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Materiais Obturadores José Freitas Siqueira Jr. Isabela das Neves Rôças Hélio Pereira Lopes Edson Jorge Lima Moreira Capítulo 15 613 O tratamento endodôntico deve ser considerado um processo cujas fases são igualmente importantes e, como tal, necessita de uma avaliação a cada etapa re- alizada. A prática comum de se avaliar os resultados imediatos do tratamento, aqueles relacionados com a habilidade mecânica do profissional, apenas pela radio- grafia final do caso, impossibilita a correção de fatores que estão diretamente associados ao “resultado” final. Como em todo processo, a avaliação criteriosa fase a fase dá a oportunidade de construir o sucesso do tratamento. Dessa forma, iniciar a instrumentação do sistema de canais radiculares sem que uma inspeção cuidadosa da cavidade de acesso seja feita é colocar em risco o êxito da instrumentação, pelos motivos já es- tudados. Todavia, um clínico perspicaz que prossegue com o preparo dos canais e detecta posteriormente um obstáculo ainda presente na câmara pulpar pode, nesse momento, voltar à fase anterior e corrigir o problema. Por outro lado, iniciar a obturação do sistema de canais radiculares sem o completo preparo dos canais ou ainda com o preparo imperfeito pode deixar, algu- mas vezes, consequências irreversíveis, uma vez que a obturação é a última etapa operacional do tratamento endodôntico convencional. Por exemplo, o dimensio- namento impróprio do término apical pode acarretar sobreobturação ou extravasamento de material exces- sivo, que nem sempre se consegue reverter. Por essa razão, ainda que não se possa destacar uma fase como a mais importante do tratamento en- dodôntico, uma atenção especial deve ser dada à ob- turação do sistema de canais radiculares. Nessa fase, visa-se à eliminação de espaços vazios, originalmente ocupados pela polpa dental, que podem servir de ni- chos para a proliferação de micro-organismos que re- sistiram ao preparo do canal (infecção persistente) ou que em momento posterior possam ganhar acesso a esses espaços (infecção secundária)93. Portanto, obturar o sistema de canais radiculares é uma combinação de técnica e seleção de materiais obturadores. Alguns materiais têm sido propostos para a ob- turação do sistema de canais radiculares. No entanto, nenhum substituiu a guta-percha, que é universalmen- te aceita como “padrão-ouro” para os materiais obtura- dores. Até agora, todos os materiais resinosos testados têm apresentado problemas quanto às características de trabalho, à radiopacidade e à capacidade de permi- tir o retratamento endodôntico. Nesse capítulo serão abordadas as principais ca- racterísticas dos materiais empregados na obturação do sistema de canais radiculares com base no consenso universal de que a obturação deve consistir em uma massa formada pela guta-percha com um mínimo de cimento endodôntico, que preenche os espaços entre a guta-percha e as paredes do canal radicular. Guta-percha Em 1843, José D’Almeida, residente em Cinga- pura, apresentou espécimes de guta-percha à Royal 614 Capítulo 15 Materiais Obturadores Asiatic Society, em Londres110. Alguns anos depois, mais precisamente em 1867, Bowman introduziu o uso dessa substância em Endodontia. Ela é um polímero do metilbutadieno ou isopreno (1,4 poli-isopreno), sendo assim um isômero da borracha, porém mais dura, mais quebradiça e menos elástica do que esta. Enquanto a borracha natural é um cis-poli-isopreno, possuindo grupamentos CH2 do mesmo lado da ligação dupla, a guta-percha é um transpoli-isopreno, o qual apresen- ta seus grupamentos CH2 em lados opostos da ligação dupla (Fig. 15-1)36,65. Na verdade, muitos produtos disponíveis comer- cialmente podem não apresentar guta-percha pura. Alguns fabricantes admitem que têm utilizado a ba- lata, extraída da árvore Manilkara bidentata, da família das sapotáceas, a qual é abundante no Brasil, particu- larmente na Amazônia25. A verdadeira guta-percha é obtida a partir da coagulação do látex de árvores da Malásia, dos gêneros Payena ou Palaquium, também da família das sapotáceas. Tem sido relatado que, química e fisicamente, balata e guta-percha são essencialmen- te idênticas50. Consequentemente, iremos nos referir a essa substância como guta‑percha. Em 1942, C. W. Bunn relatou que, quimicamen- te, a guta-percha pode ser encontrada em duas formas cristalinas distintas: alfa e beta. A forma alfa é a natu- ralmente extraída da árvore. Entretanto, a maioria das guta-perchas disponíveis comercialmente se encontra na forma beta. Ambas as formas cristalinas são trans‑ poli-isoprenos, que diferem basicamente na configura- ção da ligação dupla e na distância molecular repetida, a qual é de 8,8Å para a fase alfa e 4,7Å para a fase beta. A guta-percha na forma alfacristalina é quebradiça à temperatura ambiente, tornando-se, quando aquecida, pegajosa, aderente e com maior escoamento. Sua tem- peratura de fusão é de 65°C. Já a forma betacristalina é estável e flexível à temperatura ambiente. Quando aquecida, não apresenta adesividade e tem menor es- coamento do que a forma alfa. Sua temperatura de fu- são é de 56°C. A pureza da substância pode alterar o ponto de fusão36 (Figs. 15-2 e 15-3). A massa obturante é constituída principalmente pelo núcleo sólido, formado pela guta-percha e por uma quantidade mínima de cimento endodôntico. As técnicas de obturação mais difundidas entre os clínicos empregam a guta-percha sob a forma de cones. Tradi- cionalmente, os cones de guta-percha são classificados em dois tipos: os padronizados (calibrados) e os auxi- liares (Fig. 15-4). Atualmente, tendo em vista o emprego crescente de técnicas que utilizam a guta-percha termoplastifica- da, outros tipos de cones são encontrados, além de ou- tras formas de apresentação para a guta-percha, como em bastões para plastificação nas técnicas de injeção no interior dos canais radiculares. Os cones de guta-percha padronizados apresen- tam diâmetros e conicidades determinados. O diâme- tro da ponta de um cone de guta-percha é denomina- do D 0. É um diâmetro virtual que consiste na projeção da conicidade do cone até a sua extremidade. Os di- âmetros em D0, expressos em centésimos de milíme- tros, correspondem aos números padronizados (ISO) e variam entre 15 e 140. O diâmetro dos cones de guta-percha aumenta de 0,05mm até o no 60; a partir desse número, até o 140, o aumento é de 0,10mm. De acordo com a norma ISO 6877, Dental root canal obtu‑ rating points, de 1995, a tolerância de fabricação dos cones para o diâmetro é de ± 0,05mm até os diâmetros 0,25mm (no 25) e de ± 0,07 até os de diâmetro 1,4mm (no 140). O comprimento mínimo é de 28mm com uma tolerância de ± 2mm. Figura 15-1. Estrutura química da guta-percha nas formas alfa e beta. Materiais Obturadores 615 Figura 15-2. Formas da guta-percha desde a extração até a forma utilizável. A. Balata bruta (seiva). B. Balata purificada com tolueno e álcool. C. Balata purificada e com óxido de zinco. D. Balata com óxido de zinco e corante, produto final. (Gentileza da Odous De Deus Ind. Com. Imp. Exp. Ltda, Belo Horizonte, Brasil.) A B C D A B C Figura 15-3. Eletromicrografias de cones de guta-percha. Figura 15-4. Diversas apresen- tações da guta-percha na forma de cones. 616 Capítulo 15 Materiais Obturadores Para os cones padronizados convencionais, a conicidade é de 0,02mm/mm. Esses cones estão dis- poníveis com diâmetro D0 entre 15 e 140 (Dentsply/ Maillefer). São empregados como cones principais na técnica de compactação lateral. Também se encontram disponíveis cones com outras conicidades, como, por exemplo, os de conicidades 0,04 e 0,06mm/mm, que são apresentados entre os nos 15 e 40 (Dentsply/Mail- lefer). Cones de guta-percha com as dimensões de ins- trumentos endodônticos de sistemas mecanizados têm sido concebidos com a finalidade de se adaptarem ao espaço dos canais radiculares preparados por esses instrumentos. Como exemplos, citamos os cones de guta-perchacorrespondentes às dimensões dos instru- mentos ProTaper Universal (Dentsply/Maillefer), K3 (SybronEndo) e Mtwo (VDW) (Fig. 15-4). Os cones auxiliares possuem conicidades variá- veis (não padronizadas) e pontas mais afiladas, quan- do comparados aos padronizados. Eles estão disponí- veis em tamanhos XF, FF, MF, F, FM, M, ML, L e XL (Quadro 15-1). Apresentam comprimento e tolerância de fabricação para diâmetros similares aos dos cones pa- dronizados. Embora sejam mais utilizados como cones acessórios (secun dários ou laterais) durante a técnica da compactação lateral, os cones auxiliares podem ser usados como principais em diversas situações clínicas, principalmente quando da obturação de canais curvos. A Odous De Deus (Belo Horizonte, MG) fornece cones auxiliares MF, F, FM, MX, M, MLX, ML, L e XL. Ainda apresentam os cones FM e M padronizados em D0, nos n os 20, 25, 30 e 35, com comprimento de 28mm. Fornecem também cones auxiliares FM, M e MX extra- longos, com 35mm de comprimento. A Dentsply for- nece cones auxiliares em guta-percha TP (termoplas- tificação) nos tamanhos XF, FF, MF, F, FM, M, espe- cialmente fabricados para obturação com técnicas de termoplastificação da guta-percha (Fig. 15-4). Os cones de guta-percha apresentam uma com- posição básica de guta-percha (de 19 a 20%), óxido de zinco (60 a 75%), radiopacificadores, como o sulfato de bário (1,5 a 17%), e outras substâncias, como resinas, ceras e corantes (1 a 4%). A presença do óxido de zinco confere rigidez e atividade antibacteriana aos cones de guta-percha50,69. Com 1mm de espessura, os cones de guta-percha apresentam radiopacidade equivalente a 6,44mm de alumínio. O escoamento dos cones de guta-percha é inver- samente proporcional ao seu conteúdo de óxido de zinco, componente que altera o ponto de fusão da gu- ta-percha. A guta-percha apresenta um comportamen- to viscoelástico, o que significa que em temperaturas mais altas ela apresenta