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Geovana Sanches, TXXIV DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO (DRGE) INTRODUÇÃO Esôfago O esôfago é o principal órgão envolvido na doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Trata- se de um tubo muscular, cujo terço proximal (cranial) é composto por músculo esquelético estriado – porção na qual temos controle voluntário da deglutição e o restante, músculo liso. Ele apresenta dois esfíncteres: esfíncter esofagiano superior (EES) e esfíncter esofagiano inferior (EEI), e tem como função a condução do alimento desde a boca até o estômago. Fisiologia da deglutição O esôfago apresenta um tônus muscular basal, o qual varia de acordo com o nível do órgão. • Esfíncter superior: pressão basal entre 70 e 80 mmHg • Corpo esofagiano: relaxado nos momentos de repouso, com pressão basal em torno de zero • Esfíncter inferior: pressão basal ao redor de 20 mmHg o Tônus essencial para que não haja refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago. No momento da deglutição (WS) há um relaxamento fisiológico do esfíncter esofagiano superior para permitir a passagem do bolo alimentar. Conforme o alimento passa, há uma onda de peristaltismo esofágico, aumentando progressivamente a pressão do órgão. Essa contração esofagiana é assíncrona, ou seja, o órgão não contrai como um todo – as porções contraem-se de forma coordenada a depender do momento. Logo após o início da deglutição, já ocorre abertura do esfíncter esofágico inferior (EEI), preparando-o para receber o bolo alimentar. Quando o alimento passa, por sua vez, o esfíncter volta a sua pressão basal, impedindo o refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago. É válido ressaltar, ainda, que mesmo em repouso, há momentos de relaxamento transitório fisiológico do esôfago inferior. Esfíncter esofagiano inferior (EEI) O EEI tem papel central na doença do refluxo gastroesofágico por ser a região que interliga diretamente o esôfago e o estômago. Junto à curva diafragmática, consiste na barreira mecânica contra o refluxo. Além da barreira mecânica, o EEI apresenta um segmento intra-abdominal, de forma que há uma diferença entre a pressão intratorácica e intra-abdominal. Essa diferença constitui outro fator que auxilia para que não haja refluxo. Há três principais mecanismos de alteração na fisiologia que podem colaborar com a doença: 1. O EEI pode ficar relaxado por mais tempo que o normal; Geovana Sanches, TXXIV 2. A frequência com que ocorre o relaxamento do EEI pode estar aumentada; 3. Diminuição do tônus basal do EEI (hipotonia). Quando há alguma alteração na fisiologia do EEI, torna-se possível o retorno do conteúdo gástrico para o esôfago, podendo ocasionar as lesões esofágicas relacionadas com a DRGE. Vale ressaltar, entretanto, que nem todo indivíduo com refluxo gastroesofágico apresentará lesão esofagiana ao exame. Isso pois, a lesão é determinada pelo tempo de doença, composição do conteúdo gástrico e o balanço entre fatores protetores e agressores. Apesar de não ocorrer lesão visível em todos os pacientes, sabe-se atualmente que há uma lesão histológica decorrente desse trauma, caracterizada por maior espaçamento entre as células do epitélio esofágico, permitindo a passagem do ácido. DEFINIÇÃO A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma afecção crônica decorrente do fluxo retrógrado de parte do conteúdo gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes a este, acarretando variável espectro de sintomas e/ou sinais esofagianos e/ou extra-esofagianos, associados ou não a lesões teciduais. Em síntese, trata-se de uma condição na qual o refluxo do conteúdo gástrico causa sintomas que afetam o bem-estar do paciente e/ou cause complicações. PATOGÊNESE O refluxo gastroesofágico ocorre de forma fisiológica. Entretanto, quando esse relaxamento transitório está aumentado, ocorrendo por mais de 4% do tempo ao longo do dia, consideramos que este está