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Geovana Sanches, TXXIV HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA (HDA) HEMORRAGIA GASTROINTESTINAL AGUDA (NÃO RELACIONADA À HIPERTENSÃO PORTAL) A hemorragia gastrointestinal aguda não relacionada à hipertensão portal é uma condição comum e grave, correspondendo de 1 a 2% das admissões hospitalares (EUA). Até 85% dos casos cessam espontaneamente, sendo os 15% restantes pacientes graves que normalmente ficam em UTI. A mortalidade é significativa, variando de 5 a 12%, mas podendo chegar à 40% nos casos persistentes (presença de doenças associadas). Classificação • Hemorragia digestiva alta (HDA) o São aquelas que ocorrem até o final do duodeno – ângulo de Treitz (duodeno jejunal) o Encaixam-se aqui o esôfago, estômago e o duodeno o É mais comum • Hemorragia digestiva baixa (HDB) o Compreendem aquelas que ocorrem no jejuno, íleo e cólon Causas São quatro as causas mais frequentes, as quais, em conjunto, correspondem a 85% dos casos de hemorragia gastrointestinal aguda. São elas: • Hemorragias digestivas altas o Úlcera péptica o Varizes esofágicas • Hemorragias digestivas baixas o Divertículos do cólon § Podem sangrar mesmo na ausência de quadro inflamatório o Angiodisplasia § Malformações vasculares adquiridas As HDA geralmente são identificadas através da Endoscopia Digestiva Alta (EDA), a qual é capaz de visualizar até a 2ª porção do duodeno. Já as HDB, através da colonoscopia, exame capaz de visualizar até uma porção do íleo terminal (cerca de 10 cm). A partir disso vemos que há uma porção do trato gastrointestinal que não é passível de avaliação por nenhum dos dois exames. Assim, ao suspeitarmos de um sangramento e não o identificarmos nesses exames, é possível que ele esteja ocorrendo no intestino médio. Diante dessa suspeita, é prudente a solicitação de exames complementares, tais coisas a enteroscopia (endoscopia realizada com o material do colonoscópico) e a cápsula endoscópica (melhor para sangramentos intermitentes). CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HDA • 50% ocorrem a partir dos 60 anos • 25% dos casos ocorrem durante uma internação hospitalar por outra doença, aumentando a mortalidade. • Medidas endoscópicas são utilizadas inicialmente para controle da hemorragia • 5 a 10% necessitarão de tratamento operatório (casos graves ou recorrentes) • Necessário reposição agressiva das perdas de sangue • Essencial que o diagnóstico e o tratamento específico sejam realizados rapidamente • Comorbidades aumentam a mortalidade o Insuficiência renal o Insuficiência hepática o Doença pulmonar o Insuficiência cardíaca AVALIAÇÃO INICIAL 1. Avaliação completa a. Estado hemodinâmico b. Comorbidades 2. Ressuscitação hídrica e monitorização 3. Identificação da origem do sangramento 4. Intervenções terapêuticas para interromper o sangramento Determinar as características do sangramento • Sangramento agudo • Sangramento lento ou intermitente o Maior dificuldade diagnóstica Geovana Sanches, TXXIV Avaliação completa • Confirmar efetivamente o sangramento • Identificar se há hematêmese (saída de sangue não digerido através da boca), melena (fezes com sangue digerido) ou hematoquezia (saída de sangue vivo pelo reto) – necessário toque retal • Avaliar doenças associadas (anamnese completa) e a presença de sinais de choque • Verificar o uso de medicamentos o Salicilatos (AAS) o AINES o Anticoagulantes (DOACs, heparina, varfarina) o Anti-hipertensivos que alterem a resposta fisiológica à volemia • Determinar o grau de depleção volêmica • Determinar se o paciente apresenta cirrose hepática • Exames iniciais o Hemograma § Hemoglobina (Hb): maior morbimortalidade se for < 10g/dL inicialmente § Hematócrito (Ht) o Coagulograma o Função hepática e renal o Eletrólitos Ressuscitação volêmica • Obter dois acessos venosos o Reposição com cristalóides o Transfusão se choque • Cateter venoso central se necessário e sonda vesical (melhor avaliação da resposta ao volume) • Tratar coagulopatias • Cuidados o Hematêmese + confusão mental à risco de broncoaspiração o Hemorragias graves por úlcera péptica à mortalidade entre 5 e 12% (60% dos casos em idosos com comorbidades) Identificação da origem do sangramento • Doenças hemodinamicamente instáveis o Considerar necessidade