o comportamento viscoso ou tal qual o de um líquido. Por outro lado, em tempera- turas intermediárias, encontra-se como um sólido com as características de uma borracha, o qual exibe com- portamentos mecânicos que são a combinação desses dois extremos. O comportamento viscoelástico da guta-percha depende tanto do tempo em que se mantém a carga so- bre o material, como da temperatura em que a carga é aplicada. Quando submetida a uma força de compac- tação mantida por alguns poucos segundos, o material se deforma plasticamente. Quanto maior a deformação plástica, maior o escoamento do material. As vantagens e desvantagens dos cones de gu- ta-percha como material obturador dos canais radicu- lares são: Vantagens • Adaptam-se facilmente às irregularidades do canal quando utilizados em várias técnicas de obturação. • São bem tolerados pelos tecidos perirradiculares. • São radiopacos. • Podem ser facilmente plastificados por meios físicos e químicos, de acordo com variações de técnicas. • Possuem estabilidade dimensional nas condições de uso. Quadro 15-1 Calibre e conicidade dos cones de guta-percha auxiliares Tamanho D3 (calibre a 3mm da ponta) Conicidade (mm/mm) XF (extra-fine) 0,2 0,019 FF (fine-fine) 0,24 0,025 MF (medium-fine) 0,27 0,032 F (fine) 0,31 0,038 FM (fine-medium) 0,35 0,041 M (medium) 0,40 0,054 ML (medium-large) 0,43 0,063 L (large) 0,49 0,082 XL (extra-large) 0,52 0,083 Materiais Obturadores 617 • Não alteram a cor da coroa do dente quando usa- dos no limite coronário adequado da obturação do canal. • Podem ser facilmente removidos do canal radicular. Desvantagens • Têm pequena resistência mecânica à flexocompres- são (rigidez), o que dificulta o seu uso em canais cur- vos e atresiados. • Têm pouca adesividade, o que exige a complemen- tação da obturação com cimentos endodônticos. • Podem ser deslocados pela pressão, provocando so- breobturação durante os processos de compactação. Tem sido relatado um número crescente de ca- sos de hipersensibilidade ao látex da borracha natural, oriundo da árvore Hevea brasiliensis20. Isso pode ser devido em parte ao aumento do emprego de produ- tos médicos à base de borracha. Uma vez que o único método prático de se controlar os indivíduos alérgicos ao látex é evitar a exposição ao alérgeno, tem sido re- comendado que os ambientes médico e odontológico abandonem os produtos que contenham o látex da He‑ vea brasiliensis. Foi estudada a possibilidade de reação cruzada entre a guta-percha, a guta-balata e o látex da borra- cha natural20. Verificou-se que o uso da guta-percha em pacientes sensibilizados ao látex representa um risco mínimo de indução de sintomas alérgicos. Quanto à guta-balata, os fabricantes de guta-percha devem ser encorajados a abandonar o seu uso na composição dos cones, tendo em vista que a guta-balata na forma bru- ta pode fazer a reação cruzada com o látex da Hevea brasiliensis, o que representa risco de induzir resposta alérgica em pacientes sensibilizados. Os cones de guta-percha devem ser conservados em local fresco e protegidos da luz, o que possibilitará sua longevidade. Caso contrário, ficarão quebradiços e não deverão ser utilizados na obturação dos canais radiculares. Esse estado quebradiço corresponde ao fenômeno conhecido como fendilhamento, que é a for- mação de pequenas trincas e que antecede à fratura do polímero18. A desinfecção dos cones de guta-percha antes do uso pode ser feita pela imersão do cone em hipoclo- rito de sódio na concentração de 2,5% até 5,25% por um minuto86,89,94, tomando-se o cuidado de lavá-lo em seguida em solução salina estéril. Foi sugerida ainda a desinfecção por meio da clo- rexidina a 2%, por não apresentar essa substância o po- tencial para alterar a estrutura superficial dos cones de guta-percha, porém o tempo necessário para alcançar desinfecção ainda não foi estabelecido35. THERMAFIL Muitas das modernas técnicas de obturação em- pregam a guta-percha termoplastificada com a finali- dade de adaptar melhor o material às paredes do canal e preencher de forma mais eficiente todos os espaços no sistema de canais radiculares, inclusive os istmos. Um desses métodos de obturação é o sistema Therma- fil (Dentsply/Maillefer). Os obturadores Thermafil são constituídos de um núcleo plástico revestido com guta- percha na fase alfa (Fig. 15-5). A guta-percha na fase alfa quando aquecida apresenta maior capacidade de escoamento do que na fase beta. Após o aquecimento dos obturadores em um forno especial, a guta-percha se torna amolecida e o obturador é introduzido no canal preparado. O núcleo plástico do obturador permanece no canal como parte integrante da massa obturadora (ver Capítulo 16, Obturação dos canais radiculares). O núcleo dos obturadores é de plástico biocompa- tível e radiográfico. Apresentam-se em comprimento de 25mm com conicidade de 0,04mm/mm, e o diâmetro D0 varia de 45 a 100 para os dentes anteriores e de 20 a 40 para os dentes posteriores. Da mesma forma que os co- nes de guta-percha, foram lançados no mercado os obtu- radores com conicidade variável (ProTaper Obturação, Dentsply/Maillefer), que também foram concebidos com a finalidade de se adaptarem ao espaço do sistema de canais radiculares preparado pelos instrumentos de NiTi do sistema de mesmo nome. Embora apresentem conicidade variável, são padronizados no diâmetro D0 com os nos 20, 25, 30, 40 e 50, correspondendo aos instru- mentos F1, F2, F3, F4 e F5, respectivamente. Figura 15-5. Obturadores do sistema Thermafil. 618 Capítulo 15 Materiais Obturadores Resilon Resilon (RealSeal; SybronEndo) é um material obturador à base de polímero sintético termoplásti- co (Fig. 15-6). Baseado nos polímeros do poliéster, o Resilon contém carga radiopaca e partículas de vidro bioativo. É semelhante à guta-percha no que diz res- peito às características de manipulação e de trabalho, e nos casos de retratamento pode ser amolecido pelo calor ou com o uso de solventes, como o clorofórmio. Domesmo modo que a guta-percha, apresenta-se sob a forma de cones principais em todos os diâmetros ISO e também como cones auxiliares em diversos ta- manhos. Além disso, também está disponível sob a forma de bastões para o emprego das técnicas de in- jeção do material termoplastificado. O cimento reco- mendado para o Resilon é o Epiphany (Pentron Cli- nical Technologies), que é um cimento de compósito resinoso de cura dual88. O sistema consiste de três partes: Resilon, o material obturador à base de polímero sintético (poliéster), como componente principal; Epiphany, um cimento resinoso ativado quimicamente e por luz halógena, que se pro- põe a formar uma ligação entre a dentina e o material obturador; e o primer, que prepara as paredes dentiná- rias para o contato com o Resilon e o cimento88. Um estudo clínico retrospectivo comparou os re- sultados do tratamento endodôntico usando na obtura- ção dos canais guta-percha + cimento Kerr Pulp Canal Sealer ou Resilon + cimento Epiphany21. Os resultados não mostraram diferenças estatisticamente significan- tes entre as duas combinações de materiais obturado- res quanto ao status dos tecidos perirradiculares verifi- cado na prosservação. O escoamento do Resilon, assim como o da guta- percha, depende da sua viscoelasticidade e não das propriedades mecânicas dos sistemas de aplicação de ambos53. O Resilon se mostrou capaz de penetrar em canais laterais simulados quando empregada a técnica de injeção do material plastificado53,54. No entanto, do ponto de vista do selamento promovido, Baumgartner et al.9 compararam a infil- tração de Enterococcus faecalis em canais radiculares de pré-molares humanos extraídos obturados com guta-percha + AH Plus e Resilon + Epiphany pela técnica da onda contínua de compactação. Os auto- res concluíram que aparentemente não existe vanta- gem em se substituir a guta-percha/AH Plus pelo Resilon/Epiphany. Raina et al.82 compararam a infiltração apical em canais obturados com guta-percha + AH Plus e Resi- lon + Epiphany pela técnica da compactação vertical. O modelo de filtração de fluidos foi utilizado. Após 7 dias da obturação, as medidas do fluxo de fluido foram obtidas. Os resultados não evidenciaram diferença es- tatisticamente significativa entre os dois grupos de ma- teriais testados. Além disso, em nenhum dos grupos foi observada a formação do monobloco. Figura 15-6. Sistema RealSeal (Resilon & Epiphany). A. Apresenta- ção comercial. B e C. Eletromicrografias da ponta dos cones. A B C Materiais Obturadores 619 Cimentos endodônticos A guta-percha é considerada um material imper- meável, mas ela não se adere às paredes dentinárias. Por essa razão, torna-se imperioso o emprego do ci- mento juntamente com a guta-percha para a obturação do sistema de canais radiculares. Embora a guta-percha deva ser em volume o prin- cipal constituinte da massa obturadora, cimentos en- dodônticos são usualmente empregados para reduzir a interface existente entre a guta-percha e as paredes do canal. Além disso, quando do emprego da técnica de compactação lateral, o cimento também atua reduzin- do a interface entre os cones de guta-percha, tornando a obturação mais homogênea. O cimento endodôntico ideal deveria apresentar as seguintes propriedades: • Ser de fácil inserção e remoção no canal radicular. • Ter bom tempo de trabalho. • Promover o selamento tridimensional do sistema de canais radiculares. • Apresentar estabilidade dimensional nas condições de uso. • Ter bom escoamento. • Ser radiopaco. • Não manchar a estrutura dentária. • Apresentar adesividade às paredes do canal. • Apresentar força coesiva. • Ser insolúvel nos fluidos teciduais e na saliva. • Ser solúvel ou reabsorvível nos tecidos perirradi- culares. • Ser impermeável no canal. • Apresentar biocompatibilidade. • Ter atividade antimicrobiana. Encontram-se disponíveis no mercado diversos tipos de cimento endodôntico. São classificados em cimentos à base de óxido de