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ESTUDOS 
CULTURAIS E MEIO 
AMBIENTE
Mait Bertollo
Cultura e meio ambiente
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Explicar como a cultura condiciona a visão de mundo do ser humano.
  Identificar a interferência da cultura no plano biológico.
  Definir cultura ecológica.
Introdução
A cultura é influenciada pelas caraterísticas das diversas relações do ser 
humano com o meio, a transformação das paisagens e o seu desenvol-
vimento étnico e social. Ao mesmo tempo, essas características externas 
também condicionam a cultura dos indivíduos e dos grupos humanos, 
estabelecendo visões de mundo e condutas nas diversas comunidades.
Neste capítulo, você vai ver como a cultura se expressa nas sociedades 
humanas, o papel das questões do meio ambiente e o conhecimento 
sobre o espaço em que as sociedades vivem na configuração da cultura. 
Você também vai conferir como se define a cultura ecológica e como ela 
pode ser usada por meio de discursos por vários agentes, com diferentes 
intencionalidades principalmente nos dias atuais, influenciando práticas 
e concepções.
1 O condicionamento da visão de mundo do ser 
humano pela cultura
A relaç ã o entre a cultura e o espaço geográfi co é tradicionalmente estudada 
como mais uma forma de analisar e compreender como ocorrem diversas 
dinâmicas e fenômenos em várias escalas no ponto de vista espacial. Os saberes 
geográfi cos herdados ao longo da história permitiram que a humanidade des-
cobrisse os climas, entendesse os oceanos, domesticasse plantas, modifi casse 
paisagens, etc., mesmo em locais inóspitos, de difícil adaptação para a vida 
humana. Por todos esses lugares, há visões diferentes sobre como enxergamos 
o mundo. Em cada lugar do planeta, há um processo histórico-cultural capaz 
de criar adaptações para a sobrevivência, como os esquimós que vivem em 
temperaturas negativas permanentemente ou os Uros, uma etnia que vive 
sobre as ilhas fl utuantes do lago Titicaca.
Assim, é papel da geografia conhecer e estudar esses diversos tipos de 
cultura e sua influência sobre o ambiente. Os estudos culturais pela ciência 
geográfica foram organizados e tiveram maior notoriedade a partir do fim 
sé culo XIX, quando se relacionou sociedade, natureza e cultura — no que 
se destacaram, principalmente, geó grafos como Paul Vidal de La Blache 
(1845–1918) e Friedrich Ratzel (1844–1904), entre outros do mesmo período. 
A obra mais importante que estabeleceu o termo “cultura” na geografia foi o 
livro Antropogeografia, de Friedrich Ratzel, publicado em 1882, em que o autor 
estudou os fundamentos culturais da heterogeneidade das sociedades e civilizaç õ es. 
Friedrich Ratzel nasceu em 30 de agosto de 1844, em Karlsruhe, na Alemanha, e 
tornou-se famoso por sua criação do termo Lebensraum (em português, “espaço vital”).
Ratzel examinou a cultura sob aspectos materiais, analisando o uso de objetos 
pelos seres humanos em sua relação com o espaç o por meio do desenvolvimento 
de conceitos baseados na mobilidade das populações, nas condiç õ es de assen-
tamento e propagação da cultura por vias de comunicaç ã o (CLAVAL, 1995). 
Na Franç a, Vidal de La Blache elaborou o conceito de “gê nero de vida”, 
que foi estruturante nos estudos culturais por meio das análises de relaç õ es 
entre os seres humanos e o meio, isto é, a relaç ã o entre populaç ã o e os recursos 
em uma situaç ã o que pressupõe equilí brio. 
Assim, esse conceito está ligado ao conjunto de técnicas e costumes de 
uma sociedade que permitem a aplicação dos recursos naturais que estão à 
disposição em determinado momento. Dessa forma, a ideia principal de La 
Blache se baseia na aç ã o humana conforme suas circunstâncias, em que o meio 
fí sico exercia influência sobre alguns gê neros de vida, ao mesmo tempo em 
que as sociedades també m podiam intervir nesse meio, condicionadas pelo 
seu está gio civilizatório, por seu desenvolvimento tecnoló gico e cultural. 
