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Andrezza Lima de Medeiros UFRN UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS ANDREZZA LIMA DE MEDEIROS AS MIL FACES DE GAIA Ensaios sobre ciência, espiritualidade e ecologia NATAL-RN 2021 ANDREZZA LIMA DE MEDEIROS AS MIL FACES DE GAIA Ensaios sobre ciência, espiritualidade e ecologia Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós- graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de doutora em Ciências sociais. Orientador: Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior NATAL-RN 2021 Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Medeiros, Andrezza Lima de. As mil faces de Gaia ensaios sobre ciência, espiritualidade e Ecologia / Andrezza Lima de Medeiros. - Natal, 2021. 166f. : il. color. Orientador: Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Junior. Tese (doutorado) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2021. 1. Ciência - Tese. 2. Cuidado de si - Tese. 3. Espiritualidade - Tese. 4. Ecologia - Tese. 5. Gaia - Tese. I. Lopes Júnior, Orivaldo Pimentel. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 316.7 Ficha Catalográfica elaborada por Heverton Thiago Luiz da Silva – CRB 15/710. ANDREZZA LIMA DE MEDEIROS AS MIL FACES DE GAIA Ensaios sobre ciência, espiritualidade e ecologia Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós- graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de doutora em Ciências sociais. Aprovada em: ____/____/______ BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior – UFRN Presidente ______________________________________________________________________ Profa. Dra. Josineide Silveira de Oliveira – UERN Membro Titular Externo ______________________________________________________________________ Prof. Dr. José Gledson Nogueira Moura Membro Titular Externo ______________________________________________________________________ Profa. Dra. Janaína Alexandra Capistrano da Costa – UFT Membro Titular Interno ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Fagner Torres de França - UFRN Membro Titular Interno Para minha mãe. AGRADECIMENTOS Por compartilharem essa experiência comigo, agradeço: Ao professor Orivaldo Lopes pela orientação atenta e perspicaz. Por ter apostado em mim e me fortalecido nessa trajetória de pesquisa ao longo dos anos. Por me ensinar vários conceitos e noções fundamentais para a vida, para o intelecto, para o espírito. Por fazer parte da minha caminhada acadêmica, desde a graduação, sempre com paciência e assertividade. Pela amizade, afeto e parceria no pensamento e na ação. Nada disso será esquecido. Meu enorme carinho e admiração. A Rodrigo Semente por ser parceiro de vida e intelecto. Por sua tranquilidade e criatividade latentes que norteiam a construção de um nós. Obrigada por ser o melhor companheiro no barco da vida desde viagens inesquecíveis até discussões sociológicas cirúrgicas. Por ter se tornado meu cúmplice no mundo das ideias, por ser o primeiro a ouvir sobre como pensei Gaia e sobre o cuidado de si desde suas fases embrionárias. Gratidão pela paciência, compreensão e afeto em tempos de importantes mudanças, e por fazer parte da concretização dos meus sonhos. A professora Maria Lúcia Bastos-Alves que despertou em mim o interesse pela pesquisa acadêmica desde a graduação, aguçou minha curiosidade e mostrou alternativas para enxergar o mundo e suas mudanças. Obrigada pelo apoio em tempos de fragilidade e transição, e por ter apostado em mim. Pela força e amparo que me fizeram persistir e acreditar, meu mais sincero agradecimento. Aos amigos de graduação Raimundo Rodrigues, Aline Lisboa, Grazieli, Palília Nunes, Mariza Cavalcanti, Joyce Sueli, Adriana Araújo e a todos que tornaram mais leve e divertido aquele início de trajetória acadêmica. Pelo misto de alegria e seriedade que nos ajudava a estudar e a engatinhar nos primeiros passos do pensamento sociológico. Por serem parte da alteração no olhar e da construção de novas rotas no formigueiro do conhecimento. Ao professor Alex Galeno por transmitir rigor e intelecto sempre da maneira mais natural possível. Que mesmo com sua eloquência se faz pequeno na doação que é a arte de ensinar. Obrigada pelo exemplo de humildade, direcionamento e pelas doses de ânimo em momentos decisivos. Pela parceria e apoio, de perto ou de longe, minha eterna gratidão. Aos amigos que fiz durante o mestrado, Thiago Lucena, Bruno Gomes, Antonino Condorelli, Alecrides Sena, David Soares, Ana Tázia, Fagner França, Ivone Priscilla por compartilharem experiência, conhecimento, cumplicidade, vida. Por tecerem laços de amizade de maneira tão singular e perene, ao mesmo tempo. Sempre guardarei no baú da memória nossas boas conversas cheias de leveza e humor. A Ceiça Almeida por plantar em mim as interrogações científicas ainda no começo do mestrado. Por conciliar em seu espírito o afeto e o rigor, a revolução e a tranquilidade, a simplicidade e a sofisticação. Por mostrar a complexidade por meio da metamorfose da vida. Por reacender em mim, a vontade de retomar a etapa acadêmica do doutorado. Pelas aulas impregnadas de razão e paixão, sempre arrojadas. Pela energia que transmite e pelo acolhimento afetivo da escuta. Por deixar claro que devemos participar da mudança do mundo a partir de nós mesmos. Retribuo com grande carinho. Aos amigos que caminharam junto comigo em algum momento ao longo do doutorado, Gledson Moura, Ana Judite, Louize Gabriela, Mônica Reis, Maria Rita, Larissa Nunes, Lucas Fortunato, Tarcísio Dunga, Marcos Mariano e todos aqueles que repartiram conhecimento e angústias, esperança e preocupações. Iniciamos o doutorado em um período de grande velocidade de mudança. Assistimos ao golpe, ao impeachment de Dilma, a prisão de Lula, a aleição de Bolsonaro, a pandemia. Entre susto e revolta resistimos. Nos fortalecemos para seguir na luta. Ao Professor Willington Germano que com sua temperança e inteligência conduz à buscar refazer rotas no ensino-aprendizagem da vida. Que inspira pelo simples brilho no olhar e emoção de sua fala seja sobre o assunto mais corriqueiro ou mais sofisticado. Por emanar luz e generosidade, em um território por vezes árido, como pode ser o ambiente acadêmico. Meu reconhecimento por sua contribuição expressiva em minha existência. Aos amigos co-orientandos do professor Orivaldo, denominados Tetraedro, Clécio Santos, Laísa Feitosa, Dannyel Rezende, Paulo Dourian, Patrícia Gomes, Diego Castro, Anderson Tavares por serem suporte e esteio em momentos de luta e de conquista. Por compartilharem as incertezas desde a elaboração de artigos até a emissão de propostas para eventos internacionais. Com vocês aprendi muito do queexpresso nesta tese. À professora Josineide Silveira por sempre estar presente seja numa disciplina lecionada, na banca de mestrado ou agora na defesa da tese. Por nos brindar, constantemente, com sua sabedoria, espontaneidade e leveza acerca de ideias oxigenadas. Ao PPGCS/UFRN pelo apoio e incentivo, expressos na cordialidade, competência e agilidade de seus secretários Otânio Revoredo e Nicholas de Oliveira. Ao Grupo de Estudos Mythos-Logos: imaginário e parcerias do conhecimento (UFRN), e àqueles que o fazem na figura dos professores Orivaldo Lopes e Ana Laudelina, Isabel Cristine, Ozaias Batista, Raimundo Paulino, Janaína Capistrano, Cícera, Valtenci, Ana Paula Felizardo, Francisco Rocha por promoverem um espaço de reflexão, discussão e alegria. Por serem resistência em tempos de descrença à Ciência e ao pensamento crítico. Ao Grupo de Estudos da Complexidade – GRECOM, ao qual sempre me senti vinculada, mesmo sem ser assídua. A energia de vocês, certamente, ressoou em mim e está nesta produção. Aos funcionários de apoio técnico do Setor II. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro. Às amigas de escola que herdei para a vida, Ana Luíse, Juliana Patrícia, Fernanda Caldas, Isabel Helena, Juliana Cordeiro, Renata Viviane, Sara Priscilla, Amanda Furtado, Sylvia Furtado, Débora Bolonhini, Fernanda sobral, Rafaela Marinho, Amanda Lucas que na parede da memória ocupam os quadros mais coloridos e felizes. A amizade é mesmo uma união de almas. À Casa de Caridade Caminho da Luz, na figura de seus dirigentes Paulo Sérgio do Carmo e Hiram Saldanha e de todos os trabalhadores espirituais e materiais, que há 8 anos me acolheu e me orientou no caminho de cuidado e autoconhecimento. Onde tive as primeiras experiências conscientes de que o cultivo de um cuidado e zelo por mim geram uma transformação na alma, e se estende ao outro, ao mundo. Às amigas que são um pouco irmãs que a vida trouxe de presente, Carliany Baker, Nan Qi, Isabela Santos, Josilene Lopes, Camila Lemos, Andreza Soares, Núbia Pires, Gabriela Pires, Rebeca Pires cada uma a seu modo, e, em épocas diferentes, dividiram, somaram e multiplicaram alegrias, sintonia, amizade. Entre risos e lágrimas forjamos nossa cumplicidade e nos fortalecemos. Ao grupo de Reikianos do qual faço parte composto por Weider, Elias, Chrystina, Aparecida, Juscimar Gregório, Celli, Tallison e nosso mestre Padre Magno que refletem a grandeza da alma a cada partilha e escuta sensível. Por colocarem em fluxo as forças do amor e da doação. Aos ex-alunos e orientandos da Faculdade Dom Heitor Sales (FAHS), com vocês aprendi infinitamente mais do que ensinei. Vocês me nutriram de pedagogia e criatividade; de vontade e coragem para expor ideias e estimular a investigação. Certamente, fazem parte da minha história. Aos amigos que já foram alunos, hoje padres e/ou professores, Pe. Juscimar Gregório, Pe. Jarbas