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Instagram: @adeildo.oliveira E-mail: ad.direitoch@gmail.com Advogado e Professor. Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Christus (UniChristus). Historiador licenciado pleno pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 2008, professor de vários cursos preparatórios para concursos em Fortaleza. Palestrante e pesquisador nas áreas de Direito Constitucional, Democracia, Teoria do Estado e Teoria da Decisão Judicial. Autor de vários artigos acadêmicos e de opinião em Direito e em História. Aprovado no Concurso de Consultor Técnico Legislativo da Câmara Municipal de Fortaleza (2019). Prof. Adeildo Oliveira APOSTILA PRODUZIDA EM CO-AUTORA COM O PROFESSOR JOÃO PAULO CLÁUDIO ALMEIDA. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. PROIBIDA A REPRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA. HISTÓRIA DO CEARÁ. 1. O período colonial: a ocupação do território: disputas entre nativos e portugueses; acesso à terra: sesmarias e a economia pecuária. 2. O período imperial: o Ceará na Confederação do Equador; importância da economia do algodão; a escravidão negra no Ceará. 3. O Ceará e a “República Velha”: a política oligárquica: coronelismo e clientelismo; movimentos sociais religiosos e “banditismo”; 4. O período 1930/ 1964: o Ceará durante o Estado-Novo; repercussões da redemocratização; “indústria da seca”: DNOCS e SUDENE. 5. Os governos militares e o “novo” coronelismo; a “modernização conservadora”. 6. A “nova” República: os “governos das mudanças”. 01 PARTE I CONTEXTO GERAL DA COLONIZAÇÃO O processo de ocupação das terras brasílicas se deu no âmbito da expansão marítima, objetivando, em primeira instância, o lucrativo comércio das especiarias asiáticas. Portugal se encontrava, literalmente, no século dos descobrimentos (1450-1550), em que começou a construir seu Império Ultramarino, englobando e interligando pontos do Oriente (Índias) e da África ocidental e oriental num primeiro momento; já num segundo momento, acrescentando sua colônia americana, o Brasil, a esse “Mercado Atlântico”. Era época da Contra-Reforma, momento no qual a cruz de cristo suplantava, em muitos momentos, o poder temporal da espada do homem. O CEARÁ COLONIAL 1. OCUPAÇÃO DO ESPAÇO CEARENSE Em 1534, o reino português – buscando efetivar a colonização do território brasileiro – resolveu dividir sua colônia em faixas territoriais que seriam entregues aos donatários. A Capitania do Siará Grande foi entregue à Antônio Cardozo de Barros, porém, este donatário não se preocupou em colonizá-la, pois o Ceará não oferecia riquezas o bastante. Capitanias Hereditárias Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 http://www.instagram.com/adeildo.oliveira mailto:ad.direitoch@gmail.com https://www.facebook.com/adeildo.oliveira.3 A ocupação do espaço cearense se deu de forma tardia, começando apenas no século XVII, tendo como objetivos a criação de postos militares avançados (motivos geoestratégicos) para combater e expulsar os estrangeiros, além de desenvolver atividades econômicas que viabilizassem a colonização portuguesa. A primeira expedição foi realizada em 1603, tendo a frente Pero Coelho. Saindo da Paraíba, Coelho tinha como objetivo central implementar a expulsão dos estrangeiros, especialmente franceses, que estavam catequizando e/ou comercializando com os “índios” de várias localidades da Capitania do Siará Grande, sobretudo, da Serra da Ibiapaba. O explorador luso entrou num embate acirrado, eliminando não apenas muitos franceses, mas também muitas tribos indígenas que se aliaram aos franceses. Os combates fragilizaram as tropas portuguesas, sendo necessária uma retirada estratégica. Assim, ficou acertada a construção de uma fortificação que servisse de suporte para as tropas de Coelho, bem como para navios portugueses que passassem pela capitania. Esta fortificação foi denominada Forte de São Tiago; porém, os constantes conflitos contra os autóctones, a falta de investimentos por parte da Coroa e as secas contribuíram decisivamente para a retirada de Pero Coelho, que construiu outro forte às margens do Rio Jaguaribe, o Forte de São Lourenço. Esse forte foi abandonado pouco tempo depois devido a motivos de mesma ordem do abandono da primeira fortificação. A segunda expedição colonizadora se deu com os padres Francisco Pinto e Luiz Figueiras. Nesse momento, a utilização de religiosos tinha como finalidade expandir o processo catequizador, e, desta forma, “facilitar” o controle do colonizador português sobre a Capitania do Siará Grande. Entretanto, os massacres realizados por Pero Coelho deixaram os indígenas avessos à presença do homem branco, sendo o reduto criado pelos religiosos atacado pelos índios Tacarijus (1608). Francisco Pinto foi morto, já Luiz Figueiras fugiu, criando às margens do rio Ceará o Aldeamento de São Lourenço. Os ataques feitos ao aldeamento, somados aos poucos investimentos realizados pela Coroa, acrescidos dos momentos de seca contribuíram para a retirada do religioso. Luiz Figueira, tempos depois, escreveu a “Relação do Maranhão”, o primeiro texto sobre o Ceará. O religioso morreu posteriormente (1643), vítima de antropofagia realizada pelos índios Aruãs, da Ilha de Marajó. A terceira expedição (1609) foi comandada por Martim Soares Moreno (eternizado no romance Iracema), que fora soldado de Pero Coelho na primeira tentativa colonizadora. Martim foi considerado, por muito tempo, o fundador do Ceará (“mito fundador”), porém tal intento não pode ser atribuído à uma única pessoa, pois o Ceará foi se construindo com o passar dos séculos, e de forma coletiva. Martim fez construir, às margens do rio Ceará, o Forte de São Sebastião (homenagem ao rei português que desapareceu no norte da África lutando contra os “infiéis”). Era a época da União Ibérica (1580-1640) e, cada vez mais, franceses e holandeses invadiam o território brasileiro. Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 Forte de São Sebastião, na Barra do Ceará. Em 1613, Soares Moreno fora combater os franceses que invadiram o Maranhão. Já em 1619, a Coroa ibérica o condecorou por dez anos com o posto de capitão-mor do Ceará. No ano de 1621, Martim voltou ao Ceará, mas, a falta de recursos e o descaso da Coroa acarretaram a sua retirada no ano de 1631. Martim terminou sua vida em Portugal, numa condição social não muito boa. Após as primeiras tentativas colonizadoras dos lusos, Fortaleza continua com seu modesto desenvolvimento como sede administrativa local, posto que entre 1621 e 1656 o Ceará ficasse sob jurisdição do estado do Maranhão. Nesse ínterim, o nordeste brasileiro é invadido pelos holandeses que, devido a União Ibérica (1580- 1640), tomam a região de Salvador, na Bahia (1624-25), e após a sua expulsão, retornam e conseguem controlar a capitanias de Pernambuco, no intuito de manter o acesso aos lucros advindos com o comércio do açúcar brasileiro. Nesse contexto, a região de Fortaleza se apresenta, mais uma vez, como ponto estratégico-militar, não mais para os portugueses, mas para os invasores flamengos (holandeses) que visavam o seu domínio sobre Pernambuco e também com o intuito de explorar economicamente a região, posto que na época, existiam boatos sobre a existência de minas de prata no Ceará, além de explorar o sal e âmbar. 2. INVASÕES HOLANDESAS Os primeiros holandeses vieram para o Ceará, em 1637, comandado por George Gartsman e, com apoio de indígenas locais revoltados contra os lusos devido às suas atrocidades, tomaram o forte de São Sebastião e iniciaram o primeiro período de domínio flamengo no Siará (1637-44). Neste meio tempo, enfrentando os mesmos problemas encarados pelos portugueses, solo ruim, clima árido, os holandeses procuram explorar o sal, o âmbar, desenvolvera cana- de-açúcar e procuram metais, sem sucesso. Paralelamente, as relações sociais com os indígenas locais complicavam-se, posto que os holandeses não se distinguissem muito dos portugueses no trato com os ameríndios. Oprimidos e explorados, os indígenas se revoltaram contra o domínio flamengo e os expulsaram do território em 1644. Acabava temporariamente o domínio holandês no Ceará. Em 1649, mais uma expedição holandesa se dirigiu para o Ceará em busca de rendas para a manutenção do controle sobre Pernambuco, mais uma vez, o local escolhido para sediar a administração foi o espaço, hoje, fortalezense, mais precisamente na colina Marajaitiba, atual 10ª Região Militar. Na época, os holandeses fundaram um forte militar que recebeu o nome do então governador flamengo (Shonenboch). Ali, permaneceram até 1654 enfrentando secas (1651-54), ataques de índios e falta de mantimentos. Com o fim do domínio holandês em 1654, quando os mesmos saíram do Brasil e foram concorrer com a lavoura açucareira produzindo açúcar mais barato, nas Antilhas, os portugueses retornaram ao espaço cearense e, com Álvaro de Azevedo Barreto como capitão-mor, reiniciaram a colonização renomeando o forte de Shonenboch para Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, hoje padroeira da cidade. A partir de então, a região passa a se chamar Fortaleza, ainda sem a condição de Vila, o que quer dizer que não possuía autonomia administrativa. Em 1656 o Ceará sai da jurisdição do Maranhão e passa para o controle de Pernambuco, permanecendo nessa condição até 1799, quando consegue autonomia administrativa, principalmente, devido a prosperidade auferida com os lucros advindos do comércio do algodão que havia se expandido a partir da segunda metade do século XVIII no Ceará. 