alterado, tornando-se patológico. Esse mecanismo é o principal na DRGE, de forma que a maioria dos pacientes não apresenta uma hérnia de hiato ou hipotonia de esfíncter. Para que a doença se manifeste, deve haver um desbalanço entre os fatores agressores e os fatores protetores. Fatores agressores • Frequência o > 4% do tempo ao longo do dia, o que pode ser visto na pHmetria • Volume do líquido que reflui • Extensão • Agressividade o Acidez, pepsina e osmolaridade Fatores protetores • Barreira mecânica o Esfíncter esofagiano inferior (EIE) o Crura diafragmática § Pilares do diafragma que mantém o esôfago em seu local anatômico • Segmento intra-abdominal do EIE • Ângulo de His o Consiste na angulação do fundo gástrico, o qual ajuda a diminuir a quantidade de conteúdo gástrico que pode retornar ao esôfago • Ligamento frenoesofágico o Mantém o esôfago em seu local adequado. Quando está frouxo, resulta na hérnia de hiato. • Depuração esofágica o Uma vez que a barreira não consegue conter o refluxo, o esôfago tenta depurar (limpar) esse conteúdo através da contração do órgão • Produção adequada de saliva o A saliva auxilia na depuração do esôfago, “limpando” a secreção ácida que reflui Hérnia de hiato Geovana Sanches, TXXIV A hérnia de hiato consiste em uma afecção na qual há deslocamento do estômago para a cavidade torácica. Em geral, ocorre pela distensão dos ligamentos da fáscia entre o esôfago e o diafragma no hiato esofágico. Quando isso ocorre, o segmento intra- abdominal do EIE já não está mais no abdome e sim no tórax, de forma que se perde a diferença de pressão entre as duas cavidades. Assim, há maior propensão para que haja refluxo. Em resumo... QUADRO CLÍNICO Os principais sintomas da DRGE são a pirose e a regurgitação. Isso não significa, entretanto, que são exclusivos da doença, mas quando em conjunto devem nos levar a essa hipótese diagnóstica. • Pirose (queimação retroesternal) o Em algumas literaturas, é visto como sinônimo de azia, mas esse termo também pode se referir à queimação epigástrica • Regurgitação o A regurgitação é diferente do vômito pois este é sempre precedido por náusea. Na regurgitação o conteúdo apenas volta, sem sinais anteriores, podendo ou não chegar à boca Sempre devemos avaliar a intensidade dos sintomas, questionando com que frequência eles ocorrem e o quanto isso impacta na vida do paciente. Além disso, devem ser questionadas a presença de sintomas noturnos, tais como o refluxo ortostático. Isso pois, quando presentes, exigem intervenções especiais par alívio dos sintomas. Manifestações atípicas • Dor torácica não cardíaca ou Globus (sensação de corpo estranho na faringe) o Equivalente angionoso o Dentre as causas de dor torácica com origem não cardíaca, até um terço é decorrente de DRGE • Asma, tosse crônica, fibrose pulmonar etc. o A presença de asma pode promover piora no quadro de refluxo • Laringite posterior, otite, sinusite, rouquidão etc. • Desgaste do esmalte dentário, halitose (5% dos pacientes), aftas • Apneia do sono • Empachamento** o Não é um sintoma da doença, mas pode estar associado com a pirose e regurgitação, entrando como um fator de piora para o refluxo. Manifestações de alarme • Idade > 40/45 anos • Disfagia • Odinofagia • Anemia • Sangramento • Emagrecimento • História familiar de câncer esofágico • Refratariedade Quando os pacientes apresentam queixa de refluxo associado a algum sinal de alarme, devemos realizar uma avaliação mais específica através da endoscopia, tendo em vista que pode ser um refluxo mais complicado ou uma doença subjacente, como uma neoplasia. DIAGNÓSTICO Quadro clínico sugestivo • Pirose + regurgitação • Cronicidade: sintomas 1 a 2x por semana, por 4 a 8 semanas Teste terapêutico O teste terapêutico é realizado com um inibidor de bomba de prótons (IBP) emdose plena por 4 a 8 semanas. Caso o paciente apresente Geovana Sanches, TXXIV melhora dos sintomas, muito provavelmente ele apresenta DRGE. • Omeprazol 40 