atitude político-
contemporânea. 
O compartilhamento da existência expressa a construção de laços concebidos para além 
do sujeito. E, uma questão salutar é que não devemos sair do nosso tempo para ser 
contemporâneo. Em um momento onde a humanidade se mostra imersa em múltiplas crises, a 
lucidez dessa noção nos permite conceber que a vida, assim como a arte, se experimenta pelo 
sopro; que mesmo reconhecendo os limites da visão e dos fatos que nos afogam em 
inquietudes diversas é preciso buscar ir além… Temos que promover a sutura do tempo 
jogando luz. E como vamos fazer isso? Possivelmente, na dimensão do coletivo e na potência 
do individual, envolvendo a multiplicidade de visões, vivências e conhecimentos que estão 
sendo construídos neste momento e dos que já existem. 
 
29 
 
Ao passo que é preciso ter coragem para reconhecer a própria solidão, é necessário 
saber que não tecemos ideias, expomos interpretações ou explicamos acontecimentos 
sozinhos porque no raso ou no fundo de nossas mentes e almas sabemos que construímos o 
mundo a partir da sapiência. É compartilhando nossos propósitos, medos, angústias, sonhos 
que compartilhamos a vida e refazemos um projeto. 
Buscar novas maneiras de fazer Ciências nos obriga a traçar novos mapas, a formular 
interrogações internas intencionando caminhos alternativos e rotas não traçadas, uma vez que 
não temos mais fronteiras estabelecidas para barrar o fluxo de ideias, doenças e pessoas. O 
regime de enunciação (LATOUR, 2012) da Ciência se mostra insuficiente para compreender o 
mundo, e, essa percepção intensificou-se ainda mais porque estamos passando por profundas 
mudanças em escalas planetárias diante de um vírus que nos afasta uns dos outros e de nós 
mesmos, onde o caos e a desordem geram ainda mais inquietações e ansiedades. Nesse 
cenário, as incertezas de continuidade da vida na Terra evidenciam a necessidade de repensar, 
religar e propor o novo. E, podem ainda despertar nossa porção mais humana desse sono 
profundo ao qual estivámos entregues há tanto tempo, nos levando a gestar novas maneiras de 
ser e estar no mundo, de mover e deslocar. 
O ato de estar no mundo, que ressoa no cientista, deve ser impregnado por uma atitude 
de profanar, seja o sujeito ou a própria inteligibilidade; saber viver da impossibilidade. Com o 
seu deslocar é possível tecer um elemento intempestivo capaz de nortear a politização do 
conhecimento, recurso este que vai servir de suporte às bifurcações do caminho dos saberes 
da educação. Experimentar é um ingrediente importante na receita do cientista que ousa 
movimentar-se do lugar comum, que assume essa postura por não se sentir adequado e sim 
desconfortável com seu tempo. Ele é inatual, não coincide com seu tempo. 
O conceito de contemporâneo, pensado por Agamben entrelaça-se com nossa proposta 
de repensar a atitude do intelectual-pesquisador-cientista como um ser dotado de coragem e 
ousadia, um fora da ordem, que visa produzir algo não homogêneo. Escapar do paradigma 
sem sair dele requer uma força política. 
A ciência tem, simultaneamente, o compromisso de revelar e o intuito de anunciar um 
tipo de narrativa que constrói a realidade. E isso acontece apenas quando colocamos sentido 
nas coisas. O fato é que enxergamos a vida e a realidade através de lentes que movem e 
direcionam nossas escolhas, nossos passos e curiosidades, e, enquanto isso, a ciência se 
pretende decifrar. E nós, enquanto pesquisadores queremos decodificar. No entanto, isso deve 
ser feito por meio de uma criatividade original, singular, pertencente a cada um de nós. 
30 
 