Batista, Jaqueline Lourenço, Pe. Adriano Antônio, Pe. Clebison Faustino, Pe. Jarbson Batista, Pe. Sérgio Alexandre pelos diálogos, trocas e afeto verdadeiro. Obrigada por serem sempre presentes! A família Lima, através da matriarca, dona Creuza Valentim de Lima, que por sua resignação e resiliência tornou-se o alicerce de todos os descendentes. Com sua doçura e sabedoria alimenta nosso espírito e aconselha com sua lucidez ativa aos 84 anos de idade. Com ela aprendemos os valores mais humanos e dignos. Que sua vitalidade permaneça por muito tempo. A família Medeiros, na figura do patriarca Severino Luiz de Medeiros, que transmitiu aos descendentes caráter e disciplina que só um agricultor poderia ensinar. Com ele aprendemos os sinais da natureza, quando o tempo ia mudar e o vento soprava diferente ou quando as formigas trabalhavam mais intensamente anunciando uma chuva. Entre humildade e resistência o seu legado se firma no dia-a-dia de nossa existência. Aos meus queridos irmãos Kleber Lima e Andréa Lima com quem pude compartilhar os primeiros sentimentos de amizade e aprender a dividir. Obrigada por serem companheiros de aventuras nos filmes e séries que assistíamos; e por saberem calar diante das oscilações da vida, sempre amorosamente. O que a fraternidade semeia é a parceria e o apoio para toda a vida. Aos meus amados pais Josefa Lima de Medeiros (in memorian) e José Florivaldo de Medeiros que me ensinaram as mais valiosas lições de amor e generosidade por meio da humildade e do exemplo. Em quem pude espelhar-me para forjar uma conduta guiada pela compaixão, altruísmo e respeito – princípios fundamentais para qualquer ser humano e professor. É uma enorme honra e felicidade ter crescido em seu lar. Agradeço por acreditarem em mim! A todos que passaram por minha vida deixando um pouco de si e levando de mim uma parte, minha mais sincera gratidão. A investigação exige muita estratégia, invenção, e se quer ser ciência, também deve ser arte. (Edgar Morin) Não podemos esperar construir um mundo melhor sem melhorar os indivíduos. (Marie Curie) Sim, tenho uma esperança demencial, ligada, paradoxalmente, à nossa pobreza existencial e ao desejo, que descubro em muitos olhares, de que algo grande nos consagre a cuidar com empenho da terra que vivemos. (Ernesto Sábato) RESUMO Os ensaios que compõem essa tese se dedicam à reflexão de questões imanentes à responsabilidade ético-política que cada um de nós deve cultivar. O que vemos na sociedade contemporânea é uma crescente destruição da Natureza, seja em nome do capital, do acúmulo e/ou da tecnologia. Mas, o que o humano não se dá conta é que ao instalar o caos, ele movimenta a força de Gaia (LATOUR, 2020), desencadeia crises irreversíveis no planeta, além de rupturas epistemológicas que nublam sua capacidade de refletir e dialogar com os regimes de enunciação (LATOUR, 2012) expressos na ciência, espiritualidade e ecologia. A disjunção entre eles e entre a dimensão da natureza e cultura – que não mais podem operar – gesta múltiplas tensões que se instauram impedindo o sujeito de uma livre possibilidade de existir. As parcerias do conhecimento (LOPES JÚNIOR, 2019) que norteiam nosso caminho nesta pesquisa são a noção de uma ciência sem dogmas (SHELDRAKE, 2015), que possa transitar pelo espaço da incerteza e que possa se expressar na voz ativa por ser consciente de que os sujeitos que a praticam estão envolvidos com suas descobertas, ao mesmo tempo em que seja mais humana por se permitir sentir. Outra parceria se deu com a noção de teia da vida (CAPRA, 1997) porque estamos implicados em uma mesma rede, somos vinculados e devemos aprender a cultivar o cuidado de si (FOUCAULT, 2010), nos voltar reflexivamente sobre nós mesmos constantemente, para desenvolver uma maneira melhor de interagir com o mundo. Logo, partimos da ideia de que esse sujeito que age em sintonia com o cuidado de si, aliado a noção de espiritualidade – entendida como a consciência do sujeito de seu pertencimento, constituída como vínculo, com a ciência, a política, a educação, a ecologia – é alguém que ilustra o significado de ser alfabetizado ecologicamente. Palavras-chave: Ciência. Cuidado de si. Espiritualidade. Ecologia. Gaia. THE THOUSAND FACES OF GAIA Essays about science, spirituality and ecology Abstract: The essays that make up this thesis are dedicated to the reflection of issues immanent to the ethical-political responsibility that each of us must cultivate. What we see in contemporary society is a growing destruction of nature, whether in the name of capital, accumulation and / or technology. But, what the human does not realize is that by installingchaos, he moves the force of Gaia (LATOUR, 2020), unleashes irreversible crises on the planet, in addition to epistemological ruptures that cloud his ability to reflect and dialogue with the regimes enunciation (LATOUR, 2012) expressed in science, spirituality and ecology. The disjunction between them and between the dimension of nature and culture – which they can no longer operate – creates multiple tensions that are installed, preventing the subject from a free possibility of existing. The knowledge partnerships (LOPES JÚNIOR, 2019) that guide our path in this research are the notion of a science without dogmas (SHELDRAKE, 2015), which can move through the space of uncertainty and which can express itself in the active voice for being aware that the subjects who practice it are involved with his discoveries, while being more human for allowing himself to feel. Another partnership took place with deep ecology (CAPRA, 1997) because we are involved in the same web, we are linked and we must learn to cultivate self-care (FOUCAULT, 2010), to reflect reflexively on ourselves constantly, and then to act on the world. Therefore, we start from the idea that this subject who acts in harmony with self-care, combined with the notion of spirituality - understood as the subject's awareness of his belonging, constituted as a link, with science, politics, education, ecology - is someone who illustrates the meaning of being ecologically literate. Keywords: Science. Care of the self. Spirituality. Ecology. Gaia. RESUMEN Los ensayos que componen esta tesis están dedicados a la reflexión de cuestiones inmanentes a la responsabilidad ético-política que cada uno de nosotros debe cultivar. Lo que vemos en la sociedad contemporánea es una creciente destrucción de la Naturaleza, ya sea en nombre del capital, la acumulación y/o la tecnología. Pero, lo que el humano no se da cuenta es que al instalar el caos, mueve la fuerza de Gaia (LATOUR, 2020), desata crisis irreversibles en el planeta, además de rupturas epistemológicas que nublan su capacidad de reflexión y diálogo con la enunciación de los regímenes. (LATOUR, 2012) expresado en ciencia, espiritualidad y ecología. La disyunción entre ellos y entre la dimensión de naturaleza y cultura – que ya no pueden operar – genera múltiples tensiones que se instalan impidiendo al sujeto una libre posibilidad de existir. Las alianzas de conocimiento (LOPES JÚNIOR, 2019) que guían nuestro camino en esta investigación son la noción de una ciencia sin dogmas (SHELDRAKE, 2015), que puede moverse por el espacio de la incertidumbre y que puede expresarse en la voz activa de la conciencia que los sujetos que lo practican se involucran con sus descubrimientos, siendo más humanos porque se permiten sentir. Otra alianza se dio con la noción de la red de la vida (CAPRA, 1997) porque estamos involucrados en la misma red, estamos vinculados y debemos aprender a cultivar el cuidarse uno mismo (FOUCAULT, 2010), a reflexionar reflexivamente sobre nosotros mismos constantemente, para desarrollar una mejor forma de interactuar con el mundo. Por tanto, partimos de la idea de que este sujeto que actúa en armonía con el autocuidado, combinado con la noción de espiritualidad – entendida como la conciencia del sujeto de su pertenencia, constituida como vínculo, con la ciencia, la política, la educaciòn, la ecología – es alguien que ilustra el significado de ser ecológicamente alfabetizado. Palabras clave: Ciencia. Cuidarse uno mismo. Espiritualidad. Ecología. Gaia. SUMÁRIO DO COSMOS ÀS PARCERIAS 13 UMA HUMANA CIÊNCIA 23 Alquimia de saberes 24 Entre luzes e metamorfoses 28 Espiritualidade e ética 32 Uma ciência que dança 42 O cientista como poeta 48 A ESPIRITUALIDADE COMO CUIDADO DE SI 54 Epiméleia heautoû, o cuidado de si mesmo 56 O cuidado necessário 61 A vida como obra de arte 68 A alma e o todo 76 Ecologia e cuidado 84 EDUCAÇÃO DA ALMA 93 Vita ativa e Homo sacer 94 Autonomia e subjetividade 101 Estimular a Percepção, fazer a Resistência 107 Espiritualidade Ecológica 114 GAIA: UMA POTÊNCIA SUSCETÍVEL 122 A linguagem de Gaia 124 Entre fluxos e criatividade 129 A Cenografia de Gaia 135 “Onde há humano, há influência humana” 141 O FUTURO ESTÁ ABERTO… 149 REFERÊNCIAS 154 ANEXO 1 159 ANEXO 2 164 13 DO COSMOS ÀS PARCERIAS Olhando o céu nos deparamos com uma dimensão do cosmos. Seja uma noite estrelada que inspira ou uma chuva de meteoros que nos cala. Seja a água que cai limpando e harmonizando. Ou trovões que inquetam e afligem. Às vezes nos oferece apenas a brisa suave, não a inspiração que queremos. Às vezes é só céu para quem não sabe ver. Aguardamos pela estrela cadente para fazer o pedido sufocado n’alma, ela não vem. O céu representa a nós mesmos. Nunca estável. Sempre em metamorfose. A metamorfose é uma palavra com grande significado na minha vida. O caminho traçado por mim, nessa existência, me fez ver o mundo com diferentes olhares: o científico que aprendi ao longo da trajetória acadêmica, o espiritualista que aprendi através do reiki e da yoga, o religioso que ganhou espaço em um momento de luto através do espiritismo, o da educação como professora e aluna que me estimulam a sempre buscar novas respostas e perguntas. O entrelaçamento desses aspectos me fizeram ver a vida pela lente da espiritualidade e, ainda, atentar para a capacidade ou necessidade de sentir que se torna ainda mais relevante em tempos de incertezas. A temática, assim como as associações que busco traçar nessa tese, adquirem um tom ensaístico. Pois, enquanto a escrevo acontece a peste que mudou para sempre nossos modos de existência. Ensaio porque as ideias ainda estão em formação, em encadeamento. Enquanto escrevo tudo se transmuta, metamorfoseia, se altera, muda. Sabemos, conscientemente, que vivemos num mundo mutável. Essa noção nos acompanha desde a infância através de nossa face refletida no espelho. Vemos os anos passarem, muitas vezes não em traços e rugas, e sim na paisagem do dia-a-dia, no entorno de nossa casa, na vitalidade (ou falta dela) nos animais de estimação, nos amigos que se afastam e retornam, e nos que não mais estão aqui. Ensaio porque esboço algo que ainda não está concluído, acabado, terminado. Ensaio porque a imaginação é terreno fértil que permite refletir, criar, inventar. O esboço não é uma imagem definida, clara ou precisa. Ele é, antes, o oposto disso. É na imprecisão de palavras ensaiadas que é possível propor novas interpretações para assuntos já discutidos, para conflitos, aparentemente, sem saída, para lutas que inquietam o espírito. Podemos fazer diferente. Inventar novas rotas por meio da arte, espiritualidade e poesia, pois elas podem ser vistas como mecanismos de preservação das tradições. Podemos ver Deus na natureza e podemos cuidar dela, sem menosprezar o cuidado conosco. Quando sabemos 14 que somos feitos da mesma partícula das águas dos mares, da terra do deserto, do pó das estrelas nossa compreensão de cuidado supõe amplitude. Ao juntar os domínios da filosofia, da espiritualidade e da ciência é possível dialogar com diferentes vozes que se religam nos fazendo olhar para trás, para aprender – ou reaprender – com os mitos, para perceber que tudo está interligado numa grande ecologia cultural. Aprender a conviver com as diferenças requer o desafio de criar saídas e estratégias, se enxergar como parte integrante de uma teia de relações que comporta o humano e o não humano e suas criações. É o elemento da coragem que reabre outros caminhos. Faz restituir a sofisticação do pensamento, sabendo que o foco é a realidade – entendida como o acordo de existência das coisas. Não esquecendo que a criatividade está na natureza, na memória, nosmitos. Nós, humanos, podemos pressentir o espírito do tempo por meio das palavras. Atuamos apenas como instrumentos; força impulsionadora. As forças criativas são o conjunto da realidade. Essas forças estão dentro do dogma da ciência. São, simultaneamente, vivência e conexão biológica. Se traduzem como oportunidade, possibilidade, ordenação. As forças criativas estão na ordem do biológico. A realidade é objetiva e subjetiva. Nós, oscilamos entre razão e afetividade. Foi pensando nessas ideias que escolhi Gaia para nomear esta tese. Por ser difícil de definir e tão incerta quanto o momento que vivemos, com mudanças cada vez mais intensas e constantes, que sua pertinência se torna ativa em territórios diversos. Seja na política, na arte, na ciência ou na espiritualidade vemos um pouco da face de Gaia. Mas o pouco que ela revela, se traduz em instabilidade e incerteza, para nós, que habitamos seu interior. Gaia foi o último conceito somado a este trabalho, porém chegou para arrematar as parcerias do conhecimento e auxiliar compreensões importantes para a intenção geral que temos aqui. Portanto, Gaia não só intitula a pesquisa, como também lhe dá vida. Explicaremos, brevemente, a seguir, seu fundamento mitológico. Evidentemente, esta não é a concepção que norteia o modo como a vemos ao longo dos capítulos, mostra antes a origem de seu nome. Na mitologia, Gaia, Gé, Terra, não é necessariamente uma deusa, é uma força que veio antes mesmo dos deuses. Marcel Détienne (apud LATOUR, 2020, p. 136) coloca a Terra como um “grande poder do começo” que não deixa de ser prolífica, perigosa, precavida, a antiga Gaia vem através de extensas efusões de sangue, vapor e terror. 15 Na verdade, nos primeiros tempos nasceu Caos, o Abismo-Enorme – e em seguida Gaia, a Terra com largos flancos –, universal morada para sempre estável dos imortais senhores dos picos do Olimpo nevado […] e Eros, aquele que é o mais belo dos deuses […]. Quanto à Terra, em primeiro lugar, ela fez nascer, igual a si mesma (ele tinha que ser capaz de escondê-la, envolvê-la inteiramente), Urano, o Céu estrelado […]. Ela pariu Teia, a Divina, Reia, Têmis, a Justa medida, Mnemosine, a Memória, Febo, a Luminosa, toda coroada de ouro, e Tétis, que inspira amor. E, depois deles, um bom caçula, Cronos, com ideias distorcidas, o mais terrível dos filhos – ele sentiu ódio por seu vigoroso pai. (DÉTIENNE apud LATOUR, 2020, p. 137) A essência da Gaia mitológica pode ser compreendida a partir de seus atributos, que assim como o que ela faz, manifestam multiplicidade, contraditoriedade, confusão. Ela, certamente, não é uma figura que inspira harmonia; passa longe de ser maternal. A questão maior é que Gaia tem mil nomes. E os rituais que ela inspirava tinham sempre um traço forte de horror. Hesíodo, poeta grego da Antiguidade, em sua obra Teogonia, narra como ela inventou uma estratégia para se desfazer do marido, Urano; chegando a criar o aço de metal branco que os filhos, manipulados por ela, usaram para torturar o pai. A maioria deles titubeia e o único que cumpre a missão é o caçula, Cronos. Na história contada por Hesíodo, Gaia possui habilidades que vão desde o terror até uma boa conselheira. Ela é astuta o suficiente para jamais cometer crimes hediondos, ao invés disso, inspira os outros a cometer vingança em seu lugar. Ao ponto de levar seus familiares em batalhas abomináveis, oferecendo-lhes conselhos maternais e proféticos, direcionados aos mesmos deuses contra os quais conspirou – Urano, Cronos, Zeus –, e isso a faz não ter sucesso nos conflitos. A Terra tem facilidade para se expressar, sempre faz previsões, prevenções, confabula os desígnios que orientam o rumo dos fatos de modo definitivo. Descrita como uma potência, com pele negra e sombria, Gaia não satisfeita em estimular Cronos a cortar com uma lança de aço as genitais de Urano, alia-se a filha Teia para incitar Zeus a derrotar o pai. Não obstante, usa sua astúcia para convencer seu filho mais novo, Tufão, para destruir o império de seu filho Zeus. Quem sai vitorioso é este último, mas a ira de Tufão afeta os humanos que passam a ser vítimas de ventos, tempestades e de ciclones. Na perspectiva dos deuses olímpicos, Gaia é sinônimo de violência, gênese e astúcia, invariavelmente antecedente e contraditória. É ligada à duplicidade. Foi Gaia quem concebeu o subterfúgio da pedra enrolada no lugar do último filho, escondido no fundo de uma caverna em Creta, esperando que ele se tornasse Zeus. Em toda essa “arqueologia” do mundo divino, Gaia demonstrou capacidade de saber o que vai advir: ela aprecia o presente em função do futuro que o habita, prefigurando assim os bons conselhos e a 16 prudência precavida que caracterizará a ação de Têmis, em vários momentos da carreira de Zeus e, em particular, quando Terra, desta vez exigente, voltará a reclamar da proliferação da espécie humana e de sua crescente impiedade em seu “largo peito”. (DÉTIENNE apud LATOUR, 2020, p. 139/140) Bruno Latour, em seu livro Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches (2002) faz uma crítica sobre a maneira como os herdeiros do iluminismo europeu enxergam a crença de povos vistos por eles como primitivos e paralelo a isso defendem a não ruptura entre as esferas da realidade dos fatos concretos e dos fetiches e feitiços, que possuem um sentido conectado a sistemas de crenças. Por isso, Latour propõe um novo vocábulo para expressar a fusão entre fato e fetiche, originando a palavra fe(i)tiche. Na consideração dos fe(i)tiches é preciso compreender apenas a postura comum ao cientista, ao aborígene e ao personagem de uma fábula diante de um objeto simbólico artificial tornado real por meio de uma construção coletiva. Neste contexto, o sociólogo francês afirma que construção e realidade, representando imanência e transcendência, convertem-se em sinônimos. Dentro da concepção do construtivismo simétrico inaugurado pelo fe(i)tichismo latouriano, a divindade é real e artificial, simultaneamente. O iluminista é incapaz, com toda a sua formalização racional de conceitos pautados pela lógica, de imaginar que uma escolha assim venha a ser desnecessária, uma vez que a própria disjunção opera de modo artificial. Na cultura ocidental, enquanto herdeira do iluminismo moderno, o que caracteriza a intenção do realista moderno, é precisamente a crença na proibição do feitiço. No entanto, para Latour, conhecimento e crença passam a ter o mesmo significado. À esta noção ele complementa dizendo que a crença não remete a uma capacidade cognitiva, e sim a uma configuração complexa pela qual os modernos constroem a si próprios ao proibirem, com o objetivo de entender suas ações, o retorno aos fetiches. Na modernidade oficial, as separações mente/mundo e natureza/cultura existem e têm um significado teórico que não figura na