zinco-eugenol (OZE); ci- mentos contendo hidróxido de cálcio; cimentos resino- sos; cimentos de ionômero de vidro e cimentos à base de silicone. Cimentos à base de óxido de zinco-eugenol A reação da mistura do pó ao líquido é essencial- mente uma reação de interação ácido-base, com o eu- genol cedendo hidrogênio para a estrutura do óxido de zinco. A reação é complexa e não está bem definida, mas admite-se, porém, que o zinco desloca os íons de hidrogênio de duas moléculas do eugenol para formar um composto quelato cristalino, denominado eugeno- lato de zinco. O endurecimento ou presa do cimento se dá por reação ácido-base, onde o óxido de zinco age como base e o eugenol como ácido, formando um sal quelato de eugenolato de zinco e água. A água é essencial e funciona como um acelerador da reação de presa. O controle da quantidade de água no líquido é por isso um problema bastante crítico para o fabricante. Após a presa do material, 5% da quantidade original de euge- nol permanecem livres68. O eugenol possui atividade antibacteriana, efei- to anestésico e anti-inflamatório. Ele é bactericida em concentrações relativamente altas (10–2 a 10–3 mol/L). A dentina adjacente ao cimento de OZE pode ser exposta a níveis bactericidas de eugenol. Além do eugenol, íons Zn2+ também podem estar envolvidos na inibição do crescimento bacteriano, uma vez que em concentrações elevadas esses íons são inibidores enzimáticos e interferem no metabolismo bacteria- no. Meryon e Jakeman67 demonstraram que o cimen- to de óxido de zinco e eugenol após 14 dias libera 26,88ppm de zinco (a concentração plasmática nor- mal é de 1ppm), e que essa quantidade apresentou grande efeito citotóxico. O eugenol também apresenta citotoxicidade. Cé- lulas eucarióticas podem morrer após uma breve ex- posição a uma concentração de eugenol de 10–2 mol/L. Mesmo menores concentrações podem inibir a respi- ração e a divisão celular. O efeito sobre a respiração pode se dar pela inativação da fosforilação oxidativa ao nível de mitocôndrias64. Essa substância tem alta afinidade pela membrana citoplasmática, graças à sua solubilidade em lipídios, o que pode colaborar para o dano celular. Em baixa concentração, o eugenol inibe a ativi- dade nervosa de forma reversível, da mesma forma que os anestésicos. Entretanto, a exposição a uma alta concentração bloqueia a condução nervosa irreversi- velmente, indicando um efeito neurotóxico. A redução na atividade nervosa também pode ajudar a explicar os efeitos anti-inflamatórios do eugenol, uma vez que a liberação de neuropeptídeos, envolvidos em vasodi- latação e aumento da permeabilidade vascular, é redu- zida ou inibida. Além disso, essa substância, em baixa concentração, inibe a ação da cicloxigenase, enzima envolvida na síntese de prostaglandinas43; inibe a qui- miotaxia para neutrófilos e a geração de radicais oxige- nados por meio dessas células. Essas propriedades do eugenol podem modular a resposta tecidual à injúria, reduzindo a intensidade do processo inflamatório. 620 Capítulo 15 Materiais Obturadores Por outro lado, em elevadas concentrações, o eu- genol pode induzir vasodilatação e aumento do fluxo sanguíneo, o que pode ser deletério para uma polpa já lesada, acarretando necrose tecidual. Depreende-se, então, que altas doses de eugenol inibem o crescimento e a respiração celular, podendo levar à morte, promovem alterações vasculares, como vasodilatação, e são neurotóxicas. Tais propriedades são consideradas indesejáveis. Contrariamente, baixas concentrações dessa substância apresentam proprieda- des farmacológicas desejáveis, como ações anti-infla- matória e analgésica64. No caso da obturação do canal com cimento à base de OZE, uma pequena quantidade pode contatar os te- cidos perirradiculares ao nível do forame apical. Essa quantidade pode conter uma concentração de eugenol suficientemente tóxica, tanto para as bactérias quan- to para as células do hospedeiro. Ao redor dessa área de morte celular, ostecidos perirradiculares contatam uma menor dosagem de eugenol, a qual pode exercer efeitos anti-inflamatórios e analgésicos. O extravasa- mento de uma grande quantidade de cimento para os tecidos perirradiculares permite uma maior difusão de eugenol, o qual tende a exercer suas propriedades de- letérias, podendo interferir negativamente no processo de reparo tecidual. Efeito das matérias-primas nas propriedades do cimento endodôntico à base de OZE Matérias-primas Óxido de zinco. É a base para a reação iônica com o eugenol. A sua substituição por outros óxidos (MgO ou BaO) forma cimentos bastante solúveis em água, o que não é o desejado. Substituindo o óxido de zinco por CdO ou HgO, produzem-se cimentos com proprie- dades biológicas indesejáveis (muito tóxicos – o CdO possui propriedades carcinogênicas). Eugenol. É a base para a reação iônica com o óxido de zinco. Sulfato de bário. Confere radiopacidade ao cimen- to. Pode ser substituído por subcarbonato de bismuto, sulfeto de zinco ou tungstato de cálcio. Subcarbonato de bismuto. Plastificante que também confere radiopacidade ao cimento. Como plastificante, pode ser substituído por: N-etil orto e paratoluenos- sulfonamida (Santicizer tipo 8 especial – Monsanto); sendo líquido, deve ser acrescentado ao componente líquido do cimento (caso a composição do líquido seja eugenol e óleo vegetal, deve ser feita uma compensa- ção percentual nele). Outro plastificante é o Abitol, que é mistura de álcool tetra, di e de-hidroabetílico. Existem inúmeros plastificantes disponíveis no mercado; para qualquer modificação na formulação do pó ou do líquido são ne- cessários os ensaios laboratoriais para que o produto resultante se enquadre nas especificações da ADA. Tetraborato de sódio. Retarda o tempo de endureci- mento do cimento. Dependendo do tipo de derivado da colofônia e a presença ou não de óleos vegetais na com- posição do produto, pode ser excluído da formulação. Breu (colofônia) e derivados do breu. O principal ingre- diente ativo do breu é o ácido abiético (C19H29COOH). A adição desse confere maior adesividade ao cimento e concomitantemente diminui a sua solubilidade. Exis- tem vários tipos de colofônia e derivados da mesma. Quanto mais ácido o pH, mais rápido será o tempo de endurecimento do cimento. Cimentos contendo resi- nas de colofônia esterificadas ou hidrogenadas têm o tempo de endurecimento aumentado quando compa- rado com aqueles que contêm resinas não modificadas quimicamente. Óleo de amêndoas doces. Retarda o tempo de endu- recimento do cimento. Cimentos contendo no pó o te- traborato de sódio anidro não requerem o óleo adicio- nado no eugenol. São necessários ensaios laboratoriais para se adequar o tempo de endurecimento. Pode ser substituído por outros óleos vegetais desde que não se- jam tóxicos. Adicionando o óleo de soja no eugenol, o cimento apresenta tempo de endurecimento diminuído devido à maior acidez da mistura quando comparado com o óleo de amêndoas doces. Além disso, é importante ressaltar que as proprie- dades físico-químicas e biológicas dos cimentos à base de OZE dependem fortemente do tamanho de partícu- la do pó, da pureza das matérias-primas, das condições do ambiente clínico (temperatura e umidade relativa do ar) e do tempo e modo de espatulação. Aumentan- do-se a temperatura ou a umidade relativa do ar no ambiente da espatulação, o cimento tem seu tempo de endurecimento diminuído. De igual importância são as condições do sistema de canais radiculares (umidade) e os fundamentos da técnica de obturação (aplicação ou não de calor). Quan- do o canal apresenta umidade, o cimento nele inserido tem seu tempo de endurecimento e sua capacidade de escoamento diminuídos. Efeito semelhante é observa- do quando do aumento da temperatura nas técnicas que empregam a guta-percha termoplastificada. Silva et al.90 realizaram um estudo para determi- nar a influência de cada componente do cimento de Grossman sobre estabilidade dimensional, solubili- Materiais Obturadores 621 dade/desintegração e radiopacidade. De acordo com esse estudo, a resina natural (breu) confere acentuada expansão, o tetraborato de sódio anidro aumenta sig- nificativamente a solubilidade e desintegração, a resi- na natural diminui a solubilidade do cimento de óxido de zinco, e o subcarbonato de bismuto é um excelente agente radiopaco. Universalmente, os cimentos à base de óxido de zinco-eugenol têm sido os mais usados pelos profissio- nais para a obturação dos canais radiculares. A seguir, apresentam-se os cimentos à base de óxido de zinco- eugenol mais comumente utilizados. Cimento de óxido de zinco-eugenol (OZE) O cimento de OZE em sua forma mais pura (óxido de zinco no pó e eugenol no líquido) é comercializado por vários laboratórios e encontra inúmeras aplicações em Odontologia, sendo preferido por alguns poucos profissionais para a obturação do sistema de canais radiculares. Seu tempo de trabalho é de aproximada- mente 3 horas, e o de endurecimento é de 20 horas. A radiopacidade de 1mm desse cimento é corresponden- te a 4-5mm de alumínio. Quando comparado a outros cimentos, o cimento de OZE sem aditivos apresenta uma baixa capacidade de adesão40 e baixo escoamento136. Além de alterar as propriedades físico-quími- cas do cimento, variações na proporção pó/líquido também exercem influência sobre a propriedade de biocompatibilidade. Holland et al.48 observaram que misturas fluidas acarretam uma resposta inflamatória tecidual mais intensa do que aquela produzida por misturas mais espessas (Fig. 15-7). Suas deficiências fizeram com que esse cimento fosse preterido pela grande maioria dos profissionais no que tange à obturação do sistema de canais radi- culares. Cimento de Grossman Pó: Óxido de zinco, resina hidrogenada, colofô- nia, subcarbonato de bismuto, sulfato de bário, borato de sódio (anidro). Líquido: Eugenol. Nos EUA, o cimento de Grossman é comerciali- zado sob o nome de Procosol. No