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1_Religiões de Matrizes Africanas - educação políticas públicas

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N’umbuntu em Revista
Linconly Jesus Alencar Pereira
Marcos Vinicius de Freitas Reis
O R G A N I Z A D O R E S
DOSSIÊ — Religiões de Matrizes 
Africanas: Educação, Políticas 
Públicas e Laicidade
A nova edição da N’um-
buntu em Revista elenca, como 
temática principal, as religiões de 
matrizes africanas e afro-brasilei-
ras, o que nos proporcionou in-
clinar a seleção de temáticas que 
coadunam com reflexões acerca do 
enfrentamento ao racismo estrutu-
ral, religioso e intolerância que os 
povos de terreiro vivenciam no seu 
cotidiano. Diante da atual conjun-
tura da sociedade, em que observa-
mos o aumento dos casos de ódio, 
invasão e depredação de terreiros, 
compreendemos a essencialidade 
de trazer à tona as experiências e 
reflexões elencadas nessa edição, 
subsidiando a todos/as de argu-
mentos para esse enfrentamento 
nos ambientes educacionais.
Compreendemos que a luta e 
resistência dos povos de terreiros, 
das populações negras e quilom-
bolas promoveram a preservação 
da história e cultura afro-brasileira 
em todo o território nacional bra-
sileiro, proporcionando que os sa-
beres e as tradições desses povos 
ultrapassassem essas fronteiras e 
se enraizassem nas práticas coti-
Adianas da cultura popular. Dessa forma, torna-se fundamental, para 
que educadores/as compreendam 
as cosmopercepções afro-brasilei-
ras presentes na sociedade brasi-
leira, pedirmos licença e permissão 
ao Orixá Exu, senhor dono das 
encruzilhadas e que vai na frente 
abrindo caminhos para nos possi-
bilitar apontar novas possibilidades 
de compreensão de epistemologias 
ainda silenciadas em ambientes 
acadêmicos. 
Essa perspectiva nos faz perce-
ber o protagonismo evidenciado 
nos dez trabalhos que compõem 
essa publicação e que buscam tra-
zer à tona o protagonismo dessas 
populações, a partir do olhar de 
pesquisadores/as que lançam novas 
lentes nos proporcionando a com-
preensão de novas estratégias de 
enfrentamento dessas populações.
 Linconly Jesus Alencar Pereira
(UNILAB-CE)
Marcos Vinicius de Freitas Reis
(UNIFAP) 
ORGANIZADORES VOL. 3 | N. 6 | JUL./DEZ. | 2020
ISSN: 2358-9825
V. 2
No 5
N
’um
buntu em
 Revista
LINCONLY JESUS ALENCAR PEREIRA • M
ARCOS VINICIUS DE FREITAS REIS (ORGS.)
FORÇA DO RUMPI
O Rumpi que transpõe as cercas,
Que rompe as mordaças do ignorar,
Que o axé,
Poder do orixá,
Acumulada nos terreiros,
Difundidas por alabês
Na celebração/saudação.
Só com a força do Rumpi,
Os homenageados podem dançar.
Ouvindo e sentindo o axé dos Rumpis, Batas, Tan-tans e Cotôs.
Me envolve na profunda Magia do momento.
E fui encontrar na África
A benção e o louvor
De meus inquices.
(Elque Santos. Força Do Rumpi, 
in Vozes Literáriasde Escritoras Negras. Editora UFRB)
Disponível em: 
http://www.poesianaalma.com.br/2017/12/poesia-aos-orixas.html
N’umbuntu em Revista
DOSSIÊDOSSIÊ
Religiões de Matrizes Africanas: Religiões de Matrizes Africanas: 
Educação, Políticas Públicas Educação, Políticas Públicas 
e Laicidadee Laicidade
Vol. 3 | n. 6 | Jul./Dez. | 2019 | ISSN: 2358-9825
N’UMBUNTU EM REVISTA 
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA)/ Instituto de Ciências Huma-
nas – Faculdade de Educação/ Licenciatura em Pedagogia – Marabá/PA. Programa de pós-
-graduação interdisciplinar em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia (PDTSA).
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB/Ceará. 
Instituto de Humanidades – Curso de Pedagogia - Acarape/Ceará
Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Relações Étnico-Raciais Movimentos Sociais e 
 Educação – N’UMBUNTU
Volume 3 – número 06 – jul./dez. 2019
Fundadores/Editores
Prof. Dr. Ivan Costa Lima | UNILAB - CE
Profa. Dra. Gisela Villacorta Macambira | Faculdade de Ciências Sociais/UNIFESSPA
Coordenação
Prof. Dr. Ivan Costa Lima | UNILAB-CE
Profa. Dra. Gisela Villacorta Macambira | Faculdade de Ciências Sociais/UNIFESSPA 
Prof. Dra. Ana Clédina R. Gomes | Faculdade de Educação/UNIFESSPA
Prof. Me. Janaílson Macedo Luíz | Faculdade de Educação do Campo/História/UNIFESSPA
Conselho Editorial
Dra. Ana Clédina Rodrigues Gomes | UNIFESSPA
Dra. Cícera Nunes | URCA
Dra. Gisela Macambira Villacorta | UNIFESSPA
Dr. Henrique Cunha Júnior | UFC
Dra. Idelma Santiago | UNIFESSPA
Dr. Ivan Costa Lima | UNILAB-CE
Me. Janaílson Macedo Luíz | UNIFESSPA
Dra. Joselina da Silva | UFRRJ
Dra. Jurema José de Oliveira | UFES
Dra. Maria Aparecida Silva | UFAL
Dra. Piedade Lino Videira | UFAP
Dra. Rebeca de Alcântara e Silva Meijer | UNILAB-CE
Projeto gráfico e diagramação | Carlos Alberto A. Dantas
Apoio
PROEXT – Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Educacionais – UNIFESSPA
PROPIT – Pró-Reitoria de Pós-graduação, Pesquisa e Inovação Tecnológica/UNIFESSPA
PROPPG – Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação – UNILAB-CE
PDTSA – Programa de Pós-graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia
N’BLAC – Núcleo Brasileiro, Latino Americano e Caribenho de Estudos em Relações 
Raciais,Gênero e Movimentos Sociais/UFCa-Cariri 
NACE – Núcleo de Africanidades Cearenses/UFC 
NAFRICAB – Núcleo Africanidades e Brasilidades/UFES
NUDES – Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Diversidade e Educação/UFAL
GRUPO DE PESQUISA ÁFRICA-BRASIL: Produção de Conhecimento, Sociedade Civil, 
Desenvolvimento e Cidadania Global/UNILAB-CE
N’umbuntu em Revista
Vol. 3 | n. 6 | Jul./Dez. | 2019 | ISSN: 2358-9825
Fortaleza | 2020
DOSSIÊDOSSIÊ
Religiões de Matrizes Africanas: Religiões de Matrizes Africanas: 
Educação, Políticas Públicas Educação, Políticas Públicas 
e Laicidadee Laicidade
Linconly Jesus Alencar Pereira
Marcos Vinicius de Freitas Reis
o r g a n i z a d o r e s
O N’UMBUNTU é núcleo eletivo do curso de pedagogia da UNIFESSPA/FACED/Marabá, 
criadoem 2011, com o intuito de discutir o pensamento social em torno das relações étni-
corraciais, os movimentos sociais e suas interfaces com a educação no Brasil, com parceria-
do Programa de Pós-Graduação interdisciplinar em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na 
Amazônia (PDTSA).Atualmente, articula-se com o curso de Pedagogia da Universidade da 
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB, no Ceará. Seu codinome 
se referência no universo de matriz africana conhecido no País como nação Banto, cuja 
expressão mais conhecida Ubuntu significa “Eu sou o que sou porque nós somos”. Articula 
ensino, pesquisa e extensão em função da legislação educacional, que determina o estudo 
da história e cultura africana e afro-brasileira, bem como pretende subsidiar educadores/as, 
estudantes e a sociedade em geral em torno destas questões.
N’UMBUNTU EM REVISTA
É uma revista semestral, na publicação de estudos e pesquisas em educação e áreas afins, 
divulgando a produção acadêmica, projetos de extensão e outras formas de expressão e pro-
dução de conhecimentos sobre educação das relações étnicorraciais e movimentos sociais 
com interface com o espaço formal e não formal. Busca-se propiciar a troca de informações 
e o debate sobre as principais questões emergentes destas áreas. As opiniões emitidas são de 
responsabilidade dos autores. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desde 
que citada à fonte.
Volume 3 | n. 6 | jul. /dez. | 2019
Contato N’UMBUNTU EM REVISTA (A/C Ivan Costa Lima): Universidade da Integração 
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB – Faculdade de Educação/Colegiado 
de Pedagogia
Unidade Acadêmica dos Palmares. Rodovia CE 060 – Km51
CEP.: 62785-000 – Acarape – CE – Brasil
Fone: (85) 99800-6314
E-mail: numbuntu@gmail.com/dofonosc@gmail.com
Facebook: N’umbuntu Relações étnico-raciais e educação
Dossiê religiões de matrizes africanas: educação, políticas públicas e laicidade/N’UM-
BUNTU EM REVISTA – Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Uni-
fesspa)/ Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira 
(Unilab-CE). v. 3, n. 6, jul./dez. Fortaleza: Imprece, 2020.
