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AULA 9 - TRANSTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS DEVIDO AO USO DE ÁLCOOL

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PSIQUIATRIA I
USO DE ÁLCOOL
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Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool
Considerações gerais:
· Abuso e dependência de álcool afetam 8% da população brasileira.
· Muitas vezes é ocultado no atendimento em saúde (visto como falha de caráter ou como causa de problemática familiar que motiva o atendimento).
· Causa de danos físicos graves.
· Causa ou consequência de um transtorno mental.
· Situação estigmatizante.
· Enorme impacto na saúde pública
Características associadas:
· Frequentemente usado para alívio de sintomas indesejáveis ou para cobrir ausência de outras substâncias (cannabis, cocaína, heroína, anfetaminas, sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos).
· Transtornos de conduta, depressão, ansiedade ou insônia frequentemente acompanham consumo intenso (muitas vezes o antecedendo).
Comorbidades psiquiátricas:
· TAB
· Esquizofrenia
· Transtorno de personalidade anti-social
· Transtornos ansiosos ou depressivos.
· Intoxicação ou abstinência podem induzir sintomas depressivos temporários.
Danos sistêmicos:
· Gastrite, úlceras estomacais e duodenais, cirrose hepática ou pancreatite (em 15% dos usuários em grande quantidade), câncer de esôfago e estômago.
· Hipertensão leve.
· Miopatias (incluindo miocardiopatias).
· Risco elevado de cardiopatias (miocardiopatias associadas a alterações metabólicas).
· Maior risco de traumatismos.
· Supressão imunológica aumentando risco de infecções ou câncer.
Danos neuropsiquiátricos:
· Fraqueza muscular, parestesias e diminuição da sensibilidade periférica.
· Déficits cognitivos, mnêmicos, degeneração cerebelar, lesão diencefálica.
· Deficiência de vitamina B.
· Transtorno amnéstico persistente induzido por álcool (Síndrome de Wernicke-Korsakoff).
· Aumento de risco de suicídio (URSS, década de 80, racionamento de bebida alcoólica por um ano levou à queda de 32% no número de suicídios).
Modelos Etiológicos:
· Ação no sistema opióide endógeno, aumentando a liberação de dopamina no sistema de recompensa (atividade 100 vezes maior do que em situações cotidianas de prazer).
· Adaptação de prejuízo dificultando a ação do álcool nas células (causando tolerância).
· Adaptação de oposição tentando compensar efeito da droga produzindo um efeito oposto (causando síndrome de abstinência).
· Padrão genético familiar explica 40 a 60% da variação de risco.
· Polimorfismo de genes metabolizadores da álcool-desidrogenase e aldeído-desidrogenase em 40% dos japoneses, coreanos, chineses e respectivos descendentes (causando reações adversas quando do consumo – proteção indireta para dependência).
Outros fatores:
· Cultura: países onde há proibição religiosa (islâmicos) tem prevalência menor de T.R.A.
· Famílias com um dos pais dependente, porém estruturadas (mantém-se juntas nas refeições, em festas tradicionais e datas comemorativas, relação com outras famílias), tem índice de repetição do transtorno em outro familiar bastante reduzido.
Impacto Global:
· 3,8% das mortes e 4,6% dos anos perdidos por incapacidade em todo o mundo são decorrentes do álcool.
· 3,6% da população mundial de 15 a 64 anos de idade apresentam transtorno por uso de álcool atualmente, com prevalência de 1,1% na África, 5,2% nas Américas e 10,9% no Leste Europeu.
· 20% das admissões em U.T.I em hospitais de centros urbanos tem relação direta ou indireta com o álcool.
Impacto Nacional:
· Acréscimo de 74,53% no consumo entre 1970 e 1996 (superando crescimento populacional do período, estimado em 65%).
· Nas maiores cidades do Brasil, os níveis de dependência do álcool chegam a 11,2%.
· Estudo de 2006: 9,8% em cidade do Interior de SP.
· Responsável por 85% das internações por uso de drogas, 20% das internações em clínica geral e 50% das internações psiquiátricas.
· 61% das pessoas envolvidas em acidentes de trânsito em Recife, Brasília, Curitiba e Salvador tiveram álcool detectado no sangue.
· Gasto estimado com consequência de problemas relacionados ao álcool: 7,3% do PIB
EFEITOS DO ÁLCOOL:
Considerações gerais:
· O termo álcool se refere a um grande grupo de moléculas orgânicas que têm um grupo de hidroxila (–OH) ligado a um átomo saturado de carbono. Álcool etílico, também denominado etanol, é a forma comum do álcool; às vezes referido como álcool potável, o álcool etílico é utilizado para ingestão.
· O paladar e os sabores de bebidas alcoólicas resultam dos métodos de elaboração, os quais originam diversos congêneres no produto final, incluindo metanol, butanol, aldeídos, fenóis, taninos e traços de diversos metais. Embora os congêneres possam conferir alguns efeitos psicoativos diferenciais nas diversas bebidas alcoólicas, essas diferenças são mínimas em comparação aos efeitos do próprio etanol.
· Considera-se uma única dose a quantidade de 12 g de etanol, que é o conteúdo de 355 mL de cerveja (teor de 3,6%), um copo de 118 mL de vinho não fortificado, ou 30 a 45 mL de destilado com 40% de etanol (p. ex., uísque ou gim). Contudo, ao calcular a ingestão de álcool do paciente, o clínico deve estar ciente de que há variação no teor alcoólico de cervejas, as quais estão disponíveis em embalagens com quantidades diferentes, de que copos de vinho variam de 60 a 175 mL e de que coquetéis em alguns bares e na maioria das residências contêm de 60 a 90 mL de destilados. Ainda assim, ao usar o tamanho moderado de bebidas alcoólicas, o clínico pode estimar que uma dose de álcool eleve o nível de álcool no sangue de um homem de 68 kg em 15 a 20 mg/ dL, o que é aproximadamente a concentração de álcool que uma pessoa comum consegue metabolizar em 1 hora.
