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Capítulo 3 Evolução das tipologias arquitetônicas do edifício hospitalar 40 3. Evolução das tipologias arquitetônicas do edifício hospitalar Neste capítulo, tem-se por finalidade estabelecer, com base no instrumental de análise definido no capítulo anterior, uma compreensão de como as tipologias arquitetônicas do edifício hospitalar se sucederan1 ao longo do tenlpo, sobre o pano de fundo de transformações institucionais, culturais, sociais, políticas e do desenvolvimento histórico da Medicina e da tecnologia médica. A análise está delimitada por um recorte geográfico- temporal que circunscreve as tipologias estudadas à arquitetura hospitalar ocidental, da Idade Média até a contemporaneidade. Justifica-se ajustar o foco à arquitetura hospitalar do Ocidente pelo fato de que as hipóteses e questões-chave deste trabalho enfatizam o tema da assimilação, por uma arquitetura local, da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em plano mundial. Como a assimilação supõe laços de intercâmbio ou influência cultural e profissional, e na medida em que os laços entre a arquitetura local estudada e o Oriente são pouco significativos, excluiu-se do escopo do trabalho a arquitetura hospitalar oriental. O recorte temporal adotado estabeleceu a Idade Média como ponto de partida para o estudo. Tal decisão, em primeiro lugar, se ancora no fato de que é na Idade Média que vai se firmar, no Ocidente, o conceito de hospital enquanto espaço de atenção ao enfermo ou, na definição aqui adotada, unidade de saúde com atendimento em regime de internação. Por outra parte, desde as primeiras observações empíricas feitas neste trabalho, pôde-se perceber que a arquitetura hospitalar em Natal registra exemplares com definições tipológicas que remontam à Idade Média. Assim, seja para apreender a atuação dos fatores de transformação tipológica do edifício hospitalar, seja para realizar a análise comparativa das evoluções tipológicas estudadas, julgou-se metodologicamente necessário adotar o hospital medieval como marco inicial do processo. O trabalho apresentado neste capítulo tem por base uma pesquisa bibliográfico- documental. Nela, buscou-se caracterizar o contexto em que se projetaram e construíram hospitais e as séries tipológicas de edifícios que mais significativamente 1narcara1n os períodos estudados. Foi seguida uma periodização corrente em estudos históricos de distintas naturezas: o período medieval, a Renascença, o Iluminismo, a Era Moderna e o período contemporâneo da pós-modernidade. 41 Cabe ressaltar que 1nuitas das referências bibliográficas utilizadas já apontam resultados de estudos anteriores no campo da tipologia do edifício hospitalar, até mesmo quando tal objetivo não é diretamente perseguido. Julgou-se consistente levar em conta essas considerações tipológicas presentes na literatura consultada, adotando-as inicialmente como sugestões a serem confrontadas e eventualmente adaptadas ao instrumental analítico que se elegeu como marco referencial do trabalho. Assim, o procedimento metodológico seguido foi o de apoiar-se em algumas dessas obras de referência (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-; THOMPSON; GOLDIN, 1975; IMBERT, 1982; JAMES; TATTON-BROWN, 1986; GOLDIN, 1994; VERDERBER; FINE, 2000) para elaborar uma interpretação preliminar da evolução das tipologias arquitetônicas hospitalares no Ocidente. Posteriormente, essa interpretação foi ajustada em função de análises específicas feitas de hospitais representativos de cada período adotado, conforme apresentados - por meio de descrições literárias, esquemas gráficos, gravuras, fotografias etc. - nas fontes documentais utilizadas. A estruturação deste capítulo foi definida pela periodização adotada no estudo bibliográfico. Assim, a primeira seção concentra-se no hospital do período medieval. As de1nais enfocam, sucessivamente: o hospital renascentista; o iluminista; o modernista; e, finalmente, o hospital do período pós-modernista. Uma seção final apresenta um quadro- síntese da evolução tipológica estudada, que condensa os resultados obtidos na análise das transformações sofridas pelo edifício hospitalar ao longo de todo o período analisado. 3.1. O hospital no período medieval Nos dez séculos que compõem a Idade Média, a evolução do hospital esteve fortemente vinculada à Igreja Católica. Com a expansão do Cristianismo, a partir de fins do século IV, a prestação de ajuda material e espiritual aos necessitados veio a se constituir no principal objetivo das instituições religiosas, principalmente os mosteiros - a mais importante representação arquitetônica do poder do Catolicismo (GOMBRICH, 1979) -, e de seus membros. Ante aqueles necessitados que não estavam em condições de prover seu próprio sustento, a atitude de caridade cristã estava organizada em sete tarefas (THOMPSON; GOLDIN, 1975): dar de comer, de beber e de vestir; falar com estranhos; oferecer consolo espiritual, cuidar os enfermos e enterrar os mortos. Aos desamparados, se somavam peregrinos e 42 viajantes (ROSEN, 1994): estes, cansados, carentes de alimentação e repouso; aqueles, depauperados pelas condições duras dos caminhos e das dietas, requerendo cuidados e descanso. No princípio, a instituição hospitalar era, portanto, uma espécie de albergue, que oferecia proteção, guarida, cuidados e, sobretudo, consolo espiritual aos necessitados. Esse caráter inicial de albergue e esse vínculo estreito com a religião viriam a sedimentar, segundo Imbert (1982), as bases das tipologias arquitetônicas hospitalares ao longo de toda a Era Medieval. Três tipos - e aqui se usa a palavra na acepção firmada no capítulo anterior - podem ser encontrados na arquitetura hospitalar ocidental dos séculos V a XV (THOMPSON; GOLDIN, 1975; IMBERT, 1982; CARLIN, 1989; BINET, 1996). O primeiro deles, ao qual se denomina neste trabalho de claustral, corresponde à Alta Idade Média, sendo contemporâneo do feudalismo. O segundo, aqui denominado basilical, surge e se consolida a partir do século XI, na Baixa Idade Média, período em que a expansão territorial, o surgimento de novas e o crescimento de antigas cidades, be1n co1no o florescimento do comércio, caracterizam o desenvolvimento do capitalismo mercantil (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). Por fim, tem-se o tipo colônia, cuja presença é notada desde o século IV e que, tendo se firmado com a edificação de leprosários, foi posteriormente usado em outras situações, transcendendo a arquitetura hospitalar e a Idade Média. Os três tipos são examinados nas subseções seguintes, adotando-se a estrutura de abordagem orientada pelo conceito de tipologia desenvolvido no Capítulo 2. Nesse sentido, ressaltam-se para cada um deles: o contexto interveniente na formação do tipo, a idéia subjacente à organização dos espaços, as definições de planta e volumetria, bem como as soluções tectônicas empregadas, mais atentamente as referentes à estrutura. 3.1.1. O tipo claustral Sob a proteção do Cristianismo e da Igreja, o hospital se converteu em uma instituição firme. Era instituído, edificado e administrado pelas autoridades eclesiásticas, sustentando- se a sua construção e 1nanutenção por meio de doações financeiras espontâneas e de recursos deixados em testamento por leigos (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Esses legados não eram totalmente desinteressados, pois a Igreja da época filiava parte desses recursos à absolvição dos pecados ou aos pagamentos por graças alcançadas. 43 Assim é que, na Alta Idade Média, em volta das catedrais nas instituições monásticas, foram erguidos edifícios para abrigar atividades que se constituíam como próprias dos hospitais (ROSEN, 1994). Em geral, os mosteiros se localizavam fora das muralhas das cidades medievais, nos cruzamentos das estradas (LABASSE, 1982). Neles é que se estabeleceu 1nais significativamente a atividadehospitalar medieval. O Monastério Beneditino de St. Gall, na Suíça, é considerada como o mais representativo dos edifícios hospitalares medievais (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-· ' IMBERT, 1982). Alguns desenhos datados do ano de 820, e encontrados por pesquisadores em trabalhos de campo, serviram co1no base para reconstituição do conjunto edificado do 1nonastério em um modelo tridimensional (ver FIG.l). Ao redor da catedral, foram erguidos outros quarenta edifícios necessários para o desenvolvimento das atividades da vida dos monges, incluindo aquelas de albergar os hóspedes e de cuidar dos enfermos (ver FIG.2). Thompson e Goldin (1975) depõem que a maiona desses edifícios tinha sistema construtivo rudiinentar, e1n madeira, bastante comum na época para a construção de estábulos e celeiros. Do total, somente nove edifícios utilizavam arcadas e abóbadas - o sistema construtivo mais desenvolvido da época-, cujo Figura 1 - Modelo tridimensional do Monastério de St. Gall, com destaque para a enfermaria. Fonte: http://vandyck.anu.edu.au Figura 2 - Planta geral do Monastério de St. Gall. Legenda: (A) Igreja; (B) Clausura dos monges; (C) Enfermarias. Fonte: htpp://lib.utexas.edu http://vandyck.anu.edu.au/ 44 principal material de construção era a pedra. Entre os nove, provavelmente os que gozavam de maior prestigio