Vidal de La Blache e Friedrich Ratzel partilhavam do entendimento da 
função da cultura de intermediar o ser humano e o meio natural, em que a 
Cultura e meio ambiente2
cultura é principalmente compreendida por meio dos instrumentos, té cnicas, 
utensí lios e tipos de hábitat das sociedades que modelam a paisagem. 
Na década de 1920, também foram desenvolvidas discussões sobre a 
dimensã o cultural da paisagem, principalmente nos Estados Unidos, pelo 
geógrafo Carl Ortwin Sauer (1889–1975), que considerava a configuração 
da paisagem como consequência da aç ã o da cultura ao longo do tempo e 
estabeleceu a escola da geografia cultural com o objetivo dos de analisar 
as paisagens culturais considerando a morfologia fí sica transformada pela 
cultura como principal agente. 
Essa escola considerava a cultura como uma entidade com suas pró prias leis, 
agindo sobre os indiví duos, que, por sua vez, são considerados como mensageiros 
da cultura, sem autonomia. Assim, a cultura é vista como algo exterior e sua 
internalizaç ã o se dá por meio de mecanismos de condicionamento, o que gera 
há bitos, entendidos como cultura — sem pressupor nesse contexto os conflitos 
existentes e com uma visão de certa homogeneidade cultural (DUCAN, 2004).
Depois de quase meio século, na década de 1970, desenvolveu-se a abor-
dagem na qual a cultura está associada ao sistema de representaç õ es. Para 
Corrêa e Rosendahl (2003), os significados e valores geram a identidade, que 
se exprime pelos objetos e ações compartilhados e presentes no espaço, em que 
a cultura se expressa no modo de vida de uma sociedade, incluindo a produç ã o 
de objetos materiais, em um sistema cultural, um sistema simbó lico e um 
sistema imaginá rio, e não tem poder explicativo, mas precisa ser explicada.
Os movimentos sociais que ocorreram no mundo, sobretudo na Europa 
e nos Estados Unidos a partir dos anos 1960 em diante, demandaram outras 
formas de explicar a realidade, de modo que se abriram possibilidades para 
desenvolver ideias ligadas à abordagem cultural geográ fica. O ser humano, 
então, foi posicionado no centro das questões da geografia cultural, que produz 
e é produto de seu pró prio mundo (CORRÊ A; ROSENDAHL, 1999).
O chamado sistema cultural está relacionado aos valores morais, é ticos, aos significados 
e há bitos manifestados nas prá ticas sociais. Já o sistema simbó lico é composto por mitos 
e rituais unificadores, enquanto o sistema imaginá rio é a ligação dos dois ú ltimos siste-
mas, o que resulta na construç ã o da identidade espacial de um grupo (ZANATTA, 2017).
3Cultura e meio ambiente
Outro subsídio importante foi o do materialismo histó rico e dialé tico, 
que compreende a cultura como um reflexo e uma condiç ã o social, e o do 
reconhecimento da dimensã o histó rica na relaç ã o entre os seres humanos e a 
natureza (ZANATTA, 2017). 
Nesse momento, também se desenvolveu a ideia de produç ã o e reproduç ã o 
das culturas pelas prá ticas sociais que acontecem espacialmente de maneira 
diferenciada (MCDOWELL, 1996).
Outras abordagens para compreender a cultura e seus condicionamentos estão 
ligados aos conhecimentos sobre os significados, que analisam a experiê ncia, a 
intersubjetividade, os sentimentos, a intuiç ã o e a compreensã o (ZANATTA, 2017). 
Portanto, a geografia cultural, sob os conceitos fundamentais da geografia, 
como espaç o, territó rio, meio ambiente, lugar e paisagem, passou por uma restrutu-
ração em que se enfatizou a questão simbó lica que abrange sua construç ã o cultural. 
Vários temas são estudados sob esses conceitos, como aqueles ligados à 
religiã o, à percepção ambiental, à identidade espacial, à s expressões sociais 
e à interpretaç ã o de textos, das artes e das mídias mais recentemente. 
Outros temas contemporâneos também podem ser estudados, dado o mo-
vimento contínuo das transformaç õ es sociais que têm relação com o espaço, 
a polí tica, a economia e a cultura. 