· Possíveis efeitos benéficos do álcool foram divulgados, especialmente por seus fabricantes e distribuidores de álcool. Destinou-se atenção principalmente para alguns dados epidemiológicos que sugerem que 1 ou 2 cálices de vinho tinto por dia reduzem a incidência de doenças cardiovasculares; esses achados, no entanto, são bastante controversos.
Absorção:
· Aproximadamente 10% do álcool consumido é absorvido a partir do estômago e o restante a partir do intestino delgado. O auge da concentração de álcool no sangue é atingido após 30 a 90 minutos e normalmente entre 45 e 60 minutos, dependendo se o álcool foi ingerido com o estômago vazio (o que intensifica a absorção).
· O tempo até o pico de concentração sanguínea também depende do tempo que levou para o álcool ser consumido; a ingestão rápida reduz o tempo até a o pico de concentração, e a ingestão lenta aumenta. A absorção é mais rápida com bebidas que contêm de 15 a 30% de álcool.
· Há controvérsia sobre se a carbonação (p. ex., no champanha e em coquetéis com água gaseificada) intensifica a absorção do álcool. O corpo dispõe de mecanismos de proteção contra grandes quantidades de álcool. Por exemplo, se a concentração de álcool no estômago se torna elevada demais, o corpo secreta muco e a válvula pilórica se fecha. Essas ações reduzem a absorção e impedem que o álcool passepara o intestino delgado, onde não há obstáculos significativos para a absorção. Dessa forma, uma grande quantidade de álcool pode permanecer sem absorção no estômago durante horas.
· Ademais, piloroespasmo costuma resultar em náusea e vômito.
· Assim que o álcool é absorvido na circulação, ele é distribuído para todos os tecidos do corpo. Como ele se dissolve uniformemente na água corporal, tecidos contendo uma grande proporção de água recebem uma concentração elevada de álcool.
· Os efeitos intoxicantes são maiores quando a concentração de álcool no sangue aumenta do que quando se reduz (efeitos Mellanby). Por isso, a taxa de absorção influencia diretamente a resposta de intoxicação.
Metabolismo:
· Aproximadamente 90% do álcool absorvido é metabolizado por meio de oxidação no fígado; os 10% restantes são excretados inalterados pelos rins e pulmões.
· A taxa de oxidação pelo fígado é constante e independe das exigências de energia do corpo. O corpo pode metabolizar cerca de 15 mg/dL por hora, com uma variação de 10 a 34 mg/dL por hora. Ou seja, uma pessoa comum oxida 22 mL de 40% de álcool em uma hora.
· Em indivíduoscom história de consumo excessivo de álcool, a suprarregulação das enzimas necessárias resulta em rápido metabolismo da substância. O álcool é metabolizado por duas enzimas: álcool desidrogenase (ADH) e aldeído desidrogenase.
· A ADH catalisa a conversão de álcool em acetaldeído, que é um composto tóxico; a aldeído desidrogenase catalisa a conversão de acetaldeído em ácido acético. A aldeído desidrogenase é inibida por dissulfiram, frequentemente utilizado no tratamento de transtornos relacionados ao álcool.
· Alguns estudos demonstraram que mulheres apresentam uma concentração sanguínea de ADH menor do que homens, o que pode explicar a tendência de uma mulher ficar mais intoxicada que um homem após ingerir a mesma quantidade de álcool.
· A redução do funcionamento das enzimas metabolizadoras de álcool em alguns indivíduos asiáticos também pode levar a uma intoxicação mais fácil e a sintomas tóxicos.
Efeitos Comportamentais:
Como resultado final das atividades moleculares, o álcool funciona como depressor, assim como os barbitúricos e benzodiazepínicos, com os quais o álcool apresenta, parcialmente, tolerância cruzada e dependência cruzada. Em um nível de 0,05% de álcool no sangue, pensamento, discernimento e inibição são relaxados e às vezes perturbados. Em uma concentração de 0,1%, atos motores voluntários normalmente se tornam percepti-628 Compêndio de Psiquiatria velmente desajeitados. Na maioria dos Estados Unidos, a intoxicação legal varia de 0,1 a 0,15% de álcool no sangue. Em 0,2%, a depressão da função de toda a área motora do cérebro pode ser medida, e as partes do cérebro que controlam o comportamento emocional também são afetadas. Em 0,3%, o indivíduo normalmente fica confuso ou entra em estupor; em 0,4 a 0,5%, entra em coma. Em níveis mais elevados, os centros primitivos do cérebro que controlam a respiração e a frequência cardíaca são afetados, e ocorre morte secundária a depressão respiratória direta ou a aspiração de vômito. Indivíduos com histórias antigas de abuso de álcool, no entanto, podem tolerar concentrações muito mais elevadas do que pessoas com baixo consumo de álcool; sua tolerância à substância pode causar a impressão errônea de que estão menos intoxicados do que de fato estão.
Efeitos no Sono:
· Embora o álcool consumido à noite normalmente aumente a facilidade em adormecer (redução da latência do sono), também tem efeitos adversos sobre a arquitetura do sono.
· Especificamente, o uso de álcool está associado a diminuição do sono do movimento rápido dos olhos (sono REM ou sono com sonhos) e do sono profundo (estágio 4) e maior fragmentação do sono, com episódios mais frequentes e mais longos de vigília.
· Portanto, a noção de que ingerir álcool ajuda a dormir é um mito
Efeitos Hepáticos:
· Os principais efeitos adversos do uso de álcool estão relacionados a lesões no fígado.
· O uso de álcool, mesmo que de curta duração, como episódios semanais de aumento de consumo, pode resultar em acúmulo de gorduras e proteínas, as quais produzem a aparência de um fígado gorduroso, às vezes encontrado em exames físicos como um fígado aumentado (hepatomegalia).
· A associação entre a infiltração de gorduras no fígado e lesões hepáticas graves ainda é incerta.
· O uso de álcool, no entanto, está associado ao desenvolvimento de hepatite alcoólica e cirrose hepática.