mg/dia • Lansoprazol 60 mg/dia • Pantoprazol 40 mg/dia • Esomeprazol 40 mg/dia Endoscopia digestiva alta Indicações • Paciente > 40 anos • Presença de alguma manifestação de alarme • Dúvida diagnóstica • Ausência de resposta ao IBP • Recidiva dos sintomas após suspensão da medicação • História prolongada de pirose (> 5 a 10 anos) • Considerar quando: o presença de náuseas e vômitos o história familiar de câncer o sintomas intensos ou noturnos Classificação endoscópica de gravidade Existem duas classificações principais: a Savary-Miller (mais antiga) e a classificação de Los Angeles, a qual é utilizada nos casos em que há esofagite erosiva. É importante lembrar, entretanto, que uma endoscopia normal não exclui o diagnóstico de DRGE. Quando o achado é um grau A na classificação de Los Angeles, não obrigatoriamente faz-se o diagnóstico de DRGE, pois este é um achado em mais de 50% dos indivíduos que realizam EDA e não apresentam refluxo. O diagnóstico endoscópico da DRGE é realizado, portanto, a partir da identificação de um Grau B na EDA seguindo a classificação de Los Angeles. Quanto à classificação de Savary-Miller, devemos saber que o grau 0 indica um exame sem alterações, enquanto o grau 5 sugere um esôfago de Barrett. pHmetria esofágica A pHmetria esofágica não é o padrão-ouro para o diagnóstico de refluxo, mas está indicada em alguns casos, tais quais: • DRGE não-erosiva o Endoscopia normal ou não-erosiva • Dor torácica não cardíaca • Avaliar resposta ao tratamento Método Insere-se um cateter através das narinas, o qual estende-se até o estômago. O mesmo permanece no organismo do paciente por 24h, medindo o pH ao longo desse período. Interpretação O pH normal no esôfago distal é acima de 4, sendo valores superiores a esse indicativo de Geovana Sanches, TXXIV que houve retorno de secreção ácida. Devemos recordar, entretanto, que há o refluxo fisiológico transitório. Sendo assim, considera-se como diagnóstico de DRGE os seguintes parâmetros • Fração de tempo pH < 4 maior que 4,2% o porcentagem altera-se com a posição do paciente o até 6,3% em pé e até 1,2% deitado – fatos avaliados através do diário do paciente. • Refluxo proximal: normal ocorrer no máximo 1 ao dia • Índice de DeMeester até 14,7 o Realizado através do computador Exemplo A pHmetria acima é dita de dois canais. Verifica-se que no canal superior (análise do EES) não houve em nenhum momento pH < 4, de forma que o paciente não apresentou refluxo proximal. Por outro lado, no sensor distal, há diversos momentos de queda do pH, indicando o refluxo de conteúdo gástrico para o esôfago. As barras azuis indicam os momentos em que o paciente se alimentou e, nesse caso, não houve refluxo significativo, entretanto, enquanto o paciente estava deitado, ocorreu queda importante do pH, indicando refluxo ortostático. ImpedanciopHmetria esofáfica A impedanciopHmetria esofágica é o padrão-ouro para o diagnóstico de DRGE. Isso pois, consegue avaliar a representa de refluxo ácido, não ácido e até mesmo refluxo gasoso. A técnica é muito semelhante à da pHmetria, mas esse exame também avalia a impedância do tecido, ou seja, a capacidade do tecido de conduzir eletricidade. Apesar de ser o padrão-ouro, é um exame mais complexo e está menos disponível, tendo em vista o alto custo. Manometria esofágica A manometria esofáfica não serve para diagnótico, mas é fundamental para uma avaliação pré-operatória, pois O exame é capaz de mensurar a força e a função dos músculos esofágicos, de forma que pode diagnosticar os distúrbios da motilidade esofágica. A cirurgia só é viável para pacientes que apresentam hipotonia do esfíncter inferior, mas com peristalse adequada do corpo esofágico. Isso pois, caso o paciente não a apresente (o que é comum em idosos), ao fecharmos o esfíncter o alimento não passará mais e o paciente evoluirá com disfagia. TRATAMENTO Medidas comportamentais • Cessação do tabagismo o o tabaco altera o epitélio e o muco esofágicos • Perda de peso