Brasil, temos apre- sentações com os nomes Endofill (Dentsply, Maillefer), Intrafill (SSWhite), Pulp Fill (Biodinâmica) e Fill Canal (Technew). Estudos têm demonstrado que o cimento de Gros- sman possui propriedades físico-químicas satisfatórias. Elas incluem: boa capacidade seladora, baixa permea- bilidade, estabilidade dimensional, adesividade ade- quada, baixa solubilidade e baixa desintegração11,39,40. A adesividade é ditada pela presença da resina hidro- genada, a plasticidade pelo subcarbonato de bismuto, a radiopacidade pelo sulfato de bário, e o borato de só- dio retarda o tempo de endurecimento do material. Grossman40 recomenda que o cimento seja prepa- rado da seguinte forma: • deve-se sentir uma leve resistência quando da espa- tulação, no momento em que se aproxima da correta consistência; • levantando-se o cimento com o auxílio da espátula, ele não deverá cair antes de 16 segundos; • colocando-se a espátula sobre o cimento preparado, ao se levantar, o cimento deverá formar um fio de cerca de 2,5mm antes de se romper. O tempo de trabalho do cimento de Grossman in vitro é de 24 horas e o de endurecimento é de 40 ho- ras. Pequenas variações podem advir em decorrência de algumas modificações na formulação do cimento, dependendo do produto comercial. Inúmeros estudos avaliaram a biocompatibilida- de desse produto. Barbosa et al.7 relataram que o Fill Canal (cimento de Grossman) apresentou toxicidade superior àquela verificada para os cimentos N-Rickert e Sealer 26. Brodin et al.16 relataram que o Procosol causou inibição completa da condução nervosa, a qual foi, contudo, reversível. Esse cimento possui ativida- de antibacteriana pronunciada, graças à presença do eugenol3,97. Vassiliadis et al.126 avaliaram a penetração do ci- mento de Grossman em túbulos dentinários por meio Figura 15-7. Inflamação perirradicular associada à obturação do canal com cimento OZE. (Gentileza do Dr. Roberto Holland.) 622 Capítulo 15 Materiais Obturadores demicroscopia eletrônica. A smear layer, não removi- da antes da obturação, não impediu a penetração do cimento nos túbulos dentinários. Diferentes profundi- dades de penetração do cimento foram observadas, as quais poderiam ser decorrentes de diferenças na mis- tura e na consistência do cimento, assim como na força empregada na compactação lateral. O selamento apical promovido pelo cimento de Grossman é satisfatório96. Pulp Canal Sealer (cimento de Rickert) O Pulp Canal Sealer (ou Kerr Pulp Canal Sealer, Sy- bronEndo, EUA), apresenta a seguinte formulação: Pó: Óxido de zinco, prata precipitada, subcarbo- nato de bismuto, sulfato de bário. Líquido: Óleo de cravo, bálsamo-do-canadá. O cimento de Rickert foi introduzido na Endo- dontia em 1931. Esse produto possui boa estabilida- de dimensional e capacidade seladora, adesão sa- tisfatória, excelente escoamento, baixa solubilidade, radiopacidade elevada e baixa desintegração7,40,95,100. Após a preparação, o Pulp Canal Sealer apresenta um tempo de trabalho de aproximadamente 30 minutos e de endurecimento de 1 hora. Estudos demonstraram que esse cimento apresenta atividade antibacteriana satisfatória73,95. Devido à presença de prata em sua formulação, é altamente recomendada uma limpeza adequada da câmara pulpar, inclusive com solventes como álcool, clorofórmio, xilol ou óleo essencial de laranja (d-limo- neno), de forma a eliminar os riscos de escurecimento da coroa dentária após a obturação. O Pulp Canal Sealer EWT (extended working time) apresenta tempos de tra- balho e de endurecimento maiores do que o cimento convencional. Endométhasone O Endométhasone (Specialités-Septodont, Fran- ça) possui os seguintes componentes: Pó: Óxido de zinco, dexametasona, acetato de hi- drocortisona, diiodotimol, paraformaldeído, óxido de chumbo, sulfato de bário, estearato de magnésio, sub- nitrato de bismuto. Líquido: Eugenol. O paraformaldeído foi adicionado com o intui- to de melhorar os efeitos antibacterianos do cimento, enquanto os corticosteroides (dexametasona e acetato de hidrocortisona) visam a propiciar uma ação anti- inflamatória. Suas propriedades físico-químicas são bas tante similares às dos demais produtos à base de óxido de zinco-eugenol. Possui um tempo de presa de apro- ximadamente 115 minutos, o que favorece seu em- prego na obturação de canais de dentes multirradi- culares. Ørstavik e Mjor74 avaliaram a biocompatibilidade do Endométhasone em tecido conjuntivo subcutâneo de ratos após os períodos de 14 e 90 dias. Foi verificado que esse cimento apresentou efeitos tóxicos sobre os te- cidos similares aos de outros cimentos à base de óxido de zinco-eugenol testados (Procosol, Kerr Pulp Canal Sealer e N2), os quais foram pronunciados. Avaliando os efeitos de cimentos endodônticos sobre células imunocompetentes in vitro e in vivo, Bra- tel et al.15 relataram que o Endométhasone e o AH 26 inibiram a proliferação de linfócitos T. Isso caracteriza uma ação imunossupressora. Após o endurecimento, esse efeito foi consideravelmente reduzido. Ørstavik73 estudou as propriedades antibacte- rianas de vários materiais sobre Enterococcus faecium, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus. Alguns dos cimentos usados foram o AH 26, Endométhasone, Kerr Pulp Canal Sealer, Procosol e Tubli-Seal. Todos os materiais apresentaram algum efeito antibacteriano, principalmente quando recém-preparados. O Endomé- thasone, devido à presença do paraformaldeído, apre- sentou atividade antibacteriana pronunciada mesmo após o endurecimento. A ação inibitória do Endomé- thasone sobre bactérias foi também demonstrada por Pumarola et al.81. A adição do paraformaldeído é indesejável, uma vez que exacerba os efeitos tóxicos do eugenol. Isso pode retardar os mecanismos de reparação nos tecidos perirradiculares, em razão da coagulação e impregna- ção dos tecidos por essa substância. Com o tempo, o formaldeído é removido do tecido necrosado, o qual pode então ser infectado ou, dependendo do supri- mento sanguíneo da região, ser reparado. Causa real- mente surpresa o fato de que alguns ainda acreditam que o tratamento de uma ferida com uma substância tóxica e coagulante tecidual possa favorecer a cura dos tecidos perirradiculares. Tubli-Seal O Tubli-Seal (SybronEndo, EUA) apresenta basi- camente os seguintes elementos: óxido de zinco, sulfa- to de bário, resinas oleosas, iodeto de timol, trióxido de bismuto, óleos e eugenol. Esse produto se apresenta sob a forma pasta/ pasta, base e catalisador. Deve ser preparado espa- tulando-se porções iguais até se obter uma mistura bem homogênea e com uma consistência que, do pon- Materiais Obturadores 623 to de vista clínico, seja considerada ideal. Apresenta um tempo de trabalho de 30 minutos e de endureci- mento de 1 hora. Possui propriedades físico-químicas bastante similares às dos demais materiais à base de óxido de zinco-eugenol. Cimentos resinosos São representados pelos seguintes cimentos: AH 26, Sealer 26 (a ser discutido adiante, como cimento contendo hidróxido de cálcio) e AH Plus. AH 26 O AH 26 (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça) é um cimento à base de resina epóxica constituído pelos seguintes elementos: Pó: Óxido de bismuto; pó de prata; óxido de titâ- nio; hexametilenotetramina. Resina: Éter de bisfenol A diglicidil. Também está disponível o cimento sem a prata e o óxido de titânio, AH 26 Silverfree. Sua radiopacidade é similar à da guta-percha, isto é, 1mm do cimento corresponde a 6,66mm de alumínio. Esse produto apresenta excelentes propriedades físico-químicas, tais como: boa estabilidade dimensio- nal, adesividade, radiopacidade, baixa solubilidade, boa capacidade seladora e alto escoamento2,40,55. Seu tempo de trabalho é de 7 horas e o de endurecimento é de cerca de 32 horas. O AH 26 apresenta partículas finas, o que pode ajudar a explicar seu elevado escoamento e a grande força adesiva. Wennberg e Ørstavik130 avaliaram a propriedade de adesão de vários cimentos endodônticos. Eles rela- taram que o cimento que apresentou a maior força de adesão foi o AH 26. Dos materiais testados, o que apre- sentou a menor força adesiva foi o Sealapex. Limkangwalmongkol et al.62, pelo método de infil- tração de corante, avaliaram in vitro o selamento apical produzido por quatro cimentos endodônticos. O AH 26 apresentou os melhores resultados, seguido do Ape- xit, Tubli-Seal e Sealapex. Avaliando a infiltração coro- nária por Fusobacterium nucleatum de canais obturados com guta-percha e dois cimentos, Chailertvanitkul et al.19 verificaram que a completa recontaminação foi ob- servada, em média, em 8,4 e 8,2 semanas para o AH 26 e o Tubli-Seal EWT, respectivamente. Esses dados revelam que o AH 26 apresenta uma capacidade de se- lamento apical e coronário bastante satisfatória. Pascon et al.78 avaliaram a biocompatibilidade do AH 26 e de outros cimentos, utilizando dentes de maca- cos. Eles observaram reações inflamatórias ao AH 26 clas- sificadas como graves para os períodos curtos (1 a 7 dias) e leves para os períodos longos (1 a 3 anos) de avaliação. Em relação à atividade antibacteriana, esse ma- terial apresenta bons resultados. Por meio do teste de difusão em ágar, Stevens e Grossman112 estudaram os efeitos antibacterianos de diversos cimentos sobre uma bactéria anaeróbia estrita, o Bacteroides fragilis. O AH 26, o Procosol e o OZE promoveram efeitos inibitórios significantes. O Kerr Pulp Canal Sealer e o Tubli-Seal provocaram pequenos halos de inibição do crescimen- to microbiano. AH Plus O AH Plus (Dentsply/De Trey, Konstanz, Ale- manha) é um cimento à base de resina do tipo epoxia- minas, cuja composição fornecida pelo fabricante é a seguinte: Pasta A: Éter de bisfenol A diglicidil; tungsteanato de cálcio; óxido de zircônio; aerosil; óxido de ferro. Pasta B: Amina adamantana; n,n-dibenzil-5-oxa- nonano-diamina-1,9; tcd-diamina; tungsteanato de cál- cio; óxido de zircônio; aerosil; óleo de