Efeitos no TGI:
· O consumo intenso de álcool em longo prazo está associado ao desenvolvimento de esofagite, gastrite, acloridria e úlceras gástricas.
· O desenvolvimento de varizes esofágicas pode acompanhar abuso de álcool particularmente intenso; a ruptura dessas varizes é uma emergência médica que costuma resultar em morte por hemorragia.
· Distúrbios do intestino delgado ocorrem eventualmente, e pancreatite, insuficiência pancreática e câncer pancreático também estão associados ao uso intenso da substância.
· A ingestão intensa de álcool pode interferir nos processos normais de digestão e absorção dos alimentos; como resultado, os alimentos consumidos são digeridos de forma inadequada.
· O abuso de álcool também parece inibir a capacidade do intestino de absorver diversos nutrientes, como vitaminas e aminoácidos.
· Esse efeito, em conjunto com hábitos alimentares com frequência inadequados dos indivíduos com transtornos relacionados ao álcool, pode causar graves deficiências vitamínicas, sobretudo das vitaminas do complexo B.
Efeitos em outros sistemas:
· A ingestão significativa de álcool foi associada a aumento da pressão arterial, desregulação do metabolismo de lipoproteínas e triglicerídeos e aumento do risco de infarto do miocárdio e de doença cerebrovascular. 
· Demonstrou-se que ele afeta o coração de indivíduos não alcoolistas que normalmente não ingerem álcool, aumentando a descarga cardíaca em repouso, a frequência cardíaca e o consumo de oxigênio do miocárdio. 
· Evidências indicam que a ingestão de álcool pode afetar de modo adverso o sistema hematopoiético e aumentar a incidência de câncer, especialmente na cabeça, no pescoço, no esôfago, no estômago, no fígado, no colo e no pulmão.
· Intoxicação aguda também pode estar associada a hipoglicemia, que, quando não identificada, pode ser responsável por parte das mortes súbitas de indivíduos intoxicados.
· Fraqueza muscular é outro efeito colateral do alcoolismo.
· Evidências recentes mostram que a ingestão de álcool aumenta a concentração sanguínea de estradiol em mulheres. O aumento de estradiol está correlacionado com o nível de álcool no sangue
Efeitos Laboratoriais:
· Os efeitos adversos do álcool aparecem em testes de laboratório comuns, que podem auxiliar no diagnóstico para identificar indivíduos com transtornos relacionados ao álcool.
· Os níveis de γ-glutamil (gama gt) transpeptidase são elevados em cerca de 80% dos indivíduos com transtornos relacionados ao álcool, e o volume corpuscular médio (VCM) é elevado em cerca de 60%, mais em mulheres do que em homens.
· Outros valores de testes laboratoriais que podem ter resultados elevados em associação ao abuso de álcool são os de ácido úrico, triglicerídeos, aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT).
Interações Medicamentosas:
· As interações entre álcool e outras substâncias podem ser perigosas e até mesmo fatais. Determinadas substâncias, como álcool e fenobarbital, são metabolizadas pelo fígado, e seu uso prolongado pode levar à aceleração do metabolismo.
· Quando o indivíduo com transtorno relacionado ao álcool está sóbrio, esse metabolismo acelerado o deixa excepcionalmente tolerante a vários fármacos, como sedativos e hipnóticos; durante a intoxicação, no entanto, esses fármacos competem com o álcool pelos mesmos mecanismos de desintoxicação, e concentrações potencialmente tóxicas de todas as substâncias envolvidas podem se acumular no sangue.
· Os efeitos do álcool e de outros depressores do SNC costumam ser sinérgicos. Sedativos, hipnóticos e fármacos que proporcionam o alívio de dor, de náusea causada por movimento, de resfriados e de sintomas alérgicos devem ser usados com cautela por indivíduos com transtornos relacionados ao álcool.
· Narcóticos deprimem as áreas sensoriais do córtex cerebral e podem produzir analgesia, sedação, apatia, entorpecimento e sono; doses elevadas podem resultar em falência respiratória e morte. Aumentar a dosagem de fármacos sedativo-hipnóticos, como hidrato de cloral e benzodiazepínicos, especialmente quando combinados com álcool, produz uma gama de efeitos desde sedação, passando por prejuízo motor e intelectual, até estupor, coma e morte.
· Como sedativos e outros fármacos psicotrópicos podem potencializar os efeitos do álcool, deve-se instruir os pacientes sobre os perigos de se combinar depressores do SNC e álcool, sobretudo ao dirigir ou operar maquinário
TRANSTORNOS POR ÁLCOOL
Sinais de intoxicação alcoólica:
1. Fala arrastada
2. Tontura
3. Incoordenação
4. Instabilidade na marcha
5. Nistagmo
6. Prejuízo na atenção ou memória
7. Estupor ou coma
8. Visão dupla
Sintomatologia por nível de intoxicação:
· 20-30 mg/dL Desempenho motormais lento e redução da capacidade de raciocínio
· 30-80 mg/dL Aumento dos problemas motores e cognitivos
· 80-200 mg/dL Aumentos na incoordenação e de erros de julgamento Labilidade do humor Deterioração da cognição
· 200-300 mg/dL Nistagmo, fala arrastada acentuada e apagões alcoólicos
· 300 mg/dL Prejuízo dos sinais vitais e possível morte
Abstinência Alcoólica:
· O sinal clássico de abstinência de álcool é tremor, embora o espectro de sintomas possa se expandir para incluir sintomas psicóticos e de percepção (p. ex., delírios e alucinações), convulsões e os sintomas de delirium tremens.
· Tremores (normalmente chamados de “tremedeira”) se desenvolvem de 6 a 8 horas após a interrupção do consumo, convulsões, em 12 a 24 horas, e DTs, a qualquer momento durante as primeiras 72 horas, embora médicos devam estar atentos para o desenvolvimento de DTs durante a primeira semana de abstinência.
Clínica da abstinência:
· A síndrome de abstinência às vezes não segue a progressão normal e, por exemplo, apresenta diretamente DTs.