A geografia cultural também utiliza da análise da relação do indivíduocom o mundo, em que investiga primeiramente o próprio fenômeno, com o 
objetivo de compreender as motivaç õ es e o sentido das escolhas individuais no 
espaç o, no tempo e na sociedade sob o olhar do afeto, do sistema de valores, 
das preferê ncias, das crenç as (LEVY, 1981). Assim, sob o aspecto espacial, 
estuda-se a cultura como um “[...] conjunto infinitamente diversificado e em 
contí nua evoluç ã o” (CLAVAL, 1999, p. 57).
2 A interferência da cultura no plano biológico
Para compreender como ocorrem as relações entre a cultura e os demais ele-
mentos sociais e naturais, cabe observar como o termo “cultura” pode ter vários 
signifi cados e desenvolvimentos. “Cultura”, enquanto termo, surgiu no sé culo 
XVIII, na Alemanha, com a palavra Kultur ligada a aspectos espirituais de uma 
comunidade. Sob outra perspectiva, na Franç a, o termo utilizado é civilization 
e se refere às obras materiais de um grupo (CORRÊ A; ROSENDAHL, 1999). 
O antropólogo inglê s Edward Tylor (1832–1917) sintetizou dois conceitos na 
palavra culture, abrangendo a arte, as crenç as, os costumes, as leis morais e demais 
elementos ligados à capacidade de aquisiç ã o de há bitos pelos seres humanos, 
Cultura e meio ambiente4
conceituando cultura como todo o comportamento apreendido, tudo aquilo que 
independe de uma transmissã o gené tica (CORRÊ A; ROSENDAHL, 1999). 
Nesse contexto e por meio dos estudos ligados à cultura, a comunicaç ã o seria 
o processo que difunde as diferenç as de comportamentos, costumes, construç ã o 
e organizaç ã o dos objetos no espaç o, e só se expande por causa da linguagem em 
seus diversos sentidos. Assim, a linguagem humana é produto da cultura, e “[...] 
nã o existiria cultura se o ser humano nã o tivesse a possibilidade de desenvolver 
um sistema articulado de comunicaç ã o oral” (LARAIA, 2004, p. 52). 
A partir da dé cada de 1970, desenvolve-se uma maneira de analisar a 
organizaç ã o social dos grupos e seu cotidiano não só como reflexos materiais, 
mas que se manifestam no âmbito psicoló gico, como suas crenç as, práticas 
mentais e toda a forma de perceber o mundo e sua experiê ncia. 
Nesse contexto, a ideia de interferência da cultura no plano biológico está 
ligada ao chamado determinismo biológico.
Tal ideia alimenta preconceitos culturais que existem há muito tempo e 
que ainda permanecem, embora tenhamos o contínuo avanç o da ciê ncia, das 
tecnologias e da maior disseminação de informaç ã o. 
Nesse contexto, as ideias relacionam:
[...] a população indígena como indolente, o brasileiro como preguiçoso cuja 
herança é do negro africano, do judeu como comerciante e tacanho, japoneses 
trabalhadores e traiç oeiros, da inteligê ncia superior dos nó rdicos, da superioridade 
do sexo masculino, da fragilidade do sexo feminino, etc. (LARAIA, 2004, p. 17). 
Assim, o determinismo bioló gico se baseia na atribuição de capacidades 
inatas a grupos humanos para amparar ideias e atitudes preconceituosas sem 
fundamento cientí fico. 
O antropólogo brasileiro Roque de Barros Laraia (1932–) teve muitas de suas 
ideias e de seus fundamentos desenvolvidos registradas na Organização das 
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), onde antropó logos, 
bió logos, geneticistas e outros especialistas, apó s a Segunda Guerra Mundial 
(1939–1945), declaravam que dados cientí ficos nã o confirmavam a ideia de 
que as diferenç as gené ticas hereditá rias faziam parte das causas das diferentes 
manifestações culturais e das obras das civilizaç õ es dos distintos povos ou grupos 
é tnicos, mas que se explicavam pela histó ria cultural de cada grupo, e que o 
desenvolvimento das sociedades humanas se dá pelas suas aptidõ es, ratificando 
que as diferenç as gené ticas nã o sã o determinantes das diferenç as culturais.
Também ficou registrado que nada comprovava que grupos humanos 
se distinguem uns dos outros por características psicologicas inatas, como 
5Cultura e meio ambiente
inteligê ncia ou temperamento, e que os sistemas de divisã o sexual do trabalho 
são determinados culturalmente, e nã o em funç ã o de uma questão bioló gica.