de intubação orotraqueal para proteção da via aérea • Endoscopia Digestiva Alta (EDA) o Investigação inicial para pacientes instáveis o Útil no diagnóstico e possível tratamento específico • Melena: considerar sonda gástrica para descartar sangramento alto. Se for confirmada, solicitar uma colonoscopia CAUSAS MAIS FREQUENTES E TRATAMENTO ESPECÍFICO • Úlcera péptica o 25% duodenal o 25% gástrica o Tto: controle endoscópico § Sucesso à observar § Insucesso à operação • Varizes esofágicas por cirrose alcoólica o 10 a 20% o Tto: ligadura elástica • Lesões agudas da mucosa gastroduodenal o 15 a 30% o Paciente crítico, com sangramento difuso por uso de AINES, corticoides o Tto: clínico § Sucesso § Insucesso à operação • Lacerações de Mallory-Weiss na junção esôfago-gástrica o 8 a 10% o Ocasionada por vômitos intensos § Hiperêmese gravídica § Pancreatite aguda o Tto: terapia endoscópica • Esofagite o 3 a 5% • Tumores o 3% o Geralmente por invasão de grande vaso • Lesão de Dieulafoy o 1 a 3% o Malformação arteriovenosa sub- mucosa do aparelho digestiva (do esôfagoao cólon) Geovana Sanches, TXXIV o Hemorragias de grande volume o EDA: diagnóstico e tratamento (ligadura com clipe ou hemoclip) • Outras causas raras ÚLCERA PÉPTICA Considerações gerais • Doença multifatorial, decorrente do desequilíbrio entre fatores agressivos e defensivos da mucosa • Etiologias o Presença da H. pylori (principal fator externo – diminui a defesa das mucosas) o Uso de AINEs o Hereditariedade o Idiopáticas (0,01%) o Síndromes hipersecretoras § Zollinger-Ellison § Gastrinoma (tumor neuro- endócrino secretor de gastrina) o Hiperparatireoidismo o CMV e Herpes § Imunossupressão o Doença de Chron • Decorrente do desequilíbrio entre fatores agressivos e defensivos da mucosa • Úlcera duodenal é mais incidente no grupo sanguíneo O • Tabagismo dificulta a cicatrização • São a causa mais comum de HDA o Úlcera gástrica – 25% o Úlcera duodenal – 25% • Em 5% dos casos, a hemorragia é a apresentação inicial da doença ulcerosa • Cerca de 20% das úlceras pépticas irão evoluir com sangramento Localização e tipo de úlcera – Classificação de Johnson (1965) modificada Tipo I Ø 60 a 70% Ø Localizada na curvatura menor o esômago (junção da mucosa oxíntica e antral Tipo II Ø 15% Ø Úlcera duodenal + gástrica na curvatura menor do estômago Tipo III Ø 20% Ø Úlcera pré-pilórica (até 2 cm do piloro) Tipo IV Ø Raras Ø Úlcera proximal no estômago ou na cardia (pequena curvatura) Tipo V Ø Outras localizações Ø Medicamentos – AINEs Classificação de Sakita A classificação de Sakita é utilizada para avaliar a atividade da doença ulcerosa, considerando que o ciclo evolutivo apresenta três estágios: A (“active”), H (“healing”) e S (“scar”). Estágio A • Depósito de fibrina • A1: margem edemaciada • A2: sem edema marginal, forma-se anel eritematoso (fibrina esbranquiçada espessa) Estágio H • Base de lesão diminuída e depósito central delgado de fibrina (cicatrização inicial) • H1: convergência de pregas da mucosa • H2: diminuição da base; o depósito de fibrina torna-se uma fina película Estágio S • Sem depósito de fibrina (cicatriz) • S1: aspecto avermelhado da cicatriz • S2: cicatrização completa Geovana Sanches, TXXIV A1 A2 de Sakita H1 H2 de Sakita S1 S2 de Sakita Classificação de Forrest para Úlceras Pépticas HemorrágicasForrest Descrição endoscópica Risco de novo sangramento Ia Sangramento em jato proveniente da lesão 55 a 90% Ib Sangramento difuso proveniente da lesão 30% IIa Presença de coto vascular 43% IIb Presença de coágulo aderido ao fundo da úlcera 22% IIc Presença de pontos de hematina e fibrina 10% III Ausência de sinais de sangramento Indicadores de mortalidade por UP hemorrágica • Mortalidade: 5 a 8% • Idade o > 60 anos: 10 a 15% o > 80 anos: 25 a 30% • PA na admissão o 80 a 90 mmHg: 12 a 15% o < 80 mmHg: 30 a 35% • Aspirado gástrico o Em borra de café: 6 a 10% o Sangue vivo: 18 a 20% • Necessidade de transfusão o > 10 unidades: 28 a 34% Tratamento clínico • Diminuir a secreção gástrica o Antagonista do receptor H2 o IBP • Suspensão de AINH • Tratamento da H. pylori – se presente • Repetir EDA após 6 semanas no caso das úlceras gástricas Tratamento endoscópico O tratamento endoscópico reduz a taxa de mortalidade em 40%. Todavia, há falha na terapia em até 20% dos