· O tremor da abstinência de álcool pode ser semelhante ou a umtremor fisiológico, com um tremor contínuo de grande amplitude, ou a um tremor familiar, com explosões de atividade de tremor mais lentas.
· Outros sintomas de abstinência incluem irritabilidade geral, sintomas gastrintestinais (p. ex., náusea e vômito) e hiperatividade simpática autonômica, incluindo ansiedade, excitação, sudorese, rubor facial, midríase, taquicardia e hipertensão leve.
Convulsões de Abstinência:
· Convulsões associadas à abstinência de álcool têm características estereotipadas, generalizadas e são tônico-clônicas.
· Os pacientes costumam ter mais de uma convulsão 3 a 6 horas após a primeira ocorrência.
· Embora anticonvulsivantes não sejam necessários para o manejo de convulsões de abstinência, a causa da convulsão é difícil de estabelecer durante a primeira avaliação do paciente na sala de emergência; portanto, muitos pacientes com convulsões de abstinência recebem medicamentos anticonvulsivantes, os quais são descontinuados assim que a causa das convulsões é identificada.
· Atividade convulsiva em indivíduos com história conhecida de abuso de álcool ainda assim deve despertar no clínico a consideração de outros fatores causais, como lesões na cabeça, infecções do SNC, neoplasias do SNC e outras doenças cerebrovasculares; abuso de álcool grave de longa duração pode resultar em hipoglicemia, hiponatremia e hipomagnesemia – sendo que todas essas condições podem estar associadas a convulsões.
Tratamento das abstinências:
· A principal medicação para o controle dos sintomas de abstinência de álcool são os benzodiazepínicos
· Vários estudos descobriram que eles ajudam a controlar a atividade convulsiva, delirium, ansiedade, taquicardia, hipertensão, diaforese e tremor associado à abstinência de álcool.
· Os benzodiazepínicos podem ser ministrados por via oral ou parenteral; nem diazepam, nem clordiazepóxido, no entanto, devem ser administrados por via intramuscular (IM), devido a sua absorção errática por essa rota.
· Os médicos devem titular a dosagem do benzodiazepínico, começando com uma dosagem elevada, reduzindo-a conforme a recuperação do paciente
· Devem ser administrados benzodiazepínicos suficientes para manter o paciente calmo e sedado, mas não a ponto de não poder ser despertado para que o clínico aplique os procedimentos adequados, incluindo exames neurológicos
· Embora benzodiazepínicos sejam o tratamento-padrão para abstinência de álcool, estudos demonstraram que a carbamazepina em doses diárias de 800 mg é tão eficaz quanto os benzodiazepínicos, com a vantagem adicional de mínima chance de abuso.
DELIRIUM TREMENS:
Características:
· Pacientes com sintomas reconhecidos de abstinência de álcool devem ser monitorados com atenção para impedir a progressão para delirium por abstinência de álcool, a forma mais grave da síndrome de abstinência, também conhecido como DTs.
· O delirium por abstinência de álcool é uma emergência médica que pode resultar em morbidade e mortalidade significativas. Pacientes com delirium são um perigo para si mesmos e para outros.
· Devido à imprevisibilidade de seu comportamento, esses pacientes podem ser agressivos ou suicidas, ou podem agir em resposta a alucinações ou pensamentos delirantes como se fossem perigos genuínos.
· Sem tratamento, o DTs tem um índice de mortalidade de 20%, geralmente como resultado de uma doença médica intercorrente, como pneumonia, doença renal, insuficiência hepática ou insuficiência cardíaca. Embora convulsões de abstinência normalmente antecedam o desenvolvimento de delirium por abstinência de álcool, o delirium também pode surgir inesperadamente.
· A característica fundamental da síndrome é delirium com ocorrência no período de uma semana depois da cessação ou redução da ingestão de álcool.
· Além dos sintomas de delirium, as características de delirium por intoxicação de álcool incluem hiperatividade autonômica, como taquicardia, diaforese, febre, ansiedade, insônia e hipertensão; distorções da percepção, mais frequentemente alucinações visuais ou táteis; e níveis flutuantes de atividade psicomotora, que vão de hiperexcitabilidade a letargia.
· Aproximadamente 5% dos indivíduos com transtornos relacionados ao álcool que requerem hospitalização têm DTs.
· Como a síndrome normalmente se desenvolve no terceiro dia de internação, um paciente admitido devido a uma condição não relacionada pode inesperadamente ter um episódio de delirium, o primeiro sinal de um transtorno relacionado ao álcool não diagnosticado.
· Episódios de DTs costumam ter início na faixa dos 30 aos 40 anos de idade, após 5 a 15 anos de consumo intenso, geralmente do tipo compulsivo.
· Uma doença física (p. ex., hepatite ou pancreatite) predispõe à síndrome; um indivíduo que goza de boa saúde raramente tem DTs durante a abstinência de álcool.
Tratamento:
· O melhor tratamento para DTs é prevenção.
· O paciente em abstinência de álcool que exibe fenômenos de descontinuação deve ser medicado com benzodiazepínicos, como 25 a 50 mg de clordiazepóxido a cada 2 a 4 horas até evidências de que esteja fora de perigo.
· Assim que o delirium surge, no entanto, 50 a 100 mg de clordiazepóxido devem ser ministrados a cada 4 horas VO, ou lorazepam deve ser administrado via intravenosa (IV) caso medicação oral não seja possível.
· Medicamentos antipsicóticos que podem reduzir o limiar convulsivo devem ser evitados. Uma alimentação rica em calorias e carboidratos, complementada por multivitamínicos, também é importante
· Conter fisicamente o paciente com DTs é arriscado; ele pode lutar contra as contenções até um nível perigoso de exaustão. Quando está turbulento e fora de controle, pode-se usar uma sala de reclusão.
· A desidratação, frequentemente exacerbada por diaforese e febre, pode ser corrigida com administração oral ou intravenosa de líquidos.
· Anorexia, vômito e diarreia costumam ocorrer durante a abstinência.