Outra questão que se assemelha ao determinismo biológico é o determi-
nismo geográ fico. Por meio dessas ideias, principalmente desenvolvidas e 
disseminadas no fim do sé culo XIX, foi proposto que as diferenç as físicas 
do ambiente condicionavam a diversidade cultural. 
Diferentemente do que sugere o determinismo biológico, a cultura se 
manifesta a partir do momento que o ser humano utilizou seu cé rebro para 
produzir e distinguir sí mbolos, gerar linguagem para se comunicar e transmitir 
ensinamentos para outros indiví duos (LARAIA, 2004). 
Assim, as culturas vão tratar dos padrõ es de comportamento que são social-
mente transmitidos, a fim de adaptar as sociedades e suas condições biológicas. 
Para isso, as comunidades utilizam técnicas e meios para sua organizaç ã o 
econô mica, padrõ es de agrupamento social, organizaç ã o polí tica e de trabalho, 
bem como, no campo do simbólico, as crenç as e as prá ticas religiosas.
Considera-se, também, que o ser humano mantém uma relaç ã o de adap-
tação constante com o seu meio para sobreviver. Essas mudanç as adaptativas 
da cultura se disseminam e ocorrem principalmente no âmbito da economia 
de subsistê ncia, das técnicas e dos elementos da organização da sociedade.
Portanto, o sentido de cultura trata de um processo complexo, que é gerado 
a partir da interaç ã o entre os seres humanos por meio do desenvolvimento da 
inteligê ncia, do controle dos meios de comunicaç ã o entre os indiví duos e do 
uso e domínio dos sí mbolos (LARAIA, 2004), sendo um processo em sucessiva 
transformação em que a cultura influencia e é influenciada pelas sociedades.
No fim do século XIX, houve uma série de estudos acadêmicos no Brasil sobre a 
articulação entre raça e nação, sobre o negro e os aspectos sociais, culturais e políticos 
resultantes desse grupo que forma a sociedade brasileira. 
A questão sobre que tipo de raça resultava do processo de miscigenação e sobre 
como isso afetava a sociedade brasileira fazia parte dos discursos e das práticas para 
as propostas de formação de uma sociedade civilizada. 
Havia vários pensadores que utilizavam o chamado “evolucionismo social” ou 
“darwinismo social”, que afirma que os seres humanos são desiguais por natureza em 
função de suas diferentes aptidões inatas, que resultam em superiores ou inferiores. 
Assim, promoveu-se, e ainda se promove, uma série de ideias que relacionam raça, 
patologias psiquiátricas e tipologias criminais (SANTOS; SCHUCMAN; MARTINS, 2012).
Cultura e meio ambiente6
3 A cultura ecológica
“Cultura ecoló gica” é um termo que pode ser utilizado em diversas ciências, 
não só na geográfi ca, e pode ser entendido a partir da leitura de autores que 
desenvolvem pesquisas considerando também o fator da ecologia, que, por 
sua vez, está ligada à biologia, que trata das relaç õ es entre os seres vivos e 
deles com o seu ambiente. 
O termo cultura ecoló gica, portanto, pode ser entendido como um “[...] sistema 
de valores ambientais que reorienta os comportamentos individuais e coletivos, 
relativos à s prá ticas de uso dos recursos naturais e energé ticos” (LEFF, 2000, 
p. 63), em um contexto em que a cultura ecoló gica também pressupõe um 
estoque de conhecimentos sobre o meio durante o tempo (ALMEIDA, 2003). 
Dessa forma, há vários usos desse termo para referê ncias mais gené ricas 
sobre as prá ticas ambientais expressas por qualquer grupo social. Atualmente, 
os termos “desenvolvimento sustentável” e o próprio termo “cultura ecoló-
gica” têm como principal discurso a biodiversidade, que projeta uma série de 
imagens e significados sobre florestas, suas populaç õ es tradicionais e seus 
conhecimentos sobre a natureza.
Esses discursos são utilizados para legitimar determinados modelos sob “[...] 
valores econô micos do mercado ou valores nã o materiais; pode levar em conta 
os processos ecoló gicos, [...] guiar suas prá ticas [...]ou desprezar o efeito de 
suas aç õ es sobre o ecossistema” (GÓMEZ RIVERA, 2010, documento on-line).