no mundo religioso do monastério, estavam a Catedral - u1na basílica que se destacava do conjunto por suas dimensões - e, lançando 1não do tipo claustral, a clausura dos monges e a enfennaria, designação do edifício destinado aos cuidados dos enfermos (IMBERT, 1982). O tipo claustral era uma derivação do tipo átrio, utilizado na arquitetura romana residencial clássica - um pátio interno descoberto para onde se voltavam as residências com suas aberturas como janelas e portas. No clima mediterrâneo, funcionava como uma espécie de proteção à hostilidade do clima seco. Nesse tipo, as relações entre os ambientes e entre as edificações são estabelecidas a partir de um espaço interno comum. O vínculo com o espaço interno é mais valorizado do que com o externo. Essa disposição favorece tanto a integração das atividades, quanto as relações sociais interiores ao grupo de usuários, ao mesmo tempo em que propicia um distanciamento com respeito ao ambiente externo e proteção das hostilidades climáticas. O esquema da clausura se diferenciava do átrio romano pelo acréscimo de uma circulação arqueada em redor do pátio, por onde os monges caminhavam fazendo suas orações e através do qual se faziam as comunicações dos aposentos dos monges com a capela e com o refeitório. Era também através do pátio que se dava a comunicação com o exterior do edificio, de modo que o pátio funcionava també1n como uma espécie de ante-sala. Para o pátio, em cujo centro se destacava a fonte em meio aos jardins internos, se voltavam as aberturas dos ambientes, pelas quais eles recebiam iluminação e ventilação. Em segundo grau de Ílnportância, as instalações para cozinha e banhos se situavam no exterior do edifício e se comunicavam aos aposentos através de circulações cobertas. 45 Figura 3 - Planta da enfermaria do Monastério de St. Gall. Legenda: (1) Pátio interno; (2) Claustro; (3) Enfermarias; (4) Latrinas; (5) Refeitório; (6) Capela. Obs: adaptado de htpp://lib.utexas.edu O edifício da enfermaria de St. Gall era uma reprodução do esquema da clausura (ver FIG. 3). Ao redor de um pátio interno retangular, encontravam-se quatro aposentos destinados à estadia dos enfermos, a capela e um refeitório, que se ligavam uns aos outros pelo interior do edifício, através de uma circulação com arcadas. Esta organização dos espaços parece bem adequada à vida de isolamento e meditação dos monges. No entanto, não havia nenhuma relação direta com as atividades de cuidados dos enfermos. O perímetro retangular do pátio estava estruturado em colunas (ou pares de colunas) igualmente espaçadas, erigidas em pedra, as quais apoiavam arcos e abóbadas semicirculares que cobriam o claustro, com coberta em água única. As paredes em pedra dos compartimentos garantia1n a estrutura para a cobertura em duas águas e eventuais tetos abobados. Essa estrutura dá forma a uma volumetria assimilada a um prisma de base retangular - próxima do quadrado -, vazado no centro pelo pátio, com altura da ordem de metade das dimensões da planta, destacando-se (ver FIG. 1) a capela por exibir linha de cumeeira acima das outras alas, embora bem abaixo da altura da igreja. A simplicidade dos materiais e da solução estrutural condiz com a natureza religiosa de recolhimento, inerente ao tipo. A adoção da tipologia claustral para as enfermarias nos monastérios se deve provavelmente a dois motivos. O primeiro se liga ao fato de que cuidar dos enfermos ocupava uma posição elevada na hierarquia das regras da vida monacal da época (BINET, 1996; THOMPSON; GOLDIN, 1975): logo, tratava-se de mna atividade prestigiada e o edifício em que se realizava deveria adotar u1n tipo mais sofisticado que aquele tipo vemacular mais rudimentar. O segundo motivo deve derivar do fato de que o isolamento proporcionado pelo tipo claustral era adequado à vida de orações, cânticos, missas e comunhões à qual se obrigavam os enfermos ali internados (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). 46 3.1.2. O tipo basilical A partir do Século XII, quando as cruzadas e a abertura de novas rotas de comércio contribuíram para o surgimento e enriquecimento das cidades, e para o florescimento da classe dos 1nercadores, a Igreja passou a contar com novas fontes de doações 1nuito mais vultosas (GOMBRICH, 1979). A nobreza de origem feudal, reis e príncipes, mas também os novos ricos comerciantes, aportavam recursos para a construção de novos hospitais, motivados pela compra de indultos e indulgências (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Por outro lado, o crescimento das cidades ocasionou o aumento da demanda por leitos. Com mais recursos, sob pressão pelo aumento de leitos, as entidades religiosas passaram a expandir, adequar, e construir hospitais. Essa época de crescimento econômico se refletiu, sobretudo, na arquitetura religiosa, o que se demonstra pela construção de monumentais catedrais e monastérios, os verdadeiros representantes da arquitetura gótica (GOMBRICH, 1979). Do ponto de vista da atenção ao enfenno pouca coisa mudara com respeito ao período da Alta Idade Média: o aspecto 1nais importante dos cuidados aos enfermos ainda era o consolo espiritual oferecido pela assistência dos monges e obtido nos rituais religiosos; os enfermos eram desconectados da vida em sociedade e submetidos a um especial regulamento religioso (THOMPSON; GOLDIN, 1975; ROSEN, 1994). Entretanto, mesmo que as facilidades hospitalares continuassem sendo disponibilizadas nos mosteiros, o tipo claustral não mais se ajustava às novas necessidades da sociedade. De fato, o retângulo fechado não satisfazia os novos requerimentos de expansão dos espaços das enfermarias para colocação de mais leitos. Além disso, a grandiosidade institucional da Igreja Católica na Baixa Idade Média havia de ser comunicada cotidianamente aos que a ela se arrimavam em busca de guarida e apoio espiritual (GOMBRICH, 1979). Um tipo adequado à suntuosidade e à grandiosidade parecia, então, mais adaptado ao novo contexto do edificio hospitalar. E a solução buscada se originava em um tipo clássico da construção religiosa: a basílica. A idéia central que ancora a tipologia arquitetônica basilical é a de acolher, com um sentido de coletividade (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-), todas as atividades indispensáveis à vida dos enfermos sob o mesmo teto: alimentação, repouso, banhos e, 47 sobretudo, a ritualística religiosa. Com esse requerünento básico, e visando tomar mais toleráveis as condições de vida,faz-se necessário um ambiente de grandes dimensões, não só em planta, mas também em termos de pé direito, sem quaisquer divisões entre os leitos. O representante mais significativo do hospital de tipo basilical é o que integrava o Monastério de Cluny, na França. Desenhos encontrados e escavações propiciaram a reconstituição do conjunto, inclusive das duas enfermarias, destacando-se a maior delas, edificada ao redor de 1135 (THOMPSON; GOLDIN, 1975; C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). Tinha ela planta retangular, semelhante a de uma basílica de três naves (ver FIG. 4). As naves laterais dessa enfermaria eram organizadas em dois pisos, de forma que os leitos de .internação se situavam em um mezanino, uns ao lado dos outros, perpendicularmente às paredes laterais, sem divisões entre eles (CARLIN, 1989; THOMPSON; GOLDIN, 1975). Os banhos e latrinas estavam no nível desse mezanino, em um anexo adjunto ao edificio principal e a eles se acedia por meio de uma circulação. A capela estava situada em uma extremidade, e podia ser vista de todos os leitos; na outra extremidade, a cozinha. Ou seja, todas as atividades necessárias à vida dos enfermos estavam debaixo do mesmo teto. A reconstituição feita por Kenneth Conant (THOMPSON; GOLDIN, 1975) não chegou a definir qual seria o uso do pavimento inferior ao mezanino, mas levantou a possibilidade de ser usado para atendimento ambulatorial e triagem de enfermos. B Figura 4 - (A) Modelo tridimensional do Monastério de Cluny, com destaque para o edifício da grande enfermaria; (B) Planta esquemática da grande enfermaria do Cluny. Fonte: Thompson e Goldin, 1975 A magnificência do edifício requeria uma solução estrutural arrojada. Os doze pilares do perímetro da nave central eram em pedra e ascendiam a cerca de 20 metros, com arcadas ao nível do mezanino e na parte superior. O teto da nave central em abóbada semicircular, em pedra, se elevava a 26,5 metros do nível do piso (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). A .1 .._ Thaciane Vilanova Realce 48 As paredes laterais completavam a estrutura e eram dotadas de janelas em dois níveis: no mais baixo, para ventilação ao nível dos leitos; no outro, para iluminação natural. No extremo da nave central, a capela abobada recebia iluminação zenital, o que, contrastado com a parca iluminação do interior, ampliava a sensação de grandeza religiosa do edifício. A volumetria do edifício, com cobertura e1n duas águas, é assimilável do exterior a um prisma de seção trapezoidal, discorrendo horizontalmente, em que a altura se destaca com respeito à largura. 