· Medicamentos antipsicóticos devem ser evitados porque podem reduzir o limiar convulsivo.
· O surgimento de sintomas neurológicos focais, lateralidade de convulsões, aumento da pressão intracraniana ou evidências de fraturas no crânio ou outras indicações de patologia do SNC devem levar o clínico a examinar o paciente em busca de uma nova doença neurológica.
· Medicamentos anticonvulsivantes não benzodiazepínicos não ajudam a impedir nem tratar convulsões resultantes de abstinência de álcool, embora benzodiazepínicos costumem ser eficazes.
· A psicoterapia de apoio no tratamento de DTs é fundamental. O paciente costuma ficar desnorteado, assustado e ansioso devido aos sintomas perturbadores, e o apoio verbal competente se faz imperativo.
DEMÊNCIA ALCOÓLICA
Características:
· Demência persistente induzida por álcool é um problema cognitivo de longo prazo, heterogêneo e pouco estudado, que pode se desenvolver no curso do alcoolismo.
· Observam-se reduções globais do funcionamento intelectual, das capacidades cognitivas e da memória, mas dificuldades na memóriarecente são consistentes com o prejuízo cognitivo global, uma observação que ajuda a distinguir essa condição do transtorno amnéstico persistente induzido por álcool.
· Há a tendência de melhora do funcionamento cerebral com a abstinência, mas talvez metade de todos os pacientes afetados apresente deficiências de longo prazo e até mesmo permanentes na memória e no pensamento.
· Aproximadamente 50 a 70% desses pacientes apresentam evidência de aumento do tamanho dos ventrículos encefálicos e diminuição dos sulcos cerebrais, embora essas alterações pareçam ser parcial ou completamente reversíveis durante o primeiro ano de abstinência total.
AMNÉSIAS ALCOÓLICAS:
Definição:
· A característica fundamental do transtorno amnéstico persistente induzido por álcool é uma perturbação na memória de curto prazo causada pelo uso intenso de álcool.
· Como o transtorno geralmente ocorre em indivíduos que consomem álcool intensamente há vários anos, é raro em indivíduos com menos 35 anos de idade
Apagões alcoólicos:
· Apagões são semelhantes a episódios de amnésia global transitória, uma vez que constituem episódios distintos de amnésia anterógrada que ocorrem em associação com intoxicação por álcool.
· Os períodos de amnésia podem ser particularmente aflitivos quando o indivíduo teme ter machucado alguém sem perceber ou tenha agido de forma imprudente enquanto intoxicado.
· Durante um apagão, o indivíduo retém a memória remota de modo relativamente intacto, mas experimenta um déficit específico na memória de curto prazo, que o impossibilita de relembrar eventos que ocorreram nos 5 ou 10 minutos anteriores.
· Como suas outras faculdades intelectuais se mantêm preservadas, ele pode desempenhar tarefas complexas e parecer normal ao observador casual.
· Os mecanismos neurobiológicos para apagões alcoólicos atualmente são conhecidos em nível molecular; o álcool bloqueia a consolidação de novas memórias em memórias antigas, um processo que, acredita-se, envolva o hipocampo e estruturas relacionadas do lobo temporal
WERNIKE/KORSAKOFF:
Caracterização:
· A denominação clássica para transtorno amnéstico persistente induzido por álcool é composta porencefalopatia de Wernicke (um conjunto de sintomas agudos) e síndrome de Korsakoff (uma condição crônica).
· Enquanto a encefalopatia de Wernicke é totalmente reversível com tratamento, apenas 20% dos pacientes com síndrome de Korsakoff se recuperam.
· A conexão fisiopatológica entre as duas síndromes é deficiência de tiamina (vitamina B1), causada por maus hábitos nutricionais ou por problemas de absorção. 
· A tiamina é um cofator de várias enzimas importantes e também pode estar envolvida na condução do potencial de ação ao longo do axônio e na transmissão sináptica.
· As lesões neuropatológicas são simétricas e paraventriculares, envolvendo corpos papilares, o tálamo, o hipotálamo, o mesencéfalo, a ponte, a medula, o fórnice e o cerebelo.
· A encefalopatia de Wernicke, também chamada de encefalopatia alcoólica, é um transtorno neurológico agudo caracterizado por ataxia (que afeta principalmente a marcha), disfunção vestibular, confusão e uma variedade de anormalidades de motilidade ocular, incluindo nistagmo horizontal, paralisia orbital lateral e paralisia do olhar conjugado.
· Esses sinais oculares costumam ser bilaterais, mas não necessariamente simétricos. Outros sinais oculares podem incluir uma reação lenta à luz e anisocoria.
· A encefalopatia de Wernicke pode desaparecer espontaneamente em alguns dias ou semanas, ou pode progredir para síndrome de Korsakoff.
Tratamento:
· Nos estágios iniciais, a encefalopatia de Wernicke reage rapidamente a grandes doses de tiamina parenteral, que se acredita ser eficaz na prevenção da progressão para síndrome de Korsakoff.
· A dosagem de tiamina costuma ser iniciada em 100 mg via oral de 2 a 3 vezes por dia e continua durante 1 a 2 semanas. Em pacientes com transtornos relacionados ao álcool que recebem administração IV de solução de glicose, a boa prática recomenda incluir 100 mg de tiamina em cada litro de solução de glicose.
· A síndrome de Korsakoff é a síndrome amnéstica crônica que pode se seguir à encefalopatia de Wernicke, e acredita-se que as duas síndromes possam ter relação fisiopatológica.
· As características principais da síndrome de Korsakoff são a síndrome de prejuízo mental (especialmente a memória recente) e amnésia anterógrada em um paciente alerta e responsivo.
· O paciente pode ou não apresentar o sintoma de confabulação.
· O tratamento da síndrome de Korsakoff também consiste em 100 mg de tiamina administrada via oral 2 a 3 vezes ao dia; o regime de tratamento deve continuar de 3 a 12 meses.