silicone. Apresenta-sesob a forma de pasta/pasta. A pro- porção indicada para se preparar a mistura é de 1:1, em volume. O tempo de trabalho é de aproximadamente 4 horas a 23°C, e o tempo de endurecimento é de cerca de 8 horas a 37°C. Esse cimento apresenta boa capacidade seladora apical e excelente comportamento histológico, permi- tindo o selamento biológico pela deposição de um te- cido cementoide60. Ele possui atividade antibacteriana satisfatória e excelente escoamento, segundo achados de Siqueira et al.95. Saleh et al.84 compararam a adesão de vários cimentos endodônticos à dentina e à guta- percha e revelaram que o AH Plus apresentou a maior capacidade adesiva dos materiais investigados. Ørsta- vik et al.75 observaram que esse cimento apresentou ex pansão volumétrica de 0,4% depois de 4 semanas a até 0,9%. O bom selamento apical promovido por esse cimento é semelhante ao produzido pelo Sealer 26100. Epiphany (Real-Seal) O cimento Epiphany (Pentron Clinical Techno- logies) ou Real-Seal (Sybron Endo) contém as resinas uretano dimetacrilato (UDMA), poli (etilenoglicol) di- metacrilatos (PEGDMA), bisfenol A dimetacrilato eto- xilado (EBPADMA), bisfenol-A-glicidildimetacrilato (BisGMA), designadas para uso com materiais sólidos à base de policaprolactona. Esse cimento ainda contém 624 Capítulo 15 Materiais Obturadores vidro borosilicato de bário tratado com silano, sulfa- to de bário, sílica, hidróxido de cálcio, oxicloreto de bismuto com aminas, um fotoinibidor e pigmentos. O cimento Epiphany é um compósito de cura dual que autopolimeriza em cerca de 25 minutos. É acompanha- do por um primer autocondicionante com ácido sulfô- nico, hidroxietilmetacrilato (HEMA), água e iniciador de polimerização. Uma vez que o hipoclorito de sódio pode afetar negativamente a força de adesão do primer, depois da irrigação com essa substância deve-se irrigar com EDTA e água destilada ou solução salina. Clore- xidina não afeta a força de adesão. Quando a obtura- ção está completa, deve-se fotopolimerizar a superfície coronária do material por 40 segundos para promover um selamento coronário. EndoRez O EndoRez (Ultradent, EUA) é um cimento re- sinoso hidrofílico de UDMA que apresenta bom mo- lhamento das paredes do canal e escoamento para o interior de túbulos dentinários131. A propriedade hi- drofílica melhora a capacidade seladora, mesmo se alguma umidade está presente no canal no momento da obturação76. EndoRez é introduzido no canal com agulhas Navitip gauge 30 (Ultradent) e o canal é obtu- rado com a técnica do cone único ou pela compactação lateral. Cones de guta-percha recobertos com Endo- Rez são também disponíveis comercialmente para uso com o cimento, favorecendo a união química de cone- cimento. Os cones EndoRez encontram-se disponíveis em calibres conforme a padronização ISO. Cimentos à base de ionômero de vidro Em razão das várias propriedades benéficas que possui, tais como atividade antibacteriana, efeito ca- riostático, adesão química à estrutura dentária e bio- compatibilidade, os cimentos de ionômero de vidro têm sido amplamente utilizados em Odontologia como material forrador de cavidades, restaurador, selante de cicatrículas e fissuras e na cimentação de próteses fixas32,33,66,72,113,132. Devido a tais propriedades, seu uso como cimento endodôntico foi preconizado. O Ketac- Endo (3M-ESPE, Alemanha) é o representante mais estudado desse grupo de cimentos. Atualmente, pare- ce não haver qualquer cimento endodôntico à base de ionômero de vidro disponível comercialmente. Cimentos à base de silicone O RoekoSeal Automix (Dental Products, Lange- nau, Alemanha) é um ci mento à base de silicone. Sua composição é a seguinte: polidimetilsiloxano, fluido de silicone, óleo à base de parafina, ácido hexacloro- platínico e dióxido de zircônio. O cimento é colocado por meio de um aplicador de câmara dupla, o qual já mistura o cimento na dosagem apropriada. O aplica- dor possui pontas misturadoras especiais e flexíveis, de emprego único, que permitem a aplicação do ci- mento no canal. O material polimeriza por comple- to, independentemente de umidade e temperatura. O tempo de trabalho é de 15-30 minutos e o de endure- cimento é de 45-50 minutos. Há poucos estudos ava- liando suas propriedades. Ørstavik et al.75 relataram que esse cimento expandiu até 0,2% em 4 semanas de avaliação, mas depois apresentou comportamento es- tável. Foram avaliados histologicamente os tecidos pe- rirradiculares de dentes de cães após a obturação com os cimentos RoekoSeal e AH Plus61. Não foram encon- tradas diferenças estatisticamente significativas entre os dois cimentos quanto ao infiltrado inflamatório, à espessura do ligamento periodontal e à quantidade de reabsorção dentinária, cementária ou óssea. Özok et al.77 testaram a capacidade de selamento da GuttaFlow, do RoekoSeal e do AH26 em canais ra- diculares de dentes humanos extraídos. Os canais ob- turados com AH26 receberam a técnica da compacta- ção lateral, ao passo que os canais obturados com Ro- ekoSeal e GuttaFlow foram submetidos à técnica do cone único modificada. O modelo de penetração de glicose foi empregado no experimento. Os resultados mostraram diferenças estatisticamente significantes, evidenciando que a GuttaFlow apresentou os maiores valores de infiltração em todas as semanas. No entan- to, a comparação entre RoekoSeal e AH26 não mostrou diferença significativa. GuttaFlow Em 2004, a Coltène/Whaledent Inc (EUA) intro- duziu um material obturador que a frio apresenta bom escoamento e capacidade de autopolimerização. Esse material consiste na combinação da guta-percha com um cimento endodôntico em cápsulas que se acoplam a um sistema que permite a injeção direta do material no interior do canal radicular. GuttaFlow contém gu- ta-percha finamente moída em partículas com menos de 30µm de diâmetro combinada com um cimento à base de polidimetilsiloxano (Fig. 15-8). Também con- tém óleo de silicone, óleo de parafina, agente catalíti- co de platina, dióxido de zircônio, nanopartículas de prata (conservante) e corante. Não contém eugenol. Materiais Obturadores 625 Esse material deve ser triturado em sua cânula e inje- tado no canal para uso com um ou mais cones de guta- percha. O fabricante relata que o material pode escoar para os canais laterais e preencher completamente os espaços entre o cone de guta-percha e as paredes do canal radicular. Além disso, como a técnica não envol- ve a aplicação de calor, não é esperada a contração do material após o endurecimento. Ao contrário, afirma o fabricante que o material sofre expansão de 0,2% após o endurecimento. Uma vez que GuttaFlow é um novo material, exis- tem relativamente poucos estudos que avaliam as suas propriedades. Embora GuttaFlow seja uma modifica- ção do cimento RoekoSeal, os resultados dos estudos podem não ser os mesmos já encontrados, tendo em vista as diferentes composições dos dois materiais. Mesmo apresentando um escoamento melhor do que a guta-percha na porção apical, foi recomendada a aplicação de uma barreira de MTA para uso quando do emprego da técnica de compactação vertical aquecida com GuttaFlow, para que não ocorra a extrusão apical do material26,134. Cimentos contendo hidróxido de cálcio Devido aos vários efeitos biológicos benéficos atribuídos ao hidróxido de cálcio, seu emprego na obturação definitiva do sistema de canais radiculares passou a ser preconizado. Contudo, um material para ser usado com essa finalidade deve obedecer a certos requisitos físico-químicos e não apenas aos biológi- cos. Nesse sentido, o hidróxido de cálcio apresenta alguns inconvenientes, uma vez que não é radiopaco, tem pouco escoamento, não tem boa viscosidade, é permeável e é solubilizado com o tempo. Daí a neces- sidade de associá-lo a veículos e outras substâncias, visando a contornar tais deficiências. Todavia, o ideal seria melhorar as propriedades físico-químicas dessa substância sem contudo interferir em suas proprieda-des biológicas. Os materiais desse grupo, comumente pesquisados e conhecidos, são Sealapex, CRCS, Sealer 26 e Apexit. Sealapex O cimento Sealapex (SybronEndo/Kerr, EUA) foi um dos primeiros cimentos endodônticos à base de hi- dróxido de cálcio a ser comercializado. Ele se apresenta na forma pasta/pasta, contendo as seguintes substân- cias em sua formulação: Base: Óxido de cálcio; óxido de zinco; composto à base de sulfonamida; sílica. Catalisador: Sulfato de bário; resina polimetileno metilsalicilato; dióxido de titânio; sílica; salicilato de isobutila; pigmentos. Partes iguais da base e do catalisador devem ser dispensadas sobre uma placa de vidro e manipula- das com uma espátula até que se obtenha uma mas- sa homogênea. Recentemente, o fabricante lançou o Sealapex Xpress, com o cimento disponível em serin- ga automix. Seu tempo de presa pode ser de no mí- nimo 2 horas a 23°C. No canal radicular, a 37°C, com umidade relativa de 100%, a presa pode se dar em 1 hora, segundo as informações do fabricante. Clinica- mente, tem sido observado que resíduos de umidade no canal aceleram significativamente o endurecimen- to do material, reforçando a necessidade imperiosa de se secar bem o canal antes de qualquer procedimento obturador. O óxido de cálcio reage com a água e forma o hi- dróxido de cálcio. A reação de presa do Sealapex ocor- re por meio da ação quelante do componente salicilato Figura 15-8. Sistema Gut- taFlow. (Gentileza da Coltè- ne/Whaledent Inc.) 626 Capítulo 15 Materiais Obturadores (no catalisador) sobre o óxido de cálcio/hidróxido de cálcio (na base), em uma base aquo sa, formando sali- cilato de cálcio. As outras substâncias associadas à for- mulação são responsáveis por radiopacidade, viscosi- dade, fluidez, adesividade e escoamento da pasta. CRCS O CRCS (Calciobiotic Root Canal Sealer), fabri- cado pela Coltène/Whaledent Hygenic, apresenta-se na forma de pó (acondicionado em unidades con tendo 0,4g em cada) e