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Farmacologia Básica e Terapêu�ca Veterinária: um guia para a manipulação de medicamentos Gisele Luana Starosky Renata D’Aquino Faria Piazera 1ª Edição 2019 Farmacologia básica e terapêutica veterinária: um guia para a manipulação de medicamentos Farmacologia básica e terapêutica veterinária: um guia para a manipulação de medicamentos 1ª Edição GISELE LUANA STAROSKY Médica Veterinária & RENATA D’AQUINO FARIA PIAZERA Farmacêutica e Bioquímica 2019 1 ed. Starosky, Gisele Luana; Piazera, Renata D’Aquino Faria. Farmacologia básica e terapêutica veterinária: um guia para a manipulação de medicamentos. 1. ed. Jaraguá do Sul: 2019. Registro 397/PR/19 INTRODUÇÃO Farmacologia básica e terapêutica veterinária: um guia para a manipulação de medicamentos tem como objetivo auxiliar os acadêmicos do curso de Medicina Veterinária em seus estudos, contribuindo com informações sobre Farmacologia e terapêutica veterinária embasadas em literaturas reconhecidas. SUMÁRIO 1. PRINCIPAIS CONCEITOS EM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA VETERINÁRIA ........................ 12 2. PRESCRIÇÃO DE RECEITAS ....................................................................................................... 15 2.1 Dados da prescrição médica veterinária ........................................................................... 15 2.2 Aspectos a considerar em uma prescrição........................................................................ 15 2.3 Modelo de receita ............................................................................................................. 16 2.4 Siglas comuns utilizadas em prescrições ........................................................................... 17 3. CÁLCULO DE DOSES DE MEDICAMENTOS ............................................................................... 19 3.1 Cálculo de comprimidos .................................................................................................... 19 3.2 Cálculo de mililitros (mL) ................................................................................................... 19 4. FARMACODINÂMICA ............................................................................................................... 21 4.1 Alvo para ação dos medicamentos ................................................................................... 21 4.2 Efeitos anormais aos medicamentos ................................................................................ 21 4.3 Doses tóxicas e efeitos de sobredose de medicamentos ................................................. 22 4.4 Interação medicamentosa................................................................................................. 26 5. FARMACOCINÉTICA ................................................................................................................. 31 5.1 Absorção de medicamentos .............................................................................................. 31 5.2 Mecanismos de absorção .................................................................................................. 31 5.3 Barreiras corporais ............................................................................................................ 32 5.4 Vias de administração de medicamentos ......................................................................... 33 5.5 Biodisponibilidade de medicamentos ............................................................................... 37 6. FLUIDOTERAPIA ....................................................................................................................... 40 6.1 Tipos de desidratação ....................................................................................................... 40 6.2 Fluidos ............................................................................................................................... 40 6.3 Monitoramento da fluidoterapia ...................................................................................... 42 6.4 Cálculo de fluidoterapia (VIANA et al., 2006).................................................................... 43 7. MANIPULAÇÃO VETERINÁRIA ................................................................................................. 45 7.1 Formulações farmacêuticas .............................................................................................. 45 7.2 Formas farmacêuticas disponíveis na manipulação .......................................................... 46 7.3 Formas farmacêuticas disponíveis na manipulação veterinária ....................................... 46 7.4 Vantagens da manipulação de medicamentos na Medicina Veterinária ......................... 60 7.5 Conversões mais comuns em farmácia de manipulação .................................................. 61 7.6 Fator de correção .............................................................................................................. 62 8. NECESSIDADES NUTRICIONAIS EM MEDICINA VETERINÁRIA ................................................. 65 8.1 Proteínas ........................................................................................................................... 65 8.2 Lipídeos ............................................................................................................................. 69 8.3 Carboidratos ...................................................................................................................... 71 8.4 Vitaminas ........................................................................................................................... 72 8.5 Minerais ............................................................................................................................. 77 9. MANIPULAÇÃO DE FITOTERÁPICOS ........................................................................................ 82 9.1 Fitoterápicos de interesse na farmácia magistral veterinária - Uso interno .................... 82 9.2 Fitoterápicos de interesse na farmácia magistral veterinária — Uso externo ................. 88 10. FLORAIS DE BACH .................................................................................................................. 89 10.1 Grupos de Florais ............................................................................................................ 89 10.2 Florais para os animais (PINTO, 2008) ............................................................................ 91 11. HOMEOPATIA ........................................................................................................................ 96 11.1 Administração do medicamento ..................................................................................... 96 12. TERAPÊUTICA EM FELINOS .................................................................................................... 99 12.1 Diferenças no metabolismo dos gatos ............................................................................ 99 12.2 Medicamentos que devem ser utilizados com cautela em gatos ................................... 99 12.3 Medicamentos contraindicados para gatos .................................................................. 102 13. LEGISLAÇÕES IMPORTANTES............................................................................................... 104 13.1 Proibição da manipulação de medicamentos de uso veterinário em animais de consumo humano .................................................................................................................104 13.2 Proibição da manipulação veterinária dos princípios ativos cloranfenicol e nitrofuranos ............................................................................................................................................... 105 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................ 106 ANEXO.......................................................................................................................................108 9 LISTA DE ABREVIAÇÕES AINE – anti-inflamatório não esteroide ALA – ácido alfa-linolênico APCC – Animal Poison Control Center aa – aminoácidos BUN — nitrogênio ureico no sangue CoA – coenzima A DHA – ácido docosa-hexaenoico dL – decilitro EIV – espaço intravascular EPA – ácido eicosapentaenoico FOS – fruto-oligossacarídeos g – grama GLA – ácido gama-linolênico (H) – apresentação humana h – hora HCA – ácido hidroxicítrico HV — hospital veterinário IgM – imunoglobulina M IM – via intramuscular IP – via intraperitoneal MAPA – Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento mcg – microgramas mL – mililitro 10 M.V. – médico veterinário ng – nanogramas PAF – fator de coagulação de plaquetas q.s.p – quantidade suficiente para SC – subcutâneo (V) – apresentação veterinária VIV – espaço intravascular VO – via oral OMS – Organização Mundial da Saúde Abreviaturas latinas utilizadas em farmacologia e terapêutica ad lib. (ad libitum) – à vontade n.r. (non repetatur) – não repetir a.c. (ante cibum) – antes das refeições no. (numero) – número b.i.d. (bis in die) – duas vezes ao dia p.r.n (pro re nata) – conforme a necessidade cap (capsula) – cápsula Dos. (dosis) – dose q.s. (quantum sufficiat) – quantidade suficiente q 6h (quaque 6 hora) – a cada 6 horas q.i.d. (quater in die) – quatro vezes ao dia s.i.d. (simel in die) – uma vez ao dia sol (solutio) – solução 11 tab (tabella) – comprimido t.i.d. (ter in die) – três vezes ao dia 12 1. PRINCIPAIS CONCEITOS EM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA VETERINÁRIA Neste capítulo são abordados, em ordem alfabética, os principais conceitos utilizados em farmacologia veterinária. Biodisponibilidade – Velocidade e extensão com a qual o fármaco — ou o seu grupo terapêutico — é absorvido a partir de uma determinada forma farmacêutica, ficando disponível no seu sítio de ação. É, então, determinada pela extensão da solubilidade e da permeabilidade do princípio ativo. Bioequivalência – Termo utilizado quando dois produtos farmacêuticos são equivalentes e se mostram com biodisponibilidade igual ou similar, devendo ser considerados como equivalentes terapêuticos. Dispensação – Ato do profissional farmacêutico de dispensar, ou seja, proporcionar a um paciente os medicamentos contidos nas receitas elaboradas por profissionais autorizados. Dose – Quantidade capaz de provocar a resposta terapêutica desejada no paciente. Dose de ataque – Dose inicial, geralmente o dobro da dose de manutenção. Dose de manutenção – Dose necessária do fármaco para surtir o efeito desejado. Dose única – Dose única do medicamento capaz de ter eficácia comprovada no tratamento. Droga – Qualquer substância química que possa agir em um organismo vivo, produzindo alterações que podem ser tanto maléficas como benéficas. Excipiente – substância inerte que pode ser incorporada em alguns medicamentos, a fim de completar a massa do medicamento. Farmácias magistrais/Farmácias de manipulação – Farmácias que manipulam medicamentos. Fármaco – Termo que tem sido usado tanto como sinônimo de droga quanto de medicamento. Na terminologia farmacêutica, fármaco é designado como uma substância química conhecida e de estrutura química definida e que possui propriedades farmacológicas, ou seja, o princípio ativo do medicamento. Farmacocinética – Estudo da absorção, distribuição e eliminação do fármaco, ou seja, o caminho percorrido e o impacto causado pelos fármacos no organismo. Farmacodinâmica – Estudo dos efeitos, das propriedades e do mecanismo de ação dos medicamentos. Farmacognosia – Estudo da origem dos fármacos. 13 Farmacopeia Brasileira – Conjunto de informações técnicas (normas e monografias) de farmoquímicos estabelecidas pelo Brasil. Farmacotécnica – Estudo do modo de preparo dos medicamentos. Farmoquímicos – Todas as substâncias ativas ou inativas utilizadas na produção de produtos farmacêuticos. Fitoterapia – Estudo da utilização de plantas medicinais no tratamento de doenças. Formulação farmacêutica – Relação dos farmoquímicos que compõem um medicamento. Medicamento – Qualquer substância química empregada em um organismo vivo, visando obter efeitos benéficos, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins diagnósticos. Todo medicamento é uma droga, porém nem toda droga é um medicamento. Medicamento de referência – Produto registrado no órgão federal e com eficácia, segurança e qualidade comprovadas por esse órgão. É comercializado com um nome de marca (comercial, fantasia ou marca registrada). Medicamento de venda livre – Medicamento cuja dispensação não requer receita expedida pelo profissional. Medicamento genérico – Medicamento que, ao expirar a patente de marca de um produto, é comercializado sem nome de marca (comercial, fantasia ou marca registrada), porém com a mesma substância ativa, forma farmacêutica, dosagem e indicação que o medicamento original. Medicamento similar – Medicamento de uso veterinário com mesmo princípio ativo, concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica do medicamento de referência, mas com excipientes que podem ou não ser idênticos. Medicamento tarjado – Medicamentos que apresentam, em sua embalagem, tarja vermelha ou preta, cujo uso requer a prescrição do profissional. Nutracêutico – Combinação dos termos “nutrição” e “farmacêutico”, ou seja, trata-se de um produto nutricional com valor terapêutico. O alimento ou parte de um alimento com efeitos benéficos, incluindo prevenção e tratamento de doenças. Posologia – Estudo da dosagem dos medicamentos. Produto de uso veterinário – Produto definido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) como “toda substância química, biológica, biotecnológica ou preparação manufaturada cuja administração seja aplicada de forma individual ou coletiva, direta ou misturada com os alimentos, destinada à prevenção, ao diagnóstico, à cura ou ao 14 tratamento das doenças dos animais, incluindo os aditivos, suprimentos promotores, melhoradores da produção animal, medicamentos, vacinas, antissépticos, desinfetantes de uso ambiental ou equipamentos, pesticidas e todos os produtos que, utilizados nos animais ou no seu hábitat, protejam, restaurem ou modifiquem suas funções orgânicas e fisiológicas, bem como os produtos destinados ao embelezamento dos animais”. Pulsoterapia – Uso de doses terapêuticas ou não em intervalos maiores do que normalmente utilizados e por um tempo maior. Muito utilizada em tratamentos antifúngicos ou ainda em alguns protocolos de longo prazo com corticosteroide. Remédio – Tudo aquilo que cura, alivia ou evita uma enfermidade, abrangendo não só os agentes químicos (medicamentos), como também os agentes físicos (duchas, massagens). 15 2. PRESCRIÇÃO DE RECEITAS O objetivo de uma prescrição veterinária é a dispensação de um ou mais medicamentos para que seja instituído o tratamento. Abordaremos os principais passos para uma boa prescrição veterinária e suas definições, essenciais para que ocorra um tratamento efetivo. 2.1 Dados da prescrição médica veterinária Os dados essenciais para a prescrição de uma receita incluem: 1. Cabeçalho: espaço em que deveconstar o nome, endereço e telefone do profissional, acompanhado de sua categoria profissional e do número de inscrição no Conselho Regional de Medicina Veterinária do seu estado. Ainda, de forma opcional, pode ser acrescido o número de seu CPF e sua especialidade. 2. Superscrição: espaço reservado para a identificação do animal (nome, espécie, raça, idade), o nome do proprietário e seu endereço. 3. Inscrição: indicação do uso/modo de administração grifado: uso oral (interno), injetável tópico (externo) ou oftálmico. E, logo abaixo, o nome do princípio ativo ou medicamento comercial, a concentração e a quantidade necessária. 4. Subscrição: prescrição de medicamentos manipulados. Deve conter informações destinadas ao farmacêutico, especificando a forma farmacêutica, a quantidade e o tipo de acondicionamento, por exemplo. 5. Indicação ou instrução: indicação do modo de administração (intervalos entre doses e tempo de tratamento) do medicamento e a via de administração. Essas informações devem ser claras e objetivas. 6. Assinatura ou rubrica: deve ser feita logo abaixo da instrução, descrevendo o local, a data e, mais abaixo, a assinatura do médico veterinário com seu CRMV. 2.2 Aspectos a considerar em uma prescrição Há aspectos importantes, relacionados ao paciente, que devem ser levados em consideração no momento da prescrição dos medicamentos. • Doença: deve-se prestar atenção às contraindicações do medicamento a ser administrado ao paciente, já que, em alguns casos, é necessário ajustes em suas doses. Um exemplo é a prescrição de medicamentos metabolizados no fígado, pois devem ser administrados com cuidado em portadores de doenças hepáticas. • Espécie: algumas espécies são intolerantes a certos medicamentos, portanto é necessário observar a correta administração e as suas contraindicações. 16 • Porte e peso: é importante considerar o porte e o peso do animal em questão. Em animais obesos, por exemplo, é importante reajustar as doses de alguns medicamentos que possuem baixa lipossolubilidade. • Raças: algumas raças são particularmente sensíveis a determinados medicamentos. Exemplo disso é a toxicidade da ivermectina para cães das raças Collie, Pastor de Shetland, entre outros. • Idade: a administração de alguns medicamentos para animais jovens ou idosos deve ser feita com cautela, pois, devido a algumas particularidades, eles podem sofrer efeitos colaterais. • Sexo: é importante observar a administração de medicamentos para animais gestantes, por exemplo. 2.3 Modelo de receita 17 2.4 Siglas comuns utilizadas em prescrições AMP.................................................. ampola Ca...................................................... cálcio CP/comp........................................... comprimido Cr...................................................... creme cx...................................................... caixa EV..................................................... endovenosa Fr...................................................... frasco g....................................................... grama Gts.................................................... gotas h....................................................... horas IM..................................................... intramuscular IV...................................................... intravenoso KCl................................................... cloreto de potássio kg..................................................... quilograma L....................................................... litro mcg.................................................. micrograma mEq.................................................. miliequivalente mg.................................................... miligrama Mg.................................................... magnésio min................................................... minuto mL..................................................... mililitro 18 NaCl.................................................. cloreto de