Para produzir esse discurso, agentes distintos, como corporações, uni-
versidades, organizações não governamentais, instituições, bió logos e am-
bientalistas locais interpretam à sua maneira o que é a biodiversidade e as 
respostas à crescente destruiç ã o e modificação da natureza. De acordo com a 
ideia sobre a natureza e biodiversidade, há suportes para ações que articulam 
a natureza e sociedade em conjunto com a ciê ncia, as culturas e a economia 
(ALMEIDA, 2003). 
Entre o fim do século XX e o início do século XXI, houve uma série de 
discussões, discursos e desenvolvimento de ideias sobre as relaç õ es entre a 
sociedade e o meio natural, principalmente ligadas à instrumentalizaç ã o da 
natureza e ao que ela simboliza. 
Ainda que hoje em dia exista uma variedade de entendimentos sobre o 
que é o natural, geralmente a natureza é vista como alheia à intervenç ã o 
social, como um produto simples das leis da seleç ã o natural sem dimensã o 
histó rica. Dessa forma, não é feita a relação da natureza com a vida urbana, 
com culturas e prá ticas sociais — como se não existisse nenhuma sociedade 
e significaç õ es sociais. 
7Cultura e meio ambiente
A natureza começa a ser vista por seu valor, em um contexto em que as 
florestas, o litoral, os manguezais e o cerrado, por exemplo, sugerem certa 
valorizaç ão por sua exploraç ã o, preservaç ã o e/ou conservaç ã o. 
Assim, o valor atribuí do a determinados lugares se vincula à relaç ã o do ser 
humano com a natureza, tratando-a como recurso econô mico, em que possa 
ser controlada (ALMEIDA, 2003). 
 Há uma série de metodologias para a apreciaç ã o da riqueza da natureza e 
para definir seu valor econô mico, em que a medida da natureza passa ao preç o 
segundo um indicador adequado, resultando no valor do uso atual, o valor 
opç ã o e os valores nã o econô micos, para calcular por mé todos que consideram 
a disposição de se pagar para manter um ambiente ou a disposiç ã o para receber 
uma compensaç ã o por dano ambiental (LEFF, 2000). 
Logo, o preç o nã o revela a essê ncia da natureza e do ambiente, mas permite 
que as pessoas indiquem, por exemplo, como se constituem os valores que um 
conservacionista pagaria pela preservaç ã o de fragmentos do cerrado ou um 
madeireiro que pagaria o valor da madeira (ALMEIDA, 2003). 
Nesse contexto, os objetivos econô micos sã o diferentes dos objetivos conser-
vacionistas. Excelentes resultados econô micos nã o garantem a conservaç ã o — 
servem para seu controle ou possibilitam polí ticas ambientais e pesquisa cientí fica. 
Ao analisar espacialmente a cultura ecológica, é importante considerar 
que as relaç õ es sociais estão presentes e permeadas por questões econô micas, 
sociais e polí ticas de cada sociedade juntamente às visões de mundo e inten-
cionalidades que formam a cultura ecoló gica. 
Os pressupostos da cultura ecológica estão baseados em um sistema de 
valores ambientais que orienta as condutas individuais e coletivas em relação 
ao tipo de uso dos recursos naturais e energé ticos (LEFF, 2000) e influencia 
a gestão dos recursos dos biomas.
Nesse contexto, é por meio da cultura que as populaç õ es se relacionam com 
a natureza, intervêm espacialmente e concebem seu modo de vida. Assim, 
compreender o uso e as representaç õ es da natureza permite verificar essa 
interação e como as populaç õ es que vivem em vários biomas se fixam no 
territó rio (CLAVAL, 1997).
Outro aspecto importante sobre a construção da cultura ecológica é o 
desenvolvimento da noção de interesse por parte de corporações, Estado, 
ciências e do capital em geral para manter a diversidade biológica por meio 
de um fenômeno chamado de “erupç ã o do bioló gico” (CLAVAL, 1997), cuja 
discussão foi inserida centralmente nas polí ticas globais no fim do sé culo XX 
e permanece até os dias atuais, principalmente em á reas tropicais do planeta 
com rica diversidade. 