 252p. il.: 
 Semestral
 Inclui Bibliografia 
 ISSN: 2358-9825
 1 Educação das relações étnico-raciais 2. Religiões de matrizes africanas3. Polí-
ticas Públicas 4. Identidade 5. Quilombos
Ficha Catalográfica
Sumário
APRESENTAÇÃO | 11
Linconly Jesus Alencar Pereira
Marcos Vinicius de Freitas Reis
Artigos
A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS 
TERREIROS | 17
Patrício Carneiro Araújo
ORIXÁS NO ESPAÇO PÚBLICO: O DEBATE EM TORNO DA LAICIDADE NA 
PROPAGANDA POLÍTICA DE UM PASTOR-CANDIDATO | 41
Emanuel Freitas da Silva
RAMOS, FÉ E SAÚDE: UMA ANÁLISE DAS PRÁTICAS E MANIFESTAÇÕES 
CULTURAIS DAS REZADEIRAS NO MUNICÍPIO DE CANINDÉ-CE | 63
Gabriel Freitas de Sousa
Patrício Carneiro Araújo
INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA ESCOLA: CONSTRUINDO CONHECIMENTOS 
PARA NÃO DISCRIMINAR | 91
Paulo Anchieta Barbosa de Oliveira
Wanildo Figueiredo de Sousa
ENCRUZILHADAS DA EDUCAÇÃO: AS EPISTEMOLOGIAS DE TERREIROS 
EM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS CONTRACOLONIAIS NOS CAMINHOS DE 
IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 | 109
Linconly Jesus Alencar Pereira
Will Junior
RELIGIÃO E DIREITOS HUMANOS: CAMINHADA DAS BANDEIRAS DAS 
RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANA NO AMAPÁ-AP | 131
Raimundo Erundino Santos Diniz
Marcos Vinicius de Freitas Reis
RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA: PROPOSTA DIDÁTICA ANTIRRACISTA NA 
ESCOLA PARA ROMPER PRECONCEITOS | 161
Francisca Cícera de Lima
Jonh Mateus Saldanha Pereira 
Francisco Daniel Freire de Lima
Luciana de Freitas Patriota Gouveia
Cristiane Sousa da Silva
RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA NO CEARÁ: CONTRIBUIÇÕES 
SOCIOLÓGICAS À EDUCAÇÃO | 183
Nico Augusto Có
Ivan Costa Lima
O CURSO DE APERFEIÇOAMENTO EM EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA 
DA UFERSA: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DA POLÍTICA DE COMBATE AO 
RACISMO | 205
Linda Carter Souza da Silva
Luiz Gomes da Silva Filho
RACISMO ESTRUTURAL E AS INSISTENTES DESIGUALDADES RACIAIS | 223
Maria Zelma de Araújo Madeira
Daiane Daine de Oliveira Gomes
NORMAS PARA COLABORAÇÕES PARA “N’UMBUNTU EM REVISTA” | 249
FORÇA DO RUMPI
O Rumpi que transpõe as cercas,
Que rompe as mordaças do ignorar,
Que o axé,
Poder do orixá,
Acumulada nos terreiros,
Difundidas por alabês
Na celebração/saudação.
Só com a força do Rumpi,
Os homenageados podem dançar.
Ouvindo e sentindo o axé dos Rumpis, Batas, Tan-tans e Cotôs.
Me envolve na profunda Magia do momento.
E fui encontrar na África
A benção e o louvor
De meus inquices.
(Elque Santos. Força Do Rumpi, 
in Vozes Literáriasde Escritoras Negras. Editora UFRB)
Disponível em: 
http://www.poesianaalma.com.br/2017/12/poesia-aos-orixas.html
9
APRESENTAÇÃO
A nova edição da N’umbuntu em Revista elenca, como 
temática principal, as religiões de matrizes africanas e afro-bra-
sileiras, o que nos proporcionou inclinar a seleção de temáticas 
que coadunam com reflexões acerca do enfrentamento ao racis-
mo estrutural, religioso e intolerância que os povos de terreiro 
vivenciam no seu cotidiano. Diante da atual conjuntura da socie-
dade, em que observamos o aumento dos casos de ódio, invasão 
e depredação de terreiros, compreendemos a essencialidade de 
trazer à tona as experiências e reflexões elencadas nessa edição, 
subsidiando a todos/as de argumentos para esse enfrentamento 
nos ambientes educacionais.
Compreendemos que a luta e resistência dos povos de 
terreiros, das populações negras e quilombolas promoveram a 
preservação da história e cultura afro-brasileira em todo o ter-
ritório nacional brasileiro, proporcionando que os saberes e as 
tradições desses povos ultrapassassem essas fronteiras e se enrai-
zassem nas práticas cotidianas da cultura popular. Dessa forma, 
torna-se fundamental, para que educadores/as compreendam as 
cosmopercepções afro-brasileiras presentes na sociedade brasilei-
ra, pedirmos licença e permissão ao Orixá Exu, senhor dono das 
encruzilhadas e que vai na frente abrindo caminhos para nos pos-
sibilitar apontar novas possibilidades de compreensão de episte-
mologias ainda silenciadas em ambientes acadêmicos. 
10
Essa perspectiva nos faz perceber o protagonismo eviden-
ciado nos dez trabalhos que compõem essa publicação e que bus-
cam trazer à tona o protagonismo dessas populações, a partir do 
olhar de pesquisadores/as que lançam novas lentes nos propor-
cionando a compreensão de novas estratégias de enfrentamento 
dessas populações.
Abrindo essa seção de artigos, Patrício Carneiro Araújo 
dialoga com a ancianidade dos/as mais velhos/as, que estão pre-
sentes na cozinha de santo, conhecida como senzalas, um dos 
locais mais importantes para o bom funcionamento dos pontos 
de partida para os rituais religiosos e de retroalimentação do Axé 
dos terreiros família. Traz à tona os ensinamentos, práticas nutri-
cionais de comer e viver desses povos para a implementação da 
Lei 10.639/03, principalmente no que tange à influência desses 
povos na gastronomia brasileira.
Com o caminho de enfrentamento ao racismo religioso no 
estado da Bahia, Emanuel Freitas da Silva elenca a perspectiva 
em torno da laicidade nos espaços públicos, analisando as propa-
gandas políticas disponíveis nas redes sociais de um pastor can-
didato. Entendido grosso modo como a não presença da religião 
no espaço público, acompanha tanto os estudos sobre religião e 
o Estado no Brasil, como a persistente mobilização de atores do 
campo religioso na defesa dos interesses de sua pertença. O pre-
sente artigo acrescenta uma problemática a mais no conjunto de 
tais estudos, versando sobre a plataforma política de um pastor 
baiano quando de sua candidatura a deputado federal, em 2014.
Ao lançarem seus olhares para a cultura popular brasilei-
ra, Gabriel Freitas de Sousa e Patrício Carneiro Araújo, nos 
proporcionaram reflexões acerca das práticas desenvolvidas pelas 
rezadeiras e benzedeiras do município de Canindé-Ce. Os auto-
res analisaram, a partir de entrevistas e narrativas, a diversidade 
religiosa por parte das que praticam a reza, já que, além das re-
zadeiras católicas também existem rezadeiras ligadas às religiões 
afro-brasileiras, suas práticas cotidianas e formas de resistência.
11
A intolerância religiosa é a dificuldade que os seres huma-
nos têm de conviver e aceitar os dogmas dos outros, geralmen-
te demonizando a crença e a fé das pessoas, principalmente o 
sagrado presente nas religiões de matrizes afro-brasileiras. Com 
a perspectiva de diagnosticar os possíveisfatores de intolerân-
cia religiosa na escola, Paulo Anchieta Barbosa de Oliveira e 
Wanildo Figueiredo de Sousa, nos ajudam, a partir deste artigo, 
a visualizar novos métodos pedagógicos que contribuam com a 
construção coletiva do conhecimento e a diminuição da intole-
rância religiosa principalmente sobre religiões Afro-Brasileiras.
Neste exímio dossiê, temos ainda a valiosíssima contribui-
ção dos pesquisadores Linconly Jesus Alencar Pereira e Wiil 
Junior a respeito de propostas pedagógicas em espaços formais 
de ensino sobre as epistemologias de terreiros. Sabemos que o 
racismo religioso é presente nas escolas públicas e privadas brasi-
leiras, tendo como pilar fundamental o preconceito e intolerância 
em ensinar os saberes e tradições das religiões de matrizes afri-
canas em suas práticas pedagógicas. Mesmo com a lei 10.639/03, 
que defende a obrigatoriedade da história e cultura afro-brasi-
leira e africana nos estabelecimentos de ensino, percebemos que 
pouco avançamos neste debate, nos fazendo apontar caminhos 
urgentes a partir de práticas pedagógicas contracoloniais, visando 
a ruptura das bases do racismo religioso.
Os trabalhos dos pesquisadores Raimundo Erundino San-
tos Diniz e Marcos Vinicius de Freitas Reis dissertam sobre um 
dos mais importantes eventos coletivos da comunidade afrorreli-
giosa do Estado do Amapá, a caminhada das bandeiras. Realizada, 
anualmente, em janeiro, no municio de Macapá, o evento tem 
por objetivo caminhar pelas ruas da capital do Amapá com carro 
de som, todos vestidos de branco e com cartazes denunciando 
as formas de intolerância religiosa e racismo religioso sofrido. A 
ideia do texto é mostrar a pedagogia que o ato político traz para 
seus adeptos. Nessa caminhada,são ensinadas as vivências, sabe-
res, conhecimentos, práticas e percepção dos líderes sobre o tema 
do racismo religioso. 
12
Os estudiosos Francisca Cícera de Lima, John Mateus 
Saldanha Pereira,Francisco Daniel Freire de Lima, Luciana de 
Freitas Patriota Gouveia e Cristiane Sousa da Silvacontribuem 
com este número, através da discussão sobre o preconceito vivi-
do para com as religiões de matrizes africanas nas dependências 
das escolas brasileiras. Os/as autores/as defendem a necessidade 
da superação de qualquer forma de discriminação sofrida pelos/
as adeptos/as das religiões afro-brasileiras e nesse contexto nos 
apresentam as intervenções desenvolvidas pelos/as pesquisado-
res/as do NEABI do Instituto Federal de Educação, Ciência e 
Tecnologia do Ceará – IFCE, Campus Jaguaribe, nas escolas pú-
blicas do município, especificamente nos 8° e 9° anos. 
O artigo de Nico Augusto Có e Ivan Costa Lima faz uma 
reflexão sobre as religiões de matrizes africanas no Ceará que, a 
partir de um olhar sociológico, objetiva registrar sua presença nos 
espaços públicos e participação social, apontando valores civiliza-
tórios para que o conhecimento desta cultura possa subsidiar a 
sociedade diminuindo a discriminação e a intolerância religiosa. 
A significativa contribuição, evidenciada por Linda Carter 
Souza da Silva e Luiz Gomes da Silva Filho, nos proporciona 
refletir sobre a experiência desenvolvida no curso do aperfeiçoa-
mento em educação escolar quilombola, na UFERSA/RN, a partir 
de um estudo de caso sobre a compreensão de professores/as 
acerca das políticas de ações afirmativas de combate ao racismo e 
seu enfrentamento.