versão oficiosa da modernidade, ou seja, na prática dos modernos que buscam purificar os fenômenos, porém findam proliferando os híbridos, como explica Latour (1994). Caso exista crença, ela se coloca como a atividade mais complexa, mais sofisticada e crítica, ao mesmo tempo que sutil e reflexiva que há. A crença está distante de ser aquilo que os modernos queriam que ela fosse, isto é, uma prática mitológica de povos primitivos. É neste aspecto que reside a crítica latouriana ao pensamento “moderno”: olhar impregnado de pretensão à certeza absoluta. O moderno é aquele que carrega uma visão de mundo de um iluminista convicto, e sua crença se restringe 17 ao ato racional, contudo seu comportamento é pretensamente prepotente e ingênuo por entender as crenças de outros povos como absurdas. É moderno aquele que acredita que os outros acreditam, Ele sempre procura se distinguir do primitivo, por esse motivo se considera mais preparado para alcançar a realidade absoluta. Em síntese, ele concebe todos os outrostipos de crença a partir da ideia de fetiches. Envolto no dilema para saber de onde vem a força dos símbolos e dos fetiches se vem do sujeito ou da sociedade, o moderno (antifetichista) termina por reconhecer que existe um poder no coletivo, nos vínculos construídos, nas associações, nas relações. Após dissipar a fantasia do fetiche, o humano esclarecido se dá conta que, por isso mesmo, não está mais sozinho, que compartilha sua existência com uma multidão de agentes. Não sabe distinguir com clareza de onde partem as ações verdadeiras e onde há engano sobre a ação. Segundo Latour (2002, p. 29) percebe-se em um mundo “povoado por tantos aliens quanto o mundo dos fetiches”, e percebe-se, ainda, em um mundo em que o sujeito é composto, a um só tempo pela história, pela linguagem, pela política, pela ecologia, etc.. Por não saber como resolver a questão da ação, o moderno se apega à sua conclusão acerca do fetichismo e do seu orgulhoso antifetichismo. Ai que se encontra seu território de segurança, o qual está vinculado à distinção essencial entre fatos, que fundam o saber, e fetiches que fundam a ilusão. Em meio a este impasse, o moderno pretende revelar um ato de duplo julgamento: elaborar a crítica da crença religiosa e fetichista, por conceber, então, uma manipulação do sujeito que faz seus objetos fetiches. Ao passo que tece uma crítica, ainda, à noção de ação humana individual; por compreender que existe ali uma manipulação exterior. Na mente iluminista, portanto, ocorre uma diferença entre os objetos frutos da ação humana e os objetos que resultam da ação do mundo. A intenção de Latour foi evidenciar a distinção entre fetiches e expressos em objetos-encantados, provenientes da religião, moda, superstições etc.; e fatos refletidos em objetos-causa, originados pela economia, sociologia, geografia, neurociências, mecânica. Cada um deles recebe um prestígio social distinto. Onde se coloca a ciência como algo confiável, respeitável. E a não ciência, por sua vez, bem como tudo o que produz, fica relegado como um saber sem rigor. A compreensão antropológica-filosófica latouriana se fundamenta em uma clara oposição aos sistemas de crenças dos modernos, que têm seu cerne entre construção e realidade (modernidade oficial) e na rigorosa proliferação de híbridos (modernidade oficiosa). Quando elabora sua alquimia por meio de fato e fetiche, o autor realiza uma abordagem não- antropocêntrica na qual tanto humanos quanto não-humanos participam da construção da 18 realidade. Ao introduzir o neologismo fe(i)tiche, Latour destaca que em todo gesto de fabricar com as mãos, em todo tipo de manipulação, existe uma geração de autonomia. É onde o “feito” vira “coisa”, vira “feitiço”, vira “fato.” Podemos agora definir com precisão o antifetichismo: é a proibição de apreender como se passa da ação humana que fabrica às entidades autônomas que ali se formam, que ali se revelam. Ao contrário, podemos definir a antropologia simétrica como aquilo que revoga esta proibição, e confere ao fe(i)tiche um sentido positivo. O fe(i)tiche pode ser definido, portanto, como a sabedoria do passe, como aquilo que permite a passagem da fabricação à realidade. (LATOUR, 2002, p.69) A realidade é feita pela ação humana e por entidades autônomas que se mostram constantemente. Nós, os viventes, que habitamos a porção interna de Gaia somos esse misto de fato e fe(i)tiche. Ainda temos crenças como habitar Marte e destruir a natureza em nome do capital, como se não houvesse consequências. Sabemos que não construímos o mundo sozinhos. A linguagem, assim como a história e a política, nos integra e nos vincula à uma compreensão que nos ultrapassa, sem nos restringir. Esta noção elaborada por Latour foi usada como escopo nesta tese, com ele e outros autores estabelecemos parcerias do conhecimento. Como perspectiva teórico-metodológica usamos as parcerias do conhecimento, pois são aplicáveis a todas as áreas de investigação social. Tais parcerias se fundamentam como um reflexo epistemológico do pensamento complexo. Tendo em vista, o que explica Lopes Júnior (2019, p.26): Todo pesquisador “fala” e “escuta” não só um outro ser humano, mas também a uma célula, um átomo, uma planta, qualquer animal, na medida em que compreende as indicações que tais entes emitem para o mundo exterior a si e percebem as interferências que os humanos fazem em seu mundo. Quando incide uma compreensão mútua, existe a possibilidade de conceber a parceria. Por esse motivo escolhemos essa perspectiva nesta tese; sendo abrangente, nos permite ramificar para os campos além das humanidades. Aqui, a biologia, a filosofia, e a sociologia dialogam como parceiros que devem ser para traçar os caminhos de uma outra maneira de ver a ciência, um modo diferente de ser sujeito no mundo, cuidar de si mesmo e, assim, conseguir perceber que Gaia (um nome que remete à mitologia e migra para a ciência) tem diversas faces. 19 O conhecimento se elabora por meio da linguagem (como falaremos melhor no Capitulo IV) e estas se mostram como Regimes de Enunciação. De modo que a eficácia dessa relação gera conhecimento. Esses regimes se definem, como lembra Deleuze, em função do visível e do enunciável, com suas derivações, suas transformações, suas mutações. E em cada dispositivo as linhas atravessam limiares em função dos quais são estéticas, científicas, políticas, etc. As parcerias do conhecimento, por sua vez, denotam um novo vínculo de conexão que figura na complexa rede tecida entre os atores envolvidos em um certo processo. Cada regime de enunciação trabalhado nesta pesquisa por meio da ciência, espiritualidade e educação estabelece uma comunicação com o outro regime; sabendo que cada um deles, é, “em si mesmo, mais um ator em seu campo, pois tal regime é construído e objetivado como todos os outros atores pelos seres que o compõe” (Ibid, p. 55). Quando nos referimos ao sujeito no decorrer dos capítulos ele assume uma dupla forma, a saber: sujeito sujeitado (SS), os que se alienam da realidade construída pelos humanos e são obrigados a se submeter a ela, e o sujeito sujeito-de-si (SSS). Este não é independente, pois estabelece uma unidade-dupla, embora fraturada com o sujeito sujeitado. Reside no sujeito- sujeito-de-si uma qualidade subjetiva que aliado com sua dupla ajuda a construir um mundo, pois um representa a porção objetiva traduzida por artefatos, conceitos, palavras, instituições, enquanto o SSS, como coloca Lopes Júnior (2019, p. 60), “é aquele que conhece, reconhece, computa, decide”. Mesmo que seu substrato seja difícil de capturar de maneira pragmática, atua como base para todo universo humano. É do entrelace entre esses dois tipos de sujeito que nascem as Parcerias do Conhecimento, uma vez que só assim podemos compreender como o mundo é construído. Nesta pesquisa, por ser bibliográfica, traçamos parcerias do conhecimento com variados autores. O sujeito resiste a série de potências que estão ao seu redor, e é justamente essa resistência que designa o sujeito. Caso o sujeito não resista, ele se torna subordinado ao outro, submetido à autoridade que o outro exerce sobre ele. Segundo Lopes Jr., o deslocamento subjetivo é quando o que está socialmente programado para acontecer na vida do sujeito é interrompido e algo novo eclode. Isso inclui um leque de infinitas possibilidades. Com isso, o investimento no deslocamento subjetivo e a resistência ao gozo do outro resultam em um par importante para a afirmação do sujeito, pois comporta uma relevância política e epistemológica, simultaneamente. 