sódio Seg.................................................... segundo SC...................................................... subcutâneo Sol..................................................... solução Susp.................................................. suspensão VO..................................................... via oral VR..................................................... via retal XP...................................................... xarope 19 3. CÁLCULO DE DOSES DE MEDICAMENTOS 3.1 Cálculo de comprimidos Peso (kg) x Dose (mg/kg) = dose total (mg) Dose total necessária Número de comprimidos necessários Concentração do comprimido = 3.2 Cálculo de mililitros (mL) Peso (kg) x Dose (mg/kg) = dose total (mg) Concentração da solução (mg/mL) = (% concentração) x 10 Dose total necessária = mL necessários Concentração da solução (mg / mL) Exemplo Cão: 20 kg Posologia: 10 mg/kg Apresentação: comprimidos de 100 mg 20 kg x 10 mg/kg = 200 mg (dose total necessária) 200 mg/comprimido de 100 mg = 2 comprimidos Exemplo Cão: 10 kg Posologia: 5 mg/kg de uma solução a 20% 10 kg x 5 mg/kg = 50 mg (dose total necessária) Concentração da solução – 20% x 10 = 200 mg/mL mL necessários = 50 mg 200 / mL = 0,25 mL 20 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO – 1 1) Um cão de 15 kg necessita de enrofloxacina a 10 mg/kg/b.i.d./VO por 7 dias. Apresentação: comprimidos de 15 mg, 50 mg, 150 mg. Caixa com 10 comprimidos. 2) Um gato de 4 kg necessita de ampicilina 15 mg/kg/s.i.d./S.C. por 3 dias. Apresentação: líquido 5%. Frasco com 10 mL. 3) Um equino de 500 kg necessita de 12 mg/kg/Dose única/IM. Apresentação: líquido 55%. Frasco com 15 mL. 21 4. FARMACODINÂMICA A farmacodinâmica é um ramo da farmacologia que estuda as ações dos medicamentos nas funções bioquímicas ou fisiológicas de um organismo vivo, ou seja, considera tanto a consequência inicial de uma interação medicamento-receptor quanto seus efeitos subsequentes. Esse ramo da farmacologia também realiza a relação dose-resposta dos efeitos biológicos e terapêuticos dos medicamentos, com importância também para que se entendam os efeitos farmacológicos e adversos causados pelos medicamentos. De acordo com o mecanismo de ação, os medicamentos podem ser divididos em dois grupos: os estruturalmente inespecíficos e os estruturalmente específicos. • Estruturalmente inespecíficos: medicamentos cujo efeito farmacológico causa alterações nas propriedades físico-químicas, provocando mudanças em mecanismos importantes das funções celulares e levando à desorganização de uma série de processos metabólicos. Como exemplo desse grupo, temos os anestésicos gerais inalatórios e os desinfetantes. • Estruturalmente específicos: exercem sua ação biológica decorrente de sua interação com receptores — macromoléculas existentes no organismo —, formando com eles um complexo e ocasionando alterações na função celular. 4.1 Alvo para ação dos medicamentos O alvo de ligação de um medicamento no organismo animal são as macromoléculas proteicas: enzimas, moléculas transportadoras, canais iônicos, receptores de neurotransmissores e ácidos nucleicos. Alguns deles são brevemente explicados a seguir: • Enzimas: a interação por meio das enzimas é exercida por muitos medicamentos, que atuam principalmente como inibidores delas. • Moléculas transportadoras: as proteínas transportadoras possuem reconhecimento específico para identificar e carrear substâncias para o interior das células. Alguns exemplos dessas substâncias são a glicose, os aminoácidos, íons e neurotransmissores. • Receptores celulares: algumas proteínas celulares têm a função de receptores desubstâncias endógenas, como os hormônios, neurotransmissores e autacoides. Tais receptores atuam na transmissão de uma mensagem, de forma direta ou indireta, acarretando mudanças bioquímicas nas células-alvo. 4.2 Efeitos anormais aos medicamentos 22 Alguns indivíduos podem apresentar reações diferentes a determinados medicamentos, as quais podem ser exacerbadas ou reduzidas. Algumas delas são explicadas na sequência: • Hiper-reação: os indivíduos apresentam respostas a doses baixas de determinados medicamentos, as quais não causam efeitos na maioria da população. • Hiporreação: os indivíduos necessitam de doses maiores para desencadear determinado efeito farmacológico do que aquelas normalmente utilizadas pela maioria da população. • Tolerância: baixa sensibilidade (hiporreatividade) que resulta de uma exposição prévia ao medicamento, a qual causa alterações farmacocinéticas e/ou farmacodinâmicas e promove com o passar do tempo uma resposta farmacológica menor. • Dessensibilização: hiporreatividade que se desenvolve dentro de alguns minutos. • Idiossincrasias: ocorrência de um efeito inesperado após o uso de um medicamento que acomete pequena porcentagem dos indivíduos. • Supersensibilidade: aumento do efeito de um medicamento, causado pela elevação da sensibilidade de receptores sinápticos. • Hipersensibilidade: efeito causado por reações alérgicas decorrentes da ligação antígeno-anticorpo, o que promove a liberação de histamina. 4.3 Doses tóxicas e efeitos de sobredose de medicamentos Intoxicações por medicamentos são muito frequentes em pequenos animais e costumam acontecer por ingestão acidental ou administração incorreta/exacerbada de medicamentos para uso humano em animais. Outro problema bastante comum é a extrapolação de doses e indicações terapêuticas dos medicamentos para outras espécies, sendo um exemplo comumente observado o da administração de medicamentos para cães fornecidos na mesma dose aos gatos. Por todos os motivos citados, a cada dia são relatados diversos casos de intoxicações medicamentosas nas espécies domésticas. Todo medicamento, quando administrado de forma incorreta, pode se tornar potencialmente tóxico. Por esse motivo, é necessário conhecer o mecanismo de ação, as vias de administração, a posologia e consequentemente as doses e as manifestações clínicas que podem levar ao aparecimento de efeitos toxicológicos nos indivíduos. Na tabela seguinte, estão citados alguns medicamentos utilizados em animais, suas respectivas doses tóxicas e os efeitos adversos da sobredose dessas substâncias. O entendimento das manifestações clínicas assegura um tratamento adequado e aumenta as chances de recuperação nos casos de intoxicação. 23 Princípio ativo Dose tóxica/efeitos de sobredose Ácido acetilsalicílico Em cães, doses acima de 450-500 mg/kg causam intoxicação aguda. Em gatos, 325 mg/kg, 2 vezes/dia pode ser letal. Albendazol Há dados indicando que gatos que receberam 100 mg/kg/dia durante 14-21 dias apresentaram sinais de perda de peso, neutropenia e dificuldade mental. Ampicilina tri-hidratada Sobredoses agudas de penicilina oral podem ocasionar desconfortos gastrointestinais. Azitromicina Sobredoses orais agudas causam vômitos, diarreia e cólicas gastrointestinais. Betanecol A sobredosagem causa efeitos muscarínicos (salivação, micção, defecação, etc.), geralmente observados com a administração oral ou SC. Captopril Segundo alguns dados, cães que receberam 1,5 g/kg por via oral desenvolveram êmese e tiveram diminuição da pressão arterial. Cães recebendo doses maiores que 6,6 mg/kg a cada 8 horas podem desenvolver insuficiência renal. Carprofeno De acordo com o banco de dados da Animal Poison Control Center (APCC), vômitos são relatados em doses de 5,3 mg/kg em cães e 3,9 mg/kg em gatos. O nível de preocupação da APCC para danos renais é de 50 mg/kg em cães e 8 mg/kg em gatos. Clindamicina Cães recebendo doses orais de 600 mg/kg/dia desenvolveram anorexia, vômitos e perda de peso. Clonazepam Sobredoses comumente causam sedação, depressão e ataxia. Alguns animais podem exibir sinais paradoxais, como hiperatividade, desorientação e vocalização. Êmese geralmente não ocorre. Codeína A sobredosagem pode produzir profunda depressão respiratória e/ou do SNC na maioria das espécies. Outros efeitos podem incluir colapso cardiovascular, hipotermia e hipotonia do músculo esquelético. Ciproeptadina Os efeitos adversos observados nas sobredoses são uma extensão dos efeitos colaterais do medicamento, ocorrendo principalmente depressão do SNC, efeitos anticolinérgicos (membranas mucosas secas, taquicardia, retenção urinária, hipertermia, etc.) e, em alguns casos, hipotensão. Diazepam A sobredosagem de diazepam inclui efeitos como depressão significativa do SNC (confusão, coma, diminuição dos reflexos, etc.). 