As professoras Maria Zelma de Araújo Madeira eDaiane 
Daine de Oliveira Gomes abordam neste artigo o racismo es-
trutural, nos trazendo a explicitação das dinâmicas do racismo na 
sociabilidade brasileira e demonstrando os efeitos das desigual-
dades raciais, com suas raízes históricas, em áreas de suma im-
portância para garantir a ascensão e mobilidade social dos grupos 
populacionais, como: mercado de trabalho, rendimentos, índices 
de violência, educação, saúde e representação política.
Este dossiê foi preparado com muito carinho e atenção pelo 
docente Marcos Vinicius de Freitas Reis, vinculado à Universi-
13
dade Federal do Amapá e pelo professor Linconly Jesus Alencar 
Pereira, vinculado àUniversidade da Integração Internacional da 
Lusofonia Afro-Brasileira, com o propósito de reunir textos de 
exímios docentes que debatam a questão do racismo religioso e 
intolerância. São poucos os espaços acadêmicos dispostos a levan-
tar estes debates em seus periódicos ou livros, nos impulsionando 
a avançarmos e instigarmos cada vez mais esse debate para a su-
peração deste imenso problema social.
Linconly Jesus Alencar Pereira (UNILAB – CE)
Marcos Vinicius de Freitas Reis (UNIFAP) 
O r g a n i z a d o r e s
Artigos
Patrício Carneiro Araújo
Professor de Antropologia na UNILAB. Coordenador do “TiernoBokar: Núcleo de Pes-
quisas e Estudos sobre o Fenômeno Religioso” – UNILAB/CNPq. Membro do Conselho 
de Segurança Alimentar da Prefeitura de Fortaleza – CE/CONSEA, e do IBILÉ, coletivo 
de povos tradicionais de terreiro do Ceará.
A COZINHA E A SALA DE AULA COMO 
LUGARES DE COMER E DE SABER: UM 
DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A 
GASTRONOMIA DOS TERREIROS
RESUMO
A Lei Federal 10.639/03, que alterou a 9.394/96, tornou obrigatório o 
ensino de história e cultura africana e afro-brasileira em todas as escolas de 
educação básica do Brasil. Contudo, nem isso foi suficiente para que saberes 
tradicionais passassem a ser reconhecidos pela escola ao ponto de incluir 
nos seus currículos conhecimentos próprios das expressões culturais afro-
religiosas. Neste artigo, proponho o desafio de um diálogo entre a escola e 
as cozinhas de terreiro, já que esses dois espaços constituem ambientes de 
produção, difusão e vivências de saberes múltiplos. O diálogo entre a cozinha 
dos terreiros e a sala de aula poderá revelar um grande potencial de ensino-
aprendizagem, ao mesmo tempo que revelará, a estudantes e professores, 
parte significativa da herança cultural africana no Brasil: o mundo de uma 
alimentação saudável e natural. 
Palavras-chave: Gastronomia de terreiro; interdisciplinaridade; educação 
antirracista. 
ABSTRACT
In contrast with the previous Law 9.394/96, the Federal Law 10.639/03 
made it compulsory to teach African and Afro-Brazilian culture and history 
in all schools of Brazilian basic education. However, this was not sufficient 
in order for schools to include Afro-Brazilian cultural expressions and 
traditional knowledge in their programs. In this article, I would like to 
propose a challenging dialogue between schools and kitchens of terreiros, 
as both places could be considered spaces of production, dissemination 
and experience of different types of knowledge. This dialogue between the 
kitchen of terreirosand the classroom could potentially be very productive in 
terms of teaching and learning, and it could disclose to students and teachers 
that this expression of a healthy and natural diet is de facto an African cultural 
heritage in Brazil.
Key words: Terreiro gastronomy; Interdisciplinarity; Anti-racist education. 
19
A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
INTRODUÇÃO
 
Sempre que se fala da implementação, ou da negligência e 
negação, da Lei Federal 10.639/03 nas escolas de educação bá-
sica no Brasil, é comum dar-se ênfase àquilo que a escola, ao se 
negar a implementar essa política, deixa de incluir no currículo. 
Nesse sentido, muito já se falou sobre isso desde que a lei foi san-
cionada no dia 9 de janeiro de 2003. E muito, com certeza ainda 
será dito e escrito. 
Neste artigo quero deslocar um pouco o foco daquilo que 
deixa de ser dado pela escola para problematizar e refletir um 
pouco sobre aquilo que a escola deixa de aprender ao negar os 
diferentes saberes que formam o multifacetado mundo das he-
ranças culturais africanas que se percebe nas culturas afro-bra-
sileiras e afro-diaspóricas. Parto, portanto, do princípio de que 
a escola não é só aquela que ensina, mas também aquela que 
precisa estar sempre aprendendo. Essa aprendizagem, inclusive, 
se dá tanto através das suas práticas pedagógicas quanto através 
do currículo adotado por ela. Isso porque, para se construir o 
currículo a escola carece mergulhar no pluriverso que constitui 
o repositório dos saberes significativos que ela se encarregará de 
transmitir ou reproduzir. 
Entre as muitas discussões que se tem feito quando se fala 
da implementação da lei está aquela que se refere aos chamados 
“valores civilizatórios afro-brasileiros” que seriam a base para se 
trabalhar os conteúdos previstos pela lei. Ora, entre esses valo-
res civilizatórios podemos localizar a religiosidade, traço que, 
segundo muitos estudiosos, caracteriza os povos africanos e 
 afro-diaspóricos. 
No contexto das religiões afro-diaspóricas encontramos um 
elemento fundamental para o culto às divindades e aos ancestrais: 
o alimento. Raramente se encontrará uma expressão afro-religio-
20
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
sa na qual o alimento não sirva de mediação entre os vivos e 
os ancestrais. Isso porque, nessas culturas, o ato de alimentar e 
alimentar-se constitui um verdadeiro fato social total, já que per-
passa todas as dimensões da vida desses grupos sociais. Desafio 
os leitores e leitoras a observarem qualquer manifestação cultu-
ral afro-brasileira na qual não exista, mesmo que em pequenas 
proporções, a dimensão da comensalidade. Nessas manifestações 
culturais o ato de comer transcende a dimensão da satisfação 
de necessidades bio-fisiológicas para assumir uma dimensão de 
elo entre a comunidade dos vivos e dos mortos, prática essa que 
une, numa perspectiva de ancestralidade, aqueles que estão vivos 
àqueles que já morreram e àqueles que ainda estão por nascer. 
Essa compreensão do ato de comerse enquadra totalmente na 
forma de pensar africana e afro-diaspórica. Comer é muito mais 
do que comer. Comer é conectar-se com os ancestrais. Comeré, 
portanto, unir passado, presente e futuro em um contínuo que a 
memória social se encarrega de explicar. Mas o que isso tudotem 
a ver com educação e relações étnico-raciais no Brasil? Veremos 
isso através das páginas seguintes deste artigo. 
A herança africana presente nas culturas alimentares de 
terreiro
Quando a Lei 10.639/03 se refere à “Culturas negras” e 
“culturas afro-brasileiras” podemos, parafraseando Stuart Hall, 
nos perguntar: Que “negro” é esse nas culturas às quais a lei se 
refere? Ao consultarmos os estudos sobre cultura alimentar no 
Brasil, e mais especificamente sobre a herança cultural africana 
que sobreviveu através da culinária afro-baiana e da gastronomia 
de terreiro, podemos constatar que o mundo das comidas é um 
importante repositório dessas culturas negro-africanas que po-
dem ser incorporadas ao currículo da educação básica brasileira. 
No livro“História da Alimentação no Brasil” o importante 
pesquisador brasileiro Luís da Câmara Cascudo (2004), ao falar 
do desenvolvimento das práticas alimentares brasileirasnos ex-
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A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
plica que houve importantes e mútuas influências entre os povos 
que compuseram os primeiros quadros de interpenetrações po-
pulacionais e culturais nestas terras. Assim como Gilberto Freyre 
também reconhece, em Casa Grande & Senzala (2001), Cascudo 
admite que o encontro entre populações indígenas, africanas e 
europeias criaram um ambiente propício para a configuração das 
culturas alimentares brasileiras, fortemente marcadas por essas 
diferentes contribuições. 
Na parte do seu livro reservada à dieta africana (2015, p. 
163-226), Cascudo, mesmo admitindo que “o africano chegado 
ao Brasil já recebera um curso prévio de alimentação local desde 
o início do cativeiro, ou melhor, desde sua compra para o outro 
lado do Atlântico” (CASCUDO, 2015, p. 218), reconhece que du-
rante as interpenetrações das populações africanas com as locais, 
as trocas mútuas se efetivaram através da circulação de insumos 
alimentares de diferentes procedências. Nesse sentido, tanto os 
africanos sofreram influências nas suas práticas e culturas ali-
mentares quanto os indígenas e portugueses também terminaram 
sendo influenciados e influenciando. Ao se referir aos africanos 
escravizados no Brasil e suas influências sobre os hábitos alimen-
tares locais Cascudo afirma:
Esses africanos tiveram seus padrões alimentares, prefe-
rências e simpatias, fórmulas de preparar a carne da caça 
ou do animal capturado se dificuldade, cereais, vinhos, gu-
lodices, farnel de viagem e expedição bélica, possivelmen-
te distantes dos tipos amerabas brasileiros. Lembremo-nos 
que, em sua maioria, já podiam exercer comércio de trocas 
e esquemas de equivalências, oferecendo trabalhos de téc-
nica individual, couros, armas, enfeites, alimentos, tecidos, 
bronzes, madeiras, ossos, marfins decorados. Nessa épo-
ca os nossos avós permutavam pau-brasil, tatajuba, frutas, 
macacos, papagaios, pelas utilidades europeias. (CASCU-
DO, 2015, p. 165). 