3. ADMINISTRAÇÃO COLONIAL Em fins do século XVII e início do XVIII, devido aos pedidos constantes da incipiente elite local, o Rei português D. Pedro II, com a Ordem Régia de 13 de fevereiro de 1699 autoriza a construção de uma Vila (município) no Ceará. Vale ressaltar que esses pedidos da fraca elite local, eram realizados por causa das constantes arbitrariedades cometidas pelos capitães-mores locais. Naquele Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 momento, a condição de Vila trazia consigo uma autonomia administrativa com a fundação de uma Câmara Municipal que serviria como forma de defesa contra os desmandos dos capitães-mores. Segundo Raimundo Girão, “Eram estas Câmaras corporações escolhidas trienalmente e tocava-lhes regular as feiras e mercados, assim como o trânsito, gerar os bens do consumo (localidade) e as suas receitas, construir, reparar e conservar estradas, pontes e calçadas, arborizar e limpar as ruas e praças, levantar edifícios... e além doutras, ter livre a faculdade de representar contra as autoridades aos respectivos superiores e até ao Rei.” (Raimundo Girão. In: Pequena História do Ceará. Ed. UFC, 1984. v.1 p.106. Coleção Estudos Cearenses). Porém, junto com a Ordem Régia veio um problema, pois não se estabelecia o lugar exato onde deveria ser exigido o pelourinho que, na época, era símbolo da autonomia municipal. A partir de então se inicia uma disputa entre as autoridades civis e eclesiásticas, sediadas no forte de Nossa Senhora da Assunção e a elite dos fazendeiros locais, sediados no povoado do Iguape, hoje Aquiraz. Ambas as partes almejavam o posto de Vila, mas só uma seria beneficiada por aquela Ordem Régia. Inicialmente, a câmara foi instalada no Iguape, em janeiro de 1700, sob a alegação de que lá era mais conveniente por causa de suas “terras férteis, aráveis, abundância em água”. Contudo, devido à determinação do governador de Pernambuco, então com jurisprudência sobre o Ceará, a Vila foi transferida para o fortim de N. S. da Assunção, onde permanece entre 25 de maio de 1700 e 1702. Neste ano, devido às disputas entre autoridades e elites, a Vila é deslocada para o antigo forte de São Sebastião, na barra do rio Ceará. Em 1706, a Vila retorna para o forte, permanecendo ali até 1710. Após vários reclames os fazendeiros locais conseguiram que a Vila fosse instalada, em definitivo, no Aquiraz (1713). Mesmo com a consolidação da Vila em Aquiraz, a cidade não garantiu uma posição hegemônica que neste ano, fora atacada por indígenas que vivenciavam a chamada Guerra dos Bárbaros ou Confederação dos Cariris. Este era um movimento de resistência indígena ao avanço dos colonizadores portugueses com a pecuária, que, à medida que avançava, expulsava os indígenas de seus territórios ou os exterminava. Com este ataque, vários moradores de Aquiraz fugiram para o forte de N. S. da Assunção em busca de proteção. A partir de então a Aldeia do Siará ou Siupé, como era conhecida Fortaleza naquele momento, passou a se sobrepor a Aquiraz. Somente em 13 de abril de 1726 é que Fortaleza vai conseguir a instalação de sua Vila, sendo assim, Fortaleza continuaria sediando a administração local, enquanto que Aquiraz sediaria a ouvidoria (Justiça). Paralelamente às disputas entre as autoridades locais e os membros da elite para sediar a Vila, ocorria à expansão da pecuária pelos sertões cearenses, onde, ligadas à atividade criatória, começavam a se originar futuras cidades que teriam importância mais expressiva que a capital durante o Período Colonial, como Sobral, Icó e Aracati. Esta última seria o principal pólo econômico da capitania durante a colônia, principalmente, por causa das charqueadas ou oficinas que beneficiavam a carne bovina para revendê-las no litoral, gerando mais lucro. Com isso, nos surge uma pergunta: por que Fortaleza sediava a administração se existiam outras localidades mais relevantes economicamente que ela? Segundo a socióloga Maria Auxiliadora Lemenhe, da Universidade Federal do Ceará, existem várias razões para tal fato. Primeiro, o fato de ser em torno do forte que se desenvolve o principal núcleo de povoação da capitania, mesmo que ainda pequeno. Isso exerceu influência sobre o local da Vila porque era uma prática comum da Metrópole portuguesa fundar Vilas onde já existiam povoados. Outra razão se deve ao fato de naquele momento, as Vilas possuírem um caráter “artificial”. Segundo Lemenhe, “tudo indica que, do ponto de vista dos interesses fiscais era indiferentemente que Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 uma primeira Vila fosse assentada junto ao Forte ou nos sertões”. Independente de ser a sede da capitania, Fortaleza continuou até o início século XIX como um centro administrativo que não detinha um grande poder econômico se comparando com Aracati, por exemplo. Não podemos perder de vista que a administração colonial não se faz apenas pela presença de uma Vila, mas também por uma burocracia: • Capitão-mor-governador: possuía as funções militares e administrativas; • Ouvidoria: eram responsáveis pela aplicação das leis. Vilas cearenses: • Camocim Aquiraz (1713); • Fortaleza (1726). 1ª planta de Fortaleza (1726), feita pelo capitão-mor Manuel Francês. • 1 - Forte de Nossa Senhora de Assunção; • 2 - Forca: símbolo da autoridade da Metrópole; • 3 - Casa de Câmara: sede do poder político local; • 4 - Pelourinho: símbolo da emancipação local. 4. OCUPAÇÃO ECONÔMICA No decorrer do século XVII, em especial nas últimas décadas, a colonização lusa que até então era restrita às fortificações litorâneas, começa a adentrar nos sertões cearenses, iniciando a ocupação econômica da Capitania com a pecuária. Com a atividade criatória, o Siará passa a se servir economicamente no projeto colonial português com a função complementar de abastecimento das regiões açucareiras (PE e BA) e depois da mineração. A pecuária traz certa prosperidade para os sertões cearenses e nordestinos, tanto que Capistrano de Abreu nos informa que alise desenvolveu uma “civilização do couro”, devido ao uso intenso e cotidiano do mesmo pelas populações sertanejas. Porém, a positiva prosperidade advinda com a atividade criatória do gado, não se refletiu, da mesma forma, no litoral em torno do forte. Basicamente, Fortaleza permanece com seu modesto desenvolvimento sem grandes transformações. 4.1 Sertão a dentro A ocupação do interior cearense se deu pela pecuária, sendo a economia do gado a responsável pelo povoamento e pela inserção econômica do Ceará na economia colonial. O processo de ocupação seguiu o caminho dos rios, sendo o curso d’água do rio Jaguaribe a via de comunicação e de produção mais importante do Ceará. Vale salientar que muitas “cidades” cearenses nasceram de antigas localidades onde se produziam e/ou se comercializavam o gado. A coroa portuguesa objetivava com a ocupação do interior nordestino efetivar a ocupação e expansão de seu território, além de ampliar a arrecadação de impostos. Desta forma, as primeiras sesmarias (doações de terras) foram dadas aos pecuaristas por volta de 1683 (século XVII) na região do rio Jaguaribe. Assim, num primeiro momento, a economia do gado se desenvolveu com a venda do animal vivo, já no segundo momento a comercialização fora efetivada através do charque. A comercialização do gado vivo era feita, principalmente, na zona da mata, ou seja, na região produtora de cana-de-açúcar nordestina, em especial Pernambuco. O desenvolvimento da pecuária possuiu a seu favor os seguintes fatores: • Terras abundantes; Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 • Presença de rios com trechos perenes; • Presença de pastos; • Sistema de Quarteação (de quatro crias dadas, uma pertenceria ao vaqueiro); • Não era necessário fazer vultuosos investimentos. Por volta de 1720 em Aracati, inicia-se um processo de beneficiamento da carne do animal, o charque. As longas caminhadas empreendidas pelos animais até o local onde eram vendidos acarretavam uma perda do peso do animal, assim seu valor diminuía, além do fato de que no translado o gado poderia ser roubado ou atacado por animais. Assim, resolveu-se abater o gado e beneficiar sua carne. O desenvolvimento do charque proporcionou o surgimento de diversos núcleos urbanos no Ceará, sem falar na ampliação das relações mercantis, inclusive proporcionando a formação de um forte mercado interno. Com o charque houve uma expansão de mercados, sendo incorporados compradores da região de Minas Gerais. Esse mercado foi perdido durante o grave período de secas que assolou o Ceará, destacando-se a seca dos três setes (1777) e também pelo surgimento de um forte núcleo concorrente, o do sul. Devemos ressaltar que Fortaleza não se apresentou como importante núcleo produtor de charque. A localidade que se destacou na produção do charque foi Aracati, sendo considerada o polo econômico do Ceará colonial, estando economicamente acima de Fortaleza, posto que só perderia no Período Imperial por causa de razões políticas e pelo segundo surto do algodão. Foram os seguintes fatores que proporcionaram à Aracati o grande desenvolvimento do charque: • Localização Geográfica, com a presença de um bom porto às margens do rio Jaguaribe; • Ventos constantes; • Grande integração econômica decorrente da experiência criatória e comercial do gado; • Presença de regiões salinas; • Integração com a região pernambucana (muitos comerciantes pernambucanos investiram dinheiro na produção do charque). Além de Aracati, outros núcleos foram formados pelo desenvolvimento do charque cearense: • Camocim; • Granja; • Sobral. Como já foi dito acima, a produção do charque cearense sofreu grandes danos devido às secas que se prolongaram entre 1777-1778 e 1790-1793, não atribuindo apenas ao fator climático a crise da produção, sabemos que o surgimento do sul como concorrente contribuiu para a crise cearense. Contudo, fatores externos favoreceram o surgimento de uma outra atividade lucrativa de suma importância para a economia cearense: a cotonicultura (algodão). Como fator de grande importância para a economia cearense, a 1ª Revolução Industrial, tendo o algodão como matéria-prima, leva a indústria inglesa a ser seu principal consumidor externo. Outro fator foi a Guerra de Independência das Treze Colônias Inglesas, até então principais fornecedoras de algodão. A economia aracatiense se refletiu nas modificações dos hábitos e na arquitetura daquela localidade, como na construção de casarões e sobrados, na importação de produtos de luxo que vinham da Europa, e até mesmo na construção de igrejas. Essa opulência econômica permanece estável até a segunda metade do século XVIII. 