· Poucos pacientes que progridem para síndrome de Korsakoff chegam a se recuperar totalmente, embora vários apresentem melhoras em suas capacidades cognitivas com tiamina e apoio nutricional.
PSICOSE ALCOOLICA:
Características:
· Aproximadamente 3% dos indivíduos alcoolistas experimentam alucinações auditivas ou delírios paranoides no contexto do consumo pesado ou abstinência de álcool.
· As alucinações auditivas mais comuns são vozes, mas elas costumam ser desestruturadas. As vozes são caracteristicamente caluniosas, repreensivas ou ameaçadoras, embora alguns pacientes relatem que elas sejam agradáveis e não perturbadoras.
· As alucinações normalmente duram menos de uma semana, mas durante esse período frequentemente há prejuízo no teste de realidade.
· Depois do episódio, a maioria dos pacientes percebe a natureza alucinatória dos sintomas.
· Alucinações após a abstinência de álcool são consideradas raras, e a síndrome é diferente do delirium por abstinência de álcool.
· As alucinações podem ocorrer em qualquer idade, mas normalmente surgem em indivíduos que abusam de álcool durante um longo período.
· Embora elas normalmente se resolvam no prazo de uma semana, algumas permanecem; nesses casos, o clínico deve considerar outros transtornos psicóticos no diagnóstico diferencial.
· Alucinações relacionadas à abstinência de álcool se diferenciam das alucinações de esquizofrenia devido à ausência de uma história de esquizofrenia clássica e devido a sua curta duração.
· Alucinações relacionadas à abstinência de álcool se diferenciam de DTs pela presença de um sensório claro no paciente.
· O tratamento para alucinações relacionadas à abstinência de álcool é muito semelhante ao tratamento de DTs – benzodiazepínicos, nutrição adequada e líquidos, caso necessário. Se esse regime não surtir efeito, ou para casos de longa duração, podem-se usar antipsicóticos
TRANSTORNOS DE HUMOR INDUZIDOSPOR ALCOOL:
Caracterização:
· A ingestão intensa de álcool ao longo de vários dias resulta em vários dos mesmos sintomas observados no transtorno depressivo maior, mas a intensa tristeza melhora acentuadamente no prazo de vários dias até um mês de abstinência.
· Um total de 80% dos indivíduos com alcoolismo relatam histórias de depressão intensa, sendo que 30 a 40% ficam deprimidos durante duas ou mais semanas em um dado momento. Contudo, apenas 10 a 15% dos alcoolistas apresentam depressão que satisfaz os critérios para transtorno depressivo maior sem consumo intenso de álcool.
· Mesmo depressões graves induzidas por substâncias têm chances de melhora razoavelmente rápida com abstinência, sem medicação nem psicoterapia intensiva voltada para os sintomas depressivos.
· Uma abordagem lógica para essas condições induzidas por substâncias é ensinar ao paciente a melhor maneira de encarar e lidar com a tristeza temporária por meio de esclarecimento e tratamento cognitivo-comportamental e esperar para ver o que acontece durante um período mínimo de 2 a 4 semanas antes de dar início a um curso de antidepressivos.
ANSIEDADE INDUZIDA POR ALCOOL:
Características:
· Sintomas de ansiedade que satisfazem os critérios diagnósticos para transtorno de ansiedade induzido por álcool também são comuns no contexto de abstinência de álcool aguda e prolongada.
· Quase 80% dos alcoolistas relatam ataques de pânico durante pelo menos um episódio de abstinência aguda;suas queixas podem ser suficientemente intensas para que o clínico considere um diagnóstico de transtorno de pânico.
· De modo semelhante, durante as primeiras quatro semanas, mais ou menos, de abstinência, indivíduos com problemas graves com álcool ficam propensos a evitar situações sociais com medo de serem dominados por ansiedade (i.e., têm sintomas que se parecem com fobia social); seus problemas, às vezes, podem ser graves o suficiente a ponto de se parecerem com agorafobia.
· Contudo, quando sintomas psicológicos ou fisiológicos de ansiedade são observados em alcoolistas apenas no contexto de consumo intenso ou dentro das primeiras semanas ou primeiro mês de abstinência, provavelmente diminuem e desaparecem com o tempo.
SINDROME ALCOOLICA FETAL:
Características:
· Dados indicam que gestantes ou lactantes não devem ingerir álcool. A síndrome alcoólica fetal ocorre quando a mãe que consome álcool expõe o feto ao álcool no útero.
· O álcool inibe o crescimento intrauterino e o desenvolvimento pós-natal. Microcefalia, malformações craniofaciais e falhas cardíacas e nos membros são comuns em bebês afetados. Baixa estatura na idade adulta e desenvolvimento de uma série de comportamentos desadaptativos adultos também foram associados à síndrome alcoólica fetal.
· Mulheres com transtornos relacionados ao álcool apresentam um risco de 35% de dar à luz uma criança com imperfeições.
· Embora o mecanismo exato do dano ao feto seja desconhecido, ele parece resultar da exposição in útero a etanol e seus metabólitos; o álcool também pode causar desequilíbrios hormonais que aumentam o risco de anormalidades.
FATORES PROGNÓSTICOS FAVORÁVEIS:
· O primeiro fator favorável é a ausência de transtorno da personalidade antissocial preexistente ou de um diagnóstico de abuso ou dependência de outra substância.
· O segundo são evidências de uma estabilidade geral na vida, com emprego, contato familiar próximo ininterrupto e ausência de problemas legais graves. 
· Em terceiro lugar, se o paciente não interrompe ou abandona o curso integral da reabilitação inicial (talvez de 2 a 4 semanas), há boas chances de manter abstinência.
· A combinação desses três atributos antecipa uma chance de pelo menos 60% de um ano ou mais de abstinência.
· Poucos estudos documentaram o curso de longo prazo, mas pesquisadores concordam que um ano de abstinência está associado a boa chance de continuação da abstinência durante período prolongado.
· Prever com precisão se algum indivíduo em particular conseguirá atingir ou manter abstinência é impossível, mas os fatores prognósticos enumerados anteriormente estão associados a maior probabilidade de abstinência. 