líquido, sendo que seus componentes básicos são: Pó: Hidróxido de cálcio; óxido de zinco; resina hi- drogenada; sulfato de bário; subcarbonato de bismuto. Líquido: Eugenol; eucaliptol. Esse material deve ser espatulado sobre uma pla- ca de vidro, à temperatura ambiente, na proporção de duas a três gotas de líquido para cada dose de pó. A consistência desejada é densa e cremosa. A presa sobre a placa de vidro, em tempe ratura ambiente, se dá em cerca de 2 horas, enquanto no canal geralmente ocorre em 20 minutos. Calor e umidade aceleram a presa do material, que ocorre após a reação do eugenol com o óxido de zinco, formando eugenolato de zinco, e, pos- sivelmente, com o hidróxido de cálcio, formando eu- genolato de cálcio. A presença do eucaliptol no líquido visa a reduzir o excesso de eugenol livre após a reação de presa e permitir uma união química com a guta-per- cha, uma vez que o eucaliptol é solvente desta. Sealer 26 O Sealer 26 (Dentsply, Brasil) possui composição si- milar à do AH 26, cimento à base de resina epóxica, utili- zado por muitos anos em Endodontia. A diferença básica entre os dois cimentos é que o Sealer 26 possui hidróxido de cálcio em sua composição e não prata. Sua apresenta- ção é na forma de pó e resina, essa última acondicionada em uma bisnaga. A composição básica é a seguinte: Pó: Hidróxido de cálcio; óxido de bismuto; hexa- metilenotetramina; dióxido de titânio. Resina: Éter de bisfenol A diglicidil. O material deve ser espatulado sobre uma placa de vidro, agregando-se o pó gradativamente à resina, até que se obtenha uma mistura lisa e homogênea que, quando levantada com o auxílio de uma espátula, se par- te a uma altura de 1,5 a 2,5cm acima da placa de vidro. A proporção ideal é de aproximadamente duas a três partes de pó para uma de resina, por volume. Quanto maior a proporção de pó, maior a radiopacidade do produto. A presa do material se dá em cerca de 48 a 60 horas em temperatura ambiente, enquanto no interior do ca- nal radicular o Sealer 26 endurece em aproximadamen- te 12 horas. Para que o cimento adquira maior fluidez, facilitando sua inserção no canal radicular, pode-se espalhá-lo na placa de vidro e aquecê-lo levemente a uma distância de 10 a 15cm de uma chama. Evidente- mente, o aquecimento excessivo deve ser evitado. O endurecimento se deve à reação entre a resina e a hexametilenotetramina, o agente ativador. É interes- sante notar que o hidróxido de cálcio não participa da reação de presa do material. Apexit O Apexit (Ivoclar/Vivadent, EUA) apresenta-se no sistema pasta/pasta e o princípio de presa é similar ao do Sealapex, isto é, por meio da formação do que- lato salicilato de cálcio. Sua composição básica é a se- guinte: Base: Hidróxido de cálcio; colofônia hidrogenada; dióxido de silício; óxido de cálcio; óxido de zinco; fos- fato tricálcico; polimetilsiloxano; estearato de zinco. Catalisador: Salicilato de trimetil-hexanodiol; car- bonato de bismuto; óxido de bismuto; dióxido de silí- cio; salicilato de 1-3 butanodiol; colofônia hidrogenada; fosfato tricálcico; estearato de zinco. O material deve ser espatulado empregando-se volumes iguais de base e de catalisador, por 10 a 20 segundos, até que se obtenha uma massa homogênea. O endurecimento no interior de um canal radicular de- vidamente seco ocorre entre 10 e 30 horas. A presença de umidade acelera a presa. Acroseal O Acroseal (Septodont, França), cimento conten- do hidróxido de cálcio e recentemente lançado no co- mércio na forma pasta/pasta, é um cimento resinoso que contém hexametilenotetramina e éter de bisfenol A diglicidil, componente epóxico também presente no AH26 e Sealer 26. Assim como esses últimos, também libera formaldeído durante o endurecimento27,28. O fa- bricante anuncia a incorporação de enoxolona (ácido glicirretínico) na composição, com o intuito de exercer efeitos antisséptico e anti-inflamatório. O tempo de en- durecimento varia entre 16 e 24 horas. OUTROS MATERIAIS EMPREGADOS NA OBTURAÇÃO DOS CANAIS RADICULARES Pasta L&C A pasta L&C (Dentsply, Brasil) apresenta a se- guinte composição: Materiais Obturadores 627 Pó: Hidróxido de cálcio (65,6%); carbonato de bis- muto (32,8%); colofônia (1,6%). Veículo: Óleo de oliva purificado. Graças à sua composição, a pasta apresenta boa radiopacidade, fluidez, adesividade e escoamento, o que permite sua fácil introdução no canal radicular. O veículo oleoso lhe confere pouca solubilidade, com liberação lenta e contínua de hidróxido de cálcio do interior das micelas formadas. Possui bom comporta- mento biológico. É indicada para fechamento de perfu- rações radiculares, obturação nos casos de rizogênese incompleta e na técnica do tampão apical63. Esse mate- rial deve ser espatulado utilizando-se placa de vidro e espátula estéreis, agregando-se o pó ao veículo, até se obter uma massa pastosa, homogênea, e com consis- tência de trabalho (massa de vidraceiro). É levada ao interior do canal com espirais de Lentulo. Avaliações clínicas e radiográficas de tratamentos endodônticos de dentes com canais radiculares obtura- dos com pasta L&C como cimento obturador ou como tampão apical têm revelado resultados positivos6,12,63. Do ponto de vista biológico, Soares et al.104, em tratamento de dentes com rizogênese incompleta, ob- servou a formação de uma barreira de tecido minera- lizado. Sonada e Okamoto107, avaliando a influência da pasta de hidróxido de cálcio com um veículo oleoso ou aquoso como curativo de canal em reimplante dental imediato em ratos, concluíram que: • a falta de obturação do canal radicular no grupo- controle resultou em maior incidência de reabsorção radicular e neoformação óssea menos pronunciada na região de fundo de alvéolo; • o grupo tratado com pasta de hidróxido de cálcio e veículo oleoso (pasta L&C) apresentou neoformação óssea mais pronunciada na região de fundo de al- véolo do que o grupo tratado com veículo aquoso; • o grupo tratado com pasta de hidróxido de cálcio e veículo oleoso(pasta L&C) apresentou menor inci- dência de reabsorção radicular que o grupo tratado com pasta de hidróxido de cálcio e veículo aquoso. Em outro estudo semelhante, porém com reim- plante dental mediato (após 60 minutos), Sonada106 concluiu que, no grupo em que foi utilizada pasta de hidróxido de cálcio com veículo oleoso (pasta L&C), áreas de reabsorção radicular foram encontradas no período de 10 dias; mantiveram-se constantes no perío- do de 60 dias; o grupo que recebeu pasta de hidróxido de cálcio com veículo oleoso (pasta L&C) apresentou melhor reparo na região de fundo de alvéolo. Bittencourt et al.13, por meio de resultados histo- lógicos, evidenciaram a viabilidade do uso de pastas de hidróxido de cálcio – com veículos hidrossolúveis e oleosos (pasta L&C) – para o recobrimento pulpar, per- mitindo a manutenção da polpa em plenas condições funcionais, apta ao reparo, inclusive com a formação de barreira de tecido duro, na maioria dos casos. Sulfato de cálcio O sulfato de cálcio (Class Implant & R.L., Roma, Itália), comercialmente denominado Surgiplaster, apre- senta a seguinte composição: Pó: sulfato de cálcio hemi-hidratado. Líquido regular: solução aquosa de cloreto de sódio a 0,9%. Líquido endurecedor: solução aquosa de sulfato de potássio a 4%. É utilizado na forma de pasta obtida a partir do pó, tendo como veículo o líquido regulador. O líquido en- durecedor é para acelerar o endurecimento da pasta. Após a aplicação da pasta de sulfato de cálcio, nos casos em que se deseja um endurecimento rápido, pincela-se a sua superfície com a solução de sulfato de potássio. É indicado para funcionar como uma barreira, evi- tando o extravasamento do material utilizado como ob- turador nas perfurações, reabsorções interna e externa, em dentes com rizogênese incompleta e como tampão apical. É facilmente reabsorvido e possui bom compor- tamento biológico79,108. Esse material deve ser espatulado utilizando-se placa de vidro e espátulas estéreis, agre- gando-se o pó ao veículo, até se obter uma massa pasto- sa, homogênea e com consistência de trabalho (massa de vidraceiro). É levado ao sítio com espátulas e calcadores para cimento ou com espirais de Lentulo. Agregado de trióxido mineral O agregado de trióxido mineral (MTA) é um pó cinza ou branco composto de trióxidos combinados com outras partículas minerais hidrofílicas e que se cristaliza na presença de umidade. Seus principais componentes são o silicato tricálcio, silicato dicálcio, aluminato tricálcio, ferroaluminato tetracálcio, sulfa- to de cálcio diidratado (gesso) e o óxido de bismuto, como radiopacificador. Pode ainda conter até 0,6% de resíduos insolúveis livres, como a sílica cristalina, e outros componentes, como óxido de cálcio, óxido de magnésio e sulfatos de sódio e de potássio. 