4.2 “Quebra do Exclusivismo Pastoril” O século XVIII foi um período de intensas transformações na economia cearense, como a quebra do exclusivismo pastoril. Esse processo está intimamente ligado a Revolução Industrial inglesa e ao processo de Independência das 13 Colônias britânicas, o que muito contribuiu para processo que culminará com a hegemonia de Fortaleza em relação às demais cidades. O primeiro momento importante desse processo foi à expansão da cotonicultura no Brasil (Maranhão, Pernambuco e Rio de Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 Janeiro) e claro, no avanço cearense. Essa expansão se deu ligada ao avanço da Revolução Industrial que desenvolvia na Inglaterra e que, em seu estágio inicial, basicamente estava ligada a indústria de têxteis, onde a matéria-prima básica é o algodão. Porém, na época, o principal fornecedor do algodão para os ingleses, as suas treze colônias (EUA), entraram em processo de independência, o que, com a guerra, desorganizou a produção e reduziu a oferta do algodão no mercado internacional, gerando assim um efeito inflacionário (aumento dos preços) e um consequente estímulo. Neste contexto histórico, o Ceará aparece como um dos focos de expansão e, pela primeira vez, entra em definitivo no mercado internacional como fornecedor de gêneros agrícolas (algodão). Fortaleza, por ser sede da capitania e ao lado do Aracati, possuir um porto de onde eram exportados os produtos locais, começa a ganhar espaço como centro coletor e exportador do algodão local. Essa expansão se deu devido a inúmeros fatores, como o clima quente, qualidade do produto, preço baixo e proximidade do mercado europeu. Vale lembrar que a pecuária não foi deixada de lado, muito pelo contrário, ocorreu o que os historiadores chamam de binômio gado-algodão, ou seja, muitas vezes os produtores além de criarem o gado, também plantavam algodão em parte da sua propriedade. 01.A respeito da história de Fortaleza é correto afirmar que: (GMF/2007) A).em 1649, Fortaleza é elevada a condição de cidade pelo explorador holandês Matias Beck, logo após ter construído o forte Schoonenborch na embocadura do rio Pajeú. B).em 1726, Fortaleza é elevada à condição de cidade pelo português Pero Coelho, logo após a expulsão holandesa. C).em 1823, Fortaleza é elevada pelo Imperador Pedro I à condição de cidade, mais precisamente com o nome de Cidade da Fortaleza da Nova Bragança. D).em 1889, Fortaleza é elevada à condição de cidade, em decorrência da Proclamação da República no Brasil. 02.Sobre o Forte de Nossa Senhora da Assunção é correto afirmar que: A).foi construído por holandeses durante o século XVIII. B).estava planejado no Tratado de Tordesilhas. C).foi o único Forte construído no litoral cearense. D).foi fundado depois da expulsão dos holandeses no século XVII. 03.A primeira capital do Ceará foi: (GMF/2002) A).Sobral. B).Iguatu. C).Aquiraz. D).Camocim. 04.O Farol do Mucuripe, de estilo barroco, foi: A).construído por Matias Beck, em 1649, durante a ocupação holandesa. B).erguido pelos escravos, em 1846,em homenagem à Princesa Isabel. C).reformado em 1884 com o objetivo de incentivar o turismo no Nordeste. D).projetado pelo arquiteto francês George Mounier a pedido de D. João VI. 05.Sobre o processo de ocupação do Ceará, assinale a alternativa correta: A).desenvolveu-se entre o fim do século XVII e o início do XVIII, através da doação de sesmarias, ocupadas sobretudo com a pecuária. B).deu-se a partir do século XVIII, limitando-se ao litoral, sendo utilizadas as terras para a agricultura. C).teve como centro difusor a primeira capital da capitania, a vila de Aracati, fundada no século XVII. D).ocorreu a partir do século XVI, simultaneamente à conquista do litoral açucareiro. 06.A vila de Aracati destacou-se entre as Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 demais vilas cearenses do período colonial por deter a hegemonia da produção de: A).charque. B).pescado. C).algodão. D).açúcar. 07.Marque a alternativa correta sobre a ocupação da capitania do “Siará Grande”, no período colonial: A).foi efetivada, imediatamente, após a conquista do Brasil pelos portugueses. B) foi motivada principalmente pela implementação de fazendas de gado localizadas nas áreas ribeirinhas do sertão. C) foi caracterizada pelo exercício de uma relação amistosa entre os colonos e os povos indígenas. D) teve como motivador econômico preponderante a exploração de minas de prata na região do Cariri. 08.Neste ano de 2003 completam-se 400 anos da ocupação portuguesa do Ceará. Sobre este processo é correto afirmar que a capitania do Ceará: A) foi colonizada por meio da implantação de dezenas de engenhos de açúcar no seu litoral. B) teve sua ocupação motivada pela descoberta de várias minas de ouro e prata na serra da Ibiapaba. C) teve a ocupação de seu território dinamizada pelo estabelecimento de fazendas de gado ao longo dos rios Jaguaribe e Acaraú. D) teve sua ocupação facilitada pela pouca resistência dos índios, que rapidamente se renderam ao domínio lusitano. 09.“O genocídio e o etnocídio perpetrados contra os povos indígenas tiveram como decorrência o quase desaparecimento da cultura indígena no território cearense.” (F. J. Pinheiro. “Mundos em confronto: povos nativos e europeus na disputa pelo território”. In: Simone de Souza. Uma nova história do Ceará. Ed. Demócrito Rocha, p.55) Sobre o processo a que se refere o texto acima, assinale a resposta correta: A) o conflito dos colonizadores com os índios deveu-se sobretudo à expropriação dos territórios indígenas para a expansão da pecuária. B). a destruição da cultura indígena deu- se somente pela imposição da religião católica feita pelos jesuítas nos aldeamentos. C). a ação dos colonizadores limitou-se à escravização dos índios, usados como mão-de-obra nas lavouras de cana-de- açúcar. D) os índios morriam no contato com os europeus unicamente por causa das doenças que estes traziam. 10.Sobre o processo de ocupação da costa cearense durante o século XVII, pode-se afirmar corretamente que: A) os portugueses aliaram-se aos indígenas que habitavam essas terras e construíram fortes apenas para defender os centros de comércio do pau-brasil. B) a presença portuguesa no Ceará tem a ver com a ocupação de Pernambuco pelos franceses e do Maranhão pelos holandeses. C) o litoral foi intensamente disputado por índios e forças militares de várias potências européias, e várias fortificações foram construídas por portugueses e holandeses. D) a conquista do litoral cearense foi efetuada por motivos econômicos, já que o cultivo da cana-de-açúcar estava bastante desenvolvido e o açúcar necessitava ser transportado diretamente para Portugal. 11.Sobre o “binômio gado-algodão”, é correto afirmar que: A).gado deixou de existir no Ceará e o algodão passou a ser o único produto na economia local. B).o termo “binômio gado-algodão” demonstra que essas duas atividades passam a ser complementares, inclusive podendo um mesmo produtor desenvolver as duas atividades. C).o grande problema da atividade cotonicultora era o alto gasto realizado para se adquirir a mão-de-obra escrava, Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 pois ela era de fundamental importância para a produção do algodão. D).o charque cearense se extinguiu devido a seca dos três setes (1777) e ao surgimento de um forte núcleo concorrente, o Rio Grande do Sul. 12.Em Fortaleza, um dos principais pontos de visitação de turistas é o complexo arquitetônico da rua Dr. João Moreira, no centro. Das edificações que compõem o referido complexo, a que foi construída ainda no período colonial é: A).o Passeio Público. B).a Santa Casa de Misericórdia. C).a Cadeia Pública Provincial. D).o Forte de Nossa Senhora da Assunção. 13.Em relação à participação holandesa na história de Fortaleza/Ceará podemos constatar que: A).eles não participaram do processo histórico que veio a formar a cidade de Fortaleza. B).fizeram alianças com os indígenas locais para expulsar os portugueses, mas não conseguiram grandes resultados em seus objetivos, saindo de Fortaleza sem deixarem rastros de sua passagem. C).dominaram o litoral de Fortaleza entre 1637 e 1654 sem nenhum tipo de interrupções. D).tiveram uma participação decisiva na configuração da cidade, pois foi a partir do forte de Shoonenborch, fundado por Matias Beck em 1649, que a cidade cresceu. 14.Sobre as “origens” históricas de Fortaleza é correto afirmar que: A).a ocupação portuguesa se deu de forma planejada, a partir do interior, visando tomar o território que hoje compreende o Maranhão. B).a ocupação portuguesa se deu de forma planejada, a partir do litoral, visando tomar o território que hoje compreende o Maranhão e que, na época, estava sob o controle dos holandeses. C).a primeira expedição colonizadora, comandada por Pero Coelho, deixou vestígios históricos que hoje são motivos de polêmicas a respeito da “origem” da cidade. D).a cidade de Fortaleza, assim como outras capitais do país, desde cedo já era hegemônica no estado. 