Ao chamar a atenção para as trocas e permutas ensejadas 
pela situação das populações africanas escravizadas no Brasil, 
Cascudo parece querer nos dizer que, mesmo submetidos à de-
22
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
gradante situação de escravizados, essas populações sempre se 
mantiveram ativas nas contribuições civilizatórias ao Brasil, in-
clusive, e talvez com um proeminente protagonismo, no campo 
da alimentação. Como sabemos, a sociedade patriarcal brasilei-
ra – principalmente caso nos guiemos pelos estudos de Gilberto 
Freyre a respeito da sociedade patriarcal do litoral de Pernambu-
co -, cujo epicentro era a Casa Grande dos Engenhos de açúcar, 
influenciou de forma determinante as culturas alimentares brasi-
leiras. Também é do conhecimento de muitos que quem atuava 
diretamente nas cozinhas dessas casas grandes eram cozinheiras 
africanas. Em função disso, não se pode negar que a contribuição 
civilizatória africana também se deu através das trocas entre cul-
turas alimentares locais e aquelas vindas de fora. 
Ao longo do seu estudo já citado, Cascudo admite que essa 
contribuição passou, entre outras coisas, pela adoção, no Brasil, 
do consumo de artigos alimentares africanos como o inhame, a 
cana-de-açúcar, a banana, o dendê, o quiabo e a pimenta. Em tro-
ca, levaram o amendoim, o milho, a mandioca, e uma infinidade 
de outros artigos americanos que passariam a fazer parte da dieta 
africana de forma definitiva naquele continente. Ou seja, as trocas 
foram mútuas e vantajosas em ambas as direções. 
Por outro lado, essas influências africanas nas práticas ali-
mentares brasileiras irão ultrapassar o campo da alimentação e se 
imiscuir nas mais variadas formas de manifestações culturais. O 
próprio Cascudo, desta vez em outra das suas obras (CASCUDO, 
2001), ao tratar daquilo que ele chama de “o mais popular afri-
canismo no Brasil” (CASCUDO, 2001, p. 11-17), admite que há 
no Brasil um verdadeiro folclore da banana. Folclore esse que se 
pode perceber na linguagem, na gestuália, nas crenças populares 
etc. Mesmo admitindo que a origem da banana é a Índia, Cascu-
do reconstitui o trajeto dessa fruta até chegar ao Brasil através 
da África e explica o quanto essa contribuição africana penetrou 
nos recônditos mais profundos da cultura brasileira ao ponto de 
até os dias atuais, quando se quer desqualificar o Brasil ou algo 
desse país, se costuma dizer que se trata de uma “República de 
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A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
bananas”. Aqui percebe-se, de forma categórica, o prolongamen-
to no tempo das influências mais duradouras das contribuições 
africanas, através das culturas alimentares ambientadas a partir da 
ação das populações africanas escravizadas. 
Quanto a Gilberto Freyre, não obstante os pontos questio-
náveis dos seus estudos sobre o negro para compreender as rela-
ções raciais no Brasil, no que se refere aos estudos sobre alimen-
tação e influências alimentares das populações africanas sobre as 
demais populações brasileiras e indígenas, é de se admitir que sua 
contribuição foi deveras importante. Ao consultar, por exemplo, 
a parte referente às relações entre o escravo negro e a população 
brasileira, no trecho intitulado “O escravo negro na vida sexual 
e de família do brasileiro”, em casa Grande & Senzala (FREYRE, 
2001, p. 342-532), é possível ler:
Um traço importante de infiltração de cultura negra na 
economia e na vida doméstica do brasileiro, resta-nos 
acentuar: a culinária. O escravo africano dominou a cozi-
nha colonial, enriquecendo-a de uma variedade de sabo-
res novos. “Da áspera cozinha do caboclo”, escreve Luís 
Edmundo, “Ao passarmos à cozinha laudável do mazom-
bo veremos que ela nada mais era que uma assimilação 
da do reinol, sujeitas apenas às contingências ambientes”. 
Palavras injustas em que vem esquecidas, como sempre, a 
influência do negro sobre a vida e a cultura do brasileiro. 
(FREYRE, 2001, p. 504). 
 Aqui já se percebe o esforço de Freyre em dar evidência 
às grandes influências africanas na cozinha brasileira. Um pouco 
mais adiante ele explica:
No regime alimentar brasileiro, a contribuição africana 
afirmou-se principalmente pela introdução do azeite de 
dendê e da pimenta-malagueta, tão característicos da co-
zinha baiana; pela introdução do quiabo; pelo maior uso 
da banana; pela grande variedade na maneira de preparar 
a galinha e o peixe. Várias comidas portuguesas ou indí-
genas foram no Brasil modificadas pela condimentação ou 
pela técnica culinária do negro, alguns dos pratos mais 
24
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
característicos brasileiros são de técnica africana: a farofa, 
o quibebe, o vatapá.(FREYRE, 2001, p. 504). 
Não é nosso objetivo aqui inventariar o grande menu de ori-
gem africana ou resultante do protagonismo africano na cozinha 
da casa colonial. Contudo, consultar os estudos clássicos sobre a 
história da alimentação no Brasil é mais do que suficiente para 
se ter uma ideia abrangente do que significou essa atuação em 
termos de contribuição civilizatória. E, nesse percurso em busca 
da origem das comidas poderemos descobrir, voltando à frase de 
Hall, o que há de “negro” nessas práticas alimentares. Para melhor 
mapearmos essas influências, cito aqui apenas três estudos através 
do quais se pode vislumbrar essa contribuição. 
Em “Anatomia do acarajé e outros ensaios” (LIMA, 2010), 
ao retomar os principais estudos existentes até então acerca das 
influências africanas sobre as práticas e culturas alimentares no 
Brasil, o antropólogo baiano Vivaldo da Costa Lima se refere a 
uma chamada “Cozinha baiana”, também tratada por ele de “co-
mida de azeite”, ou mesmo “comida de dendê” (LIMA, 2010, 
p. 146). Neste trabalho, ao tratar principalmente das influências 
das populações sudanesas na Bahia, Lima reconhece o quanto 
os pertencimentos identitários influenciam nas configurações ali-
mentares, definindo as práticas e culturas alimentares, mesmo na 
diáspora. Segundo suas palavras sugestivas:
Podemos, então, falar em “cozinha de azeite”, ou “de den-
dê” – e entender que nos referimos a toda uma série de 
comida, de uma segura origem “africana”, pelo elemento 
tipificador, identificador de suas origens. Não apenas um 
ingrediente básico identifica a origem de uma comida num 
país pluriétnico como o Brasil mas também as técnicas de 
preparo; as situações sociais, portanto, culturais, em que a 
comida é servida; a frequência e outras circunstâncias in-
dicadoras de sua proveniência; a gama auxiliar dos condi-
mentos, do uso prescritivo dos temperos, e, naturalmente, 
a nomenclatura dos ingredientes e dos pratos elaborados. 
(LIMA, 2010, p. 146). 
25
A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
Ao indicar os elementos constitutivos e diacríticos da dita 
“cozinha baiana”, Lima nos ajuda entender o percurso de insu-
mos, práticas, gostos e saber-fazer, que ajudam a identificar as 
contribuições civilizatórias das populações africanas na configura-
ção das comidas que até hoje identificam o que é ou não africano 
na cozinha brasileira.
Em outro importante livro intitulado “A comida de santo 
numa casa de ketu da Bahia” (LIMA, 2010), ao coletar, catalo-
gar e analisar receitas sagradas de comidas votivas dos orixás, 
através da ialorixá baiana Olga Francisca Régis (Mãe Olga do 
Alaketu), novamente Vivaldo da Costa Lima nos traz reflexões 
fundamentais para se compreender a herança africana no Brasil 
através da culinária. Além das muitas riquezas etnográficas trazi-
das por Lima neste estudo, pode-se perceber também o quanto as 
práticas religiosas e os espaços de culto (popularmente chamados 
de terreiros) foram fundamentais para a preservação dessa he-
rança cultural alimentar. Uma das constatações mais significativas 
desse estudo é justamente a íntima relação entre religião e práti-
cas alimentares, fato que, de resto, é muito comum em qualquer 
processo diaspórico. Outros estudos de Lima também se tornarão 
referências obrigatórias para qualquer estudo sobre populações 
africanas no Brasil e culturas alimentares. 
Depois dos estudos de Vivaldo da Costa Lima ninguém 
mais que se dedicasse ao estudo desses temas poderiam ignorar 
suas palavras. É por isso que, quando Raul Lody decide estudar 
alimentação nas religiões afro-brasileiras terá que recorrer aos es-
tudos já realizados por Lima. Vejamos então um dos principais 
estudos de Lody nesse campo. 
Aprendendo sobre comidas de santo e santos que comem
Em “Santo também come” (2012) Raul Lody apresenta 
material de pesquisa recolhido entre populações de terreiro pre-
sentes em diversas cidades brasileiras marcadas pela presença de 
populações africanas desde o período da escravidão. Salvador, 
26
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
Rio de Janeiro, Aracaju, Maceió, Recife e São Luiz do Maranhão 
constituem o campo de pesquisa desse importante antropólogo. 
O tema da alimentação novamente aparece intimamente ligado 
às práticas religiosas. No entanto, o elemento identidade é aqui 
considerado como fundamental para se compreender as práti-
cas e culturas alimentares engendradas dos espaços de vivência 
 religiosas. 
Ao demostrar que os centros religiosos espalhados pelo 
Brasil revelam culturas étnico-identitárias e, portanto, culturas 
alimentares diferentes, Lody amplia a discussão desenvolvida por 
Lima, deslocando a ênfase dada aos povos sudaneses e lançando 
um olhar mais abrangente sobre a herança cultural alimentar de 
povos tanto da África Austral (candomblés angola), quanto da 
África Ocidental (através do Tambor de Mina) e dos cultos jeje, 
fom e ewe. Essas múltiplas identidades étnicas aparecerão mate-
rializadas ao final do livro através dos 150 alimentos de terreiros 
arrolados pelo autor, que também tem a preocupação de registrar 
as receitas, na forma que coletou entre os religiosos e religiosas 
das regiões pesquisadas. Trata-se, indiscutivelmente, de uma im-
portante contribuição para os estudos desse tema. A relação entre 
identidade, religião e alimentação fica evidente nas palavras de 
Lody quando ele afirma que:
Inegavelmente, é no terreiro, na comunidade religiosa, lo-
cal dos costumes e preceitos dos deuses africanos, que os 
processos de mudanças encontram suas defesas, algumas 
mais rígidas graças ao sentido de unidade, de culto, elo 
de fé, congregados pela Nação, pela união de tradições 
culturais que hoje ainda sentimos e observamos, significa-
tivos momentos de africanidades preservam identidades e 
que se adaptam aos diferentes contextos. A variedade de 
formas das religiões afro-brasileiras, dinamismo cultural 
da oralidade como veículos de transmissão dos conheci-
mentos, levaram a muitas transformações também abertas 
ao subjetivismo dos praticantes, à moda, à multimídia e a 
essa mundialização da cultura. Fator determinante para a 
união e a preservação das ações dos deuses é a alimenta-
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A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
ção sagrada. Os muitos pratos que constituem o cardápio 
votivo possibilitam o reconhecimento, o conhecimento das 
peculiaridades das divindades e de como agradá-las, man-
tendo, assim, a vida religiosa. (LODY, 2012, p. 23). 