24 Diclazurila Cavalos normais recebendo doses de até 50 mg/kg/dia (50x) durante 42 dias desenvolveram apenas efeitos marginais (diminuição do ganho de peso, aumento da creatinina, BUN). Digoxina Efeitos adversos incluem sinais clínicos cardíacos e extracardíacos. Os gatos são relativamente sensíveis à digoxina, enquanto os cães tendem a ser mais tolerantes a altos níveis séricos. Diltiazem A dose letal mediana (DL50) administrada via oral em cães foi reportada como >50 mg/kg. Os sinais clínicos observados após a sobredosagem podem incluir sintomas gastrointestinais, bradicardia por bloqueio cardíaco, hipotensão e insuficiência cardíaca. Dimetilsulfóxido (DMSO) Sinais de toxicidade incluem sedação e hematúria em doses não letais, coma, convulsões, opistótono, dispneia e edema pulmonar em dosagens mais elevadas. As DL50 relatadas após administração IV são: gatos 4 g/kg e cães 2,5 g/kg. Doxiciclina A sobredose oral é associada a distúrbios gastrointestinais (vômitos, anorexia e/ou diarreia). Embora a doxiciclina seja menos vulnerável à quelação com cátions do que outras tetraciclinas, a administração oral de antiácidos divalentes ou trivalentes pode ligar parte do fármaco e reduzir o desconforto gastrointestinal. Caso o paciente desenvolva êmese grave ou diarreia, os fluidos e eletrólitos devem ser monitorados e substituídos, se necessário. Enalapril Em cães, a dose de 200 mg/kg pode ser letal. Em situações de overdose, a principal preocupação é a hipotensão; assim, recomenda- se tratamento de suporte com solução salina normal para corrigir a pressão arterial. Enrofloxacino Com base em estudos, cães que receberam 10 vezes a dose recomendada de enrofloxacino durante 14 dias desenvolveram apenas vômitos e anorexia. A dose letal foi observada em cães quando se administrou 25 vezes a dose recomendada por 11 dias. Em gatos, a sobredose pode ser grave, causando cegueira e convulsões; 20 mg/kg ou mais podem causar retinopatia e cegueira potencialmente irreversíveis. Famotidina A dose letal aguda mínima em cães é >2 gramas/kg, via oral. Altas doses podem causar hipotensão, taquicardia e colapso. Furosemida A DL50 em cães após administração oral é >1.000 mg/kg; A sobredose crônica de 10 mg/kg em cães durante seis meses levou ao desenvolvimento de calcificação e cicatrização do parênquima renal. A sobredose aguda pode causar problemas de equilíbrio de eletrólitos e de água, efeitos no SNC, como letargia em coma e convulsões, e colapso cardiovascular. 25 Hidroclorotiazida A sobredosagem aguda pode causar problemas de equilíbrio de eletrólitos e de água, efeitos no SNC, como letargia em coma e convulsões, e efeitos gastrointestinais (hipermotilidade, desconforto gastrointestinal). Aumentos transitórios no BUN foram relatados. Ivermectina Em cães (raças não sensíveis), na dose de 2,5 mg/kg, ocorre midríase e, a 5 mg/kg, ocorrem tremores. Em doses de 10 mg/kg, tremores graves e ataxia são observados. As mortes ocorreram quando as dosagensexcederam 40 mg/kg, mas a LD50 é de 80 mg/kg. Em equinos, doses de 2 mg/kg causaram sinais de deficiência visual, depressão e ataxia. Marbofloxacino Em testes, cães que receberam 55 mg/kg por dia durante 12 dias desenvolveram anorexia, vômitos, desidratação, tremores, pele vermelha, edema facial, letargia e perda de peso. Metionina A metionina pode ser tóxica para gatos que consomem outros alimentos nos quais a metionina foi adicionada. Quando a metionina foi administrada em gatos adultos a uma dose de 2 g/dia por via oral, observou-se anorexia, metemoglobinemia, formação de corpo de Heinz (com anemia hemolítica resultante), ataxia e cianose. Metoclopramida A DL50 por via oral de metoclopramida em coelhos é 870 mg/kg. Metronidazol Sinais de intoxicação associados ao metronidazol em cães e gatos incluem anorexia e/ou vômito, depressão, midríase, nistagmo, ataxia, inclinação da cabeça, déficits de propriocepção, desorientação, tremores, convulsões, bradicardia e rigidez. Esses efeitos podem ser observados em sobredoses agudas, doses acima de 60 mg/kg por dia em cães, ou em alguns animais em terapia crônica, quando se usam as doses recomendadas. Milbemicina oxima Em estudos, beagles toleraram uma dose oral única de 200 mg/kg, e collies toleraram doses de 10 mg/kg sem adversidade. Doses tóxicas podem causar midríase, hipersalivação, letargia, ataxia, pirexia, convulsões, coma e morte. Paracetamol Em cães, doses acima de 100 mg/kg geram intoxicação aguda. Já as doses acima de 10-40 mg/kg em gatos causam intoxicação aguda. 26 Propranolol Os sinais clínicos mais predominantes esperados são hipotensão e bradicardia. Outros efeitos possíveis podem incluir reações do SNC (consciência deprimida a convulsões), broncoespasmo, hipoglicemia, hipercalemia, depressão respiratória, edema pulmonar, outras arritmias ou assistolia. Ronidazol Em dados obtidos, gatos que recebem doses de 50 mg/kg duas vezes ao dia têm maior incidência de neurotoxicidade. Selegilina Em testes, cães que receberam doses três vezes maiores ao recomendado apresentaram sinais de diminuição de peso, salivação, diminuição da resposta pupilar, desidratação, ficaram ofegantes e com comportamentos estereotípicos. Tetraciclina A sobredose oral é associada a distúrbios gastrointestinais (vômitos, anorexia e/ou diarreia), e a sobredose crônica pode levar ao acúmulo de drogas e nefrotoxicidade. Tramadol Sobredoses orais agudas podem causar sinais depressivos do SNC ou síndrome serotoninérgica. Letargia, midríase, ataxia e vômito são mais comuns, mas também podem ser observados sinais estimulatórios, como taquicardia, tremores e vocalização. Vitamina C Doses muito elevadas podem resultar em diarreia e potencialmente urolitíase. 4.4 Interação medicamentosa Interações medicamentosas ocorrem quando há utilização concomitante de mais de um medicamento e, devido a isso, é modificado o efeito de ambos os medicamentos ou de apenas um deles. Essa interação pode reduzir (antagonismo) o efeito de um dos fármacos ou potencializá-lo (sinergismo), causando efeitos não previstos no tratamento. 4.4.1 Sinergismo O sinergismo acontece quando o efeito de dois medicamentos ocorre na mesma direção, o que pode se dar de duas formas: • Sinergismo por adição: o efeito combinado de dois ou mais medicamentos é igual à soma dos efeitos isolados de cada um deles. • Sinergismo por potencialização: o efeito combinado de dois ou mais medicamentos é maior do que a soma dos efeitos isolados, comumente ocorre quando as substâncias não atuam pelo mesmo modo de ação e uma potencializa a outra. 27 4.4.2 Antagonismo A associação entre dois medicamentos também pode causar diminuição ou anulação completa dos efeitos de um deles, em um fenômeno chamado antagonismo, que pode ser farmacológico e não farmacológico. • Antagonismo farmacológico, que se divide em dois tipos: Competitivo: quando há competição do agonista e do antagonista pelo mesmo receptor. Não competitivo: quando o antagonista bloqueia algum ponto importante da cadeia de eventos que levaria à resposta desencadeada pelo agonista. • Antagonismo não farmacológico, no qual não há envolvimento direto do antagonista com um receptor. Pode ser classificado em: Antagonismo farmacocinético ou disposicional: quando um medicamento reduz efetivamente a concentração plasmática de outro administrado ao animal. Antagonismo fisiológico ou funcional: ocorre quando os agonistas interagem em receptores independentes (sistemas fisiológicos diferentes), porém acabam produzindo efeitos opostos que se anulam. 4.4.3 Algumas interações medicamentosas registradas Na tabela a seguir, são descritas algumas interações medicamentosas. Ativos Interações A Aminoglicosídeos/Cefalosporinas Aumento do risco de nefrotoxicidade Aminoglicosídeos/Diclofenaco Aumento do risco de nefrotoxicidade Aminoglicosídeos/Digoxina Redução da absorção da digoxina Antiácidos/Anti-inflamatórios Redução da absorção do anti-inflamatório com diminuição de sua eficácia farmacológica Antiácidos/Digoxina Redução da absorção da digoxina Antiácidos/Eritromicina e azitromicina Redução da absorção no intestino Anticoagulantes/Vitamina K Redução da atividade terapêutica e bloqueio dos efeitos anticoagulantes Anticoagulantes/Barbitúricos Redução do efeito do anticoagulante Anticoagulantes/Rifampicina Redução do efeito do anticoagulante Anticoagulantes/Carbamazepina Redução do efeito do anticoagulante Anticoncepcionais orais/Barbitúricos Redução da atividade terapêutica e sangramento de escape Anticoncepcionais orais/Rifampicina Redução da atividade terapêutica e sangramento de escape 28 Anticoncepcionais orais/Carbamazepina Redução da atividade terapêutica e sangramento de escape Anticoncepcionais orais/Fenitoína Redução da atividade terapêutica e sangramento de escape Anti-hipertensivos/Fenotiazínicos Hipotensão Anticolinérgicos/Antidepressivos Íleo adinâmico Amicacina e gentamicina/AINEs Aumento do risco de nefrotoxicidade Aminoglicosídeos/Digoxina Redução da absorção da digoxina Amiodarona/Diltiazem e verapamil Bradicardia, parada sinusal e diminuição do débito cardíaco Amiodarona/Propranolol e metoprolol Hipotensão arterial, bradicardia e parada cardíaca Amiodarona/Lidocaína Convulsão Amiodarona/Amitriptilina ou domperidona ou levofloxacino ou claritromicina Arritmias ventriculares Amiodarona/Ondansetrona Hipopotassemia, hipomagnesemia e risco de arritmias Amiodarona/Digoxina Náuseas, êmese e arritmia (toxicidade pela digoxina) Ampicilina/Doxiciclina Diminuição da eficácia da ampicilina Anfotericina B/Ciclosporina Aumento do efeito nefrotóxico da ciclosporina Atenolol/ampicilina Diminuição do efeito anti-hipertensivo do betabloqueador Atracúrio/aminoglicosídeos Potencialização dos efeitos do relaxante muscular B Barbitúricos/Naloxona Bloqueio da depressão do Sistema Nervoso Central Barbitúricos/Propranolol Aumento da biodisponibilidade e meia-vida Benzodiazepínicos/Flumazenil Reversão dos efeitos dos benzodiazepínicos Butorfanol/Hidromorfona Diminuição da eficácia de ambos os opioides C Cefalosporinas/Varfarina Risco hemorrágico Cefalosporinas/Amicacina e gentamicina Aumento da atividade antimicrobiana e potencial nefrotóxico da cefalosporina pode ser aumentado pela gentamicina Cetoconazol/Ciclosporina Aumento dos níveis plasmáticos de ciclosporina em quase 40% Captopril/Trimetoprima Aumento da hiperpotassemia Captopril/AINEs Risco de disfunção renal e diminuição do efeito anti- hipertensivo Cimetidina/Verapamil Prolongamento da meia-vida de ambos os medicamentos Cimetidina/Teofilina Prolongamento da meia-vida de ambos os medicamentos Ciprofloxacina/Corticosteroides Aumento do risco de ruptura de tendão e tendinite Colestiramina/Digoxina Redução da absorção da digoxina devido à formação de complexocom a colestiramina