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Educação no Campo - Aspectos Históricos e Pedagógicos do Campesino - EAD (2)

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EDUCAÇÃO NO CAMPO: 
ASPECTOS HISTÓRICOS E 
PEDAGÓGICOS DO CAMPESINATO
PROF. ME. RUI BRAGADO SOUSA
Reitor:
Prof. Me. Ricardo Benedito de 
Oliveira
Pró-Reitoria Acadêmica:
Maria Albertina Ferreira do 
Nascimento
Diretoria EAD:
Prof.a Dra. Gisele Caroline 
Novakowski
PRODUÇÃO DE MATERIAIS
Diagramação:
Alan Michel Bariani
Thiago Bruno Peraro
Revisão Textual:
Camila Adão barbosa
Camila Cristiane Moreschi
Fernando Sachetti Bomfim
Patrícia Garcia Costa
Produção Audiovisual:
Adriano Vieira Marques
Márcio Alexandre Júnior Lara
Osmar da Conceição Calisto
Gestão de Produção: 
Cristiane Alves
© Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114
 Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo 
(a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá.
 Primeiramente, deixo uma frase de Só-
crates para reflexão: “a vida sem desafios não 
vale a pena ser vivida.”
 Cada um de nós tem uma grande res-
ponsabilidade sobre as escolhas que fazemos, 
e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica 
e profissional, refletindo diretamente em nossa 
vida pessoal e em nossas relações com a socie-
dade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente 
e busca por tecnologia, informação e conheci-
mento advindos de profissionais que possuam 
novas habilidades para liderança e sobrevivên-
cia no mercado de trabalho.
 De fato, a tecnologia e a comunicação 
têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, 
diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e 
nos proporcionando momentos inesquecíveis. 
Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino 
a Distância, a proporcionar um ensino de quali-
dade, capaz de formar cidadãos integrantes de 
uma sociedade justa, preparados para o mer-
cado de trabalho, como planejadores e líderes 
atuantes.
 Que esta nova caminhada lhes traga 
muita experiência, conhecimento e sucesso. 
Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira
REITOR
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UNIDADE
01
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................. 4
1. A ESCOLA NO CAMPO E NA CIDADE ................................................................................................................... 5
2. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1770-1830): DO CAMPO PARA A CIDADE ............................................................. 8
3. O CAMPONÊS E O CORONEL NO BRASIL ......................................................................................................... 10
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................ 22
CONTEXTO HISTÓRICO, SOCIAL, ECONÔMICO E 
POLÍTICO DO CAMPONÊS E DA ESCOLA RURAL
PROF. ME. RUI BRAGADO SOUSA
ENSINO A DISTÂNCIA
DISCIPLINA:
EDUCAÇÃO NO CAMPO - ASPECTOS HISTÓRICOS 
E PEDAGÓGICOS DO CAMPESINATO
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INTRODUÇÃO
Caros(as) alunos(as), vamos começar com algumas re� exões acerca do que signi� ca ser 
camponês e quais as implicações inerentes à escola no campo. Inicialmente, é preciso ressaltar que 
existem ainda alguns preconceitos no que se refere ao homem do campo, geralmente, designado 
como inferior ao sujeito urbano; o primeiro ainda em estado de natureza, quase selvagem, bronco 
e ignorante; o segundo seria sua antítese: civilizado, adaptado, gentil, educado. Para os objetivos 
dos nossos estudos, nada seria mais prejudicial que essa visão equivocada, sob todos os aspectos. 
No decorrer desse escrito, teremos oportunidade de compreender onde e quando surgiu essa visão 
depreciativa da cidade para com o campo. A princípio, basta dizer que não existem diferenças 
intelectuais entre o camponês e o homini civitatem.
Veremos, nesta unidade, os períodos históricos, em que ora o camponês é exaltado, como 
em Os trabalhos e os dias, na Grécia arcaica de Hesíodo (século VIII a. C.) ou em O campo 
e a cidade, de Raymond Williams, que marca a transição econômica, cultural e política para 
o meio urbano pós Revolução Industrial (1870-1830); e ora ele é taxado como inferior, como 
culturalmente arcaico e atrasado, por sua mestiçagem, no pensamento de Euclides da Cunha e 
de Nina Rodrigues, já no alvorecer do século XX. Portanto, é preciso compreender a priori que 
se trata apenas de uma visão de mundo, ou cosmovisão a respeito da vida rural condicionada 
pela produção intelectual e pela literatura de determinada época. Esta historiogra� a (a escrita 
da história), muitas vezes, expõe mais a formação de seu autor que a do camponês propriamente 
dito. Isso nos leva a dizer que é preciso cautela e tolerância para compreender o mundo rural e, 
sobretudo, para apreender as concepções pedagógicas que lhe são subjacentes. 