3.1.3. O tipo colônia Vigente ao longo de toda a Idade Média, a estrutura hospitalar de tipo colônia vincula-se à disseminação da lepra pelo Ocidente, a partir do século V, e à ameaça cotidiana que essa enfermidade fez pairar sobre a sociedade medieval (MARKHAM, 1997). Para Rosen (1994: p. 59), a lepra "representou a grande praga, a sombra sobre a vida diária da humanidade medieval", mais que qualquer outra doença ou peste. Não sendo conhecida cura ou tratamento para a doença, e aceita a idéia de contágio por contacto social, a indicação de isolamento dos leprosos foi a solução adotada na Europa desde os primeiros registros significativos de sua presença. Na medida em que esse fenômeno coincide historicamente com o crescimento do Cristianismo e com a difusão entre os católicos das sete tarefas da caridade cristã, já mencionadas anteriormente, não é de se estranhar que, também com respeito aos leprosos, a Igreja Católica tenha assumido papel primordial no atendimento e guarida dos enfermos. E, de modo generalizado, o tipo colônia foi o que serviu aos hospitais para leprosos, e de forma tão marcante que vigoraria com essa função até meados do século XX. O tipo colônia tem origens nas comunidades de cristãos ascetas que, antes da oficialização do Cristianismo como religião de Estado - por Constantino, em 313 -, se rebelavam contra a licenciosidade da vida na Roma pagã (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Afastando-se do convívio social, esses grupos passava1n a viver como eremitas em aldeias nas florestas: choupanas isoladas ou grupadas em blocos se distribuíam em torno a uma capela e, eventualmente, a outro espaço de atividade comunitária, como cozinhas ou refeitórios. C. H. Boehringer Sohn (198-) assinala como essa forma de pequena organização co1nunitária rural foi adotada pelos leprosos e se designou à época com a expressão latina Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce 49 "leprosi in campo", tendo posteriormente evoluído, sob financiamento e tutela de instituições da Igreja, para construções mais sólidas, embora 1nantendo a estruturação espacial do conjunto. Destaque-se que, diferentemente dos tipos claustral e basilical, formados sem a interveniência de razões de ordem médica e sim, apenas, religiosa, a apropriação do tipo colônia para a arquitetura hospitalar medieval esteve diretamente relacionada ao fato de que os enfermos de lepra deveriam ser isolados das pessoas sãs (ROSEN, 1994). Assim, a colônia de leprosos deveria resumir as facilidades da vida das cidades, instando os internos a resolverem, parcamente, suas necessidades no espaço da instituição. É certo que motivações religiosas influíram na esttuturação e confarmação dos espaços desses hospitais-colônia, mas também é certo que há motivações práticas no fato de que os leprosários se estabelecessem em áreas que dispusessem de fontes de água - para os banhos, único procedimento terapêutico então adotado -, fossem atendidas por estrada, seja para facilitar o acesso de novos internos, seja para possibilitar a coleta de esmolas dos passantes (LABASSE, 1982; C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). O mesmo se pode dizer do fato de que o isolamento fosse garantido por um muro de contorno e um ou dois portões de acesso, controlados pela administração do leprosário (CARLIN, 1989; THOMPSON; GOLDIN, 1975). Assiin, o tipo colônia se apresenta com uma idéia central que se pode resum1r na disponibilização, em um espaço fisicamente segregado, de condições de vida comunal, em contato direto com a natureza - especialmente as fontes de água-, ao grupo de internos do hospital. A organização interior do espaço, normalmente limitado por um muro construído segundo um retângulo ou uma elipse, priorizava a liberação da área central, de modo que as celas individuais ou as casas isoladas ocupavam os espaços mais exteriores (THOMPSON; GOLDIN, 1975). No centro, ou num lado do perímetro não ocupado pelas acomodações dos enfermos, erguia-se a capela ou igreja, ladeada ou confrontando com galpões de atividades co1nunitárias e os aposentos de monges ou freiras. A individualização dos aposentos, mesmo quando se tratasse de celas contíguas, permitia a 1nanutenção eventual da vida em família ou em pequenos grupos. Uma capela privativa do leprosário, um cen1itério, u1n espaço de administração e alguma outra construção para abrigar atividades comuns - cozinha e refeitório, p.ex. - são também componentes da Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Células contíguas são células que estão localizadas lado a lado. Thaciane Vilanova Realce 50 definição tipológica, que se completa com a modesta tecnologia de edificação das casas (inicialmente de 1nadeira) em face de uma presença magnificente da igreja (em pedra). Na FIG. 5, exibe-se um exemplo de conjunto hospitalar do tipo colônia: a "Beguinage" de Amsterdam, fundada no século XIII como instituição de atendimento a enfermos, amparada pela Igreja Católica. É possível observar a prevalência do conceito espacial de agrupamento de unidades- no exemplo, casas contíguas - em tomo da capela e do bloco de atividades comuns. Na época de construção, a Beguinage se situava no Figura 5 - Gravura da Beguinage de Alnsterdam. "waterfront", hoje já avançado pelas obras de Fonte: http://www.begijnhofamsterdam.nl contenção hidráulica por barragens e aterros, tecnologia tão usada no desenvolvimento territorial dos Países Baixos. O cemitério era interior à capela e o único acesso ao interior do pátio também se dava pelo portão que a ela se dirigia. É importante observar que o tipo colônia não teve sua utilização interrompida após o Período Medieval. De um lado, a persistência da lepra como enfermidade preocupante e1n várias partes do mundo, de outro, apropriações do tipo para outras funções (p.ex.: asilos, prisões), puderam em conjunto manter a vigência desse tipo até o século XX. 3.2. O hospital renascentista Depois de muitos séculos na Idade Média em que a Igreja hegemonizou a assistência hospitalar, no Renascimento, ela deixaria de ser a principal entidade de assistência aos pobres e enfermos. Segundo Binet (1996), é conseqüência direta do surgimento de outras forças e organizações sociais o fato de que o hospital tenha começado a perder o vínculo de exclusividade que lhe relacionava a monastérios e ordens religiosas. Com a e1nergência, a partir do século XV, de uma burguesia laica de origem mercantil, com presença política e influência social, a responsabilidade de construir hospitais - outrora assumida totalmente pela Igreja - foi também assimilada por nobres e ricos cidadãos. Em face do crescimento populacional e econômico das cidades, afirma Labasse http://www.begijnhofamsterdam.nl/ Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce 51 (1982), os novos hospitais passaram a ter uma implantação mais urbana e a se descolarem, também no sentido físico, dos monastérios e das instituições religiosas. As motivações religiosas iam, portanto, perdendo força ante as motivações corporativas. Gombrich (1979) define as corporações co1no organizações criadas por artesãos e outras categorias de trabalhadores com a finalidade de ampliar seus direitos e defender seu mercado de trabalho. Eram organizações ricas, que possuíam voz e voto junto aos governos locais e aos cidadãos, e que não só faziam proposições de atuação, como se esforçavam por pô-las em prática, executando diretamente atividades de seu interesse. Se, na época medieval, o serviço de atendimento aos enfermos e o aporte de recursos financeiros para manter ou construir hospitais era feito em nome da salvação, no período renascentista, é o caráter cívico do serviço à sociedade que, segundo Thompson e Goldin (1975), vai mover a disposição de cidadãos para assumir o financiamento e garantir o funcionamento dos hospitais. Assim, como sugere Rosen (1994), o que era tido no hospital medieval co1no obrigação religiosa, foi pouco a pouco se convertendo em um dever cívico de assistência aos membros desvalidos da sociedade. Nesse contexto, Labasse (1982) e Imbert (1982) detectam o surgimento do hospital civil - ou seja, da instituição hospitalar co1no entidade civil - e observam que, progressivamente, a administração dos hospitais foi sendo assumida por instituições municipais que, para assegurar a manutenção dos edifícios e dos serviços, contavam com doações das comunidades (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). Essas mudanças aconteceram de forma gradual e, durante o período que vai do século XV ao XVIII, duas tipologias passariam a marcar a arquitetura hospitalar. O primeiro tipo, denominado aqui enfermaria cruzada, surgiu e se consolidou na Itália renascentista, como u1na manifestação definitiva da proeminência das grandes cidades. O segundo, o tipo que, neste trabalho, se denomina casa de campo, surgiu na Inglaterra após a dissolução dos mosteiros ordenada por Henrique VIII, no século XVI, sedimentando-se até o final do Renascimento e avançando por todo o período iluminista (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Esses dois tipos hospitalares renascentistas, de acordo com Binet (1996), consagraram o fim da influência da arquitetura religiosa sobre os hospitais. Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce 52 3.2.1. A enfennaria cruzada No período que se segue à Idade Média, mantêm-se os princípios fundamentais da missão e os objetivos do hospital: apenas a Igreja cedeu lugar à nascente burguesia mercantil (IMBERT, 1982). O princípio norteador do hospital continua sendo o consolo espiritual dos enfermos e o posicionamento da capela em relação aos leitos continua sendo o ponto de partida para a distribuição dos espaços. Com o crescimento da demanda por leitos nos hospitais, a planta basilical, teoricamente sem limites de expansão, ocasionava um problema: os pacientes 1nais ao fundo não escutava1n e não viam a missa. Foi aí, segundo C. H. Boehringer Sohn (198-), que surgiu o cruzamento das enfermarias a partir do altar. O exame de plantas de hospitais baseados nesse tipo (ver FIG. 6) revela mn outro aspecto importante na organização dos espaços do edificio, qual seja a predo1ninância da simetria e dos traçados geométricos simples. Os serviços de apoio, instalados antes em anexos, agora se posicionavam de maneira a compor o traçado geométrico induzido na planta a partir do cruzamento de enfermarias. Cabia aos serviços, e às vezes a meras circulações, a função de encerrar os oito pátios menores do edifício, dispostos de maneira a formar um grande pátio central - em tomo de cujos eixos se desenvolve o prédio simetricamente-, o qual é, por sua vez, encerrado entre a logia de entrada e a igreja, no lado oposto. Nesse primeiro momento do hospital do período renascentista, uma outra distinção com respeito ao hospital medieval se nota no exterior do edifício. O retomo aos modelos gregos conduz as fachadas a que se apresentem como simétricas, em estilo neoclássico. No entanto, no interior do edifício, permanecem as enfennarias como grandes espaços abertos dispostos em forma de cruz, com o posicionamento do altar no cruzamento dos pavilhões. Tal solução espacial buscava principalmente possibilitar que mais enfermos pudessem ver e ouvir a missa. No entanto, outras qualidades foram depois percebidas (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Por exemplo, o fato de que a forma cruzada ajuda a supervisão dos leitos desde a capela central. Por outro lado, o tipo enfermaria cruzada apresentava a vantagem de ajudar a ventilação do ambiente das enfermarias e propiciava atender a questão colocada de separar enfermos de diferentes gêneros em diferentes alas. Esse tipo hospitalar é o embrião do tipo "pavilhonar", o qual se desenvolveria e se consolidaria posteriormente, ao longo dos séculos XVIII a XIX. 53 Figura 6 - Elevação e planta do Ospedale Maggiore, Milão Legenda: (1) pátio central; (2) pátios laterais; (3) igreja; (4) capela; (5) enfermarias Fonte: C. H. BOEHRJNGER SOHN, 198-. Figura 7 - Vista aérea do Ospedale Maggiore. Fonte: http://vandyck.anu.edu.au O grande exemplo do tipo enfermaria cruzada foi o Ospedale Maggiore, em Milão. Projetado por Filarete, o Maggiore teve sua construção iniciada em 1456, demorando cerca de 350 anos para ser considerado totalmente construído (C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-). O conjunto edificado (ver FIG. 7) apresenta as inovações que seriam adotadas nos hospitais da época: as enfermarias em forma de cruz, com a capela no cruzamento, estão dispostas formando quatro pátios com claustros de cada lado, tipologia já adotada pelasenfermarias dos hospitais medievais (HENDERSON, 1989). No entanto, nos hospitais renascentistas, a presença do pátio é magnificada, como se sua existência se devesse mais à necessidade de realçar as formas elegantes da arquitetura neoclássica do que às exigências de intimidade e reclusão dos hospitais medievais. Para dar uma idéia dessa questão, vale salientar que o pátio interior de um hospital de tipo claustral - o St. Gall, por exemplo - tem cerca de metade da área de cada um dos oito pátios do Maggiore. A adoção de fachadas e de ambientes, que valorizavam as proporções em. vez da escala grandiloquente dos hospitais basilicais, reflete o caráter laico das instituições financiadoras e 1nantenedoras - impondo, por certo, un1a certa racionalidade na elaboração do projeto - e, por outro, as tendências neoclássicas de substituir suntuosidade e grandiloqüência pela simplicidade estética das harmonias geométricas gregas. Lembra Gombrich (1979) que a beleza das proporções, no ideal renascentista, homenageia o homem e suas organizações; .,. L 1 1 .1.- http://vandyck.anu.edu.au/ 54 no ideal medieval, o espaço espetacular da basílica reduz o homem e o leva ao culto divino. Tudo isso resultaria em uma solução estrutural mais simples. A estrutura repetitiva é simétrica, com uso de pedra, tijolos e madeira. Os tetos nas enfennarias são planos, em madeira, apoiados em terças horizontais. As alvenarias em tijolos ou pedra são estruturais e, muitas vezes, arcos e abóbadas são usados por razões somente estéticas. A exceção é a abóbada estrutural que serve de teto ao porão e de piso ao único pavimento das enfermarias, um pavimento com duplo pé-direito, abrandado no pátio interior por um anexo de arcos e abóbadas em dois níveis - o claustro. A volumetria do conjunto é definida pela série de interseções de paralelogramos de baixa altura relativa, com larga predominância das dimensões da planta e destaque para os espaços abertos. Da perspectiva interior, entretanto, ainda se sente a presença da religiosidade no cotidiano dos enfermos na ordenação do desenvolvimento da planta a partir do altar no centro do edificio cruciforme, que ainda recebe iluminação zenital enfatizadora por sua cúpula destacada da coberta, eventualmente em domo, única inovação estrutural da Renascença (FLETCHER, 1987). 3.2.2. O tipo casa de cainpo A outra tipologia hospitalar renascentista - a casa de campo - teve seus pnme1ros desenvolvimentos a partir da Reforma luterana, no século XVI. Com o crescimento, na Europa central e na Grã-Bretanha, de movimentos de independência dos cristãos com respeito ao poder do Papa de Roma, a Igreja Católica diminuiu sua presença institucional, inclusive na área de atenção aos enfermos. O financiamento dos hospitais passou a ser feito efetivamente pela burguesia mercantil, de modo que se concentravam nas cidades. Para a manutenção dos hospitais, passou-se a ter financia1nento fiscal, na medida em que as autoridades municipais cobravam taxas da comunidade com esse fim (THOMPSON; GOLDIN, 1975). Já havia uma certa pressão por privacidade dos leitos, o que descartava o sentido coletivista da oração e do rito religioso. Daí que a idéia de colocar os enfermos em contato direto com as dependências destinadas à atuação direta da Igreja foi sendo abandonada. Ao contrário, essa idéia é substituída por uma separação bem nítida entre o hospital, agora civil, e a hierarquia religiosa. Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado 55 Os novos financiadores dos hospitais passarão a adotar, para os edifícios hospitalares, tipos mais familiares para eles: os palacetes ou casas de campo, os quais propiciariam também a adoção de uma maior privacidade na internação de pessoas. A solução espacial se libera do andar único e o hospital do tipo casa de campo, em geral, se define em dois ou três pavimentos, com plantas em formato H, C, U ou E. A repartição das enfermarias em quartos com um 1nenor nú1nero de leitos era também uma marca distintiva desses hospitais dos fins da Renascença, o que reforça a origem residencial (casas de campo) do tipo. Figura 8 - Elevação e plantas do térreo (abaixo, esquerda) e do primeiro piso do London Hospital Legenda: (1) enfermaria; (2) posto de enfermagem; (3) capela; (4) hall de entrada Fonte: desenho próprio a partir de Thompson e Goldin, 1975 Pode-se citar o London Hospital, construído ein 1752, como representativo do período, (ver FIG. 8). Tinha forma de U, convexo para a fachada, com planta perfeitamente simétrica. Observa-se no exame da planta que a distribuição dos ambientes se orienta pelo formato da planta, pela simetria e pela conveniência de privacidade dos enfermos. Os três pavimentos, articulados por uma circulação vertical central, têm o mesmo formato, e a privacidade é crescente do primeiro piso para o terceiro: serviços de apoio no térreo, enfermarias no segundo andar e quartos simples no terceiro. Também cabe destacar que, da planta, se pode depreender um diálogo entre a visão de conjunto do edifício e a concatenação das partes, objetivando a manutenção de uma rigorosa simetria e a singeleza das formas geométricas. Por outro lado, ressalte-se que a hierarquização dos espaços, em função da conveniência da privacidade, surge como fator de organização das partes do edifício, o que vai demonstrar a entrada em cena de uma postura de racionalização e de zoneainento dos espaços e atividades hospitalares. Em conseqüência dessa associação entre sünetria, singeleza ge01nétrica e organização espacial, os hospitais do tipo casa de campo possuem estrutura e sistema construtivo bastante simples. As alvenaiias autoportantes de pedra ou tijolos se sucedem verticalmente, grandes vãos são vencidos com apoio de vigas planas de madeira; eventuais arcos e abóbadas seqüenciais podem surgir com função estético-decorativa. Exceção é feita para o Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce 56 hall de entrada, CUJO destaque no conjunto responde ao caráter civil da instituição hospitalar no período pela valorização do acesso. Nesse ponto, a estrutura e os volumes do saguão são diferenciados, com o uso de