· Os fatores que refletem estabilidade na vida, no entanto, provavelmente explicam apenas 20% ou menos do curso dos transtornos por uso de álcool.
· Muitas forças de difícil medição afetam o curso clínico desse transtorno de modo significativo; entre elas, provavelmente se podem incluir fatores intangíveis, como nível de motivação e qualidade do sistema de apoio social do paciente.
FATORES PROGNÓSTICOS ADVERSOS:
· Alcoolistas com problemas graves com drogas (especialmente uso dedrogas intravenosas ou dependência de cocaína ou anfetaminas) e indivíduos sem-teto podem apresentar uma chance de apenas 10 a 15% de atingir um ano de abstinência.
· Alcoolistas com transtornos psiquiátricos maiores independentes preexistentes – como transtorno da personalidade antissocial, esquizofrenia e transtorno bipolar tipo I – provavelmente irão desenvolver todo o curso de sua doença psiquiátrica independente comórbida.
· Portanto, por exemplo, o médico precisa tratar um paciente com transtorno bipolar tipo I que apresenta alcoolismo secundário com a psicoterapia adequada e lítio, usar técnicas psicológicas e comportamentais relevantes com o paciente com transtorno da personalidade antissocial, e oferecer os medicamentos antipsicóticos adequados em longo prazo para o paciente com esquizofrenia.
· O objetivo é minimizar os sintomas do transtorno psiquiátrico independente comórbido na esperança de que maior estabilidade na vida seja associada a melhor prognóstico para os problemas do paciente relacionados ao álcool
PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO:
Medidas gerais:
· Existem três medidas gerais envolvidas no tratamento do indivíduo alcoolista depois do diagnóstico do transtorno: intervenção, desintoxicação e reabilitação. Essas abordagens presumem que todos os esforços possíveis foram realizados para otimizar o atendimento médico e contemplar emergências psiquiátricas
· O paciente com abuso ou dependência de álcool precisa, então, ficar face a face com a realidade do transtorno (intervenção), sofrer desintoxicação, caso necessário, e dar início à reabilitação.
· Os pontos principais dessas três medidas para uma pessoa alcoolista com síndromes psiquiátricas independentes comórbidas têm grande semelhança com as abordagens utilizadas com o indivíduo alcoolista primário sem síndromes psiquiátricas independentes. No primeiro caso, no entanto, os tratamentos são aplicados depois que o transtorno psiquiátrico foi estabilizado o máximo possível
Intervenção:
· O objetivo da intervenção, que também já foi chamada de confrontação, é abrir caminho por meio dos sentimentos de negação e ajudar o paciente a reconhecer as consequências adversas que podem ocorrer se o transtorno não for tratado.
· A intervenção é um processo destinado a aumentar a motivação para o tratamento e a continuidade da abstinência. Essa medida frequentemente envolve convencer o paciente de que ele é responsável por seus próprios atos e lembrá-lo de como o álcool gerou prejuízos significativos em sua vida.
· Com frequência, o psiquiatra tira vantagem da queixa principal do paciente, seja insônia, dificuldades com o desempenho sexual, seja incapacidade de lidar com os estresses da vida, depressão, ansiedade ou sintomas psicóticos.
· O psiquiatra pode, então, explicar como o álcool criou ou contribuiu para esses problemas e tranquilizar o paciente de que a abstinência é possível com um mínimo de desconforto.
· Um médico que faz intervenção com um paciente pode usar a mesma abordagem imparcial, porém persistente, cada vez que um prejuízo relacionado ao álcool for identificado.
· Na realidade, é a persistência, e não habilidades interpessoais excepcionais, que normalmente obtém resultados. Uma única intervenção raramente é suficiente.
· A maioria dos indivíduos alcoolistas precisa ser lembrada das várias vezes e maneiras como o álcool contribuiu para cada nova crise antes de considerar abstinência como uma opção de longo prazo.
Papel da família:
· A família pode ser de grande auxílio na intervenção.
· Familiares precisam aprender a não proteger o paciente dos problemas causados pelo álcool; senão, ele pode não conseguir reunir a energia e a motivação necessárias para interromper o consumo.
· Além disso, durante o estágio de intervenção, a família pode sugerir que o paciente se encontre com pessoas que estão se recuperando do alcoolismo, talvez por meio dos AA, e familiares podem ir a encontros de grupos voltados a familiares de alcoolistas. Esses grupos de apoio para famílias se reúnem várias vezes por semana e ajudam familiares e amigos a ver que não são os únicos com esses temores, preocupações e sentimentos de culpa.
· Participantes compartilham estratégias de enfrentamento e ajudam uns aos outros a encontrar recursos junto à comunidade. Os grupos podem prestar um grande auxílio para que familiares reconstruam suas vidas, mesmo se o indivíduo alcoolista se recusa a buscar ajuda.
Desintoxicação:
· A maioria dos indivíduos com dependência de álcool apresenta sintomas relativamente leves quando interrompe o consumo. Se o paciente gozar de saúde relativamente boa, estiver adequadamente alimentado e tiver um bom sistema de apoio social, a síndrome de abstinência depressora normalmente lembra uma gripe leve.
· O primeiro passo fundamental na desintoxicação é o exame físico.
· Na ausência de uma condição médica grave ou abuso combinado de outra substância,é pouco provável que haja abstinência de álcool grave.
· O segundo passo é proporcionar descanso, alimentação adequada e vitaminas, especialmente as que contêm tiamina.
Abstinência leve ou moderada:
· A abstinência ocorre porque o cérebro se adaptou fisicamente à presença de um depressor cerebral e não consegue funcionar de maneira adequada na ausência da substância.
· Administrar depressores cerebrais suficientes no primeiro dia para reduzir os sintomas e, então, reduzir a dosagem do fármaco até sua interrupção ao longo dos cinco dias seguintes proporciona, à maioria dos pacientes, o máximo de alívio com a menor possibilidade de desenvolver abstinência grave.