628 Capítulo 15 Materiais Obturadores O agregado de trióxido mineral está disponível no mercado odontológico com as denominações ProRoot‑ MTA (Dentsply, Tulsa Dental, EUA) e MTA – Angelus (Ângelus Odonto, Logika Ind. de Prod. Odontológica Ltda., Londrina, PR). O MTA é um material cuja com- posição química é similar à do cimento Portland (ci- mento empregado em construções) agregado a outras substâncias30,133. O ProRoot‑MTA é composto aproximadamente de 75% de cimento Portland, 20% de óxido de bismuto (radiopacificador) e 5% de gesso. A embalagem pode conter um ou dois envelopes de 1g do produto, além de uma seringa aplicadora e três pequenas bisnagas contendo água destilada. É produzido na coloração cinza e branco. O MTA-Angelus é composto de 80% de cimento Portland e 20% de óxido de bismuto. Não possui em sua fórmula o sulfato de cálcio (gesso), com o propósito de reduzir o tempo de presa, que se dá em 10 minutos. A embalagem contém um frasco com 2g e uma bisnaga contendo água destilada, além de um dosador plástico para dispensar o pó. Experimentos em culturas de células1, subcutâneo de ratos47 e em pulpotomia e pulpectomia46 em dentes de cães mostraram comportamento biológico seme- lhante entre o MTA e o cimento de Portland. A hidratação do pó com água destilada, solução anestésica ou fisiológica resulta em um gel coloidal, o qual se solidifica em menos de três horas, o ProRoot‑ MTA, e ao redor de 10 minutos, o MTA-Angelus. Apre- senta pH alcalino (em torno de 12,5) depois de ser ma- nipulado. Após o endurecimento, o material se expan- de, expansão essa responsável pelo selamento margi- nal das cavidades. Com relação à adaptação marginal, tem melhor adaptação do que outros materiais usados com as mesmas finalidades. É pouco solúvel, e a mas- sa obtida não se dilui quando em presença de líquidos teciduais, sendo uma vantagem sobre as pastas e os ci- mentos à base de hidróxido de cálcio122-124. A natureza hidrofílica das partículas do pó do MTA confere uma característica especial a esse mate- rial, podendo ser empregado em presença de umidade, tal como ocorre durante os procedimentos clínicos em casos de perfurações, reabsorções e cirurgia perirradi- cular, não necessitando de um campo seco. A umidade presente nos tecidos atua como um ativador da reação química de hidratação desse material. Outro aspecto é que a capacidade exibida pelo MTA provavelmente se deve à sua natureza seladora hidrofílica, uma vez que ocorre uma ligeira expansão quando ele é utilizado em ambiente úmido116,118. Além de estimular a neoformação dentinária, o MTA apresenta atividade antibacteriana satisfató- ria119, promove um selamento adequado, prevenindo a microinfiltração116,122,124, é biocompatível120 e não tem potencial carcinogênico56. A atividade indutora de calcificação do MTA, provavelmente, se deve à capacidade que esse material tem para atrair os cementoblastos e produzir uma ma- triz para a formação de cemento, o que seria determi- nado pela sua propriedade seladora, seu elevado pH ou pela liberação de substâncias que ativariam os ce- mentoblastos a formarem uma matriz para a formação de uma barreira de tecido duro117,121. Outra teoria é que o MTA teria uma ação seme- lhante à do hidróxido de cálcio. O óxido de cálcio do pó do MTA, ao se realizar a preparação da pasta com água, seria convertido em hidróxido de cálcio. Esse, por sua vez, em contato com os fluidos tissulares, se dissociaria em íons cálcio e hidroxila. Os íons cálcio, reagindo com o gás carbônico dos tecidos, dariam ori- gem às granulações de calcita; junto a essas granula- ções haveria acúmulo de fibronectina que permitiria adesão e diferenciação celular. Na sequência teríamos formação de uma ponte de tecido duro47. O MTA deve ser preparado imediatamente antes de sua utilização. O pó deve ser misturado com água destilada estéril na proporção de 3:1 sobre uma placa de vidro, durante 30 segundos, com a ajuda de uma es- pátula de metal ou plástico, exibindo na sequência uma consistência pastosa58. Se a área de aplicação do MTA for muito úmida, a umidade poderá ser reduzida com uma gaze seca ou cone de papel absorvente. A umidade excessiva torna difícil a manipulação do material. Quan- do a mistura é muito seca, mais água deverá ser adicio- nada. Em função de o MTA necessitar de umidade para endurecer, deixando-se o material sobre a placa de vi- dro, ocorrerá a sua desidratação, dando-lhe um aspecto arenoso. Para evitar isso, recomenda-se a colocação de uma gaze umedecida em água sobre a pasta de MTA116. Vários estudos têm demonstrado os excelentes resultados do MTA como material selador em perfu- rações radiculares e de furca; como material selador de perfurações resultantes de reabsorções internas e exter- nas comunicantes; como material retro-obturador em cirurgias perirradiculares; como material de apicifica- ção e como tampão apical115. Nos casos clínicos em que o MTA é levado à loja via cavidade pulpar, é recomendada, após a acomoda- ção do material, a colocação de uma bolinha de algodão umedecida em água destilada por pelo menos 3 a 4 ho- ras para manter a hidratação e permitir a solidificaçãoMateriais Obturadores 629 do material. Após esse período, remove-se a bolinha de algodão, procedendo-se à restauração definitiva do dente. Em algumas situações clínicas (perfuração de furca e tampão apical) é recomendado deixar a bolinha de algodão umedecida com água destilada em contato com o MTA durante 1 a 3 dias para continuar a solidi- ficação do material115. NOVOS MATERIAIS Recentemente foram desenvolvidos estudos so- bre um novo material obturador à base de óxido de zinco e poliuretano e um novo cimento endodôntico fotoativado à base de uretano-acrilato/diacrilato tri- propileno glicol49,57. Os estudos têm mostrado que esse material apresenta boas propriedades mecânicas e tér- micas quando comparado à guta-percha e ao Resilon49. A resistência à tração e o módulo de elasticidade desse material foram acentuadamente mais altos do que da guta-percha e do Resilon. O ponto de fusão dos três materiais foi similar, já a variação de entalpia e o calor específico do novo material ficaram próximos aos da guta-percha, porém foram inferiores aos do Resilon. Esses resultados indicam que o novo material apre- senta boas propriedades mecânicas e térmicas como material obturador. No entanto, mais estudos acerca de suas propriedades mecânicas devem ser realizados. Além disso, obviamente as suas propriedades biológi- cas também devem ser testadas e comparadas aos ma- teriais já consagrados pelo uso. PROPRIEDADES DOS MATERIAIS OBTURADORES Propriedades biológicas Biocompatibilidade Qualquer material destinado ao uso biológico não deve apresentar citotoxicidade. Dessa forma, ele não irá interferir negativamente no processo de reparo dos tecidos com os quais está em contato. A guta-percha é bem tolerada pelos tecidos perirradiculares e a maioria dos cimentos endodônticos, embora apresente níveis variados de citotoxicidade antes da presa, usualmente perde esta propriedade após o endurecimento7,109. Uma vez que a agressão química causada pelos cimentos é transitória, deve-se reconhecer então que é incapaz de induzir e manter uma lesão perirradicular. Na obtu- ração de um canal radicular, quando extravasados, os cimentos podem ter três destinos, dependendo de suas propriedades físico-químicas. Se solúveis, podem ser fagocitados ou se dissolver e ser eliminados na forma de pequenas moléculas ou íons. Se insolúveis, podem ser encapsulados por tecido conjuntivo fibroso, caracteriza- do pelo predomínio de colágeno. A biocompatibilidade de um cimento endodônti- co depende diretamente de seus componentes, de seu tempo de presa e de sua solubilidade. Estudos têm de- monstrado que a maioria dos cimentos endodônticos utilizados na obturação dos canais radiculares não ofe- rece diferenças quanto ao índice de sucesso do trata- mento. Isso é muito provavelmente devido ao fato de que a maioria desses materiais apresenta boas proprie- dades seladoras e de biocompatibilidade. Embora exis- tam alguns raros casos de fracassos associados à reação de corpo estranho ao material obturador70, na maioria da vezes a presença de micro-organismos é o principal elemento determinante do insucesso83,91,92,98 e não a to- xicidade do material empregado. Esse dado ressalta o papel exercido por micro-organismos no processo de terapia endodôntica. Eriksen et al.29 avaliaram os resultados do trata- mento endodôntico utilizando três cimentos obtura- dores: Procosol (à base de OZE), AH 26 (cimento resi- noso) e Kloroperka NO (que consiste em guta-percha branca e clorofórmio). A avaliação se estendeu por 3 anos. Os autores relataram que, embora a resposta à Kloroperka NO tenha sido ligeiramente inferior à dos outros dois cimentos, não houve diferença significante entre os grupos. Waltimo et al.128 também compararam os resultados clínico-radiográficos após tratamento utilizando os cimentos Sealapex, CRCS e Procosol, os dois primeiros contendo hidróxido de cálcio e o últi- mo à base de OZE. Seus resultados demonstraram que no geral a influência do cimento no resultado do trata- mento foi mínima. Após 3 a 4 anos de avaliação, não houve diferença significante entre os grupos quanto ao índice de sucesso do tratamento. Com os cimentos à base de óxido de zinco-euge- nol, quando na intimidade do tecido perirradicular, à medida que ocorre o decréscimo de sua citotoxicida- de aparece uma cápsula fibrosa cuja espessura tende a ser proporcional ao potencial irritante do material. Essa cápsula tende a isolar o material do tecido perir- radicular. Nesse caso, diz-se que a reparação é feita por cicatrização. Os cimentos à base de hidróxido de cálcio provo- cam necrose por coagulação dos tecidos submetidos a seu contato íntimo, sendo que o tecido imediatamente subjacente reage pela deposição de tecido calcificado, desde que seja dotado dessa capacidade (exemplo: li- gamento periodontal). 