Cultura e meio ambiente8
Dessa forma, são realçadas as regiões marginalizadas pelo sistema capitalista 
e as populaç õ es tradicionais, que começam a ser consideradas como “centros de 
inovaç ã o” e de “mundos alternativos emergentes” (ALMEIDA, 2003). Assim, 
são estabelecidos novos significados para á reas tropicais, como preciosa reserva 
gené tica e com populaç õ es nativas com sabedorias sobre a natureza. 
Um exemplo é a rica biodiversidade do Cerrado (Figura 1), cujas espécies 
compõem vasta informaç ã o gené tica, fonte para drogas de interesse de indústrias 
farmacêuticas e alimentos, alimentando a área da biotecnologia. Ao mesmo 
tempo, esse bioma também abriga uma sociedade que domina a natureza por meio 
de sistemas econô micos alternativos para conservar modos de vida tradicionais. 
Figura 1. A rica biodiversidade do bioma Cerrado e diversas frutas típicas 
— o pequi.
Fonte: Merlin (2018, documento on-line).
Nesse contexto e no período presente, prevalece o discurso de salvamento 
da natureza de prá ticas que a depredam, instituindo ações de conservaç ã o. 
As ideias que permeiam esse discurso pressupõem a natureza mediada pelas 
técnicas, pela ciência e pelo capital.
Isso ocorre porque estão envolvidas na elaboração e na disseminação desse 
discurso da cultura ecológica instituiç õ es dominantes com interesses claros, 
como, por exemplo, da indú stria quí mica e farmacê utica, para utilizar recursos 
por meio do desenvolvimento de pesquisas e da quantificaç ã o da biodiversidade. 
Essas ações resultam em várias políticas ligadas aos direitos da propriedade 
intelectual para proteger descobertas que rendem a comercializaç ã o desses 
9Cultura e meio ambiente
produtos. Portanto, preservar as identidades e culturas ligadas à terra, como 
no caso de populações tradicionais, é fundamental para a biodiversidade, 
pois permite “[...] manter a base de recursos como legado de um patrimô nio 
histó rico e cultural” (ALMEIDA, 2003, documento on-line). 
As populações que vivem nas matas, nos cerrados, nas caatingas, nos 
demais biomas e nas á reas rurais expressam sua cultura ecoló gica por meio 
do grande conhecimento acumulado ao longo do tempo pelos agricultores e 
pelas populaç õ es nativas. 
Esse conhecimento se refere sobretudo às plantas medicinais, às espé cies 
nativas e aos sistemas de uso do solo. Dessa forma, defender a cultura dessas 
populaç õ es é uma importante ferramenta para conservar a biodiversidade e 
é oportuno para todos os agentes. 
As significativas tradiç õ es culturais e como as populaç õ es interagem com a 
natureza são elementos importantes nas decisõ es sobre a biodiversidade e sobre o 
seu uso. Por meio dessas culturas ecológicas, que incluem o uso e a conservaç ã o 
da biodiversidade onde a população está inserida e que não agregaram valor 
aos recursos bioló gicos, foi possível manter sua existê ncia até os dias atuais. 
Essas culturas, portanto, “[...] devem ter participaç ã o em direitos de propriedade 
intelectual, recebendo os benefí cios derivados da exploraç ã o econô mica dos 
componentes da biodiversidade” (ALMEIDA, 2003, documento on-line). 
No canal no YouTube Rede TVT, você encontra uma matéria sobre como comunidades 
tradicionais e os povos indígenas são essenciais para a preservação da biodiversidade, 
principalmente na Amazônia, abordando o risco que correm com a superexploração 
atual dos biomas. Para assistir, digite em seu buscador “É possível preservar florestas 
se os povos tradicionais forem protegidos”.
Assim, ressalta-se que a cultura geográfica pressupõe, também, uma 
percepç ã o espacial na ordem do que é visí vel, palpável e também ligada à 
imaginaç ã o geográ fica como experiê ncia espacial. 
Há uma série de estudos sobre o que o ser humano vivencia e vê ligados 
à mente humana. Nesse contexto, essa noção também é gerada por relatos e 
noções da própria realidade, além de ideias para dar sentido à sua existê ncia 
(CLAVAL, 2010). 
Cultura e meio ambiente10
ALMEIDA, M. G. Culturaecoló gica e biodiversidade. Mercator - Revista de Geografia da 
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Exploraç õ es geográ ficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. 
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11Cultura e meio ambiente
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Cultura e meio ambiente12

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