Somente o homem é capaz de produzir ciência porque apenas ele produz linguagem. A 
ciência é um diálogo do homem com a natureza na visão do cientista russo-belga Ilya 
Prigogine (2009) e a construção, que resulta disso, perpassa pelo homem e por sua cognição. 
A ciência muda porque o homem muda, alterando, por consequência, seu modo de dialogar 
com a natureza. Assim, a ciência pode ser vista como metamorfose. Ele denomina o “ponto de 
bifurcação” – termo que remete à emergência de situações novas – para se referir aos pilares 
de um biologismo fechado que enfraquece o pensamento na área das ciências biológicas, 
através da incerteza e probabilidade. A tragédia e a aventura de viver são também a tragédia e 
a aventura de conhecer. Por isso mesmo, devemos nos afastar de conceitos fechados, da 
parcialidade nas explicações e do pensamento redutor. 
A ciência deve reconhecer a pertinência e a relevância de outros pontos de vista, 
incluindo os das ciências humanas, da filosofia e da arte. Prigogine é um dos intelectuais que 
fazem uma ciência nômade, e pensou além das barreiras de seu laboratório ao problematizar a 
ética da responsabilidade na ciência por questionar a separação entre ciências humanas, 
ciências da vida e ciências da natureza. Embora, essa ideia já flua há vários anos, aliar essa 
postura ao fazer científico não tem sido tarefa comum. 
Hoje, imersos nas incertezas, vemos, com uma clarezaquase ofuscante, que o futuro 
está aberto. A história humana possui uma dinâmica de inacabamento, desvios, flutuações que 
nos levam a novas escolhas, guiados pela liberdade e responsabilidade diante da trajetória 
incerta das sociedades humanas. É através da aposta na intervenção criativa do cientista no 
mundo, da parceria intelectual, da generosidade e da simplicidade que podemos realimentar 
nossas reservas cognitivas. 
Isabelle Stengers reflete bem isso, historiadora e filósofa da ciência, foi ainda discípula 
de Prigogine na Universidade de Bruxelas. Ela relata em entrevista a um grupo de 
pesquisadoras da USP, publicada na Revista Antropologia (2016), que sua presença na equipe 
dos cientistas liderados por Prigogine consista em sentir. Apesar de ali se considerar uma 
amadora, muito contribuía com sua experiência antropológica, ela relata que não sabia fazer 
os cálculos, mas era capaz de apreciar e compreender os medos, os sonhos e as esperanças dos 
cientistas. Ela estava lá não para dizer a eles “vocês tem que fazer tal coisa”, mas para sentir. 
Por isso, enxerga que uma experiência assim pode ser chamada de antropológica. 
 
 
31 
 
É preciso uma atitude ético-política diante do nosso papel de sujeitos atuantes na 
sociedade. Promover uma intervenção no debate entre o homem e a natureza, e a partir disso 
intervir, requer certa brevidade; para fazê-lo não é preciso convencer, e sim transmitir o que 
nos faz pensar, sentir, imaginar, mesmo em meio aos desastres e mudanças ambientais e 
climáticas, do capitalismo e da constatação de que o mundo mudou. Logo, a mudança é hoje 
uma obrigação ardente imputada em nossas mentes pelos “nossos responsáveis” (os 
políticos); Significa romper com a esperança e se render aos fatos. 
Existe uma tensão na ciência, um mal-estar. Talvez por ter se deixado aprisionar pela 
racionalidade e pela ilusão de objetividade. A ciência ainda opera pelo território do que é 
dominatório e parece ignorar sua singularidade. Não basta que nos alimentemos das 
inquietações, temos que nos comprometer com os enunciados que construímos; pressupondo 
que enunciados e conceitos não são inocentes, precisamos fazer uso da irredução, como 
sugere o antropólogo Bruno Latour, e passar a desconfiar dessas prerrogativas. 
Visando impedir a demonização dos conceitos, salientamos que se enxergados como 
operadores do pensamento e modelos abstratos podem ser usados como meios e não fins. 
Enquanto, operadores da pesquisa científica os conceitos atuam como potencializadores que 
precisam ser lapidados e ampliados para serem adequados ao propósito de interpretar o 
acontecimento do qual tratamos. Os conceitos nos permitem avançar e remover os obstáculos 
superficiais. 
Sobre a noção de conceito, Gilles Deleuze, no livro Conversações elabora que: 
Todo mundo sabe que a filosofia se ocupa de conceitos. Um sistema é um 
conjunto de conceitos. Um sistema é aberto quando os conceitos são 
relacionados a circunstâncias e não a essências. Mas, por outro lado, os 
conceitos não são dados prontos, eles não preexistem: é preciso inventar, 
criar os conceitos, e nisso há tanta criação e invenção quanto na arte ou na 
ciência. Criar novos conceitos que tenham uma necessidade, sempre foi a 
tarefa da filosofia. É que, por outro lado, os conceitos não são generalidades 
à moda da época. Ao contrário, são singularidades que reagem sobre os 
fluxos de pensamento ordinários: pode-se muito bem pensar sem conceito, 
mas desde que haja conceitos há verdadeiramente filosofia... Um conceito é 
cheio de uma força crítica, política e de liberdade. (DELEUZE, 1996, p. 
45-46) 
 