20 Neste cenário, concebemos o primeiro capítulo sob a compreensão de uma ciência sem dogmas, como propõe o inglês Rupert Sheldrake (2014). Uma ciência mais humana, implica dizer que ela não comporta verdades absolutas, nem visões de mundo enclausuradas. Longe de querer inauguraruma nova ciência, propomos um olhar sobre aquela que já existe, mas que pode se adaptar para encontrar saídas distintas para problemas inéditos. Para isso, é preciso que se instale na ciência algo que desperte sua capacidade de sentir. Algo que permita que os cientistas, em meio às suas apreciações e compreensões, sejam capazes de perceber e admitir seus medos, sonhos e esperanças, além de conceitos e métodos. Imaginação e ciência andam de mãos dadas desde seu início, Galileu, Newton, Marie Curie, Einstein são exemplos disso. Obstinação e objetividade junto com poesia e arte dão um tempero a mais na habilidade de perceber e participar da mudança do mundo. Neste caminho, outros ingredientes são incluídos como ética e a ideia do cientista como poeta que faz com que os sujeitos ajam alicerçados em potência e ação. Assim, conseguem resistir por meio da criatividade. Parafraseando Morin, por considerar que sua interpretação nos oferece boas pistas, pensamos que a investigação exige muita estratégia e também invenção, e se quer ser ciência, deve ainda ser arte. O segundo capítulo, por sua vez, se conecta com o mundo em transformação que vemos ao nosso redor por onde quer que vamos e olhamos. E se o mundo está passando por uma metamorfose, o melhor é que possibilitemos uma mudança em nós mesmos. Evidentemente, não se trata de algo simples ou rápido. Mas, nem por isso é menos urgente. A espiritualidade como cuidado de si – noção fundamentada pelo filósofo francês Michel Foucault (2010) – é o percurso para tal alteração. Norteado por uma preocupação e inquietação consigo mesmo, longe de um sentido egocêntrico, que perpassa pela dimensão do trabalho e zelo sobre si com a intenção de recuperar o acesso a si e gerar uma redescoberta de si. Essas atitudes formam o cerne de uma arte da existência, servindo como base para uma forma de viver e conviver com os outros. Muito mais amplo do que um conceito filósofico, o cuidado de si não é reservado apenas aos filósofos, pois é um princípio válido para todos, durante toda a vida. A espiritualidade é entendida neste trabalho de tese como um conjunto de buscas, práticas e experiências tais como as purificações, as asceses, as renúncias, as conversões do olhar, as modificações de existência, etc., que formam, não para o conhecimento, mas para o sujeito, para o ser do sujeito, o preço a pagar para ter acesso à verdade. É, precisamente, na verdade e no caminho até ela que existe algo que completa o próprio sujeito, que preenche o ser mesmo do sujeito e que o transfigura. Certamente, a espiritualidade concebida através do cuidado de 21 si resulta em benefícios não apenas para o próprio sujeito que a pratica, mas também para o mundo que o cerca. Aquele que faz o cuidado de si é um cidadão do mundo. Na terceira sessão, temos a proposta de uma educação da alma. A ideia é a educação para a resistência do sujeito, que mesmo diante de uma sociedade do desempenho pautada na velocidade, na falta de tempo, no aumento do stress emocional e profissional, busca realizar sua transformação. Certamente, é uma discussão sobre uma educação para além das fronteiras institucionais. O sistema de educação que, atualmente, se baseia fortemente na eficácia, privilegiando o sistema de competição e de especialização prematura, findam por amputar as potencialidades do espírito, desviam da possibilidade das práticas de uma vida mais ampla, além de reprimir o desenvolvimento científico para o futuro. O que precisamos é cultivar a essência crítica na inteligência dos jovens. No caminho para desenvolver a emancipação é preciso estimular o aprendizado por meio da motivação. Uma sociedade pautada na ausência de liberdade já pressupõe a emancipação, como pensa Theodor Adorno (2020), considerando as variantes sociais, a relação com a linguagem e a capacidade de se expressar. A dimensão emancipatória deve proporcionar educação, cultura e ética voltadas à formação de sujeitos democráticos. A compreensão acerca da educação da alma a concebe como uma escola da vida, onde seja possível desenvolver a habilidade de perceber e atuar no mundo, um lugar onde se articule cognição, percepção, imaginação e diálogo. Em meio a isso, Prigogine concebe a criação do universo, que comporta a vida e o homem, como uma criação de possibilidades, onde nem tudo se efetua. Em nós opera uma reorganização que envolve metamorfose, bifurcações e criatividades como deslocamentos da natureza estendida e do cosmos que agem de maneira hipercomplexa e nova. Essas características nos afetam, nos movem e nos formam. Pela metamorfose nos tornamos as outras coisas, somados aos outros seres do mundo. A educação da alma conduz à uma espiritualidade ecológica. No capítulo final trazemos uma discussão sobre Gaia, considerando duas concepções sobre ela: uma biológica, a partir do inventor da teoria Gaia, James Lovelock (2014) e outra sociológica, com base em no pensador francês Bruno Latour (2020). Por Gaia ser complexa, difícil de descrever e ampla, propomos sua reflexão a partir da religação de diferentes áreas do pensamento. A intenção não é apreendê-la em sua completude e sim mostrá-la, evidenciando seus aspectos mais relevantes. Sua aproximação da sociologia é relativamente recente, portanto, é um território novo. Por esse motivo, devemos conceber um novo formato para a Terra, pois ela não é uma esfera. Gaia ocupa uma pequena membrana, um delicado envoltório de zonas críticas. Ela se constitui como um entrelaçamento de conexões 22 conflitantes. Gaia demonstra sua face suscetível à nossa ação com a mesma rapidez e intensidade que promovemos sua destruição. Ela reage ao que sente e detecta. Gaia é composta por ciclos; suas conexões são feitas através de um movimento sobre si mesma. Gaia, definitivamente, não é uma figura simpática de unificação, ou seja, a intromissão dela não unifica o que está se decompondo como as noções de Natureza e Humano. Perceber a face de Gaia, na ciência, na espiritualidade, na política nos coloca, à um só tempo, diante da mudança que devemos fazer. Portanto, nosso entendimento ideal de Globo precisa passar por uma destruição para fazer surgir em seu lugar uma obra de arte, uma estética da existência que priorize a espiritualidade para promover a redescoberta de si e consolidar o sentimento de amizade com tudo que habita Gaia. Esta estética é traduzida, ainda, como a habilidade de perceber e de estar afetado. Nós, os viventes de Gaia, precisamos aprender a fazer um percurso norteado pela espiritualidade se quisermos traçar uma nova trilha em Gaia. 23 UMA HUMANA CIÊNCIA 24 Alquimia de saberes Poesia e ciência são entidades que não se podem confundir, mas podem e devem deitar-se na mesma cama. E, quando fizerem isso, espero que dispam as velhas camisas de dormir. Mia Couto A ciência é uma das atividades mais características da espécie humana. Muito já caminhamos enquanto humanidade. Descobrimos novos caminhos na arte, passamos por distintos sistemas políticos e modelos econômicos, e experimentamos múltiplas expressões religiosas. A humanidade parece ter uma constante busca pelo novo, mas não ousa desapegar de hábitos obsoletos. Nessa trajetória, muito ficou para trás, se perdeu ou se desconectou. E, atualmente, o homem parece um ser quase vazio, e, talvez, por isso, muito suscetível à influência de dispositivos tecnológicos, propagação de inverdades, materialismo excessivo e paradigmas reducionistas. Afastando-se, assim, de uma perspectiva mais poética, contemplativa e reflexiva sobre si e sobre o mundo do qual faz parte, onde pode e deve atuar, e não apenas assistir e reagir. Há muito tempo, as ciências e as técnicas geram fascínio e medo, ao mesmo tempo.Uma vez que conferiram mais poder dos homens sobre a natureza e sobre eles mesmos; acentuando sua porção inumana. Henri Atlan (2004), em seu livro A ciência é inumana? levanta, logo nas primeiras páginas, a discussão sobre a inumanidade. E, na tentativa de responder esse questionamento, ele lança uma dupla interpretação, ao dizer: Se a inumanidade consiste em desmistificar tanto quanto possível as paixões alienantes e as ilusões humanas, inclusive as que a ciência contribui para fomentar, então não resta dúvida de que a ciência é inumana. Mas se a inumanidade consiste em submeter os corpos e as mentes ao sofrimento, à incapacidade e à ignorância, a ciência, ao contrário, é um fator insubstituível de humanidade. (ATLAN, 2004, p. 9-10) Logo, a ciência apresenta duas facetas, na visão de Atlan. Uma mais objetiva e que se distancia das emoções e outra que faz sentir, transformar, pulsar. Isso nos leva a ideia de estimular uma sensibilidade mais plena do sujeito diante de si e do mundo, talvez nessa ótica 25 resida um dos princípios fundamentais que se deve preservar para desabrochar um novo modo de conhecer da ciência. As questões do nosso tempo nos levam a questionar o que é a vida? mas, essa não é uma pergunta cabível apenas aos biólogos, ela pode inquietar filosófos ou qualquer ser humano que esteja confuso diante da profusão de dilemas e descobertas com as quais se depara no cotidiano, ainda assim não é mais uma interrogação do terreno da biologia. Saber o que é a vida nos distancia da possibilidade do fim e da morte, e essa compreensão ressoa na nossa vivência, na nossa linguagem, nas trocas simbólicas com o humano e o não-humano. A vida é uma experiência indiscutível, mas apenas uma experiência. Alinhando-se aos filósofos estóicos, entre eles Baruch de Spinoza (1632-1677), Henri Atlan considera que o poder de ação da natureza – tida como substância única – pode ser observado em todas as suas partes, ou modos particulares de existência (incluindo-se aqui o homem), por meio das leis da física, da química e de como estas se organizam nos sistemas biológicos. Dentre estes, a espécie humana, devido ao alto grau de complexidade de seu cérebro, adquiriu a capacidade da razão, à qual são paralelas as capacidades cognitivas de representação, memória, simbolização, intencionalidade, etc. Tal visão está em clara oposição à representação clássica kantiana da natureza da razão. A revolução biológica do século XX consistiu em explicar comportamentos considerados exclusivos da vida a partir de propriedades físico-químicas das moléculas. Atualmente, a única especificidade do ser vivo refere-se à