o o aumento da circunferência abdominal promove aumento da pressão abdominal, resultando numa piora do refluxo gastro- esofágico • Cessação do etilismo • Evitar “alimento gatilho” o especialmente frituras e outros alimentos gordurosos o outros alimentos, como cítricos, café, bebidas alcoólicas, bebidas gasosas, menta, hortelã e produtos de tomate tem grande variedade entre os pacientes o eles diminuem o esvaziamento gástrico, de forma que o alimento permanece durante um período maior no estômago, facilitando a ocorrência de episódio de refluxo • Esperar 2 horas antes da última refeição para deitar-se o espera-se que após 2h já haja um esvaziamento gástrico relativo, de forma que a gravidade não interferirá tanto sobre o refluxo • Elevar a cabeceira da cama o inserir um calço de 10 a 15cm sobre a cabeceira da cama, de forma a deixar a cabeça mais alta o diminui um pouco o efeito da gravidade sobre o paciente o não se deve colocar vários travesseiros, prática comum entre os pacientes. Isso pois, quando o Geovana Sanches, TXXIV paciente dorme “sentado” há aumento da pressão abdominal e potencial piora do refluxo gastro- esofágico • Atentar-se para medicamentos que possam contribuir com a DRGE o ß-bloqueador, bloqueador do canal de cálcio, alendronato, anticolinérgicos, teofilina, antidepressivos tricíclicos, agonistas ß adrenérgicos o sempre realizar um inquérito acerca dos medicamentos que o paciente toma, pois vários pioram o refluxo; quando identificados, deve-se avaliar o risco-benefício o Smp fazer inquérito c remédios, pois vários pioram o refluxo • Evitar refeições copiosas o ou seja, ingerir grande quantidade de alimento em uma única oportunidade Não há um nível de evidência muito alto com as medidas comportamentais, pois é muito difícil realizar estudos robustos. Entretanto, na prática clínica, as medidas comportamentais, associadas a IBP, têm melhor eficácia do que só a medicação; muitas vezes, o paciente pode cessar o uso da medicação e seguir apenas com as medidas. Tratamento medicamentoso O tratamento farmacológico tem duração entre 4 e 12 semanas (em média 8 semanas), a fim de retirar o paciente da fase aguda ou cicatrizar a esofagite. • Inibidores da bomba de prótons (IBPs): “prazóis” o inibem bomba de prótons como um todo, diminuindo a secreção ácida o não tratam a origem do problema • Bloqueadores de ácido competitivo de potássio (PCABs): Vonoprazana o agonistas do potássio (inibem a entrada do K+) o diminui a secreção ácida o ação mais rápida? o alguns estudos demonstram que esse medicamento é superior aos IBPs, mas não são conclusivos, tendo em vista que o princípio do uso da medicação é o mesmo • Bloqueadores H2 o Não são utilizados como primeira opção o Famotidina e Cimetidina o Problema: taquifilaxina § medicamento perde efeito após um período • Anti-ácidos o Hidróxido de magnésio, hidróxido de alumínio o Tempo de ação muito curto § após 3 a 4 horas, já há retorno a condição basal o Pode ser utilizado como um extra para pacientes em uso de IBP que apresentem escapes • Procinéticos (?) o Uso discutível, sendo que a literatura não mostra muito benefício o Pode ter discreta ação de aumento do tônus do EEI, mas age principalmente sobre o esvaziamento gástrico – mais efetivo em pacientes que apresentam quadro de dismotilidade associado Tratamento cirúrgico • Casos refratários sem contraindicação • Hiatoplastia o Dá-se um “ponto” no hiato visando a aproximação dos pilares diafragmáticos para manter a crura diafragmática mais próxima • Fundoplicaturao Faz-se um esfíncter com o fundo do estômago, de forma a fazer uma pressão externa e melhorar os sintomas • Costumam ter boa resposta, mas a longo prazo o paciente pode voltar a ter sintomas COMPLICAÇÕES • Hemorragias • Úlceras • Perfuração • Estenoses (por tecido cicatricial) • Esôfago de Barrett o Metaplasia intestinal o Aumenta as chances de evolução para adenocarcinoma esofágico
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