Stengers (2015) e Deleuze (1996) nos ensinam que é preciso exercitar a autocrítica com 
ludicidade e inaugurar uma ciência com riso, ou seja, aprender a rir é também um recurso 
científico para nos afastar da rigidez e seriedade que predominam em ambientes onde se faz 
ciência. É inevitável perceber o poder que se dissimula por trás do discurso de autoridade ou 
32 
 
racionalista. E esse discurso não resiste às provas ou questionamentos. Existe uma urgência 
em criar o mundo pelas palavras. É imperativo posicionar-se! 
O lugar do cuidado no interior da ciência precisa ser repensado. Alguns consideraram 
que a Terra fosse um recurso a ser explorado, outros que era preciso protegê-la, mas ela nunca 
foi enxergada como poder assustador, que poderia nos destruir, e num curto período, como 
temos visto com mais velocidade ao longo das duas últimas décadas, atingindo seu ápice em 
2020 com a pandemia. Essa constatação muda enormemente as coisas. Não se trata mais de 
explorar ou de proteger, mas de aprender a dar atenção. Ora, aprender a dar atenção é 
precisamente aquilo que a versão estatal-capitalista do progresso nos fez desaprender. Isso 
exige que se aprenda a pensar uma situação em todas as suas dimensões, com todas as suas 
consequências. Para este fim, temos necessidade de que essa situação “produza igualdade”, 
que ela reúna todos aqueles que se importam com ela, e de que estes estejam todos habilitados 
a fazer valer seu saber ou sua experiência. 
É isso que desaprendemos, dando o poder aos experts, mas reaprendê-lo exige a 
invenção de dispositivos operantes – a igualdade não deve ser formal, ela deve ser efetiva. 
Esse tipo de invenção é bem diferente das inovações técnicas que na verdade separam as 
pessoas. Aqui, trata-se de suscitar a confiança em si e nos outros, a lucidez, a capacidade de 
escapar das evidências já prontas. Medido em termos dessas invenções, teríamos toda uma 
outra definição do progresso. 
 
Espiritualidade e ética 
A espiritualidade pensada por Foucault (2010b) afirma que o sujeito deva conhecer a si 
mesmo e também trabalhar sobre si. Portanto, conhecer e trabalhar constituem atitudes com as 
quais o homem deve deparar-se para ter acesso à verdade. Convertendo-se a si, por 
conhecimento de suas inclinações, o sujeito é modificado em sua condição atual na medida 
em que uma nova perspectiva de si vem sobre ele e ajuda-o a se ver de forma crítica. 
Consciente de si e de suas verdades, este sujeito guia suas atitudes de maneira diferenciada de 
sua condição anterior, portanto, ascender à verdade exige do sujeito um trabalho sobre si 
objetivando sua transformação. 
À esta compreensão de espiritualidade somamos a nossa, posto que espiritualidade é o 
sujeito consciente de seu pertencimento, constituído como vínculo com a ciência, a política, a 
33 
 