complexidade de sua organização e à das funções que a acompanham. Existe, portanto, no plano biológico, um continuum entre o vivo e o não-vivo e, entre um mundo sem consciência e a consciência humana, de modo que a própria questão do que seja vida não mais pertença a seus domínios, mas sim àqueles que lidam com as experiências de significação para o homem. Assim, há um hiato cognitivo irredutível entre o conhecimento objetivo dos determinismos que nos constituem e nossa experiência de agente eficaz, de escolhas e de responsabilidade. Henri Atlan (2004) propõe, ao invés, um experimento mental radical, segundo o qual se prolongariam ficticiamente as descobertas atuais, até o dia em que se explicaria o conjunto dos comportamentos e das escolhas em relação às quais nos sentimos livres. Com isso, a moral e o sentimento de felicidade adequar-se-iam a uma existência e a uma filosofia em que nós nos perceberíamos responsáveis pelo que somos e fazemos, independentemente de uma crença metafísica no livre-arbítrio, admitindo que somos determinados a fazer o que fazemos, 26 mesmo se não o reconhecemos desta forma na experiência cotidiana. Para bem compreendê-lo é imprescindível um esforço “intelectual inusual”. A aproximação da experiência de verdadeira liberdade corresponderia a um sentimento crescente de alegria e de aquiescência para com aquilo que em nós é vivido como um processo ativo de conhecimento. Assim, o hiato entre liberdade vivida e liberdade teórica se preenche pouco a pouco, graças à progressão do conhecimento das causas. Atlan (2004) compara a nossa época aos grandes períodos de transição da humanidade – como o fim do mundo antigo e a revolução científica do século XVII – e aposta numa investigação das redefinições conceituais, como as concernentes ao determinismo, para responder afirmativamente às inéditas exigências do nosso tempo, em prol da liberdade e da felicidade humana. Segundo o cientista, é possível construir uma existência e uma filosofia que sejam felizes, assim como morais. Devemos reaprender a considerar como somos responsáveis pelo que somos e pelo que fazemos, independente de uma crença metafísica no livre-arbítrio. Questões filosóficas muito antigas, como o determinismo, a felicidade e a liberdade, se recolocam de uma maneira nova, diante de acontecimentos que exigem a reavaliação de certas evidências. O mapeamento dos caminhos onde as sensibilidades serão mais consistentes possivelmente surgirá de sujeitos que se pautem por uma auto-eco-organização (Morin). Isso implica dizer que esse sujeito de si tem uma consciência da dimensão de seu lugar no mundo, do seu entrelace com a Natureza, com o ethos e o mythos, e de seu compromisso com o futuro da espécie. As leis que ainda desafiam a base atual do nosso conhecimento científico ganharam o nome de física quântica. Uma das maiores contribuições que estas novas leis trouxeram foi a possibilidade de resgate, ou reconciliação, da ciência com a espiritualidade. Em essência, a física quântica nos deu pistas importantes de que o universo não é tão material como pensamos, mas feito de energia, que toma forma no universo manifesto mediante as escolhas da consciência (ou o olhar de um observador). Em outras palavras, fazemos parte de um grande organismo vivo chamado universo e é nossa consciência que dá forma ao mundo exterior, ou ao mundo tal qual o enxergamos. A ocupação em torno do trabalho e do consumismo não nos deixa tempo livre para processarmos significados sobre a existência. Com isto, deixamos de fazer perguntas importantes, tais como: “o que eu estou fazendo aqui?”; “por que estou infeliz?”; “qual é meu propósito de vida?”; “por que existo?”; “o que me deixa feliz?”; quando pensamos no futuro, 27 o que nos ameaça como o perigo mais iminente e intenso é a confusão entre as potências más e boas, como nos diz o ganhador do nobel de física, Werner Heisenberg (2009). Em meio às turbulências da Segunda Guerra Mundial, entre maio de 1941 e o fim de 1942, o físico quântico Werner Heisenberg redige o manuscrito intitulado A ordenação da realidade que só foi publicado bem posteriormente em 1984. Os textos filosóficos do físico alemão eram pautados pela brevidade e por certa falta de compromisso com a sistematicidade de suas ideias, o mesmo não se aplica a esse manuscrito. Esse texto foi escrito com fins pessoais, sendo acima de tudo um escrito filosófico que constitui a elaboração mais densa e sintética das ideias de Heisenberg sobre a significação epistemológica da física contemporânea e sobre o problema do conhecimento em geral. Mesmo que tenha sido redigido há 80 anos, o texto se mostra atual e pertinente. Heisenberg (2009) sempre esteve consciente de que a física moderna modificou a concepção de natureza. Para o cientista, recuperar a noção de filosofia da natureza poderia contribuir para a reunião das esferas cindidas: esfera científica, esfera ética, esfera artística. Pensar a concepção de natureza era para Heisenberg uma reflexão necessária para orientar sobre o destino do homem na Terra. Daí a importância de um diálogo interdisciplinar entre todas as esferas do conhecimento e da ação nas quais o homem se faz presente. Utilizamos opouco tempo livre que dispomos para processar significados sem relevância. Em um tempo em que a informação virou investimento (a internet hoje encontra- se disponível aonde formos), perdemos nosso precioso tempo livre consumindo uma profusão de imagens, seja por meio de séries, novelas, redes sociais e/ou reality shows sem muito significado. Este é o preço que pagamos pelo uso indiscriminado da técnica, uma vez que ela modifica profundamente o entrelace entre natureza e cultura, nossos sentimentos e valores. Isso gera uma desconexão entre nossa consciência moral e nossa consciência espiritual, de modo que não nos reconhecemos naquilo que fazemos e onde trabalhamos. Perdemos a capacidade de responder os porquês. A vida, assim, para de fazer sentido. Não processamos mais significados. E quando isto acontece, a angústia preenche o abismo do vazio existencial dentro de nós e desperta uma avalanche de sensações tóxicas que manifestam-se através de doenças físico-psico-emocionais. As visões acerca de ciência mudam de acordo com o tempo e o imaginário social e histórico. Pensar dentro do espaço da incerteza se mostra como uma singularidade essencial da filosofia. É nesse espaço que podemos e, até mesmo, devemos sair fora da linha de 28 percursos já traçados, criar e propor novos caminhos, ousar abordar conhecimentos proibidos e ideias que ainda não estão concluídas. E, assim, é possível construir uma humana ciência que tenha em seu núcleo elementos que a torne mais nômade, amorosa e criativa. Entre luzes e metamorfoses O cientista é alguém que busca o sentido da vida. É um ser inteiro, embora constituído por conexões amplas, que tem entre seus atributos a ânsia do absoluto, a vontade de poder e um impulso à rebelião. Ele olha não apenas para trás, mas para o presente e para o futuro também. Um cientista deve ser ainda um filósofo, ou seja, aquele que pensa a vida. Ele precisa ter disposição para ouvir e perceber as várias narrativas, precisa sair de si para descentra-se. Deve ter a intenção de promover a intersecção de saberes. Realidades distintas conseguem ser lidas pelo intelectual contemporâneo, jogando luz onde antes não havia. Ou ainda, pode ser compreendido como aquele que recebe em pleno rosto o facho de trevas de seu próprio tempo – como pensa o filósofo italiano Giorgio Agamben (2009) – e, com isso, faz uma verdadeira alquimia ao misturar conhecimentos diferentes, pois se alimenta de diferentes fontes. Agamben nos leva a estar no mundo e pensar como o contemporâneo deve estruturar novas realidades. Para isso, é preciso olhar para algumas urgências e a primeira delas é a exigência ético-política que se desnuda como um exercício forjado no coletivo e na intimidade. A política pode ser vista como arte do deslocamento e esta é uma proposta que está nas raízes do sujeito e na origem do vivente. Ensinar a viver é uma atitude político- contemporânea. O compartilhamento da existência expressa a construção de laços concebidos para além do sujeito. E, uma questão salutar é que não devemos sair do nosso tempo para ser contemporâneo. Em um momento onde a humanidade se mostra imersa em múltiplas crises, a lucidez dessa noção nos permite conceber que a vida, assim como a arte, se experimenta pelo sopro; que mesmo reconhecendo os limites da visão e dos fatos que nos afogam em inquietudes diversas é preciso buscar ir além… Temos que promover a sutura do tempo jogando luz. E como vamos fazer isso? Possivelmente, na dimensão do coletivo e na potência do individual, envolvendo a multiplicidade de visões, vivências e conhecimentos que estão sendo construídos neste momento e dos que já existem. 