colunas em pedra e de vãos abobados em pé- direito duplo, sobre arcos de contorno. Os hospitais do tipo casa de campo seguem a estratégia de distribuição espacial das enfermarias em paralelo (uma ao lado da outra) ou em seqüência (uma após a outra). Tal estratégia se materializa no projeto, notam Thompson e Goldin (1975), na forma de "enfermaria-corredor", uma vez que se incorpora ao espaço da enfermaria o espaço de circulação que permite o acesso à enfermaria seguinte. Além do mais, a disposição em paralelo das enfermarias dificulta a ventilação cruzada (ver FIG. 9). Figura 9 - Planta de uma enfermaria do London Hospital Legenda: (1) enfermaria; (2) posto de enfermagem; (3) banhos Fonte: desenho próprio baseado em Goldin, 1994 3.3. O hospital iluminista Segundo Thompson e Goldin (1975: p. 35), o ambiente hospitalar prevalente a princípios do século XVIII podia ser descrito pela frase seguinte: "... leitos com enfermos que não se limpavam, colchões úmidos serviam como viveiros de bactérias, pisos mal limpos, água transportada em baldes desde o pátio, fumaça de óleo das lâmpadas, odores da cozinha combatidos a salpique de água perfumada". Às baixas condições de higiene, somava-se a superlotação, alcançada pela prática generalizada de exceder a capacidade das enfennarias pela simples instalação de 1nais leitos (C. H. BOEHRlNGER SOHN, 198-). No entanto, nas últimas décadas do período renascentista, a difusão dos avanços graduais das ciências médicas, como a Anatomia e a Fisiologia, permitiu que esses hospitais Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova SublinhadoThaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado 57 congestionados fossem incorporando elementos técnicos novos e até o ensino "ao pé do leito" (ROSEN, 1994). A prática cirúrgica desenvolvida principalmente nos hospitais militares foi definitivamente incorporada aos hospitais civis, junto com o surgimento da Anatomia Patológica, que e1nbasou o conhecimento 1nédico dos órgãos hu1nanos internos. Por outra parte, na segunda metade do século XVIII, com Lavoisier, e depois com Pasteur no século seguinte, o progresso científico na química e na microbiologia possibilitou a compreensão dos processos de infecção cruzada e de propagação de infecções por microorganismos vivos (JAMES; TATTON-BROWN, 1986). Para Foucault (1998: p. 39), "... até finais do século XVIII, a medicina referiu-se muito mais à saúde do que à normalidade", no sentido em que o indivíduo enfermo era identificado por contraposição à pessoa sã. No século XIX, continua Foucault, a medicina "... regula-se mais(...) pela nonnalidade do que pela saúde", ou seja, a enfermidade passa a ser entendida como um desvio com respeito a uma condição "normal" da estrutura e do funcionamento do organismo humano, conhecida e1n seus detalhes anatômico-fisiológicos. Assim, a doença pode ser diagnosticada no plano do órgão com funcionamento imperfeito e a esse órgão se dirigem as prescrições restauradoras. O exercício dessa intervenção clínica, diz Foucault (1998: p. 226), requereu "uma reorganização do ca1npo hospitalar (...); foi preciso situar o doente em um espaço coletivo e homogêneo". Esse novo espaço hospitalar requer tratamento urbanístico e arquitetônico. Será estudada cautelosamente a inserção do edifício hospitalar no espaço urbano (FOUCAULT, 2002), a partir de uma lógica sanitária. Passa-se a avaliar disposições alternativas para a implantação do edifício no terreno, para a organização dos fluxos e espaços internos e para a distribuição dos leitos (LABASSE, 1982: p. 132), tendo em vista assegurar "... a renovação do ar, a destruição dos miasmas, a circulação das pessoas e a manutenção da ordem". Estabelecem-se regras de registro e cadastro, códigos de conduta e rotinas, destinadas a ordenar os comportamentos e obter informações sobre os enfermos e suas enfermidades. Enfim, institui-se, sobre o quadro do hospital confuso e desorganizado de princípios do século XVIII, a disciplina e o espírito de supervisão que vai garantir a "medicalização" do hospital (FOUCAULT, 2002). Nesse processo, o hospital tomou-se u1n espaço sob o poder do médico, o profissional preparado para intervir sobre os enfermos, dirigir o pessoal e decidir sobre as instalações hospitalares. Sob o poder do médico, crescem de significado a supervisão 1nc1s1va, o Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce CITAÇÃO DIRETA 58 controle e o monitoramento dos internos e dos fatos hospitalares. Para atender a essas proposições, surgiram esquemas especiais de caráter panótico, seguindo as idéias de Jeremy Bentham (THOMPSON; GOLDIN, 1975), para quem a essência da definição espacial do edifício (prisões, escolas, asilos, hospitais, indústrias) residia na capacidade de observação direta feita a partir de uma posição central. Embora as idéias de ordenamento espacial de Bentham não tenham tido influência direta nas tipologias relevantes do edifício hospitalar do Iluminismo, o certo é que o princípio básico de que o espaço hospitalar fosse tratado de forma a permitir a supervisão de cada paciente foi fundamental para a transformação que atingiria o hospital no século XVIII. Para tanto, tratava-se de enfocar o espaço e as atividades hospitalares, suas dinâmicas e interrelações, co1n o objetivo de traçar um "diagnóstico" e estabelecer uma "terapêutica" (SILVA, 2001): a essência dessa abordagem é a classificação e a observação atenta e estruturada. Não se trata apenas de uma descrição, mas sün de observação sistemática, destinada a produzir material para a análise detalhada que permitirá as sínteses propositivas de atuação reformadora no hospital. Foucault (2002) ressalta o fato de que o estudo mais significativo sobre a reorganização dos hospitais no século XVIII teve co1no responsável o médico francês Jacques Tenon, estudo que resultou em um conjunto de normas e recomendações para orientar na concepção e organização dos espaços hospitalares. Dirigidas tanto a arquitetos como a engenheiros e administradores, as recomendações de Tenon foram publicadas numa obra intitulada Mémoires sur lês hôpitaux de Paris, que obteve grande repercussão e1n vá1ios países (THOMPSON; GOLDIN, 1975; C. H. BOEHRINGER SOHN, 198-; SILVA, 2001; IMBERT, 1982). Tenon, a pretexto de realizar trabalhos vinculados à reconstrução do Hotel-Dieu de Paris, destruído em um incêndio, deteve-se e1n analisar e estudar vários hospitais franceses e estrangeiros. Surgiam, nos trabalhos de Tenon, as primeiras idéias funcionalistas na arquitetura hospitalar (SILVA, 2001). Em suas pesquisas feitas através de observação direta, Tenon tentou explicar o hospital pelo viés da utilidade, colocando as relações entre o desenvolvimento das atividades e o uso do espaço, do ponto de vista simultâneo de todos usuários, ou seja, o staff e o paciente. A estruturação dos serviços e dos espaços hospitalares, segundo a orientação de Tenon, seria feita através de pequenas unidades Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce 59 funcionais organizadas a partir de eixos de circulação, tendo co1no base as relações entre fluxos e usos (SILVA, 2001). A partir do estudo detalhado dos gestos e dos movimentos, do mobiliário e dos equipamentos relacionados a todo usuário do hospital, Tenon, segundo Silva (2001) estabeleceu uma quantidade máxima de leitos por enfermaria, uma disposição modelar do mobiliário e dos equipamentos, as dimensões e a volumetria dos ambientes a fim de proporcionar eficiência e boas condições sanitárias (controle de temperatura, renovação do ar e iluminação natural) ao edificio. Sobre a obra de Tenon, Foucault é incisivo: O que Tenon projeta é um espaço hospita]ar diferenciado. E diferenciado segundo dois princípios: o da 'formação', que destinaria cada hospital a uma categoria de doentes ou a uma família de doenças; e o da 'distribuição', que define, no interior de um mesmo hospital, a ordem a seguir, 'para nele dispor as espécies de doentes que se tiver achado oportuno receber" (FOUCAULT, 1998: p. 46). Para Silva (2001), Thompson e Goldin (1975) e C. H. Boehringer Sohn (198-), o resultado das pesquisas de Tenon e suas recomendações levariam à adoção do tipo pavilhonar, em certa 1nedida antecipado pelos tipos renascentistas (enfermaria cruzada, casa de ca1npo), para edifícios hospitalares. Já no século XIX, trabalhando sobre sua própria experiência como enfermeira na Guerra da Criméia, Florence Nightingale se dedicou a visitar importantes hospitais no mundo e a analisá-los do ponto de vista de suas preocupações em tomo do funcionamento hospitalar, especiahnente das enfermarias. Os apontamentos de Nightingale sobre o projeto arquitetônico de hospitais foram publicadosem dois livros, lançados en1 1858 e 1859, com os títulos de, respectivamente, Notes on Hospitais e Notes on Nursing. Esses livros, segundo James e Tatton-Brown (1986), exerceram significativa influência no que restava de século XIX e em boa parte, ainda, do século XX, gerando novas soluções espaciais para o projeto das enfermarias. 3.3.1. O tipo pavilhonar A estruturação do espaço do tipo pavilhonar surgido no século XVIII era baseada nas exigências de salubridade ambiental (ou seja, espaços naturalmente bem ventilados e iluminados), nas necessidades funcionais de suas atividades (ou seja, de fluxos, dimensões, e supervisão dos enfermos) e na articulação desses espaços por meio de uma circulação ou "sistema" de circulações. Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce 60 r[TTsII D Vo'SJ 10 D GoD 1 GQJ 1 GoD 1 ....: -t ---v IF =: "L...o..J'' ,3 n, 3·r-· -- .;._. O hospital pavilhonar foi o tipo consagrado como aquele que se ajusta bem a esses requisitos, na medida em que o pavilhão, como edifício independente e de laterais livres, permite obter ventilação cruzada e iluminação natural. Assim, resolve-se o que era tido como maior produtor de insalubridade hospitalar: a estagnação do ar e a u1nidade. Além disso, há que considerar a flexibilidade de posicionar convenientemente os pavilhões, uns em relação a outros, estruturando os serviços e os compartimentos através dos eixos de circulação. Em que pese o fato de os estudos de Tenon terem sido orientados para a reconstrução do Hotel Dieu, tal projeto nunca foi edificado. No entanto, ele influenciou toda a arquitetura hospitalar do século XIX. O Hospital Lariboisiere, construído no centro de Paris em 1854, é considerado co1no sendo um dos principais exemplos de aplicação das idéias de Tenon (THOMPSON; GOLDIN, 1975; SILVA, 2001). A planta (ver FIG. 10) é formada por um conjunto de pavilhões, ligados por uma grande circulação e dispostos em volta de um jardim retangular. O conjunto foi organizado a partir de eixos principais: um longitudinal e cinco transversais. Esses eixos costuram o "sistema de circulação" de todo edifício comunicando os pavilhões entre si e com todo o conjunto. També1n foi levado em consideração na distribuição dos pavilhões, a própria organização interna de cada um deles assim como sua hierarquia funcional. [QIJ 1 [QIJ 1 [QIJ 1 Figura 1O - Planta do Hospital Lari.boisiére, Paris Legenda: (1) enfermarias; (2) refeitórios; (3) escritórios; (4) capela; (5) aposentos das religiosas; (6) cirurgias; (7) posto de enfermagem; (8) cozinha; (9) farmácia; (10) pátio Fonte: desenho próprio a partir de C. H. Boehringer Sohn, 198- Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado 61 Cada pavilhão tinha três pavimentos e sua altura foi calculada a partir da relação com a largura do pátio entre dois pavilhões, de modo que se garantia o recebimento de insolação em todos eles e se evitava umidade tanto nos pátios como no interior dos pavilhões. As enfermarias, por sua vez, eram grandes halls abertos dentro de blocos independentes retangulares, podendo haver mais de uma por pavilhão. Os serviços de apoio estavam distribuídos nos diversos pavilhões, construídos em alvenarias externas autoportantes de pedra e tijolo, as quais davam suporte aos pisos e tetos planos em madeira. A organização estrutural é repetida em todos os pavilhões, de modo que a disposição de alvenarias de fechamento no interior do pavilhão depende de que a mesma disposição ocorra nos pavimentos inferiores. Assim, a volumetria do conjunto é hegemonizada pelas dimensões da planta do conjunto e pelo arranjo das sucessivas interseções entre pavilhões prismáticos, mais altos que largos, e o corredor de circulação. 3.3.2. A influência de Florence Nightingale A vivência como enfermeira em hospitais de campanha, certamente, trouxe a Florence Nightingale um grande conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento de enfermarias. Suas viagens de estudos em hospitais de toda a Europa, na primeira metade do século XIX, dariam origem à análise de elementos sanitários do edifício hospitalar, sempre com ênfase no posicionamento relativo e na qualidade funcional das enfermarias (JAMES; TATTON- BROWN, 1985). Seu trabalho analisava problemas relativos à higiene, aeração, altura e orientação dos edifícios hospitalares (PANUNZIO, 1983). Também valorizou o trabalho de supervisão dos pacientes pela enfermagem, com reflexos na organização espacial das unidades de internação, mas também co1n resultados em termos da profissionalização das enfermeiras. O espaço da enfermaria proposta por Nightingale era retangular, co1no no tipo pavilhão (ver FIG. 11). Na entrada, deveriam estar localizados o posto de enfermagem e uma copa. Em seguida, estava um grande espaço aberto para disposição dos leitos e, no lado contrário ao posto de supervisão, por trás de uma parede e com ventilação independente, estavam os lavatórios e banhos. O posto de enfermagem teria um visor para supervisionar os leitos. Os leitos seriam posicionados lado a lado, perpendiculares a janelas colocadas de ambos os lados das paredes, uma a cada dois leitos, e com altura de 90 centímetros do piso, para possibilitar a ventilação cruzada. Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce CITAÇÃO DIRETA NO MEU TCC 62 As novas idéias de Nightingale acerca do ambiente sanitarizado e de fácil superv1.s~ao pela enfermagem significavam a rejeição, em base técnico- científica, da "enfermaria- corredor" (ver FIG. 9) do século XVIII. O principal fator de rejeição era exatamente o fato de que as paredes colocadas lado a lado impediam a ventilação cruzada, além de reduzirem o campo visual de supervisão a partir do posto de enfermagem (GOLDIN, 1994). Figura 11 - Enfe Legenda: (1) posto de enfermagem; (2) área dos leitos; (3) BWCs; (4) material sujo; (5) copa; (6) escada Fonte: James e Tatton-Brown. 1986 3.3.3. O legado do Iluminismo para a arquitetura hospitalar Do exposto acima, pode-se concluir que, no período iluminista, a arquitetura hospitalar deixará de trabalhar com plantas derivadas de outros usos - tipos advindos da arquitetura religiosa ou palaciana - para, por vez primeira, trabalhar com plantas projetadas a partir de estudos feitos sobre as atividades e necessidades hospitalares. Se as plantas derivadas dos hospitais medievais e renascentistas se apropriavam de tipos disponíveis, e assim faziam mais por motivos simbólicos que funcionais, as plantas projetadas dos hospitais iluministas adotavam uma tipologia nova. Esse tipo pavilhonar se formava em função das novas atividades hospitalares que, naquele momento, eram já muito mais voltadas à supervisão e ao cuidado médico dos pacientes de que ao consolo espiritual dos enfermos ou ao sentimento cívico de comunidade. Por outro lado, ao contrário do que aconteceu na Idade Média, quando os tipos arquitetônicos dos hospitais permaneceram quase imutáveis, a tipologia arquitetônica pavilhonarse desenvolveu e se diversificou fortemente a partir do século XVIII. A Q rmaria Nighti•ngale Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce 63 preocupação com a ventilação e higiene, respaldada cientificamente por Lavoisier; a descentralização impulsionada pelas descobertas de Pasteur; a segregação dos trajetos de enfermos e de pessoal, sugeridas por Tenon; e, a vigilância acentuada proposta por Nightingale, todas essas contribuições técnico-científicas deram origem a sucessivas mudanças e a diferentes alternativas na maneira de dispor os pavilhões. No período iluminista, os pavilhões se liberarain do edificio e seu posicionamento relativo passou a constituir uma variável do projeto: primeiramente, a solução foi a de dispor os pavilhões um ao lado do outro; mais tarde, assumiram-se várias soluções, unicamente restringidas pela necessidade de interligar os pavilhões por meio de um sistema de circulação. A arquitetura hospitalar tentava colocar em prática as novas idéias e os descobrimentos científicos, na busca de uma organização espacial adequada a u1na atividade hospitalar que, pouco a pouco, ganhava contornos técnicos e bases científicas, afastando-se do caráter eclesiástico ou cívico anteriormente dominante. Formava-se o conceito de hospital "terapêutico". Em paralelo, principalmente na segunda metade do século XIX, fatores técnico-científicos (o conhecimento do processo de contaminação por microorganismos, principalmente) e socioeconômicos (a busca do hospital terapêutico pelas classes 1nédias e abastadas) trouxeram à tona a discussão entre supervisão coletiva e privacidade do enfermo, no âmbito das enfermarias (GOLDIN, 1994). Assim, o hospital que chega ao século XX, está fortemente marcado pela ênfase na boa ventilação e na boa insolação, no isolamento de doenças infecto-contagiosas, na higiene das enfermarias e dos procedimentos, nos sistemas de abastecimento de água potável, de coleta e tratamento de esgotos, nos laboratórios de análises clínicas, na medicina legal, nas enfermarias cada vez menores, tendentes à privacidade, e nos postos de enfermagem. Sua planta é estruturada em zonas funcionais, segundo seus diversos departamentos ou unidades, comunicadas por um sistema de circulação cuja definição se orienta pelos fluxos de pessoal, enfermos e materiais. 