Marlene Sapelli (2013) destaca algumas características da Educação do Campo: ela não é 
para e nem apenas com, mas dos camponeses; é pressão coletiva por políticas públicas; combina 
luta pela educação com outras lutas, como: luta pela terra, pela Reforma Agrária, pelo direito ao 
trabalho etc. O que equivale a dizer que pensar as pedagogias no campo e para o campo pressupõe 
entender que elas estão inseridas numa disputa simbólica e política, e por que não ideológica. 
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1. A ESCOLA NO CAMPO E NA CIDADE
É uma grande satisfação dialogar com vocês sobre um tema de grande relevância, em 
se tratando de um país que ainda mantém parte signi� cativa de sua matriz econômica pautada 
no campo, em detrimento de uma industrialização tardia nos grandes centros. O Brasil é um 
país essencialmente agrário e seus ciclos econômicos (pau-brasil, açúcar, café, soja) não foram 
acompanhados com a devida atenção no campo educacional. Se, por um lado, o campo é pujante 
economicamente desde o período colonial, no polo oposto a essa base econômica não se seguiu 
um processo educacional do trabalhador rural, especi� camente na � gura do camponês. A 
modernização tardia das técnicas e tecnologias rurais tem seu equivalente na atenção tardia que 
foi dada a seus habitantes. 
Existem duas visões que tornam o homem do campo estereotipado. A primeira é 
romântica, fruto da literatura do século XIX que tende a idealizar a � gura do camponês, essa 
tendência é bastante evidente em alguns romances de José de Alencar, entre outros autores. 
A segunda é inversa à primeira e tende a adjetivar o mundo rural como oposto à civilização 
urbana, esta corrente é pautada pela � loso� a positivista da história, que desloca o campo para 
um eixo atrasado e negativado, em oposição à cidade civilizada e positivada. A obra Os Sertões, 
de Euclides da Cunha, com base em uma tradição positivista, é o principal representante dessa 
corrente literária. Para � ns pedagógicos, ambas são inválidas. Nem a romântica que idealiza, 
tampouco a positivista que os denigre. Importa para nossos objetivos compreender o homem do 
campo, e não o julgar.
O termo campesinato é de origem recente em português e vem sendo empregado 
principalmente no domínio das Ciências Sociais para signi� car o conjunto de camponeses; é um 
substantivo coletivo. O aparecimento do termo, provavelmente, se prendeu ao desenvolvimento 
de estudos sobre os indivíduos rústicos, tanto em língua francesa quanto inglesa e traduzidos para 
o português, tendo sido necessário forjar uma palavra que signi� casse paysannerie e peasantry, 
ambos signi� cando a condição de ser camponês e o conjunto de camponeses. Deriva do adjetivo 
campesino, que é sinônimo de campestre, de rústico. Os substantivos correlatos são camponês e 
campônio, isto é, habitante do campo, aldeão, indivíduo rústico (QUEIROZ, 1973).
Este indivíduo rústico será o nosso ator principal, e a Educação no Campo será o 
nosso enredo. No decorrer das quatro unidades que se seguem, vamos analisar a bibliogra� a 
referente aos campesinos, tanto em termos históricos, sociológicos, antropológicos e,sobretudo, 
pedagógicos. Na Unidade 1, veremos a transição do campo para a cidade e o deslocamento do 
eixo econômico que acompanhara a humanidade até o século XVIII, com a Revolução Industrial 
e o protagonismo das cidades. Na Unidade 2, analisaremos as bases legais da pedagogia no campo 
e sua fundamentação na legislação vigente. A Unidade 3 dará continuidade à anterior, mas com 
foco no currículo e nas vicissitudes do campo em relação à cidade, da oralidade em relação à 
escrita. Por � m, na Unidade 4, vamos estudar as pedagogias no campo e sua didática especí� ca, 
a infância no campo e a Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire. 