29 Ao passo que é preciso ter coragem para reconhecer a própria solidão, é necessário saber que não tecemos ideias, expomos interpretações ou explicamos acontecimentos sozinhos porque no raso ou no fundo de nossas mentes e almas sabemos que construímos o mundo a partir da sapiência. É compartilhando nossos propósitos, medos, angústias, sonhos que compartilhamos a vida e refazemos um projeto. Buscar novas maneiras de fazer Ciências nos obriga a traçar novos mapas, a formular interrogações internas intencionando caminhos alternativos e rotas não traçadas, uma vez que não temos mais fronteiras estabelecidas para barrar o fluxo de ideias, doenças e pessoas. O regime de enunciação (LATOUR, 2012) da Ciência se mostra insuficiente para compreender o mundo, e, essa percepção intensificou-se ainda mais porque estamos passando por profundas mudanças em escalas planetárias diante de um vírus que nos afasta uns dos outros e de nós mesmos, onde o caos e a desordem geram ainda mais inquietações e ansiedades. Nesse cenário, as incertezas de continuidade da vida na Terra evidenciam a necessidade de repensar, religar e propor o novo. E, podem ainda despertar nossa porção mais humana desse sono profundo ao qual estivámos entregues há tanto tempo, nos levando a gestar novas maneiras de ser e estar no mundo, de mover e deslocar. O ato de estar no mundo, que ressoa no cientista, deve ser impregnado por uma atitude de profanar, seja o sujeito ou a própria inteligibilidade; saber viver da impossibilidade. Com o seu deslocar é possível tecer um elemento intempestivo capaz de nortear a politização do conhecimento, recurso este que vai servir de suporte às bifurcações do caminho dos saberes da educação. Experimentar é um ingrediente importante na receita do cientista que ousa movimentar-se do lugar comum, que assume essa postura por não se sentir adequado e sim desconfortável com seu tempo. Ele é inatual, não coincide com seu tempo. O conceito de contemporâneo, pensado por Agamben entrelaça-se com nossa proposta de repensar a atitude do intelectual-pesquisador-cientista como um ser dotado de coragem e ousadia, um fora da ordem, que visa produzir algo não homogêneo. Escapar do paradigma sem sair dele requer uma força política. A ciência tem, simultaneamente, o compromisso de revelar e o intuito de anunciar um tipo de narrativa que constrói a realidade. E isso acontece apenas quando colocamos sentido nas coisas. O fato é que enxergamos a vida e a realidade através de lentes que movem e direcionam nossas escolhas, nossos passos e curiosidades, e, enquanto isso, a ciência se pretende decifrar. E nós, enquanto pesquisadores queremos decodificar. No entanto, isso deve ser feito por meio de uma criatividade original, singular, pertencente a cada um de nós. 30 Somente o homem é capaz de produzir ciência porque apenas ele produz linguagem. A ciência é um diálogo do homem com a natureza na visão do cientista russo-belga Ilya Prigogine (2009) e a construção, que resulta disso, perpassa pelo homem e por sua cognição. A ciência muda porque o homem muda, alterando, por consequência, seu modo de dialogar com a natureza. Assim, a ciência pode ser vista como metamorfose. Ele denomina o “ponto de bifurcação” – termo que remete à emergência de situações novas – para se referir aos pilares de um biologismo fechado que enfraquece o pensamento na área das ciências biológicas, através da incerteza e probabilidade. A tragédia e a aventura de viver são também a tragédia e a aventura de conhecer. Por isso mesmo, devemos nos afastar de conceitos fechados, da parcialidade nas explicações e do pensamento redutor. A ciência deve reconhecer a pertinência e a relevância de outros pontos de vista, incluindo os das ciências humanas, da filosofia e da arte. Prigogine é um dos intelectuais que fazem uma ciência nômade, e pensou além das barreiras de seu laboratório ao problematizar a ética da responsabilidade na ciência por questionar a separação entre ciências humanas, ciências da vida e ciências da natureza. Embora, essa ideia já flua há vários anos, aliar essa postura ao fazer científico não tem sido tarefa comum. Hoje, imersos nas incertezas, vemos, com uma clarezaquase ofuscante, que o futuro está aberto. A história humana possui uma dinâmica de inacabamento, desvios, flutuações que nos levam a novas escolhas, guiados pela liberdade e responsabilidade diante da trajetória incerta das sociedades humanas. É através da aposta na intervenção criativa do cientista no mundo, da parceria intelectual, da generosidade e da simplicidade que podemos realimentar nossas reservas cognitivas. Isabelle Stengers reflete bem isso, historiadora e filósofa da ciência, foi ainda discípula de Prigogine na Universidade de Bruxelas. Ela relata em entrevista a um grupo de pesquisadoras da USP, publicada na Revista Antropologia (2016), que sua presença na equipe dos cientistas liderados por Prigogine consista em sentir. Apesar de ali se considerar uma amadora, muito contribuía com sua experiência antropológica, ela relata que não sabia fazer os cálculos, mas era capaz de apreciar e compreender os medos, os sonhos e as esperanças dos cientistas. Ela estava lá não para dizer a eles “vocês tem que fazer tal coisa”, mas para sentir. Por isso, enxerga que uma experiência assim pode ser chamada de antropológica. 31 É preciso uma atitude ético-política diante do nosso papel de sujeitos atuantes na sociedade. Promover uma intervenção no debate entre o homem e a natureza, e a partir disso intervir, requer certa brevidade; para fazê-lo não é preciso convencer, e sim transmitir o que nos faz pensar, sentir, imaginar, mesmo em meio aos desastres e mudanças ambientais e climáticas, do capitalismo e da constatação de que o mundo mudou. Logo, a mudança é hoje uma obrigação ardente imputada em nossas mentes pelos “nossos responsáveis” (os políticos); Significa romper com a esperança e se render aos fatos. Existe uma tensão na ciência, um mal-estar. Talvez por ter se deixado aprisionar pela racionalidade e pela ilusão de objetividade. A ciência ainda opera pelo território do que é dominatório e parece ignorar sua singularidade. Não basta que nos alimentemos das inquietações, temos que nos comprometer com os enunciados que construímos; pressupondo que enunciados e conceitos não são inocentes, precisamos fazer uso da irredução, como sugere o antropólogo Bruno Latour, e passar a desconfiar dessas prerrogativas. Visando impedir a demonização dos conceitos, salientamos que se enxergados como operadores do pensamento e modelos abstratos podem ser usados como meios e não fins. Enquanto, operadores da pesquisa científica os conceitos atuam como potencializadores que precisam ser lapidados e ampliados para serem adequados ao propósito de interpretar o acontecimento do qual tratamos. Os conceitos nos permitem avançar e remover os obstáculos superficiais. Sobre a noção de conceito, Gilles Deleuze, no livro Conversações elabora que: Todo mundo sabe que a filosofia se ocupa de conceitos. Um sistema é um conjunto de conceitos. Um sistema é aberto quando os conceitos são relacionados a circunstâncias e não a essências. Mas, por outro lado, os conceitos não são dados prontos, eles não preexistem: é preciso inventar, criar os conceitos, e nisso há tanta criação e invenção quanto na arte ou na ciência. Criar novos conceitos que tenham uma necessidade, sempre foi a tarefa da filosofia. É que, por outro lado, os conceitos não são generalidades à moda da época. Ao contrário, são singularidades que reagem sobre os fluxos de pensamento ordinários: pode-se muito bem pensar sem conceito, mas desde que haja conceitos há verdadeiramente filosofia... Um conceito é cheio de uma força crítica, política e de liberdade. (DELEUZE, 1996, p. 45-46) Stengers (2015) e Deleuze (1996) nos ensinam que é preciso exercitar a autocrítica com ludicidade e inaugurar uma ciência com riso, ou seja, aprender a rir é também um recurso científico para nos afastar da rigidez e seriedade que predominam em ambientes onde se faz ciência. É inevitável perceber o poder que se dissimula por trás do discurso de autoridade ou 32 racionalista. E esse discurso não resiste às provas ou questionamentos. Existe uma urgência em criar o mundo pelas palavras. É imperativo posicionar-se! O lugar do cuidado no interior da ciência precisa ser repensado. Alguns consideraram que a Terra fosse um recurso a ser explorado, outros que era preciso protegê-la, mas ela nunca foi enxergada como poder assustador, que poderia nos destruir, e num curto período, como temos visto com mais velocidade ao longo das duas últimas décadas, atingindo seu ápice em 2020 com a pandemia. Essa constatação muda enormemente as coisas. Não se trata mais de explorar ou de proteger, mas de aprender a dar atenção. Ora, aprender a dar atenção é precisamente aquilo que a versão estatal-capitalista do progresso nos fez desaprender. Isso exige que se aprenda a pensar uma situação em todas as suas dimensões, com todas as suas consequências. Para este fim, temos necessidade de que essa situação “produza igualdade”, que ela reúna todos aqueles que se importam com ela, e de que estes estejam todos habilitados a fazer valer seu saber ou sua experiência. É isso que desaprendemos, dando o poder aos experts, mas reaprendê-lo exige a invenção de dispositivos operantes – a igualdade não deve ser formal, ela deve ser efetiva. Esse tipo de invenção é bem diferente das inovações técnicas que na verdade separam as pessoas. Aqui, trata-se de suscitar a confiança em si e nos outros, a lucidez, a capacidade de escapar das evidências já prontas. Medido em termos dessas invenções, teríamos toda uma outra definição do progresso. Espiritualidade e ética A espiritualidade pensada por Foucault (2010b) afirma que o sujeito deva conhecer a si mesmo e também trabalhar sobre si. Portanto, conhecer e trabalhar constituem atitudes com as quais o homem deve deparar-se para ter acesso à verdade. Convertendo-se a si, por conhecimento de suas inclinações, o sujeito é modificado em sua condição atual na medida em que uma nova perspectiva de si vem sobre ele e ajuda-o a se ver de forma crítica. Consciente de si e de suas verdades, este sujeito guia suas atitudes de maneira diferenciada de sua condição anterior, portanto, ascender à verdade exige do sujeito um