630 Capítulo 15 Materiais Obturadores Os inúmeros efeitos biológicos do hidróxido de cálcio estão relacionados com a sua dissociação em meio aquoso, liberando íons cálcio e hidroxila. Apesar de haver na literatura controvérsias quanto ao verda- deiro papel dos íons cálcio, parece existir um consenso quanto ao fato de os íons hidroxila exercerem um pa- pel importante na resposta tecidual a essa substância. A simples presença do hidróxido de cálcio em um produto não é garantia de suas propriedades terapêu- ticas. Torna-se evidente então que, para um material contendo hidróxido de cálcio em sua formulação indu- zir efeitos similares aos da substância pura, ela deve ser liberada da massa obturadora. Para isso, o hidróxido de cálcio deve ser utilizado na composição do cimento, em excesso ao necessário para a reação de presa, de for- ma que assim possa ser liberado e ter ação terapêutica ou, então, que o hidróxido de cálcio não participe da reação química de endurecimento, estando assim livre para exercer seus efeitos. Além disso, se a matriz do cimento possuir grupos polares que permitam a entra- da de água, haverá uma difusão reversa de soluções aquosas de hidróxido de cálcio, que alcalinizarão o meio circunjacente. Uma matriz hidrofóbica ou a adi- ção de outras substâncias ao produto podem interferir em sua atividade. Tem sido demonstrado que o Sealapex apresenta liberação iônica extensa e gradual, capaz de alcalinizar o meio37,96,101,114. Em estudo de Siqueira et al.101, foi veri- ficado que quatro cimentos à base de hidróxido de cál- cio foram capazes de alcalinizar o meio de forma cons- tante, tanto recém-preparados quanto já endurecidos, mas em diferentes magnitudes. O Sealapex apresentou os valores mais elevados, o que está relacionado com sua alta solubilidade. O CRCS, apesar de alcalinizar o meio, sempre apresentou uma tendência a diminuir seus valores de pH com o decorrer do tempo. Isso pro- vavelmente ocorreu pelo fato de no líquido do produto estarem presentes dois componentes ácidos (eugenol e eucaliptol) que podem ser liberados lentamente. O Sealer 26, um cimento resinoso, foi capaz de alcalinizar o meio, mesmo endurecido. Esses dados discordam da afirmativa de que a trama resinosa impede a difusão do medicamento. Pelo menos para o Sealer 26 isso não ocorreu. Acreditamos que, por não participar da reação de presa, o hidróxido de cálcio fica embebido na malha resinosa e a sua liberação dependerá do grau de con- densação e compactação dessa malha, e possivelmente da natureza hidrofílica da matriz. O Apexit também foi capaz de alcalinizar o meio em todos os períodos de tempo avaliados. Resultados similares entre Apexit e Acroseal foram observados por Eldeniz et al.27. Um estudo avaliando a alcalinização dentinária por alguns compostos contendo hidróxido de cálcio demonstrou que o Sealapex promove elevação de pH moderada na dentina em contato direto com ele, desde que a smear layer tenha sido removida111. Nenhum efei- to significativo foi observado na dentina mais distante do material. O Apexit não promoveu alcalinização da dentina em contato direto comele. Além de ser biocompatível, tem sido demons- trada a formação de selamento biológico do forame apical por cemento neoformado em canais obturados com Sealapex45 (Fig. 15-9). Soares et al.105, testando os efeitos dos cimentos Sealapex, CRCS e OZE sobre os tecidos perirradiculares de cães após a obturação, en- contraram resultados diferentes daqueles de Holland e Souza45 para o Sealapex. Verificaram que não hou- ve evidência de que os cimentos contendo hidróxido de cálcio estimulem o reparo tecidual. A resposta dos tecidos perirradiculares ao Sealapex e ao CRCS foi si- milar àquela do cimento de OZE. Embora a deposição de cimento neoformado tivesse causado um estreita- mento da abertura foraminal em muitos casos, inde- pendentemente do cimento empregado, em nenhum dos espécimes foi observado o selamento completo do forame. Em todos os casos de sobreobturação houve o Figura 15-9. Corte histológico de dente de cão após obturação do canal radicular com guta-percha e cimento Sealapex (180 dias). Se- lamento biológico do forame apical por neoformação cementária. (Gentileza do Dr. Roberto Holland.) Materiais Obturadores 631 desenvolvimento de uma reação inflamatória crônica nos tecidos perirradiculares. Beltes et al.10 avaliaram a citotoxicidade de três cimentos contendo hidróxido de cálcio em suas formu- lações, mediante um modelo de cultura de células. A partir dos resultados obtidos, esses autores concluíram que o cimento mais citotóxico foi o Sealapex, seguido do CRCS e do Apexit. Na verdade, todos esses cimentos contendo hi- dróxido de cálcio contêm substâncias citotóxicas em suas formulações. Sealapex, CRCS e Apexit possuem compostos à base de zinco em suas composições. O CRCS possui eugenol e eucaliptol, substâncias de re- conhecida atividade citotóxica. O Sealapex possui dió- xido de titânio, que pode se difundir para os tecidos e induzir uma reação de corpo estranho135. A hexametile- notetramina presente nos cimentos Sealer 26 e Acrose- al se decompõe em meio aquoso, gerando formaldeído e amônia, substâncias reconhecidamente citotóxicas. Todavia, cumpre relembrar que a maior parte dos es- tudos tem demonstrado que a citotoxicidade desses materiais é reduzida com o decorrer do tempo. Isso provavelmente se dá devido ao endurecimento do ma- terial, o que permite uma redução da solubilidade e, consequentemente, da liberação de componentes cito- tóxicos. Por exemplo, a liberação de formaldeído pelo AH 26, similar ao Sealer 26, é máxima nas primeiras 48 horas, tendendo a reduzir-se significativamente de- pois, justificando assim a citotoxicidade transitória do material109. Pinna et al.80 compararam a citotoxidade do Me- taSEAL (Parkell Inc), um cimento à base de resina me- tacrilato, com um cimento resinoso (AH Plus Jet) e um cimento à base de óxido de zinco e eugenol (Pulp Ca‑ nal Sealer). Todos os cimentos apresentaram toxicidade grave até 72 horas. Após esse período ela foi diminuin- do durante o experimento, exceto o Pulp Canal Sealer, que permaneceu muito tóxico. O MetaSEAL foi mais tóxico que o AH Plus Jet na primeira semana. Heitman et al.44 estudaram a citotoxicidade do cimento Epiphany em várias concentrações sobre fi- broblastos do ligamento periodontal humano. O efeito da concentração, de 25 a 800g/mL, do cimento sobre a viabilidade celular foi avaliado em 1, 3 e 7 dias. Os resultados mostraram significativa citotoxicidade do Epiphany contra os fibroblastos, que aumentou com o maior tempo de exposição e maior concentração do cimento. A citotoxicidade dos cimentos endodônticos pode ser alterada pela aplicação de calor nas técnicas de ob- turação. Quando se emprega o Sealapex, o aumento da temperatura não afeta a sua toxicidade, ao passo que usando o AH Plus a sua citotoxicidade diminui. Por outro lado, alguns cimentos apresentam maior citoto- xicidade quando aquecidos, como é o caso do Pulp Ca‑ nal Sealer e Roth 80171. Os cones de guta-percha, quando em contato com os tecidos perirradiculares, estimulam a formação de uma cápsula fibrosa, envolvendo-os. Entretanto, po- dem existir situações em que o cone extravasado é de pequeno diâmetro e, com o passar do tempo, pode ser reabsorvido por meio de um fenômeno físico-químico de solubilidade e desintegração e, também, mediante ação macrofágica59. Atividade antimicrobiana Além de ser biocompatível, o cimento endodônti- co deve possuir atividade antimicrobiana para destruir micro-organismos que tenham sobrevivido ao preparo químico-mecânico. Outrossim, materiais seladores com essa propriedade podem eliminar micro-organismos presentes em canais de microinfiltração, prevenindo assim a entrada ou saída destes do sistema de canais radiculares. Pumarola et al.81 testaram a atividade antimi- crobiana de vários cimentos usados em Endodontia contra 120 cepas de Staphylococcus aureus. Eles relata- ram que os cimentos à base de óxido de zinco e euge- nol, paraformaldeído ou resinas apresentaram maior atividade inibitória do que o Sealapex, o de menor efei- to antimicrobiano. Al-Khatib et al.3 avaliaram os efeitos antibacteria- nos de vários cimentos endodônticos sobre Streptococ‑ cus mutans, S. aureus e Porphyromonas endodontalis. Eles verificaram que o cimento de Grossman foi o de maior atividade. Contudo, o AH 26 foi mais eficaz contra a P. endodontalis. No geral, os cimentos à base de óxido de zinco-eugenol, como o de Grossman, o Tubli-Seal e o CRCS (embora também contenha hidróxido de cálcio), foram mais eficazes que a eucapercha (guta-percha + eucaliptol) e o cimento (Sealapex) e pastas contendo hidróxido de cálcio. Siqueira e Gonçalves97 avaliaram a atividade an- tibacteriana dos cimentos Sealapex, Sealer 26 e Ape- xit, à base de hidróxido de cálcio, comparando-os ao Fill Canal, cimento à base de óxido de zinco-eugenol, contra bactérias anaeróbias estritas comumente asso- ciadas às infecções endodônticas. Os resultados reve- laram que o Fill Canal apresentou a maior atividade inibitória de crescimento. Isso ocorreu por causa do seu conteúdo de zinco e, principalmente, de eugenol. O Sealer 26 foi o segundo de maior atividade, apenas 632 Capítulo 15 Materiais Obturadores não sendo eficaz contra P. endodontalis e Porphyromo‑ nas gingivalis (Fig. 15-10). Embora contenha hidróxido de cálcio em sua formulação, essa substância não pa- rece ser a principal responsável por essa propriedade do cimento. A hexametilenotetramina, elemento ati- vador da presa da resina do cimento, presente no Sea- ler 26, se decompõe, em meio aquoso, em formaldeído e amônia. O formaldeído possui excelente atividade antibacteriana. O Sealapex apenas apresentou eficácia contra duas espécies bacterianas, enquanto o Apexit foi inerte. A atividade antibacteriana dos cimentos conten- do hidróxido de cálcio depende dos seguintes fatores: • pH e solubilização do material. Para liberar substâncias ativas contra micro-organismos o material deve se solubilizar. Essa propriedade pode interferir negati- vamente no selamento produzido pela obturação. • Presença de hidróxido de cálcio livre no material, que não tenha participado da reação de presa. • Difusibilidade do material. O hidróxido de cálcio apre- senta baixa solubilidade e se difunde pouco. Para exercer efeito antibacteriano, ele deve alcalinizar o pH do meio circundante em magnitude suficiente para ser letal às bactérias. A alcalinização do meio de cultura e da dentina radicular pela ação do hidró- xido de cálcio não é na maioria das vezes suficiente para esse intento. • Presença de outras substâncias com atividade antibacteria‑ na, como eugenol no CRCS e formaldeído (pela de- composição da hexametilenotetramina) no Sealer 26. Slutzky-Goldberg et al.103 avaliaram as proprie- dades antibacterianas de quatro cimentos endodônti- cos – AH Plus, Apexit Plus, Epiphany SE e RoekoSeal – quando em contato com E. faecalis. Os materiais fo- ram utilizados logo após o tempo de presa e 1, 2, 7 e 14 dias após. Os resultados