15.A respeito da condição e funções políticas de Fortaleza durante o Período Colonial brasileiro podemos afirmar corretamente que: A).ficou relegada a uma função estratégico-militar para garantir a segurança do litoral. B).foi elevada à condição de primeira Vila do Ceará em 1726 em detrimento de Aquiraz. C).foi a sede política e administrativa da Capitania, mesmo não sendo o centro econômico. D).não exercia nenhuma função política e muito menos administrativa. 16.“A cotonicultura foi uma das principais atividades econômicas do Ceará e colaborou para que Fortaleza pudesse exercer papel predominante na economia local”. (Adeildo Oliveira) A respeito da relação existente entre o processo de hegemonia de Fortaleza e a Cotonicultura podemos afirmar que: A).estão ligados entre si, mas não possuíram nenhuma ligação com fatores externos ao Brasil. B).estão intrinsecamente relacionados com os EUA em apenas um momento, no século XIX, no contexto da Guerra Civil americana. C).a Cotonicultura foi o único fator responsável pela hegemonia de Fortaleza. D).a Cotonicultura foi importante para o crescimento de Fortaleza em dois momentos distintos, no século XVIII e no XIX. 17.Sobre o Ceará colonial, é correta a afirmativa: A).por apresentar atrativos econômicos, além das condições geográficas favoráveis, o Ceará foi logo colonizado Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 com a criação da Capitania do Siará Grande, sob o comando de Antônio Cardoso de Barros. B).a obra de José de Alencar, que exalta as ações de Martim Afonso de Sousa, é Ubirajara. C).as comunidades indígenas cearenses foram vítimas do processo de colonização, em que o território para eles consç7titituía-seem valor simbólico, através do qual se definia a própria identidade. Para os colonos a terra era sobretudo um meio de produção, não importando o extermínio de milhares de nativos, para que o lucro fosse atingido. D).diferentemente de Pernambuco e Bahia, que promoveram a atividade da pecuária, o trabalho indígena não se fez presente, de forma relevante, no Ceará, haja vista que a exploração do território logo se definiu no sentido da empresa açucareira, para cujas necessidades o escravo africano era mais conveniente. 18.A Bandeira da Cidade de Fortaleza foi idealizada por Isaac Correia do Amaral. É composta de um campo branco sobreposta por uma Cruz de Santo André Azul. No Centro encontra-se um brasão municipal. De quais plantas são os galhos representados no brasão municipal? (IMPARH) A).algodão e café. B).cana-de-açúcar e fumo. C).algodão e fumo. D).cana-de-açúcar e café. 19.As tentativas iniciais dos portugueses de ocupar a capitania do Ceará, na primeira metade do século XVII, foram motivadas por: A).captura de escravos fugidos dos engenhos. B).busca de novas áreas para expansão da lavoura canavieira. C).interesse em fundar núcleos urbanos para proteger os colonos dos indígenas. D).implantação de bases de defesa contra as ações de outras potências coloniais. 20.As três vilas mais importantes do Ceará no período da Pecuária (1720-1790) eram: A).Aracati, Sobral e Icó. B).Sobral, Icó e Fortaleza. C).Aquiraz, Fortaleza e Icó. D).Icó, Aracati e Fortaleza. 21.A cidade cearense que, durante o século XVIII, foi o principal porto exportador de charque era: A).Fortaleza. B).Aracati. C).Sobral. D).Paracuru. 22.Baseado no trecho do hino da cidade de Fortaleza, reproduzido abaixo, responda qual o contexto da criação da cidade de Fortaleza: “Junto à sombra dos muros do forte A pequena semente nasceu. Em redor, para a glória do Norte, A cidade sorrindo cresceu. No esplendor da manhã cristalina, Tens as benções dos céus que são teus E das ondas que o céu ilumina As jangadas te dizem adeus.” Letra: Gustavo Barroso / Música: Antônio Gondim. A) associado ao ciclo dos fortes no território da capitania do Ceará. B). resultado da expansão comercial marítima espanhola. C). a necessidade de ocupar e expandir a indústria açucareira. D). o resultado da ocupação das terras litorâneas associados à cultura do gado vacum. 23.Observe os documentos sobre Fortaleza. Documento I: “Em fins de 1810 e primórdios de 1811, esteve na pequena vila de Fortaleza o viajante anglo-portugues Henry Koster, cujo livro Travels in Brazil (...) transmite algumas de suas impressões sobre a sede da Capitania do Ceará (...): A Fortaleza, de onde a Vila recebe a denominação, fica sobre uma colina de areia, próxima às moradias e consiste num baluarte de areia Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 ou terra, do lado do mar, e uma paliçada, enterrada no solo, para o lado da Vila, contém quatro peças de canhão, de vários calibres, apontadas para muitas direções. Notei que a peça de maior força estava voltada para a Vila. A que estava montada para o mar não tinha calibre suficiente para atingir um navio no ancoradouro comum. (Koster apud Girão, 2000, p.12. In: Antônio Luiz de Macedo Silva e Filho, Fortaleza, Imagens da Cidade. Fortaleza, 2004, Museu do Ceará, SECULT, p.32-33. Documento II: Planta da Vila de Fortaleza (1726)Planta da Vila de Fortaleza (1726) Planta da Vila de Fortaleza – 1726 Julgue as assertivas a seguir: I.. O texto de Henry Koster (documento I) aponta disparidades em relação a planta de Fortaleza feita pelo capitão-mor Manuel Francês, pois esse mostrou em seu desenho uma Vila mais desenvolvida do que realmente era. II. Ambos os documentos demonstram que a Vila de Fortaleza já demonstrava um grande crescimento econômico oriundo da cotonicultura. III. É perceptível no documento II a preocupação do capitão-mor em demonstrar a grande religiosidade dos moradores da Vila. IV. No período retratado pelo documento II Aracati despontava como grande centro pecuarista do Ceará, condição só conquistada por Fortaleza na segunda metade do século XIX, com a cotonicultura. Estão corretas: A).somente I, II e IV estão corretas. B).somente II, III e IV estão corretas. C).somente I, III e IV estão corretas. D).somente III e IV estão corretos. GABARITO 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 ― ― ― ― ― ― ― ― ― ― ― ― ― ― Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 02 PARTE II CEARÁ NO CONTEXTO DO PERÍODO JOANINO (1808-1821) O Brasil no início do século XIX era a principal base de sustentação econômica da Monarquia portuguesa e o Rio de Janeiro era a cidade mais populosa e rica do Império Luso. Entretanto, em fins do século XVIII e início do XIX, já se desenrolavam os processos de independência na América, devido à crise do colonialismo. Somou-se a esses fatos, as disputas pela hegemonia política e econômica européia entre Inglaterra e França, que culminaram na vinda da família real portuguesa para o Brasil, fugindo das tropas napoleônicas que haviam imposto o Bloqueio Continental aos países do velho continente, impedindo-os de comercializarem com a Inglaterra. Ao romper o bloqueio francês, por causa da grande dependência em relação aos britânicos, Portugal foi invadido pelas tropas napoleônicas. Isso ocasionou a transmigração da Corte lusitana para o Brasil em fins de 1807 e início de 1808. Ao chegar ao Brasil, D. João decreta a abertura dos portos, iniciando o processo que culminaria na emancipação política do Brasil. Ao abrir os portos às nações amigas, D. João, rompeu com o exclusivismo comercial português sobre a economia brasileira e, com isso, os brasileiros puderam comercializar diretamente com países europeus. Nesse contexto, as cidades portuárias do litoral brasileiro se beneficiariam e ganharam certa dinâmica comercial. Fortaleza, sede da administração local também foi favorecida, pois foi a partir de seu porto, que se deu o comércio direto com a Inglaterra, fato que trouxe para a cidade muitos comerciantes estrangeiros. A maior parte da produção local era exportada pelo porto de Fortaleza, este, o único local a estabelecer relações comerciais diretas com os britânicos. Mesmo com o aumento das atividades comerciais, Fortaleza ainda não era o centro econômico local, posição ocupada por Aracati. 