trabalho sobre si objetivando sua transformação. À esta compreensão de espiritualidade somamos a nossa, posto que espiritualidade é o sujeito consciente de seu pertencimento, constituído como vínculo com a ciência, a política, a 33 educação, a economia, a ecologia e as consequências de suas ideias e atitudes entrelaçadas com essas esferas. Sabendo que esse vínculo age e reage, incessantemente, sobre o sujeito. A noção de espiritualidade nunca esteve separada da aquisição do conhecimento, diferentemente na modernidade, em que a aquisição da verdade ocorre unicamente pela via do conhecimento desvinculado do cuidado consigo que o indivíduo deve manter. Portanto, nessa época onde imperava o pensamento cartesiano, com a mudança de paradigmas filosóficos acerca do que é a verdade, um modo de vida pautado no cuidado para consigo se torna descartável em relação ao alcance da verdade. Voltaremos a esta discussão no capítulo seguinte. A ontologia crítica foucaultiana escava uma genealogia da alma e das nossas relações com ela. No último estágio de sua obra A Hermenêutica do sujeito (2010), Foucault recupera uma análise da existência humana, retirando-a mais uma vez do domínio do cientificamente cognoscível, não apenas liberando nossos espíritos das categorias biológicas que obscurecem a percepção de nós mesmos, mas trazendo à tona o dado de que as formas mais importantes de poder operam através de uma concepção e uma sedução da alma. Reverberando essa leitura, percebemos que o problema seminal do nosso tempo é então já não existirem problemas espirituais, além do fato que estes já não sejam sentidos como algo de decisivo e sem enganos, gera, com efeito, uma angústiasem precedentes. Longe de nos libertar do mal- estar, a questão dos problemas da humanidade se terem tornado calculáveis, acontecimentos factuais urgentes e eventualmente complicadas, porém que, em última instância, necessitam ser governadas e não vividas nem pensadas, é precisamente o que nos remete para uma certa angústia, mais intolerável ao passo que se torna mais passível de resolução. Enquanto a economia, medicina e tecnologias de toda espécie (que são sempre, em última análise, técnicas de governo) assumem a direção dos destinos humanos, os problemas espirituais (e as técnicas que transmitiam a sua experiência: poesia, filosofia, arte) deixaram de ser decisivos nos processos de formação humana. A espiritualidade remete, aqui, a uma tradição política de que quase já não há traço nos governos e oposições que temos hoje. Foucault retomou essa tradição de forma aguda, articulando formas de insurreição que fundem política e espiritualidade. Essas formas foram apreendidas inicialmente nos sonhos que falam do nosso desejo de espírito em um mundo sem espírito. Em seus textos, a espiritualidade emerge como o ato no qual conflui precisamente a diferença entre a obediência ao código, a forma externa da lei e o que ele denomina de uma vida espiritual profunda. 34 O próprio Foucault não deixa de ressaltar que essa espiritualidade está se apagando e que as antigas práticas dos mestres do cuidado de si na Antiguidade greco-romana não são a solução para os nossos problemas. De fato, o que restou dessas experiências é apenas uma provocação: um núcleo onírico, delirante, e em todo trabalho paciente de transformação de si mesmo. Resta, contudo, uma constatação: a espiritualidade permanece viva nas decisões tomadas sem a segurança de um saber ou normas dadas, nas formas de compromisso tomadas no risco absoluto. Desse modo, o mundo contemporâneo não tem como negligenciar a dimensão espiritual que atravessa nossas práticas de resistência. Isso se ainda se pretende manter viva a possibilidade concreta do exercício das liberdades. Uma política do espírito configura-se como um princípio de vivificação de um estado de ânimo entusiasmado capaz de criar uma reserva heterotópica de mundo. Trata-se de perturbar os lugares-comuns dos nossos modos de viver e pensar. Somos então levados a duas questões, a primeira: o que significa propor o diálogo da política com a esfera do espiritual, uma vez que esse deslocamento rumina quase sempre uma experiência suspeita de derrota e fundamentalismo. A segunda: como recusar, desde o espaço da formação humana, um pensamento estratégico enquanto caminho de resistência ao poder, levantando o problema dos sonhos de que ainda somos capazes? No limite, as duas questões apontam a importância de olharmos um pouco abaixo da história, o que a rompe e agita, e, ao mesmo tempo, velando "na retaguarda da política, o que deve incondicionalmente limitá-la". Um esforço, portanto, a considerar a "infelicidade dos homens" como um "resto mudo da política" diria Foucault (2010, p. 370) e da pedagogia, diríamos nós. Pois, esse resto, sabemos bem, carrega o grito do impotente, do inumano. Sua existência é aquilo que permanece indizível e intransmissível em nossas práticas de formação na atualidade. Neste percurso cognitivo, apostamos na urgência de perceber a ligação entre espiritualidade, ética e política. E que cada um carrega em si a capacidade de comprometer-se consigo e com o outro. É a espiritualidade, atrelada a ética, que vai conferir ao cientista a possibilidade de formular pesquisas e saberes mais afinados com os distintos regimes de enunciação. O distanciamento entre essas dimensões tem nos trazido graves desdobramentos e nos sediou no território do caos. 35 A questão que se coloca aqui é, precisamente, que a ética não tem lugar. Ela permeia, norteia e constrói instituições, discursos, ideologias, descobertas nos campos do pensar e do saber, da religião e da ciência, da arte e da técnica…mas até que ponto ela se reveste de um caratér meramente superficial e até onde está comprometida com o mundo? O progresso científico não tem trazido propriamente benefícios à natureza, de maneira que é preciso entender como esse avanço científico e tecnológico aconteceu, e onde e porque ele parecia, já há algum tempo, ser uma ameaça. Tudo indica que, se esse rumo persistir, redundará em altos custos para a vida humana no planeta, com a extinção dos recursos naturais e de toda a biosfera, assim como das narrativas culturais menores, levando ao assujeitamento das pessoas que estão cada vez mais controladas e com menos escolhas diante de um modo de produção que dita a lógica das interfaces relacionais. O intuito aqui é pensar uma ética que abarque essas instâncias, sem regredir ou abrir mão dos benefícios trazidos pela ciência. O desenvolvimento científico e tecnológico da segunda metade do século XX até agora, contribuiu para criar a ideia equivocada da autonomia da ciência. O que lhe conferiu um grande destaque perante outras formas de conhecimento. Em relação a essa questão, Heidegger (1997) defendia que o mundo humano havia se transformado em um universo técnico, que aprisionava todos. Em sua visão, a civilização se pauta quase exclusivamente sobre o fazer em detrimento da compreensão. O homo faber ultrapassou o homo sapiens. O êxito da tecnologia assumiu um caráter ameaçador. Desse modo, o domínio e destruição da natureza pelas ciências e pelas tecnologias se transformam no projeto central das sociedades modernas. A técnica, antes operava como um simples meio, passa então a atuar, enquanto moderna tecnologia, como a própria finalidade. O surgimento das novas tecnologias disparou o alarme sobre as graves consequências das potências tecnológicas em ação. Em razão disso, não existe mais espaço para qualquer argumentação acerca da neutralidade da ciência e da técnica. A aliança entre a ciência e a técnica passou a ser dominante e indissolúvel. Inicialmente, a ciência precisava das técnicas para realizar experiências e para verificá-las; posteriormente, um outro processo entrou em curso, onde a ciência se uniu à técnica para manipular. Ambas possuem dimensões manipuladoras com intensidades diferentes. De fato, a técnica trilha mais este caminho, e com isso, ocorre uma disjunção do desenvolvimento do conhecimento pelo conhecimento que é primordialmente científico e do desenvolvimento das manipulações e de habilidade que concernem ao campo da técnica. A era da tecnociência passou a ter poderes 36 sem precedentes. Paralelo a isso, é importante perceber que os cientistas perderam os poderes que emanavam de seus laboratórios. Tais poderes encontram-se concentrados nas figuras dos dirigentes de empresas e conglomerados e das autoridades de Estado. Inegavelmente, esses poderes passaram a agir em consonância com interesses econômicos e políticos. É necessário conceber que o desdobramento da big science leva a um saber anônimo que não mais se liga ao saber conforme o papel que cumpriu ao longo da história da humanidade, que era incorporado nas consciências, nas mentes e vidas humanas. O novo saber científico é feito para ser depositado nos bancos de dados e para ser subordinado aos meios e decisões das potências. Ocorre um verdadeiro desapossamento cognitivo, não só entre os cidadãos como também entre os cientistas, eles próprios hiperespecializados, embora nenhum deles possa controlar e verificar todo o saber produzido até o momento. A imersão da ciência em um paradoxo multiplicador se dá ora com o seu progresso, ora com a superespecialização disciplinar, o que torna os saberes incomunicáveis entre as distintas áreas do conhecimento. Ao lado dos aspectos benéficos das descobertas científicas, que propiciam a cura de doenças, além das soluções econômicas e políticas, há os aspectos nocivos e mortíferos provenientes
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