Corticosteroides/Barbitúricos Redução dos efeitos dos corticosteroides 29 Corticosteroides/Rifampicina Redução dos efeitos dos corticosteroides Corticosteroides/Carbamazepina Redução dos efeitos dos corticosteroides Corticosteroides/Fenitoína Redução dos efeitos dos corticosteroides D Digoxina/Espironolactona Toxicidade digitálica E Enalapril/AINEs Risco de disfunção renal e diminuição do efeito anti- hipertensivo Enalapril e captopril/Espironolactona Aumento da diurese, aumento do efeito seguido e hiperpotassemia grave Enalapril/Trimetoprima Aumento da hiperpotassemia Enrofloxacina/Teofilina Redução da concentração plasmática de teofilina Enrofloxacina/Flunixina meglumina Prolongamento da meia-vida de ambos os medicamentos Eritromicina/Corticosteroides Possível toxicidade devido ao aumento dos efeitos dos corticosteroides Eritromicina/Varfarina Aumento do efeito anticoagulante Eritromicina/Alfentanila Aumento dos níveis plasmáticos de alfentanila F Fenilbutazona/Anticoagulantes (orais) Redução do efeito anticoagulante Fenilbutazona/Varfarina Aumento da concentração plasmática de varfarina H Heparina/Captopril e enalapril Hiperpotassemia Heparina/Nitroglicerina Redução do efeito anticoagulante da heparina Heparina/Vitamina E Aumento do risco de hemorragias I Itraconazol/Ciclosporina Aumento dos níveis plasmáticos de ciclosporina em quase 40% L Lidocaína/Tramadol Aumento do risco de convulsões Lidocaína/Succinilcolina Apneia prolongada M Marbofloxacino/Teofilina Redução da concentração plasmática de teofilina Medetomidina/atipamazol Reversão dos efeitos sedativos Meperidina/Cetoprofeno Ação analgésica Metoclopramida/Tramadol Risco de convulsão aumentado, aumento dos efeitos sedativos Metoclopramida/Midazolam Aumento dos efeitos sedativos Metoclopramida/Morfina Aumento dos efeitos sedativos Metronidazol/Anticoagulantes Redução dos efeitos anticoagulantes O 30 Omeprazol/Teofilina Prolongamento da meia-vida de ambos os medicamentos Omeprazol/Verapamil Prolongamento da meia-vida de ambos os medicamentos P Penicilinas/Antiácidos Má absorção no sistema gastrointestinal Penicilinas/Metoclopramida Má absorção no sistema gastrointestinal Penicilinas/Neomicina Má absorção no sistema gastrointestinal R Rifampicina/Anticoagulantes Redução do efeito do anticoagulante Rifampicina/Corticosteroides Redução dos efeitos dos corticosteroides Rifampicina/fenitoína Risco aumentado de convulsões S Sulfonamidas/Metotrexato Reação tóxica exagerada, hipertireoidismo Suplementos de K+/Espironolactona Hiperpotassemia pronunciada T Tetraciclina/Antiácidos Diminuição do efeito das tetraciclinas 31 5. FARMACOCINÉTICA A farmacocinética é o estudo dos processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção de um medicamento dentro de um organismo vivo. As características farmacocinéticas de um medicamento em particular determinam sua concentração no plasma. 5.1 Absorção de medicamentos A absorção é a transferência de um medicamento do seu local de administração para a corrente sanguínea. Para que ela ocorra, é necessário que o medicamento atravesse as membranas biológicas independentemente da via de administração. • Passagem através de membranas celulares: também chamadas de membranas biológicas, são constituídas de uma camada dupla de lipídios anfipáticos (compostos que apresentam uma região hidrofílica e uma outra hidrofóbica). Sua característica é a impermeabilidade à maioria das moléculas polares e a íons e permeabilidade às moléculas não polares. Dessa forma, as moléculas não polares são capazes de atravessar a camada lipídica das membranas, já que não se dissolvem em gordura, e, assim, medicamentos lipossolúveis são absorvidos facilmente por difusão simples, e medicamentos hidrossolúveis necessitam de outros processos para atravessar as membranas celulares. 5.2 Mecanismos de absorção A absorção de medicamentos pode ocorrer por processos passivos, com o uso de substâncias carreadoras ou por pinocitose e fagocitose, com ou sem gasto de energia. 5.2.1 Processos passivos Na difusão simples ou passiva, não há gasto de energia, e o medicamento atravessa a membrana biológica por difusão, movendo-se da região de maior para a de menor concentração. Na filtração, um mecanismo comum para transporte de substâncias pequenas, o medicamento atravessa as membranas por meio de canais. 5.2.2 Substâncias carreadoras Os carreadores transportam moléculas ou íons para o interior da célula. No transporte que ocorre por difusão facilitada, não há gasto de energia, pois o medicamento move-se através 32 do carreador de acordo com o gradiente de concentração. Um exemplo desse tipo de transporte é a entrada de glicose nas células. Já no transporte ativo, o medicamento é movido por transportadores específicos contra o gradiente de concentração e, dessa forma, há gasto de energia. Como exemplo, podemos mencionar a glicoproteína P, que transporta uma série de substâncias químicas para fora das células e impede o acúmulo delas no meio intracelular. 5.2.3 Pinocitose e fagocitose Nesses processos, há gasto de energia, já que a membrana celular invagina em torno da molécula e, posteriormente, são formadas vesículas intracelulares que se destacam da membrana. A fagocitose é a absorção de partículas sólidas, e a pinocitose é a absorção de partículas líquidas. 5.3 Barreiras corporais Para que um medicamento alcance seu efeito terapêutico, é necessário que o mesmo alcance o órgão-alvo em uma concentração satisfatória. Para tanto, algumas barreiras biológicas devem ser ultrapassadas para que o medicamento seja transportado até o seu local de ação. 5.3.1 Barreiras tissulares corporais • Trato gastrointestinal: para que um medicamento seja absorvido nesse sistema, é necessário que ele seja solúvel nas membranas celulares, já que o trato gastrointestinal é revestido por células epiteliais muito unidas umas às outras (bloqueio dos espaços intercelulares), impedindo que o medicamento passe entre elas. • Barreiras epiteliais de pele, córnea e bexiga: as células dessas barreiras também se apresentam muito unidas umas às outras, mas a pele intacta permite a passagem de substâncias lipossolúveis pequenas, por meio da difusão. • Barreira hematoencefálica: a barreira hematoencefálica impede que substâncias polares ou de peso molecular elevado penetrem no SNC, uma vez que é formada por paredes contínuas de capilares, com poucas vesículas de pinocitose, associadas a células endoteliais, estreitamente unidas. • Barreira hematotesticular: é composta pelas células de Sertoli, as quais funcionam como uma barreira que separa a lâmina germinativa basal do lúmen do túbulo seminífero no interior do testículo. 33 • Barreira placentária: a estrutura anatômica da placenta varia conforme as espécies animais em níveis macro e microscópicos, e essas diferenças se refletem nos mecanismos de troca de substâncias. A classificação das placentas são: endocorial (carnívoros), hemocorial (primatas e roedores) e epiteliocorial (ruminantes, suínos e equinos). Nesta última, existem camadas tissulares espessas que impedem a passagem de anticorpos maternos para o feto, explicando o fato de que o colostro é extremamente importante para esses animais. A transferência de substâncias químicas de baixo peso molecular e lipossolúveis pela barreira placentária pode ocorrer por difusão simples, facilitada, transporte ativo ou até mesmo pinocitose. 5.3.2 Barreiras capilares • Capilares com máculas: encontrados em grande parte do organismo (em músculos, vísceras, ossos, entre outros), permitem que substâncias não ligadas a proteínas plasmáticas possam sair de seu interior e alcançar o espaço extracelular devido a zonas frouxasnas junções intercelulares. • Capilares fenestrados: encontrados em órgãos excretores e secretores (glomérulos renais e glândulas salivares, pancreática e hipofisária). Nestes, as fenestrações entre as células permitem a passagem de substâncias químicas não ligadas a proteínas plasmáticas. • Capilares com bloqueio completo: apresentam os espaços intercelulares completamente ocluídos, deste modo, a passagem de substâncias químicas para o espaço extracelular deve ser feita pelo interior das células epiteliais. Exemplo desse caso é a barreira hematoencefálica. 5.4 Vias de administração de medicamentos As propriedades do medicamento (características físico-químicas) e os objetivos terapêuticos (p. ex., necessidade de um início rápido de ação, necessidade de tratamento por longo tempo, necessidade de efeito sistêmico ou localizado) determinam a via de administração a ser escolhida. São relacionadas a seguir as principais vias de administração de medicamentos comumente utilizadas em Medicina Veterinária. 