1. ADMINISTRAÇÃO LOCAL Com a emancipação de Pernambuco em 1799, o Ceará passou a possuir gestão própria. Mesmo assim, continuaram a existir ligações comerciais, culturais e políticas entre as duas capitanias. Foi no Seminário de Olinda que boa parte da elite local fora educada; era pelo porto de Recife que parte da produção local era escoada. Entre 1799 e 1821 o Ceará foi governado por nobres decadentes de Portugal. Dentre os cincos portugueses que governaram a capitania, destacaram-se Bernardo Vasconcelos e o Governador Sampaio. Bernardo Vasconcelos comandou a capitania entre 1799 e 1802, foi ele o responsável pela reforma no Porto do Mucuripe (Molhe e Trapiche), buscou romper com a pobreza local incentivando cultivos diversos como o de arroz e mandioca e construiu estradas que escoariam a produção local, a partir de Fortaleza. Ligado à política de centralização posta em prática por Portugal, instalou a Junta da Fazenda do Ceará, casas de inspeção na capitania (Fortaleza, 1802), reforçou as forças militares locais para evitar ataques e repelir a influências das idéias revolucionárias que vinham da Europa. Após seu governo, o Ceará enfrentou uma seca em 1804, que afetou a incipiente economia local com a fome e doenças derivadas do flagelo. Em suagestão percebe-se que a Vila de Fortaleza foi beneficiada com obras de infra-estrutura. Entre 1812 e 1820 temos a gestão do autoritário Manuel Inácio de Sampaio ou, como é mais conhecido (Governador Sampaio). Nesse período, Sampaio promoveu uma série de realizações materiais na cidade de Fortaleza. Com o aumento da arrecadação devido à cotonicultura. Sampaio trouxe para o Ceará o engenheiro Silva Paulet, que elaborou o primeiro plano urbanístico da cidade em 1818. Este plano, em traçado de xadrez, serviria para controlar possíveis revoltas. O mesmo Paulet projetou a atual 10ª Região Militar e o primeiro mercado público local, erguido ainda na gestão de Sampaio. Sampaio ainda instalou a primeira repartição Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 dos correios local e a alfândega da capital. Percebe-se, com isso, que a gestão do Governador Sampaio, no campo das realizações materiais foi favorável ao processo de hegemonia da capital, não com esse objetivo, mas no intuito de centralizar a administração. Isso fica comprovado com a ação do governador na repressão local da “Revolução” Pernambucana de 1817. Política voltada para promover a hegemonia da capital cearense, só se deu após a independência, durante a Monarquia e, em especial, no Segundo Reinado. O CEARÁ NA “REVOLUÇÃO” PERNAMBUCANA DE 1817 A “Revolução” Pernambucana foi um movimento que objetivava a Independência do Brasil em relação à Portugal, além da Proclamação da República. Mas o que ocasionou esse movimento? O Nordeste passava por um intenso período de transformações, seja no campo das idéias, com a expansão das idéias iluministas, ou no campo econômico, com a ampliação da crise devido à diminuição das exportações de vários produtos primários, entre eles o algodão. Também podemos destacar a seca de 1816-17, que prejudicou o setor produtivo de algumas capitanias do Nordeste, aumentando a carestia de alimentos, o que fez que os preços dos produtos básicos para alimentação aumentassem sobremaneira. Os privilégios que muitos portugueses possuíam também foi fator para a revolta, na medida em que boa parte dos cargos administrativos em Pernambuco, por exemplo, era de exclusividade deles. Pode ser acrescentado à esse quadro o monopólio exercido por portugueses sobre diversos segmentos do comércio, além, é claro, dos altos impostos cobrados para manter os gastos da corte portuguesa que residia no Rio de Janeiro. O movimento se iniciou em Pernambuco no dia 6 de março de 1817, sendo deposto o governador Caetano Pinto. Entretanto, as dificuldades para que a revolta desse certo eram que as diferenças internas fossem resolvidas, como a questão sobre a mão-de- obra escrava, e que ocorresse a adesão de outras capitanias, como a do Ceará. A participação cearense era vista como muito importante pelo fato dessa capitania estar geograficamente numa localização estratégica, pois dela as idéias revolucionárias poderiam ser levadas para outras localidades como Maranhão, Piauí e Pará. Outro fator que ampliava a sua importância era a grande capacidade de fornecer alimentos e homens para as tropas, porém a participação cearense não foi tão ampla como se esperava, pois se deu de forma localizada, região do Cariri, e familiar, com os alencares (D. Bárbara de Alencar, Tristão Gonçalves e José Martiniano de Alencar). Mas por que o Ceará não participou mais ativamente da Insurreição Pernambucana? Primeiro, devido boa parte da elite cearense era composta por portugueses, que preferiam que o Brasil não ficasse independente. Segundo, havia um temor, por parte das elites, que a revolta saísse do seu controle, pois as camadas populares poderiam por em risco os seus privilégios. E por fim, e não menos importante, no período em que a “Revolução” Pernambucana se iniciou o governador do Ceará era Inácio Sampaio, mais conhecido como Governador Sampaio, homem fiel à corte portuguesa, que não mediu esforços para reprimir qualquer foco de adesão ao movimento pernambucano. Na região do Cariri a família Alencar buscou o apoio do capitão-mor do Crato, Pereira Filgueiras, que inicialmente se mostrava neutro acerca dos acontecimentos, mas que ao perceber que essa revolta seria derrotada se alinhou ao Governador Sampaio. Aumentado ainda mais as dificuldades para o sucesso da revolta em terras cearenses podemos destacar o grande empecilho que era a família Bezerra de Menezes, encabeçada pelo tenente-coronel Leandro Monteiro, que era fiel à Coroa Lusa. Dessa forma os revoltosos cearenses foram derrotados num curto espaço de tempo. Durante alguns meses alguns líderes dos revoltosos cearenses ficaram presos, sendo futuramente seriam levados à julgamento, porém com a Revolta Liberal do Porto, de 1820, eles foram anistiados (perdoados). Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 É de muita importância perceber que a revolta foi derrotada, mas ela possuiu causas, que não foram solucionadas, e que mais cedo ou mais tarde voltaram à tona. Dessa forma, futuramente poderia ocorrer outro movimento de rebeldia, e ocorreu, a Confederação do Equador. Obs.: Revolução é quando ocorrem transformações drásticas numa localidade, quando os interesses do povo prevalecem. Já o que ocorreu em 1817 pode ser mais caracterizado como uma Insurreição, pois as elites não tinham como objetivo central a implementação de reformas amplas para beneficiar as classes baixas, como pobres e escravos. Obs.: Foi durante o governo de Inácio Sampaio que Silva Paulet foi trazido para o Ceará, sendo de sua autoria o projeto de reforma do forte que atualmente é utilizado pela 10ª Região Militar e também a primeira planta que estabelece o formato xadrez a ser aplicado na capital cearense. Obs.: É propagada de forma falsa que a senhora D. Bárbara de Alencar focou detida numa pequena cela na Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção. Ora, é bem verdade que ela ficou detida por algum tempo aqui em Fortaleza, mas depois foi transferida para uma prisão domiciliar. O CEARÁ NA CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR – 1824 Em 1822, o Brasil se tornou uma nação independente sendo seu governante D. Pedro I. Diferentemente de inúmeras outras nações sul-americanas, o Brasil não adotou a forma Republicana de governo, mas sim deu continuidade a forma Monárquica. Como se vê o “Brasil mudou sem mudar”. Em 1823 foi reunida a Assembléia Constituinte brasileira composta por 90 deputados que representavam as elites das diversas províncias, sendo José Martiniano de Alencar (pai do escritor de mesmo nome) o representante cearense. Durante as reuniões ficou perceptível a tentativa por parte dos constituintes que a futura Constituição brasileira pudesse limitar o poder do Imperador, além de manter os privilégios das classes dominantes brasileiras. Entretanto, D. Pedro I não aceitou tais medidas, fechando a Constituinte, sendo muitos deputados exilados, outros presos, e a outra parte retornando para casa, a exemplo de José Martiniano de Alencar. Outro fator agravante das relações entre muitas elites das províncias e o Imperador foi a Constituição outorgada de 1824 que estabelecia: • A divisão do poder em quarto partes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador, sendo esse último de exclusividade do Imperador e estando acima dos demais. • Monarquia hereditária (passando de pai para filho). • Voto censitário (só poderia votar quem possuísse uma considerável renda). • O país foi dividido em províncias, sendo o presidente (mesmo que Governador) de cada uma delas era escolhido diretamente pelo Imperador. O que ampliou mais ainda descontentamento por parte de inúmeras províncias do nordeste foi a forma autoritária com que D. Pedro I tratava os problemas dessa região. Vale lembrar que as causas da Insurreição Pernambucana de 1817 ainda perduravam, pois as idéiasiluministas ganhavam cada vez mais espaço entre as classes médias, o setor açucareiro ainda passava por uma intensa crise e o descaso para com a população mais carente era facilmente observado. O estopim para a eclosão da revolta se deu quando D. Pedro I depôs o presidente de Pernambuco, Paes de Andrade. Ele, com um grande apoio de vários setores, proclamou em 2 de Julho de 1824 a Confederação do Equador, movimento de cunho separatista e republicano, que objetivou formar um novo país tendo como membros integrantes algumas províncias do Nordeste brasileiro, como Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. Esse novo país adotaria provisoriamente a Constituição da Grã-Colômbia. Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 Bandeira da Confederação do Equador Entre os líderes de grande destaque em Pernambuco podemos destacar Paes de Andrade, Cipriano Barata e Joaquim do Amor Divino, mais conhecido como Frei Caneca. O Império brasileiro fez uma forte repressão sob o comando de Francisco de Lima e Silva (pai do futuro Duque de Caxias), e utilizando inclusive serviços de experientes militares estrangeiros como o Lord Cochrane. Um dos maiores problemas internos a Confederação do Equador em Pernambuco era a discussão acerca da mão-de-obra escrava, na medida em que boa parte dos setores populares exigiam o seu fim, já muitos membros da elite queriam a sua continuidade. Assim, é perceptível que a discórdia também envolvia outros assuntos. Dessa forma, o possível perceber que os conflitos internos fragilizaram muito o movimento. Outro ponto importante para a análise era o poderio militar do Império, que era claramente superior ao dos revoltos, e assim as tropas de D. Pedro I obtiveram a vitória sendo Recife invadida em setembro de 1824. O julgamento dos lideres da Confederação do Equador foi implacável, se é que se pode chamar o que ocorreu de julgamento, pois, sem sombra de dúvida, D. Pedro I queria uma punição exemplar. Por exemplo, o frei Caneca foi condenado à força, porém sendo mudada a condenação para o fuzilamento. A notícia da dissolução da Assembléia Constituinte não foi bem recebida pelo grupo político cearense dos Liberais, que via tal atitude, no mínimo como desrespeitosa, pois desejavam uma maior autonomia para a província, fato que não era bem visto por D. Pedro I e pelo grupo dos Absolutistas, que preferiam um governo forte e centralizado nas mãos do Imperador. A vinculação histórica com Pernambuco, a crise econômica e o autoritarismo do Imperador estão entre os fatores que levaram o Ceará a aderir à Confederação do Equador. Em agosto de 1824 houve uma grande reunião em Fortaleza cujos participantes representavam as mais diversas localidades do Ceará que debateram sobre os mais diversos temas, além de elegerem Tristão Gonçalves como presidente do Grande Conselho. Enquanto as forças rebeldes eram organizadas no Ceará, as tropas do Imperador invadiam Recife, entretanto, mesmo com a derrota do movimento da Confederação do Equador em Pernambuco, a resistência cearense prosseguiu, inclusive Aracati, por alguns dias, se tornou capital da Confederação. As batalhas em terras cearense eram Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 cada vez mais amplas, pois além das tropas imperiais que se dirigiam para essa província, também existiam os absolutistas que aqui residiam e muitos deles eram homens de posses e assim possuindo verdadeiras milícias a seu dispor. Muitas batalhas ocorreram na região do Cariri, a exemplo da comandada por Pereira Filgueiras e José Martiniano de Alencar contra os absolutistas em Jardim. Já Tristão Gonçalves se dirige com suas tropas para a região de Aracati para reconquistá-la, e obteve êxito. O seu próximo passo era se dirigir para a região do Cariri onde uniria forças com Pereira Filgueiras, porém durante o longo percurso muitas batalhas ele enfrentou, e numa delas foi derrotado. Foi na fazenda Santa Rosa, onde até bem pouco tempo atrás existia a cidade de Jaguaribara, que Tristão foi morto e como humilhação as tropas dos absolutistas ou corcundas deixaram o seu corpo ao relento, sendo enterrado dias depois. Pereira Filgueiras se entregou às tropas do governo e José Martiniano de Alencar foi preso na Bahia. Outros líderes da Confederação do Equador receberam pena capital, ou seja, foram condenados à morte, foram eles: • Padre Mororó; • João de Andrade Pessoa Anta; • Francisco Miguel Pereira Ibiapina; • Luís Inácio de Azevedo Bolão; • João de Andrade Pessoa Anta. Eles foram fuzilados no campo do paiol da pólvora, futuramente chamado de Praça dos Mártires, sendo futuramente o nome mudado para Passeio Público de Fortaleza. Hoje, podemos observar que existe uma grande árvore naquele local, um baobá, que foi plantado em homenagem aos mártires (heróis) da Confederação do Equador. Obs.: A denominação capitania é utilizada para o período Colonial (1531-1822); já província é para o Período Imperial (1822- 1889) e por fim estado para o período Republicano (1889-...). Ex: O Ceará colônia era chamado de capitania, já no período Imperial era chamado de província. Obs.: Inácio de Loiola de Albuquerque Melo, mais conhecido como Padre Mororó, foi um dos homens mais atuantes na Confederação do Equador, não na frente de batalha convencional, mas sim no campo de batalha da intelectualidade, servindo como valioso instrumento para a Revolução, inclusive estando a frente da elaboração do jornal, o Diário do Governo do Ceará. Padre Mororó, da mesma forma que inúmeros outros religiosos formados no Seminário de Olinda, possuiu uma formação fortemente influenciada pelas idéias iluministas, sendo preparado não apenas para os assuntos religiosos, como também para assuntos do mundo. Sua vida foi retirada no local hoje conhecido como Passeio Público de Fortaleza. FORTALEZA: O PROCESSO DE HEGEMONIA No período posterior à independência, as capitais provinciais do país passaram a exercer uma importância crescente na organização do Estado Nacional brasileiro. Com as funções de coletar e exportar a produção local, ser o centro da arrecadação dos impostos e da repressão, Fortaleza caminha rumo a hegemonia política e econômica local. Em 1823, a Vila de Fortaleza foi elevada à condição política de cidade, fato que lhe conferia mais prestígio e poder. Porém, mesmo com a mudança do status político, a cidade ainda permanece com o seu fraco desenvolvimento econômico, agravado, naquele momento, pela crise da cotonicultura, secas e com a participação local na Confederação do Equador. Obs.: Lembre-se que foi a partir do advento da cotonicultura no séc. XVIII, que Fortaleza começou a se desenvolver economicamente. Obs.: Com a eclosão da Confederação do Equador, a produção local foi desorganizada e gastou-se os poucos recursos com a repressão. Fortaleza aderiu ao movimento devido à impossibilidade de resistir, porém, foi a partir da capital que se deu à repressão local do movimento. Com o fim do Primeiro Reinado e com o início da Regência, Fortaleza passou por uma série de reformas infra-estruturais que Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 iniciaram a fase final do seu processo de hegemonia sobre as demais cidades cearenses. Esse processo se deu, principalmente, a partir da gestão “progressista” de José Martiniano de Alencar (1834-37), na qual inúmeras reformas foram realizadas para dotar a capital de condições básicas para exercer a função de coletora e exportadora dos bens locais. As principais obras atribuídas a Alencar que favoreceram a capital foram: • Construção de estradas que ligavam a capital às principais áreas produtoras locais; • Construção de pontes; • Inaugurou a iluminação pública em algumas ruas da capital; • Construção de cacimbas e chafarizes.Essas reformas ajudaram Fortaleza a se consolidar como centro político e econômico da província durante o Segundo Reinado. Hegemonia se consolida Durante o período Regencial ocorreram inúmeros levantes em várias partes do país que ocasionou enormes instabilidades políticas. Muitos desses levantes se deram devido à descentralização que ocorreu entre 1831 e 1834. Após 1837, com o avanço dos Regressistas, começa a ocorrer um processo de centralização a partir do Rio de Janeiro, que visava garantir o controle e a unidade nacional, tendo como centro irradiador do poder a então capital imperial. Em reação a esse avanço Regressista, o grupo dos Progressistas promoveu o golpe da maioridade em 1840, adiantando a posse do imperador D. Pedro II. Ao se iniciar o Segundo Reinado, com o golpe de 1840, começa a se efetivar a política centralizadora, a partir das capitais provinciais, que visava à consolidação do Estado Nacional brasileiro. Obs.: Lembre-se que aqui, o processo se intensificou, posto que já havia começado no Primeiro Reinado. As capitais do país sofreram inúmeras transformações para poderem se adaptar as exigências centralizadoras do Império. Fortaleza, por ser a capital local, se beneficiou diretamente com essa política, pois seria o foco principal de onde se emanaria a autoridade monárquica na província. Era de Fortaleza que saíam as mais importantes decisões políticas locais. Porém, Fortaleza ainda não era o centro da economia local. Para que a política centralizadora do império pudesse se consolidar em Fortaleza, era preciso que ela se firmasse como centro coletor e exportador dos produtos locais, concentrando, assim, a arrecadação dos impostos. Nesse sentido, foram tomadas umas séries de medidas para tornar Fortaleza o centro da arrecadação local. Veja algumas medidas importantes adotadas pelo Império para favorecer a capital: • Abriu novas estradas ligando a capital ao interior onde se produziam os bens locais que eram exportados pelo Porto do Mucuripe; • Reforma no Porto do Mucuripe; • Fechamento da alfândega de Aracati, em 1851, o que deu a Fortaleza o monopólio do comércio exportador; • Construção de ferrovias para escoar a produção local (maior exemplo foi a EFB- 1870, que ligaria Fortaleza às regiões produtoras de café e algodão). Apesar de a política centralizadora do império ser considerada uma das razões básicas para a hegemonia de Fortaleza, ela não foi à única a colaborar para tal hegemonia. O processo de hegemonização política e econômica em Fortaleza tem a ver, também, com a política e economia internacional e com a própria geografia da cidade. Em meados do século XIX, houve uma grande expansão da cotonicultura local, devido a Guerra Civil americana (1861-65), que desorganizou a produção algodoeira de lá e favoreceu a emergência de outros produtores de algodão como o Ceará. Também houve um avanço na pecuária e o advento de um novo produto na economia local: o café, produzido, principalmente, em regiões serranas como Maranguape e Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 Baturité. Todo esse quadro de relativa prosperidade econômica beneficiou a capital na medida em que, era pelo Porto do Mucuripe que eram exportados esses produtos. A cidade ganhava dinâmica comercial. Além disso, ainda ficava próxima das regiões que produziam os principais produtos locais, como o algodão (Itapipoca, Caucaia, Meruoca e Uruburetama) e o café (Baturité e Maranguape). A proximidade reduzia os custos com o transporte e, consequentemente, favorecia Fortaleza. Vale lembrar, que o couro era outro produto que gerava certa renda e que era exportado pelo porto de Fortaleza. Com tudo isso, Fortaleza chega em meados do século XIX como principal centro político e econômico da província, com a função de tomar e repassar as decisões políticas do Império referentes ao Ceará e de coletar e exportar os produtos