· Qualquer depressor – incluindo barbitúricos ou qualquer um dos benzodiazepínicos – pode funcionar, mas a maioria dos profissionais prefere um benzodiazepínico, devido a sua relativa segurança.
· Pode-se administrar um tratamento adequado seja com fármacos de ação breve (p. ex., lorazepam), seja com substâncias de ação prolongada (p. ex., clordiazepóxido e diazepam).
Abstinência Grave:
· Para aproximadamente 1% dos pacientes alcoolistas com extrema disfunção autonômica, agitação e confusão – ou seja, aqueles com delirium por abstinência alcoólica, ou DTs –, ainda não foi desenvolvido um tratamento ideal.
· O primeiro passo é questionar o motivo pelo qual uma síndrome de abstinência tão grave e relativamente incomum ocorreu; a resposta costuma estar relacionada a um problema médico concomitante grave que precisa de tratamento imediato.
· Os sintomas de abstinência podem, então, ser reduzidos ao mínimo por meio do uso de benzodiazepínicos (que, dependendo do caso, às vezes requerem doses elevadas) ou agentes antipsicóticos, como haloperidol.
· Novamente, no primeiro ou segundo dia, as doses são usadas para controlar o comportamento, e a medicação pode ser suspensa gradualmente até o quinto dia.
· Outro 1% dos pacientes podem sofrer uma única convulsão tônico-clônica; apenas em casos raros há crises múltiplas, sendo que a incidência de pico ocorre no segundo dia de abstinência. Esses pacientes necessitam de avaliação neurológica, mas, na ausência de evidências de um transtorno convulsivo, eles não se beneficiam de fármacos anticonvulsivantes
Reabilitação:
Para a maioria dos pacientes, a reabilitação inclui três componentes principais:
(1) esforços contínuos para aumentar e manter níveis elevados de
motivação para abstinência;
(2) ajudar o paciente a se readaptar a um estilo de vida sem álcool; e
(3) prevenção de recaída.
Como essas medidas são tomadas no contexto de síndromes de Abstinência aguda e prolongada, e crises de vida, o tratamento exige a constante reintrodução de recursos semelhantes que lembrem o paciente o quanto a abstinência é importante e que o ajudem a desenvolver novos sistemas de apoio diários e estilos de enfrentamento
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO:
Dissulfiram:
· Reduz em 40% o número de dias de uso de álcool.
· Inibe a aldeído-desidrogenase, provocando efeitos extremamente desagradáveis, como palpitação, náusea e sensação de morte iminente, se o indivíduo ingere álcool sob o efeito deste medicamento (reação aldeídica) 250mg, uma vez ao dia
· Fármaco superior aos outros na dependência de álcool, com custo mais baixo que os demais.
· FABRICAÇÃO DESCONTINUADA EM 2019 (decisão de mercado)
Naltrexona:
· Medicação segura, com efeitos modestos.
· Redução em 17% do risco de abuso de álcool (NNT=10) e em 4% o número de dias de uso do álcool.
· 50 a 100mg/dia
· Em 2% dos pacientes há elevação de transaminases em até 5x o normal (monitorar enzimas hepáticas durante o tratamento).
Acamprosato:
· Reduz em 14% o risco de qualquer consumo de álcool (NNT=9)
· 333mg, tomadas 3x/dia, 1 ou 2 cp por administração
· Não é comercializado no Brasil desde 2007.
MEDIDAS EM SAUDE PUBLICA:
Contexto brasileiro:
· Há um vazio em advocacia pública.
· ONGs como prováveis candidatas para representarem o público nos assuntos relacionados ao consumo de álcool.
· Preocupação relativamente recente dos profissionais de saúde.
· Conflito de interesse das indústrias de bebidas.
Tipos de política:
· Políticas de alocação: promovem recursos a um grupo ou organização específica para prevenção e tratamento, de forma a atingir objetivos de interesse público, como financiamento de campanhas educativas e fornecimento de tratamento aos dependentes do álcool.
· Políticas regulatórias: uso de leis para restringir o acesso à bebida alcoólica por razões de saúde e segurança pública (regulam preço e taxação dessas bebidas; impõem uma idade mínima para sua compra; limitam os horários de funcionamento de bares; proíbem total ou parcialmente a propaganda de bebidas).
O que tem funcionado mundo afora:
· Aumento de preços
· Diminuição da disponibilidade de varejo (restrição à localização dos pontos de venda; estabelecimento de idade mínima para compra; restrição de dias e horário de venda; restrição de venda a alcoolizados; regulação de dose; inibir “open bar” ou “consumação mínima”).
· Sistema de licença para venda de bebidas alcoólicas (revogáveis em caso de infração à legislação vigente).
O que não funciona:
· Promoção de atividades alternativas de lazer e diversão “livres de álcool” (como esportes); abordagens efetivas direcionadas à clarificação de valores, auto-estima e habilidades sociais (exceto em contexto de tratamento, como nos AA).
· Prevenção nas escolas: programas escolares que tentam modificar crenças, atitudes e comportamentos dos adolescentes em relação ao álcool aumentem o conhecimento, porém não modificam o consumo. Além disso, fornecer informação sobre os perigos de diferentes substâncias psicoativas pode despertar a curiosidade e estimular o consumo entre aqueles que buscam estímulos. Qualquer que seja o programa educacional adotado, é alternativa bastante cara e pouco efetiva, com pequeno e fugaz impacto. Designação de serviços de transporte ou “designação do motorista da vez” para prevenção do dirigir alcoolizado.
· Advertências nos rótulos das bebidas não são eficazes em mudar comportamentos relacionados ao consumo de álcool e não são efetivos para diminuir o consumo entre bebedores pesados.
· Mensagens publicitárias: Apesar do apelo popular, a propaganda educativa não é tão bem produzida, não possui os mesmos recursos e frequência nos meios de comunicação do que a propaganda da indústria. Apresenta alguma efetividade quando parte integrante de um programa mais amplo de políticas. Proibir a publicidade do álcool custa menos e é mais eficaz que contra-propaganda.

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