5.4.1 Vias digestivas 34 Para que um medicamento seja absorvido pelas vias digestivas, é necessário que ele seja liberado da sua forma farmacêutica e que tenha a capacidade de atravessar as barreiras celulares do sistema gastrointestinal. As vias digestivas são: oral, sublingual, retal e ruminal. • Via oral: mais segura que outras vias, porém, deve-se considerar a variação entre as espécies na biodisponibilidade oral. Formas farmacêuticas disponíveis por essa via incluem soluções, líquidos, suspensões, géis, pastas, cápsulas, tabletes, bólus ruminal, pós e grânulos para a adição no alimento, pós solúveis para adição na água de bebida e premix, adicionado no alimento. Preparações revestidas (entéricas): o revestimento entérico, também conhecido como gastrorresistente, é uma técnica utilizada para proteger o medicamento do ácido gástrico e liberando-o apenas no intestino, onde ocorre sua dissolução e liberação. Esse revestimento é muito utilizado para medicamentos que são instáveis em meios ácidos (p. ex., omeprazol) e para medicamentos irritantes ao estômago (p. ex., ácido acetilsalicílico). Preparações de liberação prolongada: medicamentos com essa ação têm revestimentos ou substâncias especiais que controlam sua liberação e permite, assim, uma absorção mais lenta e uma duração de ação mais longa do efeito. Essas preparações podem ser administradas com menor frequência, facilitando o manejo do animal. Efeito da primeira passagem Fenômeno no qual o medicamento absorvido no sistema gastrointestinal tem sua concentração significantemente reduzida pelo fígado (veia porta) antes de atingir a circulação sistêmica. Apesar de esse efeito ocorrer em todas as espécies animais, ele é maior nos herbívoros do que em onívoros e carnívoros, pois os herbívoros apresentam maior capacidade de biotransformação de substâncias químicas. • Via sublingual: essa via permite uma absorção rápida de pequenas doses de alguns medicamentos, devido à vasta vascularização sanguínea e à pouca espessura da mucosa sublingual, o que possibilita a absorção direta na corrente sanguínea. Além disso, proporciona a retenção do fármaco por tempo mais prolongado. • Via retal: por essa via, o medicamento absorvido sofre efeito de primeira passagem de forma parcial, uma vez que não passa pela veia porta, e segue para sua distribuição no organismo. Sua utilização é restrita em Medicina Veterinária, já que possui 35 desvantagens na absorção (irregular e incompleta) e pode ocorrer irritação da mucosa retal. Um exemplo de prescrição é de diazepam para felinos que sofrem de epilepsia. • Via ruminal: restrita a medicamentos que agem no rúmen, como é o caso dos anti- helmínticos, administrados diretamente no rúmen com uso de aplicador e agulha específicos. 5.4.2 Vias parenterais As vias parenterais mais comuns incluem a intravenosa, a intramuscular e a subcutânea. • Via intravenosa: via parenteral mais comum para administração de medicamentos, sendo útil para aqueles que não podem ser absorvidos pela via oral. Em cães e gatos, as veias mais utilizadas são a radial, a femoral e a tarsal recorrente. Em animais de grande porte, utiliza-se a veia jugular e, em suínos, utiliza-se a veia marginal da orelha e a cava cranial. • Via intramuscular: trata-se de uma via muito empregada em Medicina Veterinária, em que a substância é injetada no músculo esquelético na forma de soluções oleosas ou suspensões. Deve-se considerar que o local de administração da medicação pela via intramuscular pode afetar a concentração plasmática e a biodisponibilidade. • Via subcutânea: a absorção dos medicamentos ocorre por difusão, atravessando poros e fenestrações entre as células do endotélio dos capilares vasculares e dos vasos linfáticos. Para que se obtenha um efeito mais prolongado, pode-se empregar o medicamento em formas insolúveis ou em pellets, com liberação lenta. Outras administrações parenterais Outras vias parenterais são utilizadas com menor frequência e com finalidades específicas. Algumas dessas vias são as seguintes: Intradermal: utilizada para diagnóstico, sendo os exemplos mais comuns o teste da tuberculina e os testes de alergia. Intraperitoneal: essa via tem grande superfície de absorção e, por esse motivo, é utilizada quando se necessita administrar grandes volumes de solução. Um exemplo dela é a diálise peritoneal. Intracardíaca: utilizada para eutanásia em animais de laboratório. Intratecal: tem uso limitado ao diagnóstico radiológico e envolve a administração de medicamentos através das membranas que revestem o SNC. Epidural: utilizada para anestesias em cirurgias abdominais. 36 Intra-articular: utilizada em casos em que se deseja causar efeito anti-inflamatório de forma local, em determinadas articulações. 5.4.3 Vias transmucosas ou tópicas Vias tópicas são utilizadas para obter efeito terapêutico localizado, isto é, não sistêmico. É considerada uma via muito segura, mas podem ocorrer casos de intoxicação quando o medicamento é absorvido mesmo através da pele íntegra. Deve-se considerar, ainda, que a pele dos animais varia conforme a espécie e também conforme a região onde o medicamento é aplicado. • Via transdérmica: nessa via, os medicamentos são liberados continuamente, mantendo uma concentração plasmática desejável para uma duração específica. Essa via pode ser utilizada para administração de medicamentos de ação mais local, como anti- inflamatórios não esteroidais (AINEs), ou até medicamentos antidepressivos e corticosteroides. Após a aplicação e absorção cutânea, o medicamento atinge regiões mais profundas ou mesmo a corrente sanguínea, para uma ação sistêmica. • Pour-on ou spot-on: na forma pour-on, o medicamento é aplicado sobre o dorso do animal e, na forma spot-on, na cernelha do animal. Essa via é utilizada principalmente para controle de ectoparasitas, tanto em pequenos como em grandes animais. O medicamento se espalha sobre a camada de gordura existente sobre a epiderme dos animais e, assim, age por toda a superfície corporal. • Via inalatória: via restrita a utilização para anestesia inalatória. Tabela 1: Comparação entre as principais vias utilizadas em Medicina Veterinária. VIA DE ADMINISTRAÇÃO VANTAGENS DESVANTAGENS Oral Segurança Economia Diversas formas farmacêuticas disponíveis Facilidade na administração Alimentos podem interferir na absorção Efeito de primeira passagem Necessária adesão do paciente Sublingual Rápida absorção de substâncias hidrossolúveis Imprópria para substâncias irritantes ou de sabores desagradáveis 37 Redução de biotransformação do princípio ativo no fígado, já que atinge diretamente a circulação sistêmica Retal Evita parcialmente o efeito de primeira passagem Evita a inativaçãodo medicamento pela acidez gástrica Irritação na mucosa retal Não aceitação do paciente Intravenosa Permite a administração de altas doses Obtenção rápida de efeitos farmacológicos Ideal para situações de emergência Possibilita melhor controle de dose administrada Riscos de embolias e infecções por contaminação Impróprias para substâncias oleosas A maioria das substâncias deve ser injetada lentamente Intramuscular Absorção relativamente rápida Adequada para veículos oleosos e certas substâncias irritantes Dor e aparecimento de lesões musculares Deposição errática do medicamento no tecido adiposo ou nos planos fasciais Subcutânea Apropriada para medicamentos que precisam ser absorvidos lenta e continuamente Facilidade de produzir sensibilização Dor e necrose quando utilizadas substâncias irritantes Transdérmica Indolor Evita o efeito de primeira passagem Aumento da adesão do paciente ao tratamento Alguns pacientes podem ser alérgicos Limitação de fármacos, já que nem todos os ativos que podem ser manipulados nessa forma 5.5 Biodisponibilidade de medicamentos A biodisponibilidade refere-se à quantidade de um medicamento disponível no organismo quando administrado em sua forma farmacêutica, ou seja, à quantidade da substância que atinge a circulação quando é absorvida. Assim, a biodisponibilidade de um 38 medicamento é analisada pela medida de fármaco que chega à corrente sanguínea e pela velocidade com que isso ocorre. Informações sobre biodisponibilidade são utilizadas para determinar a quantidade de um fármaco absorvido a partir de uma determinada forma farmacêutica; a velocidade de absorção do medicamento; a permanência da substância no organismo; a correlação com as respostas farmacológicas e/ou tóxicas; a posologia e identificação da melhor forma farmacêutica para determinado princípio ativo. Deve-se considerar que medicamentos com administração intravenosa estão 100% biodisponíveis para atuar no organismo. Já as substâncias administradas por via intramuscular ou por via oral, por exemplo, nunca estarão disponíveis 100%, já que necessitam de um percurso maior (diversas barreiras biológicas) até chegar à corrente sanguínea. 5.5.1 Distribuição de medicamentos Quando absorvido, um medicamento chega ao sangue e posteriormente distribui-se para seu local de ação, ou seja, a distribuição de um medicamento é sua passagem da corrente sanguínea para os tecidos. Essa passagem ocorre por meio de difusão, o medicamento sai da corrente sanguínea por meio das membranas celulares dos capilares, por poros ou fenestrações das paredes. Primeiramente, o medicamento passa nos órgãos que possuem maior vascularização (rins, fígado, coração etc.), e após se distribui para os outros tecidos (tecido adiposo, epitelial, cartilaginoso etc.). 5.5.2 Biotransformação A biotransformação consiste na transformação química de substâncias (medicamentos ou agentes tóxicos) para facilitar sua posterior eliminação. Esse processo transforma a substância em um composto mais hidrossolúvel, além de também resultar na inativação farmacológica do medicamento. Substâncias absorvidas no trato gastrointestinal são biotransformadas no fígado para que então alcancem o restante do organismo, porém, esse não é o único local de biotransformação, já que outros órgãos e tecidos também possuem enzimas para tal finalidade. A biotransformação ocorre em duas fases, sendo que a primeira está relacionada a etapas de oxidação, redução e hidrólise do medicamento e a segunda é relacionada com a conjugação do medicamento (ou seu metabólito) a um substrato endógeno (ácido glicurônico, radicais sulfatos, acetatos, aminoácidos). 5.5.3 Excreção 39 Após sua biotransformação ou até mesmo na forma inalterada, o medicamento é removido do organismo pela excreção. Os principais sítios de excreção de medicamentos são os rins, nos quais ocorre o principal processo de eliminação de medicamentos; o fígado, que pode excretar os medicamentos pela bile; e os pulmões, onde ocorre a excreção de medicamentos voláteis. 