locais. Daí em diante, não perderia mais o posto de cidade hegemônica. FORTALEZA BELLE ÉPOQUE (1860-1930) 1. CONTEXTO INTERNACIONAL: O século XIX pode ser considerado um dos momentos fundadores do mundo Contemporâneo. Foi o século do Liberalismo, da criatividade humana, da consolidação do Capitalismo e da burguesia com seus valores como hegemônicos, da expansão das ideias filosóficas e científicas que tinham como cerne a Europa. O século XIX pode mesmo ser considerado “um século europeu”; que marcou o início do processo de mundialização da economia, que hoje conhecemos por globalização. Os capitais e capitalistas europeus se expandiram por várias partes do mundo e, interligando-as a partir das inovações advindas com a segunda etapa da Revolução Industrial, puderam exercer a sua influência cultural, política e econômica nas diversas partes do globo. Toda essa influência europeia se refletiu na produção filosófica e científica com a disseminação das ideias cientificistas (evolução das espécies de Charles Darwin), da Filosofia Positivista de Comte e das ideias racistas de Herbert Spencer, com a adaptação da teoria de Darwin para as ciências humanas (darwinismo social). Todas essas ideias tinham origem na Europa, na época, o modelo a ser seguido de “civilização e progresso”. No Brasil essas ideias e padrões culturais europeus chagavam constantemente e influenciavam as elites que queriam seguir os valores europeus, principalmente na segunda metade do século dando início ao período que ficou conhecido como Belle Époque (belos tempos). A própria expressão, de origem francesa, já mostra as dimensões da influência europeia na cultura brasílica. 2. DEFINIÇÃO DO TERMO BELLE ÉPOQUE: Expressão utilizada pelos historiadores para designar o conjunto de transformações culturais, sociais, políticas, econômicas e infra-estruturais que ocorreram em Fortaleza entre as décadas de 1860 e 1920 de acordo com os padrões culturais europeus. A expressão vem em francês devido a forte influência cultural daquele país no mundo ocidental do século XIX, o que não quer dizer que a França era o único país a influenciar a sociedade local. Em termos econômicos, a influência inglesa era muito mais forte que à francesa. Obs.: A Belle Époque ocorreu em várias cidades do Brasil como Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus e Florianópolis. Ou seja, não foi um fenômeno restrito à Fortaleza. 3. CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DE FORTALEZA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: A Fortaleza da segunda metade do século XIX já estava consolidada como centro hegemônico na economia da Província cearense. Era por seu porto que saíam os principais produtos da economia cearense (algodão, café, ceras e óleos vegetais) e era nela que se desenvolviam as principais atividades comerciais locais e internacionais. A partir da Guerra Civil Americana (1861-64), Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 que colocou mais uma vez a cotonicultura cearense em evidência no mercado internacional, tivemos um crescimento econômico acelerado que possibilitou a formação de setores médios urbanos letrados, as posteriores transformações estruturais na cidade e os contatos culturais com os diversos estrangeiros que vieram para a capital alencarina investir os seus recursos, como foi o caso dos Boris Fréres e dos Ellery. Com a recuperação da economia estadunidense a cotonicultura local entra em crise, reduzindo as rendas dos capitalistas locais e fazendo surgir as primeiras indústrias em Fortaleza, como foi o caso da Fábrica Têxtil Progresso na década de 1880. Nas últimas décadas do século, Fortaleza foi assolada por secas e por uma série de doenças que ocasionaram um certo marasmo econômico, fato que não impediu a ocorrência de transformações estruturais na urbe. 4. REFORMA URBANA E CONTROLE SOCIAL: A série de reformas a que foi submetida Fortaleza nas últimas décadasdo século XIX e início do XX esteve relacionada às ideias em voga na Europa, em especial, ao “saber médico social”. Essas reformas visavam o controle, a higienização e disciplinarização social das classes subalternas da capital. Além dessas motivações sócio-políticas, também esteve presente o ideal de aformoseamento, ou seja, buscava-se embelezar a capital alencarina. Todas essas reformas infra-estruturais traziam implícitos os padrões de civilização e progresso que fundamentaram ideologicamente as principais deliberações políticas no Brasil e no Mundo em fins do XIX. Obs.: O saber médico social colocado em prática na Fortaleza da segunda metade do XIX era inspirado na medicina urbana francesa, que se fundamentava na idéia de manter corpos e mentes sadias para uma maior produção e a consequente valorização do trabalho para se alcançar o progresso e a riqueza (uma bio-política segundo Foucalt). 4.1. As Primeiras reformas: Apesar de a Belle Époque ter como momento marcante de seu início a década de 1860, foi na década anterior que começou a ser feita a primeira mudança estrutural na capital com a construção do Lazareto da Lagoa Funda em 1856, dando o pontapé inicial para as demais transformações estruturais que marcaram a capital alencarina entre as décadas de 1860 e 1920. Como as reformas foram inúmeras, destacaremos as que obtiveram maior destaque e que simbolizaram de alguma forma a Belle Époque em Fortaleza. Sendo assim, temos: Quadro do aparato urbano de Fortaleza • 1845 – Liceu do Ceará; • 1846 – Farol do Mucuripe; • 1856 – Lazareto da Lagoa Funda em 1856; • 1857 – Calçamentos; • 1861 – Santa Casa de Misericórdia; • 1865 – Biblioteca Pública; • 1867 – Canalização de água Potável (Ceará Water Company); • 1867 – Biblioteca Pública; • 1867 – Canalização de água potável em 1867 e em 1927 a inauguração do sistema de abastecimento de água e esgoto; • 1870 – Década em que foi reformado o Porto do Mucuripe; • 1873 – Estrada de Ferro Fortaleza-Baturité; • 1873 – Construção da Estação Ferroviária Professor João Felipe; • 1875 – Novo Plano Urbanístico de Adolfo Herbster em 1875; • 1880 – Companhia de Bondes; • 1880 – Construção do Passeio Público; • 1880 – Passeio Público; • 1881 – Telégrafo; • 1883 – Telefone; • 1886 – Iluminação a gás carbônico; • 1886 – Linhas de Navios a vapor para Europa e Rio de Janeiro; • 1886 – Asilo São Vicente de Paulo; • 1897 – Mercado de Ferro; • 1902 – Reforma nas principais praças da capital; Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 • 1910 – Teatro José de Alencar; • 1913 – Instituto de Proteção a Infância; • 1914 – Energia Elétrica; • 1917 – Cine Majestic; • 1922 – Cine Moderno. Das reformas citadas acima, algumas merecem destaque e comentários específicos devido aos seus significados e motivações. Seguindo as diretrizes do saber médico social tivemos as construções do Lazareto, Santa Casa e o cemitério São João Batista, em lugar afastado do núcleo central da cidade na época. Vejamos, o Lazareto foi construído com o intuito de isolar os leprosos em lugar específico para evitar o contágio das doenças mais perigosas; a santa Casa veio com a finalidade de prestar assistência imediata aos que padeciam de enfermidades menos graves; o São João Batista para evitar a propagação de doenças ocasionadas pelo contato com os cadáveres em degeneração, pois na época principal cemitério era o São Casemiro, que se localizava onde fica a atual Estação João Felipe, ou seja, bem no perímetro central ocasionado várias doenças. A idéia era achar o foco da doença e erradicá- lo. Inspirada nas reformas efetuadas em Paris pelo Barão de Haussmam na década de 1850, seguindo as diretrizes higienistas e buscando disciplinar o crescimento urbano da capital, Adolfo Herbster elaborou a sua Planta Topográfica da Cidade da Fortaleza e Subúrbios (1875) com traçado em formato de xadrez, ampliando a elaborada pioneiramente na capital cearense por Silva Paulet em 1818. A planta acrescentava três grandes logradouros à original de Paulet (atuais Duque de Caxias, Dom Manuel e Imperador), visando escoar com maior facilidade o trânsito da cidade, que crescia constantemente, e, com seu perfil ortogonal, possibilitar o controle de eventuais revoltas contra o poder instituído. Afinal, com ruas retas e convergentes é bem mais simples para o poder público cercear possíveis levantes populares, o que por sua vez não significa, obrigatoriamente, o sucesso na repressão (em 1912 os populares de Fortaleza depuseram Accioly mesmo com a nova Planta). Além dessas finalidades sócio- políticas é relevante salientar que a mesma buscava ampliar a circulação do ar pela urbe para evitar a propagação de endemias como a Tuberculose, uma das principais doenças que afligiram a Fortaleza das primeiras décadas do século XX. A construção da EFB e as reformas no Porto do Mucuripe visavam dotar a capital de infra-estrutura básica para as transações comerciais locais e internacionais. A EFB escoava para Fortaleza a maior parte dos produtos da economia cearense e o Porto exportava-os para várias partes do mundo e importava as mercadorias estrangeiras, possibilitando contatos culturais com outros povos, fato que se refletiu no comportamento da elite fortalezense com o seu afrancesamento. Com as reformas no Passeio Público, e a construção do Teatro José de Alencar, percebe-se o interesse das elites em colocar Fortaleza de acordo com os ideais de civilização e progresso com a construção de espaços conspícuos de sociabilidade, controle e diferenciação social como nos informa o historiador Antônio Luiz com os significados do Passeio Público: “Embora destinado ao lazer, o Passeio mantinha normas que disciplinavam seus freqüentadores, como a exigência de belos trajes e boas maneiras. Sua própria constituição espacial significa um permanente exercício de discriminação simbólica, pois as diferentes classes sociais ocupavam planos separados do jardim”. Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 (Antônio Luiz Macedo e Silva Filho. Fortaleza: Imagens da cidade. Fortaleza: Museu do Ceará, SECULT, 2004, p.97). Passeio Público de Fortaleza - Passeio Público de Fortaleza – 1909 No caso do Teatro José de Alencar, historiador Sebastião da Ponte ressalta os seus significados: “(...) em 1910, surgiu na reformada Praça Marquês de Herval [hoje José de Alencar], a maior obra arquitetônica de Fortaleza até o presente e densa de significados artísticos e culturais para a Capital: o Theatro José de Alencar. De pronto considerado um dos mais belos do País, o teatro mereceu entusiástico comentários que o apontavam como fator decisivo para a constituição de uma ordem civilizatória na cidade (...)”. (Sebastião Rogério da Ponte. Fortaleza Belle Époque: reformas urbanas e controle social (1860-1930) – 3ª ed. Ed. Demócrito Rocha, 2001, p.42). A opinião dos historiadores nos mostra a dimensão dessas reformas no cotidiano e na propaganda da capital fora do Ceará. O Passeio Público, dividido em três planos, consagrava a segregação social típica de uma sociedade capitalista ou em processo de transição para o mesmo, como era o caso da Fortaleza do período. O teatro vinha consagrar a capital alencarina como cidade civilizada e marcada pelo progresso. Construído em estilo arquitetônico eclético, com frontispício em art-noveu, o teatro possuía uma clara influência européia em sua constituição física, o que por vez, refletia o afrancesamento da elite local. 5. O AFRANCESAMENTO DA ELITE FORTALEZENSE E A RESISTÊNCIA DOS POPULARES: As décadas que marcaram a Belle Époque em Fortaleza, trouxeram transformações que extrapolaram o estrutural e alcançaram dimensões culturais, enraizando costumes e práticas tipicamente européias na sociedadelocal. Era a época do mercibocu, mad mouselle e wi, dentre tantas outras expressões em francês. Essa influência francesa também se deu na Filosofia, com as idéias Positivistas de Comte; na Literatura com a admiração por poetas franceses como Victor Hugo e Baudellére. A indumentária (vestimenta) também seguia a mesma linha. As roupas em estilo europeu estavam presentes no dia a dia da elite local, que se apresentava com vestimentas ditas chiques e na moda (criação da indústria capitalista do século XIX). Essa situação gerava um quadro extremamente cômico, posto que as roupas européias eram longas e com várias camadas de tecidos que se sobrepunham, ou seja, projetadas para o frio do velho continente. No calor da Terra do Sol, as elites esbanjavam toda a sua elegância e espírito esnobe para com o restante da população, posto que o afrancesamento foi muito mais uma característica da burguesia local do que um fenômeno geral na cidade. Chegamos a essa conclusão porque as classes subalternas não possuíam recursos nem para se alimentarem corretamente, quiçá para comprar roupas chiques. Porém, isso não exclui os efeitos do afrancesamento nas classes populares, só não se pode exagerar e generalizá-lo. Um bom exemplo para comprovar essa situação exposta acima é o depoimento de Bem-Bem Garapeira, um fortalezense vendedor de garapa que viajou para Paris em busca de conhecer a famosa cidade que inspirava muitos de seus conterrâneos, e que é citado no livro Fortaleza Belle Époque do historiador Sebastião da Ponte: “Bembém foi e voltou rapidamente. Lamentava apenas ter ido tarde, não podendo assistir à decapitação de Maria Antonieta... ‘Aquilo é que era cidade! Dizia entusiasmado – No hotel onde me hospedei fui obrigado a escrever meu nome. Como a língua era outra, Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 escrevi: Bien Bien e, mais embaixo: Garapière. E completava: Olhe, lá eu só andava com um homem chamado Cicerone, que sabia português como eu. Terra adiantada aquela: todo mundo falando francês, até mesmo os carregadores chapeados, as mulheres do povo e as crianças! Bembém não se cansava de falar da França e completava declarando que lá, a única palavra que ouvira em português fora mercibocu... A conselho de um intelectual perverso mandou imprimir um cartão para distribuir com amigos e fregueses: Bien-Bien–Garapière – Fortaleza/Ceará”. (Otacílio Azevedo. Fortaleza Descalça. In: Sebastião Rogério da Ponte. op. cit. p.145) 5.1. Os tipos populares: Entre as diversas análises que existem a respeito da cultura brasileira destaca-se, dentre outras, a de Sérgio Buarque de Holanda que informa: “Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o ‘homem cordial’. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro (...)”. (Sérgio Buarque de Hollanda. Raízes do Brasil – 26ª ed. São Paulo: Cia. Das Letras, 1995, p.146.) Concordamos com o autor no que se refere às relações pessoais e a afetividade como traço característico da cultura nacional, porém, o brasileiro, quando sufocado até os seus limites, reage de formas diferenciadas. Temos exemplos de revoltas, greves, movimentos religiosos etc. Dentre as formas de resistência que se destacaram na Fortaleza no período de Belle Époque temos o humor. O riso se tornou umas das principais formas de reagir ao afrancesamento e aos males da sociedade local. É da irreverência dos diversos tipos populares que existiram em Fortaleza nessa época que vem o epíteto “Ceará Moleque”. Para designar a sátira, o hilário, o cômico que eram uma constante na capital alencarina de fins do XIX e início do XX criou-se esse epíteto que desagradava à elite local, que se pretendia civilizada e moderna. Foram vários os tipos populares que alegravam a capital cearense nesse período com suas roupas esfarrapadas, suas sátiras, esquisitices, distúrbios mentais, manias peculiares e aparência física. O historiador Sebastião da Ponte informa que: “Os ‘tipos populares’, como ficaram conhecidos, eram, em geral, pessoas pobres, desocupados ou sem trabalho fixo, de origem e domicílio incertos. Como os demais despossuídos que abundavam pelas ruas, eram depauperados e maltrapilhos”. (Sebastião Rogério da Ponte. op. cit. p.177) Entre os vários que se destacaram na cidade da época tivemos o Casaca de Urubu, que lutara em Canudos; o De Rancho, que usava uma carabina sem funcionalidade para “atirar” nas pessoas; o Pilombeta, que “odiava a palavra trabalho”, o Tostão, que fora quimoeiro e vários outros. Todos, com suas manias e esquisitices, se utilizaram do riso como uma forma de resistência para amenizar os males do dia a dia. Porém, além de pessoas, tivemos o famoso bode Yôyô, com destaque especial. Trazido por um retirante para Fortaleza no contexto da seca de 1915 o bode fez parte do cotidiano dos fortalezenses até 1931, quando faleceu e foi embalsamado pela firma que era a sua proprietária. O humor e sátira eram tão fortes nos populares de Fortaleza, que os mesmos, no início do século XX, chegaram a vaiar o sol na Praça do Ferreira (centro do “Ceará Moleque”) porque o astro já não dava o ar da graça há uma semana. 6. AS CONTRADIÇÕES SOCIAIS – O FEIO NA BELLE ÉPOQUE: Nem tudo foi belo e alegre na Belle Époque como pretendiam as elites burguesas locais. As secas, as doenças e o descaso das autoridades públicas para com os pobres ofuscaram a aureola dos belos tempos. Mesmo com a aplicação constante do saber médico social nas obras estruturais da capital cearense, as endemias continuavam a ocorrer constantemente. Só para citar alguns Daniel Kildary de Menezes Souza danielkildary@gmail.com 043.939.413-90 exemplos temos: entre 1862-64 ocorreu uma forte epidemia de cólera morbus; no contexto da seca de 1877-79 aproximadamente 50 mil pessoas padeceram de fome, varíola etc; em 1900, mais uma seca que espalhou o espectro da varíola; a tuberculose matou inúmeros e até mesmo a Peste Negra (Peste Bubônica) marcou presença naquele contexto lúgubre (1900 e em 1920). Para a compreensão desses momentos de aflição generalizada é preciso que se destaque a relação direta que as endemias tinham com as secas. A seca de 1877-79 foi um dos momentos mais dramáticos da história local. Ela trouxe para Fortaleza aproximadamente 100 mil retirantes que se amontoavam pelos cantos da cidade em busca da existência. O historiador Tyrone Pontes relata a situação dos flagelados da seguinte maneira: “Os retirantes em Fortaleza alteraram a dinâmica da cidade. Nas ruas centrais, batiam de porta em porta pedindo esmolas. Nos arredores, invadiam roçados. Em toda a província os proprietários temeram os grupos de famintos. Quando reunidos em multidões, muitas vezes saquearam os depósitos de alimentos do governo. Ao longo da seca os retirantes foram experimentando meios de sobrevivência que extrapolavam os limites da ordem social”. (Tyrone Apollo Pontes Cândido. Trem da Seca: sertanejos, retirantes e operários – 1877-1880. Fortaleza: Museu do Ceará, SECULT, 2005, p.20). A partir desse breve relato percebe-se as dimensões da aflição social causada pelas secas na sociedade fortalezense. O ponto zênite dessa calamidade ocorreu em 10 de dezembro de 1878 (o dia dos mil mortos), onde 1004 pessoas padeceram. As causas das mortes eram diversas, alguns morriam de fome, outros por enfermidades como a varíola (companheira constante das secas) etc. Buscando sobreviver em meio a essa hecatombe social, muitos retirantes acabavam por se expor a situações extremamente perigosas para a sua já combalida saúde, como eram os casos dos “Quimoeiros” (carregadores de fezes em vasos chamados de Quimoas) e os “Gatos
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