3.4. O hospital modernista Os avanços ocorridos na medicina nos séculos XVIII e XIX tinham transformado o perfil da atenção hospitalar, no sentido de estabelecer progressiva1nente o hospital como o lugar da prática médica, do tratamento de enfermos e do restabelecimento da saúde. James e Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce 64 Tatton-Brown (1986: p. 3) descrevem como, na segunda metade do século XIX, foi se consolidando a "idéia de que os hospitais tinham mais relação com a vida do que com a morte". Para tanto, diversas razões se acumularam: o desenvolvimento da anestesia, o surgimento das técnicas e práticas de assepsia, a formação médica "ao pé do leito" e o desenvolvimento da profissão da enfermeira laica. Esse processo seria intensificado no século XX, com o maior acesso a novas tecnologias de apoio ao diagnóstico e o desenvolvimento da industria farmacêutica. Em conjunto, tantas razões compõem a força motriz do movimento na direção do hospital moderno, que oferecia a perspectiva real de recuperação, propunha um certo nível de privacidade - com as pequenas enfermarias e os apartamentos individuais - e garantia um grau aceitável de segurança, cotn a redução das taxas de mortalidade por infecção intra- hospitalar. Em decorrência, assinala Vogel (1989), a instituição hospitalar passa a ser gerida mais profissionalmente e a revelar alguma atratividade, inclusive para as camadas mais abastadas da população, pelo fato de que superava o conforto e a perspectiva de cura disponíveis em casa. Entretanto, do ponto de vista arquitetônico, o edifício hospitalar no século XX tardou em apresentar novidades. As soluções iluministas, já incorporando certa lógica funcionalista, puderam absorver se1n maiores problemas as tendências de valorização do apoio ao diagnóstico e do procedimento médico. Daí que, embora o Movimento Modernista na arquitetura possa ser datado com início nas primeiras décadas do século XX, não foi antes dos anos 1950 que ele se finnou na Arquitetura Hospitalar. Stone (1980: p. 1) afirma que somente no final dos anos 1950 é que novos conceitos de projetação arquitetônica hospitalar iriam se materializar em novos edifícios que, uma vez concluídos na década seguinte, fariam com que a sociedade percebesse que "suas necessidades de saúde poderiam ser cuidadas em um ambiente moderno". O fato é que, depois da Segunda Guerra Mundial, havia uma demanda social e política por mais leitos hospitalares, tanto na Europa em reconstrução, quanto nos Estados Unidos. Assim, os serviços de atenção à saúde entrariam em expansão, se ajustando às pressões políticas e às novas dimensões das políticas de Estado para a saúde (MILLER; SWENSSON, 2002; JAMES; TATTON-BROWN, 1986). O hospital era então projetado e construído de modo que a área dedicada a leitos de internação crescia mais que proporcionalmente às demais áreas. Quando passíveis de reconstrução com ampliação, Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado 65 hospitais já existentes ganhavam ampliação de número de leitos. Esse crescimento do hospital foi tomando progressivamente mais complexa sua organização e administração, complexidade agravada na medida em que o avanço da tecnologia médica foi permitindo, e mais que isso, incentivando um aumento da especialização médica (VERDERBER; FINE, 2000). O crescimento do hospital se deu de forma mais especializada, contendo novas agrupações departamentais ou "zonas", cada uma planejada com requerimentos baseados nas suas funções precípuas e nas inter-relações com as demais "zonas". Eram três as principais "zonas" em que estava então organizado o hospital (JAMES; TATTON-BROWN, 1986): • a zona de internação, onde estavam os pacientes durante a sua estadia no hospital recebendo cuidados médicos, alimentação e higiene; • a zona clínica, em geral ventilada artificialmente, estava constituída por serviços de diagnóstico e tratamento, logo associada com equipamentos de alta tecnologia requeridos para procedimentos em pacientes; • a zona de suporte, que compreende os serviços de administração, nutrição e dietética, lavanderia, estoque de material, farmácia, esterilização de materiais, áreas de instalações especiais (gases medicinais, subestação de energia, central de ar condicionado etc.), tratamento e descarte de resíduos, e todos outros serviços de apoio necessários para colocar em funcionamento o hospital. A chave do planejamento hospitalar era a manipulação dessas zonas e suas inter-relações para produzir um hospital integrado e funcional, em um contexto em que as zonas iam crescendo em tamanho e complexidade (JAMES; TATTON-BROWN, 1986). Para fazer frente a esse novo desafio, planejadorese administradores copiaram modelos organizacionais do inundo dos negócios (MILLER; SWENSSON, 2002): para a organização e administração do hospital modernista, "eficiência, racionalidade, produtividade e conformidade tomaram-se conceitos chaves" (DILANI, 2000, p. 20). Para Dilani (2000), o hospital tomou-se um exemplo ilustrativo da eficiência industrial, de acordo com as condições e formas de pensar nos anos 1950, caracterizado por um.a racionalização firmemente dirigida e uma conseqüente centralização das funções. O hospital, concentrado e especializado, passou a ser visto como uma unidade fabril; e a arquitetura hospitalar refletiu a evolução dos cuidados de saúde na direção da tecnocracia e da despersonalização. Verderber e Fine (2000: p. 13) apontam co1no a convergência entre a Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado 66 rigidez dos programas, fluxos e prescrições, de um lado, e os princípios funcionalistas e as soluções universais, de outro, serviu para consagrar o hospital modernista como a "perfeita expressão arquitetônica nesse período da medicina de alta tecnologia", o "contêiner da vohnnétrica máquina de curar". A partir de então, e por algum tempo, o hospital será alterado somente em sua volumetria, com base na discussão das vantagens e desvantagens de produzir grandes superfícies predominantemente horizontais ou verticais, sob o impacto da necessidade de procurar soluções para abrigar a crescente intensidade de equipamentos no edifício, prever expansões e aumentos de complexidade e prevenir a obsolescência dos espaços edificados. Como afirmou Lindheim (1979: p. 71), Na medida em que os hospitais e a tecnologia médica do pós- Guerra cresceram, o tema arquitetônico mais relevante não era a forma mais cuidadosa de acomodar as necessidades do enfermo mas como construir formas flexíveis para hospedar a constantemente cambiante tecnologia médica (...) Em todo o mundo, o trabalho dos arquitetos foi o de desenvolver sistemas para planejar esses hospitais. Três tipos pode1n ser decantados desse esforço de adaptação do edifício hospitalar ao contexto da segunda metade do século XX, marcada por necessidade de expansão, aumento de complexidade e risco de obsolescência: torre sobre pódio, rua hospitalar e sanduíche. 3.4.1. O tipo torre sobre pódio Com ênfase nas questões da concentração e da eficiência, uma maneira de organizá-las no edifício hospitalar foi expressa no tipo torre sobre pódio, um T invertido, ou seja, uma torre de paviinentos que crescia desde uma base. A volmnetria do conjunto destaca o paralelogramo vertical da torre interceptando o horizontal que forma o pódio. Essa diferenciação correspondia a uma distinção de uso: como regra (JAMES; TATTON- BROWN, 1986), a zona de internação situava-se na torre, em cuja periferia estavam as enfermarias; a base, que em geral tinha um ou dois pavimentos, abrigava a zona clínica - com acesso fácil desde a rua - e a zona de suporte, esta normalmente em andar inferior. Concentrado e de grandes dimensões, o edifício dependia quase totalmente de equipamentos mecânicos: utilizavam-se sofisticados sistemas de ventilação e ar condicionado; elevadores e monta-cargas respondiam pela circulação vertical. Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce 67 A incorporação de uma dimensão vertical importante cnava novas possibilidades de zoneamento e de segmentação funcional dos espaços hospitalares, possibilitada em última análise pelos progressos no campo dos materiais de construção para estruturas. Se as paredes autoportantes exigiam, para ganhar altura, consumir grandes áreas nas plantas dos pavimentos, as estruturas de esqueleto metálico (surgidas com o desenvolvimento siderúrgico do século XIX) ou de concreto armado (já no século XX) permitiam acúmulo vertical de pavimentos com poucas repercussões horizontais produzidas por estruturas relativamente esbeltas. Por outro lado, os novos materiais de vedação, revestimento ou pavimentação reduziam na mesma velocidade as cargas verticais das edificações, diminuindo os esforços solicitantes da esttutura e das fundações. Um bom exemplo do tipo torre sobre pódio é o Hospital Geral Etobicoke, em Toronto, Canadá (ver FIG. 12). Concluído em 1972, o edifício continha 500 leitos e possuía 38.000 m2 de área construída. A torre abrigava (REDSTONE, 1978) a zona de internação, enquanto o pódio hospedava, em seus dois andares, as zonas de suporte (no andar 1nais baixo) e clínica. Verticalmente, os leitos de internação eram distribuídos nos pavimentos, separados por especialidade médica. A interseção entre torre e pódio abrigava a administração e os arquivos médicos. Todo o hospital era servido por sistemas automatizados de transporte de bens, documentos, imagens. A zona de suporte centralizava o sistema mecânico de distribuição de 1nateriais e alimentos em carrinhos que se deslocavam horizontalmente (em monotrilhos) e verticalmente (em montacargas), segundo um sistema automático de roteamento. Um siste1na pneumático de correio interconectava todos os departamentos e andares. Todos os pacientes eram acompanhados em seus leitos por um sistema de imagens centralizado, que coordenava a atividade de enfermagem estruturada em quatro áreas para cada paviinento de internação. Por fim, o contato entre enfermagem e paciente era minimizado pelo uso de um armário de porta dupla e compartimentos específicos para entrada e saída de materiais. A estrutura da torre foi projetada em concreto armado, enquanto que no pódio foi usada uma trama de vigas metálicas, capaz de prover maiores vãos livres. Destacam-se nos 1nateriais de vedação e acabamento o alumínio anodizado e o vidro fumê. Todo o edificio depende de ventilação, acondicionamento de ar e calefação, garantidas mecanicamente, sendo as instalações distribuídas através de colunas verticais (shafts). Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado 68 B.JI Figura 12 -Hospital Etobicoke, no alto; abaixo, plantas esquemáticas do pavimento do pódio (direita) e da torre (esquerda). Fonte: REDSTONE, 1987; JAMES; TATTON-BROWN, 1986. Observadas conjuntamente, as soluções de estrutura e instalações foram capazes de possibilitar uma grande concentração de espaços, com uma flexibilidade no uso em face dos grandes vãos.A verticalização permitiu separar funções, o que favoreceu um trata1nento adequado das relações entre zonas e departamentos. Em contrapartida, essa solução estipulava sérias restrições a mudanças ou ampliações nas zonas de internação e clínica, enrijecendo o hospital em face de 1nudanças tecnológicas nos campos da atenção ao enfermo e do apoio ao diagnóstico e ameaçando-lhe com forte rico de obsolescência. 3.4.2. O tipo "rua hospitalar". O tipo torre sobre pódio não respondia a questões colocadas pelas necessidades de contínuo crescimento, transformação de funções e incorporação de 1nudanças tecnológicas cada vez mais aceleradas. Se as diferentes zonas cresciam a diferentes taxas, alterando-se suasparticipações relativas na área total de construção (MILLER; SWENSSON, 2000), a disposição das zonas em camadas verticais sucessivas, sendo impossível a expansão das Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado 69 áreas de cada pavimento, estabelecia limites claros para a ampliação dos hospitais com essa tipologia. Para equacionar essas questões, com ênfase na possibilidade de expansão para absorver novas tecnológicas, desenvolver-se-ia um outro tipo arquitetônico de hospital: a rua hospitalar. Em fins dos anos 1940, um projeto (nunca executado) para um hospital em Hertfordshire, Reino Unido (ver FIG. 13), firmou as bases da estruturação espacial segundo o princípio de uma coluna de circulação que vertebrasse blocos independentes, contendo diferentes atividades (COX; GROVES, 1981). Figura 13 - Modelo esquemático em 3D de hospital com base no tipo rua hospitalar Fonte: COX; GROVES, 1981 Esse tipo rua hospitalar, por conseguinte, se adequaria be1n a u1na época e1n que, como afirmou Weeks (1973, p. 464), funções mudam tão rapidamente que os projetistas não deveriam mais buscar um ótimo ajuste entre edifício e função. O que é realmente requerido é que se projete o edifício que iniba minimamente as mudanças de função, e não que se ajuste melhor a uma função específica. Nesse sentido, esse tipo era bastante vantajoso. Tanto cada bloco do conjunto já edificado poderia ser transformado ou expandido, sem que isso provocasse grandes transtornos à utilização dos demais blocos, como a conexão de novos blocos poderia ser feita segundo um curso de desenvolvimento reprogramável a cada momento (MONK, 2004). Assim, o potencial de crescimento da quantidade de leitos, ou do número de espaços clínicos, ou ainda a introdução de novos espaços com novas funções, e a minimização dos riscos de obsolescência constituíam os pontos fortes do tipo rua hospitalar. Toda essa flexibilidade e adaptabilidade provinha, não só do modo de estruturação do espaço, mas também do uso de u1n sistema estrutural modulado em grandes vãos, que aportava - no plano de cada edifício adicionado ao conjunto - a possibilidade de adotar os arranjos físicos mais condizentes com a futura ocupação. A disponibilidade de novos 1nateriais para as estruturas, como o concreto armado e o aço, também se ajustavam bem Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado 70 ª ao tipo "rua hospitalar". No caso, não é a associação entre leveza e alta resistência o que importa, dado que os edifícios deste tipo não são necessariamente altos; a característica importante aqui é a flexibilidade e a possibilidade de projetos modulados, com o uso de pórticos ou peças pré-usinadas, que se possam edificar por etapas. Um exen1plo paradigmático do tipo rua hospitalar é encontrado no .. hospital geral do Parque Northwick, em Londres (REDSTONE, 1978; ver FIG. 14). Ali, foram plenamente especificados, como primeira fase do empreendimento concluída em Figura 14 - Vista geral da 1ª fase do Northwick General 969 · d inh d l Hospital, Londres. 1 , os proJetos esp orsa Fonte: COX;GROVES, 1982 - ou seja, da rua hospitalar, eixo de concentração de circulação e comunicação - e de dois conjuntos de blocos correspondentes ao extremo leste da "rua" e à área central, em que se situavam instalações hospitalares para 300 leitos. Figura 15 - 2ª e 3ª etapas previstas para o Northwick General Hospital. Fonte: REDSTONE, 1982 Figura 16 - Vista do interior do Northwick General Hospital. Fonte: REDSTONE, 1982 Segundo Stone (1980), a implantação progressiva do empreendimento foi prevista para acontecer em três etapas (ver FIG. 15), configurando-se ao final um conjunto de edifícios de distintas dimensões, implantados de forma ordenada, mas sem excessivo rigor previsto Thaciane Vilanova Sublinhado 71 com respeito à exata realização do que se projetou inicialmente. Um detalhe fotográfico do edifício, na FIG. 16, mostra à direita a rua hospitalar, no nível destinado para a circulação de pedestres e paciente. Abaixo deste nível há uma rua similar para o tráfego de materiais e a rede de serviços, que poderiam ser verticalmente separados em determinados trechos, gerando então três pavimentos. Ao fundo e à esquerda, podem ser vistas fachadas de edifícios independentes em que se destaca o sistema modular da estrutura de concreto do exterior, formado por ele111entos verticais cujo espaçamento se amplia na 111edida em que se alcançam andares mais elevados. No interior de cada edifício, colunas estruturais de concreto moldadas in situ poderiam ser dispostas mais ou menos livremente, apoiando em pontos estratégicos a laje pré-moldada em grelha. De modo similar que o estrutural, o projeto de instalações foi desenvolvido em módulos, usando-se um dos níveis da rua hospitalar para sua distribuição. Assim, no projeto do Parque Northwick, a modulação estrutural contribuía para a padronização construtiva e a conseqüente pré-fabricação. Por outro lado, apoiava as intenções do projetista de obter grandes vãos interiores que permitissem a variabilidade de definição de usos e espaços internos. O tipo rua hospitalar apresentava alguns problemas. Os mais evidentes deles prendem-se à limitação do tamanho dos terrenos e aos longos percursos a serem seguidos por pessoas e por materiais. Mas também se apresentavam questões ligadas ao alto custo relativo de criar condições para expansões e adaptações que talvez nem venham a ser necessárias ou realizadas. Diante desses problemas, esses empreendimentos passaram a ser considerados caros para construir e manter. A crise econômica dos anos 1970 impulsionou a busca de alternativas para reduzir custos, mantendo algumas vantagens dessa tipologia. Novas formas de organização da planta, utilizadas até os anos 1990, reduziriam os graus de liberdade das futuras expansões. Essas seriam planejadas como módulos prediais articulados em tomo de espinhas dorsais não mais lineares. É o caso da solução em malha ou em cruzes Figura 17 - Esquema em 3D de solução derivada do tipo sucessivas (ver FIG. 17). rua hospitalar. Fonte: JAMES; TATTON-BROWN, 1986 Thaciane Vilanova Realce Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado Thaciane Vilanova Sublinhado 72 Nessas soluções, portanto, radicaliza-se a repetição e a padronização, favorecendo um uso mais intenso da pré-usinagem redutora de custos, mas ocasionando menor flexibilidade e mais regularidade ao desenvolvimento do hospital. 3.4.3. O tipo "sanduíche" No século XX, o hospital esteve sempre crescendo e mudando. Os diferenciais de crescimento entre as zonas foram aumentando na medida em que, a partir dos anos 1970, a pressão por mais leitos diminuiu (MILLER; SWENSSON, 2002). Naquela década, a maior taxa de crescimento era a da zona clínica, ou seja, a que abrigava a tecnologia médica. Para suportar mais equipamentos, os espaços requeridos para dutos de ar condicionado e outras instalações especiais também cresciam. Esses avanços aconteciam com tamanha rapidez que novas unidades construídas tornavam-se obsoletas antes mesmo de começar a funcionar. Planejadores e arquitetos eram pressionados a adotar uma posição proativa para o dilema da rápida obsolescência das unidades. Para Verderber e Fine (2000: p. 118), por causa dessas rápidas mudanças no campo da medicina, "o hospital máquina (...) tinha se tomado o mais complexo e imprevisível de todas as categorias de edifícios". Uma resposta a esses problemas foi proposta na forma do que se chamou de "espaço intersticial",
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