40 6. FLUIDOTERAPIA A fluidoterapia corresponde à forma de reposição e de recuperação do volume dos compostos líquidos corporais. Essa também é uma importante via de acesso para administração de medicamentos para pacientes em pré, trans e pós-operatório ou que necessitam de observação especial. A via intravenosa é a mais utilizada na fluidoterapia por garantir uma reposição precisa e com maior controle, principalmente para animais com grave nível de desidratação ou com perda aguda de fluidos. Para administração, as veias de acesso comum são as cefálicas, jugulares e safenas, mas outras podem ser acessadas em casos isolados. Outras vias de administração incluem a intraóssea, utilizada quando não é possível o acesso venoso ou ainda em pacientes muito jovens. Além delas, há a via subcutânea, porém a absorção de fluido é mais limitada no espaço subcutâneo, não sendo recomendada em animais muito desidratados. Por fim, a via oral pode ser utilizada em animais que não estejam com náuseas ou vomitando. 6.1 Tipos de desidratação O tipo de desidratação que acomete o paciente depende da tonicidade do líquido que permanece no organismo. Dessa forma, há três tipos de desidratação: • Isotônica: nessa desidratação, ocorre perda de líquido isotônico, não ocorre passagem de líquido do fluido extracelular para o intracelular. • Hipotônica: nesse tipo de desidratação, há perda de líquido hipertônico do meio extracelular, que recebe fluido do meio intracelular para compensação fisiológica. Como consequência, há uma desidratação grave no nível intracelular. • Hipertônica: nesse tipo de desidratação, há perda de líquido hipotônico, isto é, troca de água do meio extracelular para o meio intracelular, já que este último apresenta maior potencial osmótico. Tabela 2: Parâmetros laboratoriais encontrados em animais desidratados Tipo de desidratação Concentração de sódio Proteína plasmática total Volume globular (hematócrito) Isotônica sem alteração sem alteração sem alteração Hipotônica aumenta aumenta (pouco) aumenta (pouco) Hipertônica diminui aumenta aumenta 6.2 Fluidos 41 Na rotina veterinária são utilizados diversos fluidos, porém os mais comuns são os coloidais e os cristaloides. Nessa terapia, é importante selecionar os fluidos que se concentram no compartimento corporal onde há carência de volume. Os líquidos administrados são divididos em duas categorias: cristaloides e coloides. 6.2.1 Cristaloides Fluidos cristaloides são soluções aquosas com moléculas — principalmente eletrólitos e tampões — permeáveis à membrana capilar, que podem se classificar como fluidos de reposição e fluidos de manutenção. • Fluidos de reposição podem ser acidificantes ou alcalinizantes e têm osmolaridade semelhante à do plasma, como exemplos temos as soluções de Ringer (normal e com precursores de bicarbonato) e a solução de NaCl a 0,9%. Fluidos de reposição alcalinizantes, como Ringer acetato, Ringer lactato e Ringer gluconato, são indicados para pacientes em choque, com traumatismos, apresentando vômito e diarreia, enfermidades metabólicas diversas, doença renal, síndrome da dilatação vólvulo-gástrica, entre outros. Fluidos acidificantes, como solução salina isotônica e solução de Ringer, têm indicação para pacientes com alcalose metabólica. • Fluidos de manutenção são soluções que complementam a exigência eletrolítica em pacientes descompensados. No geral, esses fluidos são compostos pela adição de outros eletrólitos em uma formulação existente (p. ex.: solução salina adicionada de cloreto de potássio). A escolha do cristaloide a ser administrado se dá por medidas ou estimativa das concentrações de sódio e potássio e pela osmolaridade tanto do sorodo animal quanto do fluido a ser fornecido. 6.2.2 Coloides Coloides são soluções aquosas com alto peso molecular que não conseguem atravessar a membrana capilar, permanecendo no espaço intravascular (EIV). Considera-se que os coloides sejam fluidos para reposição de volume intravascular e os cristaloides, soluções para reposição de volume intersticial. Os coloides de uso clínico são denominados de expansores plasmáticos, utilizados quando há necessidade de se aumentar de forma rápida o volume intravascular. Seu uso é efetivo principalmente em casos de atropelamentos, em que o paciente se encontra 42 politraumatizado e hipovolêmico; casos de queimaduras extensas; pacientes hipovolêmicos e com edema cerebral e/ou pulmonar; pacientes em choque. Existem os coloides naturais (p. ex. plasma, albumina ou sangue total) e os sintéticos (p. ex. dextrana, hidroxietilamido (HEA) e hemoglobina livre de estroma). Tabela 2: Tipos de fluidos e aditivos Ocorrência Distúrbio Solução Vômito Alcalose Solução fisiológica a 0,9% ou Ringer Diarreia Acidose Ringer lactato ou solução fisiológica a 0,9% + bicarbonato Vômito + diarreia Acidose Ringer lactato ou solução fisiológica a 0,9% + bicarbonato Hepatopatia Acidose Solução fisiológica a 0,9% + bicarbonato. Solução glicofisiológica Nefropatia Hipernatremia Ringer lactato Solução fisiológica a 0,45% + solução glicosada a 2,5%. Acidose Ringer lactato ou solução fisiológica a 0,9% + bicarbonato Cardiopatia Hipernatremia Solução fisiológica 0,45% + solução glicosada a 2,5% Acidose Ringer lactato ou solução fisiológica a 0,9% + bicarbonato Choque Acidose Ringer lactato ou solução fisiológica a 0,9% + bicarbonato Anorexia + pouca desidratação Ringer lactato ou solução glicosada a 5% Suplementar K se mantido por vários dias em fluidoterapia 6.3 Monitoramento da fluidoterapia Todos os animais que recebem fluidos devem ser monitorados por meio de exame físico, avaliação da hidratação e do peso corporal, pelo menos duas vezes ao dia. A administração excessiva de cristaloides pode se manifestar em uma série de sinais clínicos. Alguns dos sinais mais comuns são aumento da frequência e esforço respiratórios, secreção serosa nas narinas, quemose, distensão ou pulsações das veias jugulares, tremores, edema, hipertensão (> 140 a 150 mmHg), aumento da pressão venosa central (PVC) (> 8 a 10 cm H2O), aumento significativo do peso corporal (> 12 a 15%) e diminuição rápida e/ou dramática no VG e sólidos totais. 43 6.4 Cálculo de fluidoterapia (VIANA et al., 2006) 1. Determinação da necessidade basal de líquidos: Adultos Filhotes Neonatos e lactantes Carnívoros 40-50 mL/kg/dia 70 mL/kg/dia 150 mL/kg/dia Equídeos 30-60 mL/kg/dia Ruminantes 50-80 mL/kg/dia 50-100 mL/kg/dia 2. Determinação da necessidade de reposição em função da desidratação: Peso (kg) x % desidratação x 10 Parâmetros clínicos para o cálculo da porcentagem de desidratação: % de desidratação Sinais clínicos associados 4% Apenas histórico de adipsia 5-6% Urina concentrada, apatia, redução da elasticidade cutânea e mucosas parcialmente ressecadas. 8% Redução da elasticidade cutânea, mucosas secas e viscosas, retração do bulbo ocular, oligúria e TRC > 3 segundos 10-12% Todos os sinais anteriores acrescidos de pulso rápido e fraco e contrações involuntárias 12-15% Choque e óbito 3. Determinação das perdas hídricas contínuas: Vômito = 40 mL/kg/dia Diarreia = 50 mL/kg/dia Ambos = 60 mL/kg/dia 4. Cálculo do volume final e da velocidade de infusão: A soma das três etapas anteriores é a quantidade total de líquido que deve ser administrado durante 24 horas, devendo ser recalculado diariamente. A velocidade de infusão depende principalmente da gravidade do quadro clínico. A seguir, está descrito o limite de infusão endovenosa para as diferentes espécies. Caninos: 60-80 (90) mL/kg/h Felinos: 50-55 mL/kg/h Bovinos adultos: 10-20 mL/kg/h Bezerros: 40-50 mL/kg/h 44 Equídeos: 10-20 mL/kg/h É recomendado que a taxa de infusão seja diminuída após as primeiras horas de fluidoterapia, a fim de evitar sobrecarga hídrica e outras possíveis complicações. A quantidade de fluido , em mililitros por minuto (um mililitro tem em torno de 24 gotas), é dada pela divisão do volume total de fluido pelo tempo de infusão. Exemplo Fluidoterapia para um cão macho, sem raça definida, com dois anos de idade e pesando 8,5 kg. Como sinais clínicos, o animal apresenta quadro de gastroenterite hemorrágica com vômitos e diarreia. O grau de desidratação considerado para esse paciente foi de 6%. 1. Determinar a necessidade basal de líquidos 8,5 x 50 = 425 mL 2. Determinar a necessidade de reposição em função da desidratação 8,5 x 6 x 10 = 510 mL 3. Determinar as perdas hídricas contínuas 8,5 x 60 = 510 mL 4. Calcular o volume final e a velocidade de infusão Volume total: 425 + 510 + 510 = 1.445 mL/dia Limite de infusão = 60 mL/kg/hora Para esse paciente: 60 x 8,5 = 510 mL/hora, recomendando-se baixar para 85 mL/hora após as primeiras horas de hidratação. Supondo-se que o animal ficará sob infusão contínua por 24 horas (1.440 minutos): 1.445 mL/1.440 minutos = 1 mL/minuto (aproximadamente 24 gotas/minuto). 