Percebe-se, então, a profunda relação entre culturas, iden-
tidades, práticas religiosas e alimentação. Essa relação também 
pode ser percebida em outros estudos de Lody, como no texto 
“Tudo come e tudo se come: em torno do conceito de comer nas 
religiões afro-brasileiras”, apresentado nos Anais do IV Congres-
so Afro-Brasileiro, que aconteceu em Recife, na década de 1990. 
Essa tônica se manterá na maioria dos estudos acerca da 
herança cultural africana no Brasil, quando se pensa alimentação 
nesse contexto. Isso se pode perceber, por exemplo, nos estudos 
de Vilson Caetano de Sousa Júnior, principalmente no seu livro 
“O baquete sagrado: notas sobre os ‘de comer’ em terreiros de 
candomblé” (JÚNIOR, 2009). 
O estudo de Vilson Caetano é uma verdadeira radiografia 
do interior do terreiro na sua relação com o alimento. Desde a se-
leção dos insumos no mercado mais abrangente até a preparação 
dos alimentos – reservada a uma sacerdotisa especificamente con-
sagrada para esse fim -, passando aos ritos de oferecer a comida 
às divindades, Júnior mapeia o trajeto dos alimentos sagrados e 
esmiúça os sentidos do comer e do “dar de comer”.
Em Júnior, novamente o comer e o cultuar os deuses e 
ancestrais aparecem imbricados de forma quase indissociável. A 
natureza do trabalho de Júnior é mais uma prova de que os estu-
dos sobre alimentação e população africana no Brasil nãopodem 
estar separados dos estudos de religião. Isso quer dizer que, se a 
religião é um importante aspecto de qualquer cultura, e se a Lei 
10.639/03 preconiza o estudo das culturas africanas e afro-brasi-
leiras, estudar alimentação pode ser uma interessante via para dis-
cutir também os aspectos da cultura que tratam das vivências reli-
giosas. Isso porque, parafraseando o antropólogo francês Claude 
Lévi-Strauss, os alimentos também são “bons para pensar”. É nes-
se sentido que advogo aqui a ideia de que uma das possibilidades 
28
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
de se trabalhar a temática das culturas afro-brasileiras em sala 
de aula é trabalhando o tema da alimentação. Vejamos algumas 
possibilidades que podemos criar na escola. 
Se a cozinha vira sala de aula... 
Conforme já vimos nas palavras anteriores, a relação entre 
comida e identidade cultural é uma realidade a ser considerada 
caso se queira compreender uma determinada cultura. Exemplo 
disso pode ser percebido no sugestivo livro do fotógrafo ameri-
cano Gregg Segal, Daily Bread: what kids eat Aroundthe World. (Pão 
de Cada Dia: o que as crianças comem ao redor do mundo). Re-
sultado de um trabalho realizado entre 2016 e 2018, no qual 
registrou hábitos alimentares e fotografou crianças da Índia, Ma-
lásia, Alemanha, França, Itália, Brasil, Senegal e Emirados Árabes 
Unidos, as imagens das crianças fotografadas ao lado das comidas 
ingeridas durante sete dias revelam, entre outras coisas, as dife-
renças entre hábitos alimentares saudáveis cultivados em regiões 
mais rurais e hábitos menos saudáveis típicos das grandes cida-
des e centros metropolitanos. Outro elemento que fica visível nas 
fotos do livro de Segal é a proximidade ou distanciamento des-
sas crianças em relação à origem dos alimentos consumidos. Isso 
porque, como sabemos, as culturas urbanas e metropolitanas têm 
criado cada vez mais um distanciamento entre os consumidores e 
a origem dos alimentos. Isso também serve para as crianças. 
Ao observar as fotos feitas por Segal, podemos perceber que 
entre as crianças fotografadas é a imagem de Kawakanih, criança 
indígena brasileira, de 9 anos, que melhor revela a origem dos ali-
mentos: terra (frutas, nozes e mandioca) e rios (peixes). Por viver 
em uma aldeia indígena na bacia do Rio Amazonas, Kawakanih 
parece ser privilegiada no que se refere ao consumo de comidas 
saudáveis. Ironicamente, na sequência das fotos também é uma 
criança brasileira, Henrico, de Brasília e com 10 anos, que parece 
ter ingerido mais comida processada e ultraprocessada, entre elas 
29
A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
Toblerone, Nutella, achocolatado, biscoitos recheados e salgadi-
nhos (Rufles). 
O livro de Segal é muito sugestivo para pensarmos a rela-
ção entre infância e alimentação, reflexão que também nos leva 
a pensar o papel da escola no que diz respeito à consciência e 
educação alimentar nessa fase da formação das crianças e ado-
lescentes. Nesse sentido, ao pensarmos a implementação da Lei 
10.639/03 e sua interface com a dimensão das culturas afro-brasi-
leiras, sugiro neste artigo que, nos momentos de configurar o cur-
rículo da educação básica brasileira, quando se pensar em cultura 
afro-brasileira se pense também em religiões afro-brasileiras e se 
considere a importância das culturas alimentares dos terreiros. 
Por quê? Justamente pelo fato dessas culturas alimentares terem 
um grande potencial para ensinar acerca da importância de se ter 
hábitos alimentares saudáveis, tanto em termos de quantidade 
quanto em termos de qualidade.
Como sabemos, vivemos em tempos alienação alimentar, 
onde muitas crianças e adolescentes, nascidos e criados nos gran-
des centros metropolitanos, perderam ou estão prestes a perder 
a consciência da origem dos alimentos. Não são poucos os casos 
de crianças que nem ao menos sabem reconhecer uma fruta ou 
tubérculo na sua forma natural. O contato direto com alimentos 
ultraprocessados ou pré-prontos e embalados nos supermercados 
cria uma situação de quase “realidade paralela” sobre os alimen-
tos, fazendo com que a criança passe a associar o alimento àquela 
única forma pela qual ela o conhece. 
Vivendo trancafiados em apartamentos1 e se limitando a 
transitar entre o apartamento e a escola, muitas crianças quase 
nunca tem contato com um mercado popular ou uma feira na qual 
possam ter um contato sensorial com frutas, legumes, verduras, 
tubérculos, animais comestíveis vivos... Nesse sentido, na era do 
chamado “poder dos supermercados”, como denominou Esther 
Vivas Esteves (2017), essas gigantescas redes de comércio vare-
1 Muitas vezes chamados jocosamente de “Apertamentos” na gíria urbana. 
30
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
jista atuam também no sentido de alienar as novas gerações dos 
alimentos por elas ingeridos, criando um distanciamento perigoso 
entre a criança e a origem dos alimentos. O supermercado passa 
a ser a principal referência para a criança quando o assunto é ali-
mentos. Poderíamos aqui pensar nas condições artificiais dos su-
permercados e refletir ainda mais sobre os efeitos desse ambiente 
artificial na educação alimentar dessas gerações. Diferentemente 
do ambiente natural no qual os alimentos devem ser produzi-
dos, o ambiente artificial e frio dos supermercados, que já são 
pensados e organizados de forma a induzir o consumismo que 
gera lucros (ESTEVE, 2017, p. 177), faz com que essas crianças 
progressivamente assimilem uma cultura alimentar alienada. Mas, 
como a Lei 10.639/03 pode ser útil para mudar essa realidade?
Antes de qualquer coisa, é preciso explicar que a proposta 
pedagógica aqui apresentada está em sintonia com aquilo que 
contemporaneamente se entende como “currículo afrocentrado”. 
Sobre esse conceito, Aquino e Oliveira explicam que:
É de suma importância trabalhar com a perspectiva da 
afrocentricidade para que se compreenda o que quer dizer 
“currículo afrocentrado”, buscando extender que não se 
trata de uma busca por enaltecer os valores africanos e 
seus modos de vida, mas dar a eles seu lugar enquanto 
conteúdos válidos para serem estudados, bem como con-
teúdos de cunho europeu. E obviamente, o ato de desco-
lonizar vai além de apenas conteúdos, compreende a no-
ção de sociedade e cultura. A tentativa de descolonização 
não significa uma discussão do que seria mais importante 
para a formação do ser humano, mas a possibilidade de 
que todas as propostas sejam repassadas de maneira igual. 
(AQUINO; OLIVEIRA, 2019, p. 75). 
Acompanhando esse raciocínio, o diálogo e as estratégias 
pedagógicas que proponho neste artigo visam possibilitar uma 
experiência de descolonização do currículo, já que historicamente 
a escola elegeu saberes de origem europeia como aqueles mais 
significativos e dignos de reprodução. A Lei 10.639/03 tem um 
grande potencial de descolonização curricular, porém, nem sem-
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A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
pre os atores sociais que operacionalizam os processos educativos 
têm consciência da necessidade de descolonização. Nesse particu-
lar, os mesmos autores já citados nos explicam que:
Desde 2003 a Lei 10639 torna obrigatório o ensino e 
que conste no currículo escolar “História e Cultura Afro-
-Brasileira e Africana”, mas a maneira como esta tem sido 
aplicada realmente reforça descolonização ou é ainda uma 
questão de recentralização do saber? Diante disso, um 
ponto muitíssimo significativo é a relevância de práticas 
pedagógicas que possibilitem a inserção das mais variadas 
culturas em âmbito escolar, desconstruindo racismo e pre-
conceitos e sugestionando uma educação mais paritária. 
(AQUINO; OLIVEIRA, 2019, p. 75). 