educação, a economia, a ecologia e as consequências de suas ideias e atitudes entrelaçadas 
com essas esferas. Sabendo que esse vínculo age e reage, incessantemente, sobre o sujeito. 
A noção de espiritualidade nunca esteve separada da aquisição do conhecimento, 
diferentemente na modernidade, em que a aquisição da verdade ocorre unicamente pela via do 
conhecimento desvinculado do cuidado consigo que o indivíduo deve manter. Portanto, nessa 
época onde imperava o pensamento cartesiano, com a mudança de paradigmas filosóficos 
acerca do que é a verdade, um modo de vida pautado no cuidado para consigo se torna 
descartável em relação ao alcance da verdade. Voltaremos a esta discussão no capítulo 
seguinte. 
A ontologia crítica foucaultiana escava uma genealogia da alma e das nossas relações 
com ela. No último estágio de sua obra A Hermenêutica do sujeito (2010), Foucault recupera 
uma análise da existência humana, retirando-a mais uma vez do domínio do cientificamente 
cognoscível, não apenas liberando nossos espíritos das categorias biológicas que obscurecem 
a percepção de nós mesmos, mas trazendo à tona o dado de que as formas mais importantes 
de poder operam através de uma concepção e uma sedução da alma. Reverberando essa 
leitura, percebemos que o problema seminal do nosso tempo é então já não existirem 
problemas espirituais, além do fato que estes já não sejam sentidos como algo de decisivo e 
sem enganos, gera, com efeito, uma angústiasem precedentes. Longe de nos libertar do mal-
estar, a questão dos problemas da humanidade se terem tornado calculáveis, acontecimentos 
factuais urgentes e eventualmente complicadas, porém que, em última instância, necessitam 
ser governadas e não vividas nem pensadas, é precisamente o que nos remete para uma certa 
angústia, mais intolerável ao passo que se torna mais passível de resolução. 
Enquanto a economia, medicina e tecnologias de toda espécie (que são sempre, em 
última análise, técnicas de governo) assumem a direção dos destinos humanos, os problemas 
espirituais (e as técnicas que transmitiam a sua experiência: poesia, filosofia, arte) deixaram 
de ser decisivos nos processos de formação humana. 
A espiritualidade remete, aqui, a uma tradição política de que quase já não há traço nos 
governos e oposições que temos hoje. Foucault retomou essa tradição de forma aguda, 
articulando formas de insurreição que fundem política e espiritualidade. Essas formas foram 
apreendidas inicialmente nos sonhos que falam do nosso desejo de espírito em um mundo sem 
espírito. Em seus textos, a espiritualidade emerge como o ato no qual conflui precisamente a 
diferença entre a obediência ao código, a forma externa da lei e o que ele denomina de uma 
vida espiritual profunda. 
34 
 
O próprio Foucault não deixa de ressaltar que essa espiritualidade está se apagando e 
que as antigas práticas dos mestres do cuidado de si na Antiguidade greco-romana não são a 
solução para os nossos problemas. De fato, o que restou dessas experiências é apenas uma 
provocação: um núcleo onírico, delirante, e em todo trabalho paciente de transformação de si 
mesmo. Resta, contudo, uma constatação: a espiritualidade permanece viva nas decisões 
tomadas sem a segurança de um saber ou normas dadas, nas formas de compromisso tomadas 
no risco absoluto. 
Desse modo, o mundo contemporâneo não tem como negligenciar a dimensão espiritual 
que atravessa nossas práticas de resistência. Isso se ainda se pretende manter viva a 
possibilidade concreta do exercício das liberdades. Uma política do espírito configura-se 
como um princípio de vivificação de um estado de ânimo entusiasmado capaz de criar uma 
reserva heterotópica de mundo. 
Trata-se de perturbar os lugares-comuns dos nossos modos de viver e pensar. Somos 
então levados a duas questões, a primeira: o que significa propor o diálogo da política com a 
esfera do espiritual, uma vez que esse deslocamento rumina quase sempre uma experiência 
suspeita de derrota e fundamentalismo. A segunda: como recusar, desde o espaço da formação 
humana, um pensamento estratégico enquanto caminho de resistência ao poder, levantando o 
problema dos sonhos de que ainda somos capazes? 
No limite, as duas questões apontam a importância de olharmos um pouco abaixo da 
história, o que a rompe e agita, e, ao mesmo tempo, velando "na retaguarda da política, o que 
deve incondicionalmente limitá-la". Um esforço, portanto, a considerar a "infelicidade dos 
homens" como um "resto mudo da política" diria Foucault (2010, p. 370) e da pedagogia, 
diríamos nós. Pois, esse resto, sabemos bem, carrega o grito do impotente, do inumano. Sua 
existência é aquilo que permanece indizível e intransmissível em nossas práticas de formação 
na atualidade. 
Neste percurso cognitivo, apostamos na urgência de perceber a ligação entre 
espiritualidade, ética e política. E que cada um carrega em si a capacidade de comprometer-se 
consigo e com o outro. É a espiritualidade, atrelada a ética, que vai conferir ao cientista a 
possibilidade de formular pesquisas e saberes mais afinados com os distintos regimes de 
enunciação. O distanciamento entre essas dimensões tem nos trazido graves desdobramentos e 
nos sediou no território do caos. 
35 
 