casos e as endoscopias seriadas aumentam o risco de perfuração. De acordo com a Diretriz Nacional, nos casos de recidiva pode-se tentar segunda endoscopia. Modalidades de hemostasia endoscópica • Eletrocoagulação transendoscópica bipolar: reduz taxas de sangramento em 50% • Coagulação a laser: complicações inferiores a 0,5% Geovana Sanches, TXXIV • Injeções hemostáticas com agentes esclerosantes ou vasoconstritores: reduz em 50% a chance de novo sangramento Diretrizes à Achados endoscópicos • Tratamento da hemorragia com auxílio da endoscopia • Podem estimular o ressangramento o Sangramento ativo em jato (55 a 90% de recorrência) o Sangramento tipo porejamento (30% de recorrência) o Vaso visível (43% de recorrência) o Coágulo aderido (22% de recorrência) • Forrest: Ia → Ib → IIa → IIb • A terapêutica endoscópica depende do tipo de lesão • A taxa de sucesso inicial é de mais de 95% o Pode haver recorrência em 20% das vezes • Insucesso o Endoscopias seriadas? o Tratamento operatório? o Controvérsias? • Diretrizes: se falha no segundo procedimento endoscópico, deve-se usar angiografia ou tratamento operatório → Sangramento refratário Os sangramentos refratários são aqueles em que não se obtém a homeostasia com as medidas clínicas, e após duas tentativas frustradas de terapêutica endoscópica. Essas são condições extremas e de alto risco. Quando isso acontece, recorre-se à angiografia terapêutica (injeção de substâncias vasoconstritoras ou embolização) ou ao tratamento cirúrgico. A cirurgia também está indicada quando ocorre perfuração gastroduodenal consequente à terapêutica endoscópico. Tratamento operatório O tratamento operatório é necessário em 10% dos casos. Quando se trata de idosos com comorbidades ou lesões de alto risco para novo sangramento, a intervenção não deve ser protelada. Úlcera duodenal • Piloroplastia, hemostasia direta e vagotomia troncular • Geralmente reservada a doentes graves, que necessitam de operações rápidas em função das condições clínicas • Êxito em 90% dos casos e recorrência nos 10% restantes Úlcera gástrica • Até 10% dos casos consistem em linfomas ou adenocarcinomas • Recorrência de sangramento em até 30% • Indicada a ressecção gástrica com reconstrução pelas técnicas de Billroth I, II ou Y de Roux o BI, BII e Y são iguais para câncer e para úlcera, mas no câncer resseca- se uma margem maior o BI: anastomose gastro-duodenal o BII: anastomose gastro-jejunal § Menos usada o Y de Roux: anastomose gastro- jejunal com desvio da secreção biliopancreática • Úlceras crônicas com sangramento: tentar tratamento definitivo → ressecção gástrica ÚLCERAS AGUDAS • Úlceras da mucosa gastroduodenal após quadros graves o Queimaduras, choque séptico, grandes traumatismos o Úlceras ou doença mucosa associada ao estresse (DMAE) • Doença Mucosa Associada ao Estresse o Descrita em 1971 o Lesões que justificam profilaxia do sangramento gastrointestinal • Thomas Curling o Úlceras duodenais associadas a queimaduras • Harvey Cushing o Relata que Carl von Rokitansky foi o primeiro a associar ulceração péptica e lesões cerebrais ou meníngeas o Lesão gastroduodenal associada à hipertensão intracraniana e complicações graves do SNC § Úlcera de Rokitansky Cushing CASO CLÍNICO Você é o plantonista de um pronto-socorro que não se dispõe de endoscopia de urgência. Durante a madrugada, chega um paciente de 58 anos, queixando-se de fezes enegrecidas e fétidas Geovana Sanches, TXXIV há dois dias. Refere também epigastralgia leve há cerca de 1 semana, sem náuseas ou vômitos, faz uso de diclofenaco há 2 semanas, por problema no joelho. Nega outras doenças. Pressão arterial: 120 x 70 mmHg; pulso: 80 bpm. Qual sua conduta inicial? A. Iniciar transfusão de hemoderivados e encaminhar imediatamente o paciente para serviço que disponha de endoscopia digestiva de urgência B. Fazer lavagem do estômago com soro gelado, além de repor volume de forma vigorosa C. Prescrever omeprazol, suspender o anti- inflamatório e orientar o paciente a marcar consulta com o gastroenterologista logo que possível D. Iniciar terapêutica de reposição volêmica, monitorar Hb/Ht e manter observação até endoscopia E. Passar sonda nasogástrica e basear a conduta subsequente no aspecto de conteúdo gástrico
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