É nessa perspectiva que proponho aqui um diálogo entre as 
estratégias pedagógicas próprias da cultura da escola e os saberes 
tradicionais ligados à gastronomia dos terreiros. Ora, qualquer 
pessoa quesouber minimamente como funciona o candomblé2 
saberá que nessa religião a comida ocupa uma posição tão im-
portante que a cozinha do terreiro (nome genérico que se dá ao 
templo religioso dessa religião) é uma das partes mais importan-
tes para a vivência dessas comunidades religiosas. Pode-se mesmo 
afirmar que no candomblé cultuar as divindades (orixás, inquices 
ou voduns) se confunde – entre outras coisas - com preparar, 
servir e ingerir alimentos. Nesse sentido, como o culto consiste 
em alimentar, as comunidades religiosas estabelecem uma relação 
com os alimentos que difere da maioria das culturas alimentares 
modernas e urbanas. 
Para começo de conversa, a própria ida ao mercado – e aqui 
mercado não é sinônimo necessariamente de supermercado, mas 
significa qualquer lugar especializado na venda dos alimentos e 
demais insumos necessários ao culto -, já faz parte dos comple-
xos rituais ligados ao culto dos ancestrais, como eu bem descrevi 
2 Uma das mais conhecidas expressões das religiões afro-brasileiras que se de-
senvolveu no Brasil e que hoje já existe em vários países da Europa e do conti-
nente americano. 
32
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
no livro Candomblé sem sangue? Pensamento ecológico contemporâneo 
e mudanças rituais nas religiões afro-brasileiras (ARAÚJO, 2019). A 
seleção cuidadosa dos ingredientes que comporão os pratos ser-
vidos às divindades e aos ancestrais é um ato delicado e que 
requer muito conhecimento das regras da religião já que animais 
ou vegetais com defeitos não serão aceitos nas oferendas. Nesse 
sentido, uma ida ao mercado é cercada de cuidados rituais que 
vão desde os ritos de purificação até a propiciação do deus do 
mercado – Èsù Olóojà -, passando pelos horários mais adequados 
a essa incursão. 
Aquilo que se vê posteriormente ser oferecido aos deuses 
ou às pessoas nos dias de festa revela, tanto na sua forma como no 
seu conteúdo, o cuidado anterior e a perícia de quem selecionou 
os insumos e os preparou na cozinha sagrada. Não é à toa que 
nos candomblés que se originaram a partir das culturas dos povos 
de língua ioruba (candomblé jeje-nagô ou ketu) existe o cargo 
sacerdotal de Iabassê3. 
As carnes geralmente são resultantes do abate ritual de ani-
mais que foram cuidadosamente selecionados em sítios e cháca-
ras relativamente distantes dos grandes centros urbanos. Animais 
sem nenhum defeito e nenhuma doença – o que presume a forma 
saudável com a qual foram criados -, exibindo cores e formas es-
pecíficas que identificam as divindades a quem serão oferecidas 
e o sexo correspondente à essas mesmas divindades. Abatidos 
de forma a não fazer o animal se estressar ou sofrer, resultarão 
em carnes macias e saudáveis, já que no ato sagrado do abate 
(chamado nos candomblés ketu de orô, mesma palavra para se 
referir a “riqueza” e “tradição”, diga-se de passagem) os animais 
não eliminaram toxinas nocivas à saúde dos comensais, como de 
praxe acontece nos frigoríficos industriais4. 
3 Literalmente “Mãe da Cozinha”, segundo o Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros, 
de Olga GudolleCaccioatori (p. 142). 
4 Nesse particular, as formas de abate realizadas nos terreiros de candomblé se 
assemelham àquelas conhecidas como hallal entre os mulçumanos e kosher entre 
os judeus. Para nós, recusar admitir que a qualidade do abate e da carne produzi-
da nessas circunstâncias nos terreiros de candomblé não corresponde às mesmas 
33
A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
Cereais criteriosamente escolhidos e separados, de forma a 
não demandarem muito tempo na preparação dos alimentos voti-
vos, já que no terreiro nem sempre se tem tempo suficiente para 
ficar horas e horas separando grãos podres de grãos saudáveis.
Farinhas frescas e coloridas, de milho, feijão, inhame ou 
mandioca, muitas vezes provadas através de um “punhado sacu-
dido na boca”, cheirosas e de textura leve comporão as farofas, 
os bolinhos e os angus, tão apreciados por deuses e gente. Fru-
tas frescas, macias, sedosas, cheirosas e suculentas para compor 
a mesa do borí5 ou mesmo para enfeitar o barracão nas festas de 
orixá ou de caboclo. 
Raízes e tubérculos saudáveis e bem protegidos por cascas 
que ainda exibem resquícios frescos do ventre da terra, de onde 
foram a pouco tempo arrancados. A mesma terra onde habitam os 
ancestrais, já que nessas culturas religiosas o lugar de morada dos 
deuses e dos ancestrais é a terra e não o céu. A mesma terra para 
onde irão as pessoas mais importantes da religião quando pas-
sarem pela experiência da morte física. Essa relação com a terra 
pode ser percebida através de muitos rituais dessas religiões, sen-
do que o ato de dormir sobre uma esteira, com o umbigo – nossa 
primeira “boca” – sobre a terra, é um dos principais símbolos. 
É sobre uma esteira no chão, portanto em contato com a 
terra, que as pessoas comem durante períodos de ritualização, 
demonstrando, novamente a importante relação existente entre 
o ato de comer e a ligação com a terra e com os ancestrais que a 
habitam. Ou seja, “viemos e iremos para o mesmo lugar de onde 
vem os alimentos, por isso estamos tão conectados com eles e 
principalmente com o alimento bom e natural”, assim pensam as 
daquelas produzidas em contextos rituais muçulmanos e judaicos apenas revelam 
o racismo à brasileira que tende a depreciar tudo que é de origem africana e su-
pervalorizar tudo o que provém de outras culturas tidas como superiores, como 
é o caso da cultura judaica no contexto brasileiro. 
5 Ritual de sacralização da cabeça física da pessoa, no qual tanto a cabeça quanto 
os objetos sagrados e toda a comunidade presente (inclusive a pessoa que se 
submete ao rito) são alimentados com as mesmas comidas e frutas que compõem 
a mesa sagrada. 
34
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
pessoas de candomblé. Os ancestrais vêm do mesmo lugar de 
onde vem os alimentos. Por isso cultuá-los é alimentá-los. E é 
alimentando-os que as pessoas de candomblé se conectam com 
eles. Como essa conexão poderia ser feita através de alimentos 
industrializados e ultraprocessados? Nesse sentido, os terreiros 
de candomblé – e a cozinha mais especificamente – têm muito o 
que ensinar às escolas. E a Lei 10.639/03 pode ser o canal pelo 
qual essa troca de saberes pode acontecer. 
É comum ver, por exemplo, nas cozinhas dos terreiros 
– que muitas vezes mais parecem laboratórios -, a presença de 
crianças que observam as pessoas mais velhas prepararem os ali-
mentos, enquanto provam frutas que sempre estão ao alcance da 
mão. Em terreiros de candomblé o alimento é algo que deve estar 
à disposição de todos, principalmente das crianças que a eles tem 
livre acesso. 
As cores, texturas e sabores dos alimentos naturais são, por-
tanto, uma constante na paisagem religiosa do terreiro. Com isso, 
as crianças já crescem sabendo de onde vem e para onde vão os 
alimentos que elas comem. Crianças de terreiro nunca são alie-
nadas quanto à origem dos alimentos que ingerem. Sabem muito 
bem de onde vem a carne que comem. Assim como sabem de 
onde vêm as frutas e legumes que ingerem. A mesma coisa pode 
ser dita de crianças de outras culturas religiosas que vivem em 
grandes metrópoles? Isso quer dizer que a cozinha do terreiro 
também pode ser considerada uma escola, no que se refere à 
consciência alimentar das crianças que por ela transitam. Por que 
então a escola convencional não poderia se tornar uma cozinha 
por ocasião da implementação da Lei 10.639/03? Mas como isso 
seria possível? 
... a sala de aula também pode virar cozinha
No livro Da diáspora: identidades e mediações culturais (HALL, 
2018, p. 373), ao discutir a chamada “cultura popular negra” nos 
EUA, Stuart Hall problematiza uma questão muito profunda e 
35
A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
comum em quaisquer estudos sobre culturas diaspóricas ao lan-
çar a seguinte questão:“Que ‘negro’ é esse na cultura negra?”. 
Sem me impor a obrigação de reconstituir o raciocínio de Hall 
naquele texto, digo apenas que, ao reconhecer que toda cultura 
diaspórica é híbrida e combater qualquer forma de essencialis-
mos, Hall termina por admitir que aqueles elementos geralmente 
apontados como negros na cultura popular negra estadunidense 
muitas vezes são elementos resultantes de apropriações e reapro-
priações de diferentes cultuas que nos espaços metropolitanos se 
misturam e combinam. Sabemos que as culturas afro-brasileiras 
também são resultantes de processos diaspóricos. Ora, quando a 
Lei 10.639/03 afirma que: 
Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, 
oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre 
História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo pro-
gramático a que se refere o caput deste artigo incluirá o 
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos ne-
gros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na for-
mação da sociedade nacional, resgatando a contribuição 
do povo negro nas áreas social, econômica e política per-
tinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes 
à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no 
âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas 
de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. 
(BRASÍLIA, 2003. Grifos meus). 
Chama-nos a atenção as expressões “Cultura Afro-Brasi-
leira” e“Cultura negra”. Aqui poderíamos, como Stuart Hall, nos 
interrogar: que “cultura” é essa à qual a lei se refere e chama 
de “afro-brasileira” e de “negra”? Indiscutivelmente, tanto o can-
domblé como a chamada “cozinha baiana” (ou “do azeite” ou ain-
da “do dendê”), como diria Vivaldo da Costa Lima, sempre são 
associadas à herança cultural africana no Brasil. Nesse sentido, 
compartilho a opinião de que estudar a cultura afro-brasileira ou 
negra passa, necessariamente, pelo estudo das religiões afro-bra-
sileiras – da qual o candomblé é uma importante expressão – e 
das culturas alimentares dos terreiros. 
36
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
Contudo, a arrogância típica da escola, cuja origem é oci-
dental e europeia, como todos sabemos, tem impedido que as 
cozinhas dos terreiros sejam espaços de disseminação de saberes 
significativos que venham a compor o currículo da educação bási-
ca. O atual processo de pentecostalização do magistério da educa-
ção básica no Brasil, conforme expressão que eu já havia utilizado 
no livro Entre ataques e atabaques: intolerância religiosa e racismo nas 
escolas (ARAÚJO, 2017, p. 127), tem dificultado ainda mais esse 
diálogo possível e necessário. 