A questão que se coloca aqui é, precisamente, que a ética não tem lugar. Ela permeia, 
norteia e constrói instituições, discursos, ideologias, descobertas nos campos do pensar e do 
saber, da religião e da ciência, da arte e da técnica…mas até que ponto ela se reveste de um 
caratér meramente superficial e até onde está comprometida com o mundo? 
O progresso científico não tem trazido propriamente benefícios à natureza, de maneira 
que é preciso entender como esse avanço científico e tecnológico aconteceu, e onde e porque 
ele parecia, já há algum tempo, ser uma ameaça. Tudo indica que, se esse rumo persistir, 
redundará em altos custos para a vida humana no planeta, com a extinção dos recursos 
naturais e de toda a biosfera, assim como das narrativas culturais menores, levando ao 
assujeitamento das pessoas que estão cada vez mais controladas e com menos escolhas diante 
de um modo de produção que dita a lógica das interfaces relacionais. O intuito aqui é pensar 
uma ética que abarque essas instâncias, sem regredir ou abrir mão dos benefícios trazidos pela 
ciência. 
O desenvolvimento científico e tecnológico da segunda metade do século XX até agora, 
contribuiu para criar a ideia equivocada da autonomia da ciência. O que lhe conferiu um 
grande destaque perante outras formas de conhecimento. Em relação a essa questão, 
Heidegger (1997) defendia que o mundo humano havia se transformado em um universo 
técnico, que aprisionava todos. Em sua visão, a civilização se pauta quase exclusivamente 
sobre o fazer em detrimento da compreensão. 
O homo faber ultrapassou o homo sapiens. O êxito da tecnologia assumiu um caráter 
ameaçador. Desse modo, o domínio e destruição da natureza pelas ciências e pelas tecnologias 
se transformam no projeto central das sociedades modernas. A técnica, antes operava como 
um simples meio, passa então a atuar, enquanto moderna tecnologia, como a própria 
finalidade. O surgimento das novas tecnologias disparou o alarme sobre as graves 
consequências das potências tecnológicas em ação. Em razão disso, não existe mais espaço 
para qualquer argumentação acerca da neutralidade da ciência e da técnica. 
A aliança entre a ciência e a técnica passou a ser dominante e indissolúvel. Inicialmente, 
a ciência precisava das técnicas para realizar experiências e para verificá-las; posteriormente, 
um outro processo entrou em curso, onde a ciência se uniu à técnica para manipular. Ambas 
possuem dimensões manipuladoras com intensidades diferentes. De fato, a técnica trilha mais 
este caminho, e com isso, ocorre uma disjunção do desenvolvimento do conhecimento pelo 
conhecimento que é primordialmente científico e do desenvolvimento das manipulações e de 
habilidade que concernem ao campo da técnica. A era da tecnociência passou a ter poderes 
36 
 
sem precedentes. Paralelo a isso, é importante perceber que os cientistas perderam os poderes 
que emanavam de seus laboratórios. Tais poderes encontram-se concentrados nas figuras dos 
dirigentes de empresas e conglomerados e das autoridades de Estado. Inegavelmente, esses 
poderes passaram a agir em consonância com interesses econômicos e políticos. 
É necessário conceber que o desdobramento da big science leva a um saber anônimo 
que não mais se liga ao saber conforme o papel que cumpriu ao longo da história da 
humanidade, que era incorporado nas consciências, nas mentes e vidas humanas. O novo 
saber científico é feito para ser depositado nos bancos de dados e para ser subordinado aos 
meios e decisões das potências. Ocorre um verdadeiro desapossamento cognitivo, não só entre 
os cidadãos como também entre os cientistas, eles próprios hiperespecializados, embora 
nenhum deles possa controlar e verificar todo o saber produzido até o momento. 
A imersão da ciência em um paradoxo multiplicador se dá ora com o seu progresso, ora 
com a superespecialização disciplinar, o que torna os saberes incomunicáveis entre as 
distintas áreas do conhecimento. Ao lado dos aspectos benéficos das descobertas científicas, 
que propiciam a cura de doenças, além das soluções econômicas e políticas, há os aspectos 
nocivos e mortíferos provenientes

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