45 7. MANIPULAÇÃO VETERINÁRIA Apesar de não ser um assunto muito abordado durante a graduação em Medicina Veterinária, a manipulação de medicamentos veterinários é um segmento que está em constante crescimento. Este capítulo apresenta uma abordagem relacionada à atividade magistral, a suas características e a alguns métodos terapêuticos que são pouco conhecidos, porém muito interessantes. Para que a atividade magistral seja bem compreendida, é necessário o conhecimento dos principais conceitos sobre manipulação e suas terminologias. • Manipulação: método de preparo de medicamentos personalizados, visando atender as necessidades específicas, e às vezes únicas, do médico veterinário prescritor e do paciente. • Preparação magistral: formulação preparada na farmácia magistral para um determinado indivíduo. É feita a partir de uma prescrição de profissional habilitado, que estabelece em detalhes sua composição, forma farmacêutica, posologia e modo de usar. • Preparação: procedimento farmacotécnico destinado à obtenção do produto final manipulado. Abrange desde a avaliação da prescrição (por um farmacêutico), a manipulação, o fracionamento de substâncias, o envase, a rotulagem e a conservação das preparações. • Dispensação: ato de fornecer o medicamento ao consumidor, de acordo com a receita veterinária. • Medicamento: produto farmacêutico elaborado com finalidade profilática, curativa ou paliativa. 7.1 Formulações farmacêuticas As formulações, também conhecidas como fórmulas farmacêuticas, são elaboradas tendo em vista a maior facilidade na hora da administração dos medicamentos para os animais. Muito comuns na prática magistral, em que o médico veterinário elabora uma fórmula para seu paciente, elas podem ser feitas com ativos de forma isolada ou associações, visando alcançar seus objetivos terapêuticos. Na elaboração de uma fórmula farmacêutica, é importante que o médico veterinário tenha conhecimentos sobre farmacotécnica, como a estabilidade dos ativos utilizados, apresentações, interações medicamentosas, toxicidade, dentre outros fatores importantes. Uma formulação é constituída por: 46 • Princípio ativo: substância principal da fórmula que possui finalidade terapêutica. As formulações podem ter mais de um princípio ativo. • Adjuvantes: substâncias que auxiliam a preparação da fórmula farmacêutica (por exemplo: conservantes, estabilizantes, diluentes, desagregantes, aglutinantes etc.), essas substâncias devem ser inócuas para não prejudicara eficácia terapêutica do medicamento. • Corretivos: substâncias adicionadas em formulações orais para tornar o medicamento mais agradável. Alguns exemplos são os edulcorantes, que corrigem o sabor, e os flavorizantes, que corrigem o sabor e o odor. • Veículo ou excipiente: meio no qual o princípio ativo é colocado para que seja completado o volume ou a massa do medicamento, sendo o termo veículo empregado para líquidos, e o termo excipientes, para sólidos. É utilizada a abreviatura q.s.p. (quantum sufficit para = quantidade suficiente para) que se refere à quantidade que deve ser acrescentada. Exemplo de formulação: Pimobendan...............0,1-0,3 mg/kg/cápsula Benazepril................0,25-0,5 mg/kg/cápsula Cápsulas...........................q.s.p. 30 unidades Modo de usar: Administrar uma cápsula por V.O., a cada 12 horas. 7.2 Formas farmacêuticas disponíveis na manipulação De acordo com a Resolução RDC n. 31, de 11 de agosto de 2010, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), forma farmacêutica é o “estado final de apresentação dos princípios ativos farmacêuticos após uma ou mais operações farmacêuticas executadas com ou sem adição de excipientes apropriados, a fim de facilitar a sua utilização e obter o efeito terapêutico desejado, com características apropriadas a uma determinada via de administração”, ou seja, é o modo de apresentação final do medicamento. Conforme essas informações, o prescritor tem como optar pela forma farmacêutica que seja mais adequada às características do princípio ativo e ao paciente. 7.3 Formas farmacêuticas disponíveis na manipulação veterinária As formulações magistrais para uso veterinário são classificadas de acordo com a via de administração: 7.3.1 Formas farmacêuticas de uso oral 47 Dentre as formas farmacêuticas sólidas, as cápsulas, os biscoitos e as pastas orais são as mais utilizadas e se caracterizam por serem mais estáveis que as formas líquidas e, assim, são preferidas para utilização com princípios ativos pouco estáveis. • Cápsula As cápsulas têm tamanhos diferentes que variam conforme a dose total necessária do medicamento, ou seja, um medicamento com dose baixa pode ser colocado em uma cápsula pequena. É importante que elas sejam incolores, a fim de minimizar possíveis riscos de alergias. Essa forma farmacêutica conta ainda com as cápsulas gastrorresistentes, também conhecidas como cápsulas entéricas, que são destinadas a medicamentos que necessitam passar intactas pelo suco gástrico para que ocorra a liberação apenas no intestino. Outra possibilidade é a de manipular medicamentos fotossensíveis em cápsulas opacas. Veja um exemplo de prescrição magistral de cápsulas: 48 • Biscoito medicamentoso Os biscoitos medicamentosos são uma forma farmacêutica sólida, geralmente elaborados a partir de ração. Podem ser manipulados em diversos tamanhos e formatos, com um ou mais princípios ativos, além de contar com flavorizantes disponíveis em diversos sabores que auxiliam na melhor adesão ao tratamento. O flavorizante torna o medicamento muito mais agradável, permitindo que o animal identifique cheiros e gostos, e mascara o sabor residual característico de muitos medicamentos. Veja um exemplo de prescrição magistral de biscoitos medicamentosos: 49 • Pasta oral A pasta oral é destinada principalmente para os felinos e pode ser aplicada diretamente na boca do animal ou nas patas, pois os gatos, ao se lamberem, ingerem o medicamento. Mas ela também pode ser feita para cães e equinos (booster). Assim como ocorre com os biscoitos, essa forma farmacêutica contém flavorizantes para facilitar a adesão dos animais ao tratamento. O cálculo de uma prescrição de pasta oral é feito por dose, ou seja, se o animal tem 5 kg e o médico veterinário deseja prescrever 5 mg/kg de itraconazol, cada dose administrada terá 25 mg de itraconazol. Veja um exemplo de prescrição magistral de pasta oral: 50 • Suspensão oral A forma líquida garante facilidade na deglutição, podendo ser utilizada para diversos medicamentos. A suspensão é composta pelas fases líquida e sólida, devendo ser agitada para que as partículas sólidas, insolúveis no líquido, sejam suspensas. A adição de flavorizantes permite a correção do sabor, principalmente para fármacos amargos. Outra vantagem dessa forma farmacêutica é a possibilidade de prescrição para animais diabéticos, já que o veículo pode ser manipulado à base de edulcorantes em vez de açúcares. Além disso, outra possibilidade interessante é a escolha do sabor de preferência do animal, tornando a forma farmacêutica ainda mais atrativa. Veja um exemplo de prescrição magistral de suspensão oral: 51 • Filme oral O filme oral é uma forma farmacêutica que pode agir de forma local ou sistêmica, liberando rapidamente os princípios ativos de sua formulação. Por ser um polímero solúvel em água, hidrata-se e dilui-se rapidamente quando em contato com a cavidade oral, sem que haja necessidade de ingerir água após a administração. Essa forma farmacêutica é limitada a princípios ativos potentes empregados em doses baixas. Veja um exemplo de prescrição magistral de filme oral: 52 • Xarope Forma farmacêutica líquida e doce, que forma uma solução hipertônica. Dentre suas vantagens, estão a boa conservação e a possibilidade de mascarar sabores desagradáveis de alguns medicamentos amargos. • Pós com sabor Pó é uma forma farmacêutica finamente dividida e seca, preferida para pacientes com dificuldade de deglutição. O tamanho das partículas contidas nos pós medicamentosos influencia diretamente na biodisponibilidade do medicamento, contribuindo com a velocidade de solubilização em água no trato gastrointestinal. • Sachê Forma farmacêutica em pó destinada à administração de doses individuais. 7.3.2 Formas farmacêuticas de uso tópico Entre as formas farmacêuticas de uso tópico, estão as formas cosméticas e de uso dermatológico (tratamento, limpeza e embelezamento) e as formas transdérmicas (tratamento de afecções sistêmicas). • Formas cosméticas As formas cosméticas são preparações farmacêuticas com a característica de ter o medicamento dissolvido em veículos, os quais podem ser aquoso, oleoso, hidroalcoólico, glicerinado, entre outros. Entre as formulações tópicas mais comuns estão as pomadas, cremes, géis, xampus e soluções tópicas (p. ex. spray). Assim como nos xampus, nessas formas farmacêuticas também podem ser incluídos princípios ativos em associação. Outras formas cosméticas incluem ainda o spot-on e o pour-on, aplicados no pelo ou pele sobre a cernelha ou o pescoço dos animais. Pomada: forma semissólida utilizada para aplicação na pele ou nas mucosas, onde amolecem à temperatura corporal. São utilizadas para tratamentos dermatológicos localizados ou próximos ao sítio de aplicação. Veja um exemplo de prescrição magistral de pomada: 53 Creme: forma semissólida destinada ao uso externo, que pode conter um ou mais princípios ativos dissolvidos ou emulsionados em uma base adequada. Veja um exemplo de prescrição magistral de creme: 54 Géis: forma semissólida de aspecto translúcido constituída de soluções ou dispersões de partículas ou grandes moléculas em bases hidrofílicas ou hidrofóbicas (dispersão sólida em fase líquida). Veja um exemplo de prescrição magistral de gel: 55 Soluções tópicas: destinadas à aplicação tópica, geralmente aquosas, podendo conter álcoois ou outros solventes orgânicos com ou sem princípios ativos incorporados, também podem ser conhecidas como “loções”. Veja um exemplo de prescrição magistral de solução tópica (spray): 56 Xampu: a manipulação de xampus medicamentosos é muito comum na farmácia magistral. Essa forma farmacêutica é considerada interessante,
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