Há, portanto, que explicar para a escola que terreiro tam-
bém é lugar de produção de conhecimento e que cozinha de 
terreiro também tem muito o que ensinar às crianças e jovens 
brasileiros em idade escolar. Mas, como isso poderia se efetivar na 
prática? Alguns caminhos possíveis são os seguintes: (i) A dimen-
são ecológica e sustentável das culturas alimentares dos terreiros 
poderia ser enfatizada através de atividades que colocassem as 
turmas em contato direto com hortas, pomares e espaços de cria-
ção de animais. Caso fosse possível contar com a colaboração de 
um sacerdote ou sacerdotisa nessas incursões, seria ainda melhor, 
já que essa aproximação poderia desconstruir medos, desconfian-
ças e estereótipos construídos por discursos e práticas racistas e 
preconceituosas; (ii) A dimensão da comunicação e da barganha 
(atributos de Èsù Oloojá) poderiam ser trabalhados através de 
uma visita à uma feira-livre ou mercado de alimentos, sempre ex-
plicando a profunda relação entre as expressões afro-religiosas e 
o mercado; (iii) A dimensão da cooperação, da vida comunitária, 
do cuidado e da nutrição poderiam ser enfatizados através de 
uma oficina de produção de alimentos que poderia acontecer em 
uma cozinha instalada em numa sala de aula adaptada, sempre 
com a supervisão de professores e tomadas todas as precauções 
e cuidados para prevenir acidentes. Novamente a supervisão de 
uma ialorixá ou de um babalorixá poderia enriquecer sobrema-
neira a aula, a fim de explicar a relação entre os insumos, as co-
midas e as divindades; (iv) A dimensão das origens africanas das 
comidas e das formas de comer poderia ser enfatizada através do 
37
A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
uso de esteira, utensílios utilizados para servir a comida e formas 
de comer. 
Essas são apenas algumas das muitas estratégias pedagó-
gicas que poderiam ser adotadas a fim de aproximar os estudan-
tes dos conteúdos próprios de uma cozinha de terreiro no seu 
diálogo com a escola. Ao realizar essas atividades, os professo-
res e professoras estariam trabalhando múltiplas habilidades e 
competências dos estudantes, além de desconstruir preconceitos 
e estereótipos. 
Naturalmente, reconhecemos as muitas limitações que di-
ficultam a realização deste tipo de atividade. A inexistência de 
recursos financeiros para deslocar a turma e adquirir os insumos 
é apenas uma delas. E, mesmo sabendo que isso poderia ser con-
tornado através de iniciativas de cotação, “rateamento”, “vaqui-
nhas” e outras estratégias – já que temos notícias de iniciativas 
desse tipo para realizar atividades parecidas e com outras temáti-
cas – acredito que a maior dificuldade realmente seria o racismo 
e a intolerância de pais cristãos e fundamentalistas que poderiam 
ver nessas atividades contaminação religiosa ou espiritual de seus 
filhos, por parte de professores que estariam forçando seus filhos 
a comerem “comida do diabo”. Alguém tem dúvida de que esse 
tipo de alegação poderia surgir? Contudo, ao deixar de promover 
esse tipo de atividade, a escola deixa de aprender muita coisa com 
os terreiros. Até porque, numa atividade assim podemos identi-
ficar, entre muitos outros saberes, economia, química, física, bio-
logia, história, geografia, etc. Isso só comprova que, no caso dos 
saberes oriundos das cozinhas dos terreiros, alimento é bom para 
pensar diferentes aspectos da vida social e cultural dos povos, 
para retomar a expressão do antropólogo Claude Lévi-Strauss. 
Trabalhar os conteúdos da Lei 10.639/03 pode, portanto, 
ser através de estudos sobre alimentação em terreiro. Mesmo que 
a escola não admita isso e continue achando que terreiro não é 
lugar de aprender ou que das cozinhas dos terreiros não posa vir 
nada que se possa ensinar. 
38
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
Conclusão
Desde que a Lei Federal 10.639/03 foi aprovada travou-
-se no Brasil um embate no sentido de assegurar que na educa-
ção básica a história e culturas africanas e afro-brasileiras pas-
sassem a compor o currículo da educação básica. Tanto aqueles 
que buscam implementá-la quanto aqueles que teorizam sobre 
ela sempre se depararam com dificuldades no que se refere à sua 
implementação. Uma das principais dificuldades é justamente o 
racismo existente na sociedade brasileira que reluta em admitir 
a importante contribuição civilizacional dos povos africanos para 
a construção do povo e da cultura brasileira. Esse mesmo racis-
mo, muitas vezes disfarçado de boa vontade, levou professores e 
teóricos da educação a alegarem inexistência de material para se 
trabalhar as temáticas.
A insistência em não reconhecer os saberes dos povos tra-
dicionais negros (quilombos, terreiros etc.) como saberes signi-
ficativos, fez com que uma vasta diversidade de conhecimentos 
fosse relegada à categoria de exotismos e deixada à margem dos 
currículos escolares. Quando se fala da herança cultural africana 
inerente às práticas e culturas alimentares dos terreiros, estamos 
diante de um potencial campo de troca de saberes que muito 
poderia contribuir para a implementação da Lei 10.639/03. Con-
tudo, se a resistência às religiões afro-brasileiras já é grande, por 
parte dos setores sociais racistas, a resistência às comidas de ter-
reiro são ainda maiores já que, na mentalidade de muitagente 
ainda vigora a lógica da incorporação, segundo a qual “somos 
aquilo que comemos” e, portanto, comer “comidas enfeitiçadas” 
pode enfeitiçar a quem come. 
Comer as comidas do outro, de certa forma nos faz parte 
dele e, de acordo com uma mentalidade racista, o medo ou a 
aversão ao negro faz com que se evite ou mesmo se tema a pos-
sibilidade, por mais remota que seja, de ser parecido ou igual a 
ele. É nesse sentido que o racista evita comer a comida de terreiro 
já que, para ele, “comida de macumba é perigosa”. Eu mesmo, 
39
A COZINHA E A SALA DE AULA COMO LUGARES DE COMER E DE SABER: 
UM DIÁLOGO ENTRE A LEI 10.639/03 E A GASTRONOMIA DOS TERREIROS
quando atuei como professor de educação básica em Taboão da 
Serra – SP, já presenciei situações em que professores explicavam 
a origem do comportamento de uma aluna tida como indiscipli-
nada pelo fato de ela ter revelado “comer comida de macumba”. 
Ao propor neste artigo uma troca de saberes entre a sala 
de aula e as cozinhas de terreiro, tenho consciência dos limites 
desse desafio. Conhecer os saberes envolvidos nas cozinhas dos 
deuses afro-brasileiros é colocar diante do brasileiro racista típi-
co um espelho que desfaz seus pré-conceitos e expõe as belezas 
e valores de um povo até hoje tido como suspeito e perigoso. 
Aprender a preparar e comer sua comida pode representar a su-
peração de suspeitas infundadas e, portanto, constitui uma forma 
de combater o racismo introjetado e naturalizado nos sujeitos e 
nas instituições. Falar de comida, nesse caso, é combater o racis-
mo e promover uma educação mais equitativa. Foi sobre isso que 
eu quis falar neste artigo, ao propor estratégias pedagógicas que 
aproximem a Lei 10.639/03 da gastronomia dos terreiros. Não 
tenho certeza se um dia isso será colocado em prática. Contudo, 
se o for, tenho certeza de que os envolvidos sairão dessa experi-
ência menos racistas e, com certeza, bem alimentados e nutridos. 
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plinares em educação das relações étnico-raciais. LIMA, Ivan Cos-
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v. 2, n. 4, jul./dez. 2018 – Acarape: Imprece, 2019. p. 73-87. 
40
PATRÍCIO CARNEIRO ARAÚJO
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2009. 230p.
ORIXÁS NO ESPAÇO PÚBLICO: O 
DEBATE EM TORNO DA LAICIDADE 
NA PROPAGANDA POLÍTICA DE UM 
PASTOR-CANDIDATO 
Emanuel Freitas da Silva
Doutor em Sociologia (UFC), Professor Assistente de Teoria Política e do Programa de 
Pós-Graduação em Sociologia (UECE). Contato: emanuel.freitas@uece.br
RESUMO
A problemática da laicidade, entendida grosso modo como a não-presença 
da religião no espaço público, acompanha tanto os estudos sobre religião e 
Estado no Brasil como a persistente mobilização de atores do campo religioso 
na defesa dos interesses de sua pertença. O presente artigo acrescenta uma 
problemática a mais no conjunto de tais estudos, versando sobre a plataforma 
política de um pastor baiano quando de sua candidatura a deputado federal, 
em 2014. Elionai Muralha diferenciou-se de outros candidatos religiosos ao 
defender a retirada, e não a maior participação, da religião na esfera pública. 
Por meio do que considerava ser uma “denúncia” da reiterada exposição 
do “povo da Bahia” às imagens de orixás nas vis públicas de Salvador, 
Muralha buscava legitimar-se como um fiador da modernidade laicizante, e 
não da intolerância religiosa, apregoando uma defesa do estado laico. Nossa 
problemática, assim, é a seguinte: a partir de que elementos um ator do 
campo religioso busca legitimar-se com uma plataforma política encenada 
como laicizante? Como metodologia, utilizamo-nos da análise de conteúdo 
dos vídeos postados nas redes sociais do candidato, sobretudo em seu canal 
no YouTube. 
Palavras-chave: Laicidade. Cultura religiosa. Religião e espaço público.
ORIXÁS IN PUBLIC SPACE: THE DEBATE AROUND LAYITY IN A 
PASTOR CANDIDATE’S POLICY ADVERTISEMENT
ABSTRACT
The problem of secularism, broadly understood as the non-presence of 
religion in the public space, accompanies both studies on religion and 
state in Brazil and the persistent mobilization of religious actors in the 
defense of their interests. This article adds an additional problem in the 
set of such studies, dealing with the political platform of a Bahian pastor 
when he applied for federal deputy in 2014. ElionaiMuralha differed from 
other religious candidates in advocating the withdrawal, and not the largest 
participation of religion in the public sphere. Through what he considered 
to be a “denunciation” of the repeated exposure of the “people of Bahia” to 
the images of orishas in Salvador’s public vis, Muralha sought to legitimize 
himself as a guarantor of laicizing modernity, and not of religious intolerance, 
preaching a defense. of the secular state. Our problem, therefore, is as follows: 
from which elements does an actor from the religious field seek to legitimize 
himself with a political platform staged as a laicizer? As a methodology, we 
use content analysis of videos posted on the candidate’s social networks, 
especially on their YouTube channel.
Keywords: Laity. Religious culture Religion and public space.
43
ORIXÁS NO ESPAÇO PÚBLICO: 
O DEBATE EM TORNO DA LAICIDADE NA PROPAGANDA POLÍTICA DE UM PASTOR-CANDIDATO 
INTRODUÇÃO
A disputa eleitoral de 2014, sem dúvida alguma a mais 
concorrida1 desde a redemocratização brasileira ocorrida no final 
dos anos 80, reposicionou atores sociais, até então esquivados 
do jogo político, dentro da disputa em curso, exigindo destas to-
madas de posição mais precisas com relação aos rumos do pro-
cesso eleitoral. Dentre estes, podemos destacar atores do campo 
religioso que, desde os anos 80, têm tomado parte nos diversos 
processos eleitorais. Nesse sentido, a atuação deliberada de atores 
do campo religioso na política eleitoral nos permite compreender 
o ativismo religioso conservador que, caucionado numa visão ne-
gativa da política brasileira, vai mobilizando-se na perspectiva de 
construção de uma nova cultura política no país, crente no “dever 
moral”de interferir nos rumos das disputas.
Durante as eleições de 2014, no conjunto das candidatu-
ras ao Legislativo por parte de lideranças religiosas, em especial 
evangélicas, uma campanha em particular despertou bastante nos-
sa atenção: a do pastor Elionai Muralha. Baiano, negro, natural da 
cidade de Lauro de Freitas, candidatou-se ao cargo de deputado 
federal pelo estado da Bahia. Filiado ao Partido da Renovação 
Trabalhista Brasileiro (PRTB), pela coligação por uma Bahia livre e 
justa, com o Partido Ecológico Nacional (PEN), de estreita ligação 
com a Igreja Assembleia de Deus, Elionai obteve apenas 444 vo-
1 Disputaram tal eleição: Dilma Rousseff (PT, candidata à reeleição), Aécio Neves 
(PSDB), Marina Silva (PSB, que substituiu Eduardo Campos, morto em acidente 
aéreo), Pastor Everaldo (PSC), Luciana Genro (PSOL), Levy Fidelix (PRTB), 
Eduardo Jorge (PV), Zé Maria (PSTU), José Eymael (PSDC) e Mauro Iasi (PCB) 
e Rui Costa (PCO). Dilma e Aécio receberam no primeiro turno, respectivamen-
te, 42 e 33% dos votos válidos, saindo-se a petista vencedora no segundo turno 
com uma ligeira margem de vantagem: 52% dos votos válidos, contra 48% de 
votos conferidos a seu opositor, margem de vitória bastante diminuta em relação 
aos pleitos presidenciais anteriores. (Dados do TSE).
44
EMANUEL FREITAS DA SILVA
tos (0,001% do total de votos válidos na Bahia, ficando colocado 
no 202ª lugar). 
Mas, qual a importância de proceder-se com uma análise de 
sua candidatura? Que elementos ímpares deram a ela um relevo 
diferencial do que tem sido a plataforma de outras candidaturas 
de atores do campo religioso (evangélico)? Compreendemos que 
a dimensão cultural das práticas e dos discursos fornecem ele-
mentos por demais ricos para a análise sociológica, em especial 
por produzirem e reproduzirem os elos de ligação entre os su-
jeitos sociais, mas também por portarem importantes elementos 
de conflito, uma vez que olhar para as formas como a “cultura” 
é apresentada ou referenciada aponta importantes maneiras de 
perceber o “social”.
Por esse motivo foi que nos decidimos por analisar a cam-
panha do referido candidato. Apresentando-se com o slogan 
 “#pelatransposiçaodosorixás”, Muralha valeu-se, durante a campa-
nha, da utilização de vídeos curtos, postados no canal Youtube, nos 
quais ele era mostrado deslocando-se por lugares importantes da 
cidade de Salvador: Dique do Tororó, Correio da Pituba e Praia 
de Itapuã; a escolha dos lugares, ao que parece, foi devidamente 
pensada para aquilo que seria sua plataforma: a retirada – a que 
ele nomeava de “transposição” – de imagens/monumentos de di-
vindades cultuadas nas religiões de matrizes africanas, os orixás. 
Denunciando aquilo que nomeava como uma “exposição permanen-
te do povo da Bahia” a objetos de culto afro, “disfarçados de obra de 
arte”, em prédios de órgãos públicos ou em vias públicas, o que se 
constituía como uma “afronta aos ideais de um Estado Laico”, o pas-
tor-candidato buscava legitimar-se como um candidato para além 
da religião, se assim podemos dizer, não elencando os valores 
do cristianismo (pois não falava dos orixás como “demônios”2) 
mas os valores da própria Modernidade, que tem como um dos 
seus pilares, exatamente, a laicidade. Não eram, pois, os valores 
cristãos que a “constante exposição” do povo da Bahia, segundo 
2 O que é feito, por exemplo, por outros sujeitos do campo religioso, como Ma-
cedo (1997) e Abib (2000).
45
ORIXÁS NO ESPAÇO PÚBLICO: 
O DEBATE EM TORNO DA LAICIDADE NA PROPAGANDA POLÍTICA DE UM PASTOR-CANDIDATO 
seu discurso, afrontava-se, mas à própria laicidade do Estado; um 
discurso, portanto, que buscava legitimar-se como s ecularizante3.
 Assim, sua promessa maior, senão a única, enquanto candi-
dato era fazer a “transposição das imagens dos orixás para os terreiros”. 
Em outras palavras, o pastor-candidato prometia a seu eleitorado 
devolver a religião (aquela religião representada pelas imagens dos 
Orixás) a um espaço que era o seu, o espaço privado dos terreiros, 
retirando-a, assim, do espaço público onde, segundo repetira inú-
meras vezes, permanecia inadvertidamente impondo-se ao “povo 
da Bahia”. 
Foi assim que, analisando os vídeos pelos quais se apresen-
tava ao eleitor baiano e fazia com que este conhecesse melhor sua 
plataforma de campanha, fomos percebendo duas particularida-
des importantes: 1) Elionai partia de uma premissa que o diferen-
ciava, ao menos nos termos em que se davam seus enunciados, 
de outras candidaturas de pastores ou mesmo de outras relações 
traçadas entre religião e política no Brasil contemporâneo; é que 
sua “denúncia” pretendia apresentar-se em termos “culturais”; era 
uma “cultura” – a do “povo baiano” - que servia como “disfar-
ce” a uma exposição permanente de objetos sagrados de uma 
religião, o Candomblé, que o pastor estava a denunciar, e sua 
denúncia não se dava em termos religiosos ou espirituais, mas em 
termos culturais e mesmo elencando valores tidos como próprios 
da “Modernidade”, conforme salientamos anteriormente; 2) era 
a primeira vez que observávamos um ator do campo religioso 
buscar legitimar-se como candidato elencando a necessidade de 
“retirada” (transposição) de uma religião (que não era a sua, re-
force-se isso) do espaço público e defender os ideais da laicidade 
do Estado, e não uma maior presença da religião no espaço públi-
co, como o fazem outros atores desse mesmo campo.
Partindo do ponto de vista do ator social em questão, pas-
3 O presente texto não tem como objetivo apresentar uma discussão acerca da 
laicidade. Para tanto, o leitor pode conferir as análises de Camurça (2017), Gium-
belli (2013), Mariano (2011) e Souza (2017). 
46
EMANUEL FREITAS DA SILVA
tor Elionai Muralha, pusemos como objetivo desse texto com-
preender a linguagem por ele utilizada para levar adiante sua 
postulação ao cargo de deputado federal pelo estado da Bahia, a 
partir de um deslocamento na sua posição de fala: a fachada, para 
pensar nos termos de Goffman (2011), não parecia ser construída 
a partir de elementos discursivos próprios ao campo da religião, 
mas a partir de um léxico advindo do campo da Modernidade, 
encenando uma defesa do Estado Laico e da liberdade religiosa a 
partir da denúncia da presença dominante de elementos sagrados 
das religiões de matrizes africanas – as imagens dos Orixás – nos 
diversos espaços públicos da cidade de Salvador.
Em vez de uma eleição pautada por uma lógica espiritual, 
por uma disputa entre “os eleitos de Deus” e os “outros”, ali está-
vamos diante de uma candidatura que nos remetia à problemática 
da laicidade do Estado, da necessidade de se assegurar o devi-
do respeito a esta, deslocando a religião para o espaço privado4. 
Isso porque, ao que parece, o enfrentamento proposto por Elionai 
era “cultural”, uma vez que encarar a presença em massa de ele-
mentos religiosos próprios aos credos afro-brasileiros nas ruas de 
Salvador como “obra de arte” era algo próprio ao mundo cultural 
soteropolitano, e era essa evidência, essa naturalização da presen-
ça desses símbolos religiosos, que o candidato estava a denunciar 
nos vídeos reproduzidos na internet. 
Assim sendo, o objetivo desse artigo é analisar os argu-
mentos postos em circulação pelo pastor-candidato, identificando 
os mecanismos pelos quais buscou legitimar-se como um religio-
so-candidato que apresentava-se como candidato-não-religioso, 
distinguindo-se em meio a um universo cada vez mais numeroso 
de outros religioso candidatos nas eleições brasileiras, sobretudo 
para o Legislativo. Como metodologia, utilizamo-nos da análise 
de conteúdo dos vídeos postados nas redes sociais do candidato, 
4 Embora saibamos que, hoje, tal perspectiva que identificou modernidade com 
secularização (ausência da religião na esfera pública ou mesmo seu recrudesci-
mento na vida social) já tenha sido superada na análise sociológica mais recente, 
como encontramos nas primorosas análises de Berger (2017, 2001, 1973). 
47
ORIXÁS NO ESPAÇO

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