Antes de seguirmos, porém, são necessárias algumas de� nições conceituais e semânticas 
sobre a Educação no Campo. A primeira delas refere-se ao dilema: educação do campo ou no
campo? Qual seu sentido correto? Do é a contração da preposição de com o artigo de� nido 
o (de + o = do); no é contração da preposição em com o artigo o (em + o = do). Nesse caso, 
é lícito perguntar: a discussão deveria se dar em torno de uma Educação no Campo ou uma 
educação do campo? Uma questão complexa que vai além da semântica. Trata-se de um problema 
metodológico.
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De acordo com Luís Bezerra Neto (2010, p. 152), se entendermos que o processo 
educacional deve ocorrer no local em que as pessoas residem, devemos falar de uma Educação 
no Campo, e aí, não haveria a necessidade de se pensar em uma educação especí� ca para o 
campo, dado que os conhecimentos produzidos pela humanidade devem ser disponibilizados 
para toda a sociedade. Por outro lado, se entendermos que deve haver uma educação especí� ca 
para o campo, teríamos que considerar as diversidades de uma educação para os assentados por 
programas de reforma agrária, outra para imigrantes, outra para remanescentes de quilombolas 
e tantas outras quantas são as diferentes realidades do campo. Nesse caso, trabalharíamos apenas 
com as diversidades e jamais com o que une todos os trabalhadores, que é o pertencer a uma 
única classe social, a classe dos desprovidos dos meios de produção e, por isso, vendedores de 
força de trabalho, explorados pelo capital.
Por essas razões, empregamos neste trabalho tanto Educação no Campo, como do campo, 
no sentido de que ambas representam juntas (no e do) uma das diretrizes legais e metodológicas 
para a escola do campo, isto é, o direito de uma escola na comunidade, na localidade do campo (por 
isso, no tem sentido de lugar); e porque a educação deve partir da realidade concreta do aluno do 
campo (por isso, do tem sentido de especi� cidade, de modo de vida, de cultura do campo). Não 
havendo uma forma de empregar no e do juntos, optamos por usá-los alternadamente, pensando 
sempre no sentido de que isolados são incompletos; juntos são complementares.
Até mesmo os professores saem dos bancos escolares, dos cursos de licenciatura, sem 
ter estabelecido qualquer discussão sobre o modo de vida camponês, pressupondo que o modo 
de vida urbano prevalece em todas as relações sociais e econômicas brasileiras. É nosso objetivo 
e também justi� cativa estudar e compreender essa dicotomia, para que, ao � nal, possamos ler 
o belo poema Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto em toda sua radicalidade e 
realismo: 
Esta cova em que estás, 
Com palmos medida,
É a conta menor que tiraste em vida, 
É de bom tamanho, 
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
Não é cova grande, 
é cova medida, 
é a terra que querias
ver dividida.
(João Cabral de Melo Neto). 
Figura 1 - Retirantes. Fonte: Portinari (1944).
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Para localizarmos a discussão no tempo e no espaço, é importante notar que o conceito 
moderno de Escola, relacionada a ensino e aprendizagem com uma metodologia e uma pedagogia 
especí� ca, nasce concomitantemente no � nal do século XVIII. Duas importantes revoluções 
condicionam seu nascimento: a Revolução Francesa (1789-1794) e a Revolução Industrial (1770-
1830). Com essas mudanças econômicas e políticas fundamentadas pela ascensão de uma nova 
classe social - a burguesia - ocorre também a necessidade da instrução pública. É certo que havia 
escola desde muito antes da era contemporânea, a Academia de Platão, o Liceu de Aristóteles, 
as Universidades no período medieval e as escolas de Comênio na era moderna são exemplos 
notórios. Contudo, enquanto instituição do Estado, a Escola é um produto da modernidade. 
Alguns documentos históricos nos remetem para a origem da escola rural na Alemanha 
do século XVIII, os quais poderiam ser localizados também na França ou Inglaterra do mesmo 
período. Os Tratados pedagógicos, de Johann Christian Brandes (1735-1799), nos fornecem uma 
topogra� a clara de seu funcionamento: 
A aparência exterior do prédio da escola não diferia muito da de um estábulo. 
Havia sujeira na entrada e lá dentro o espaço era apertado. A sala de aula era a 
única da casa; na verdade, era bastante espaçosa: mas sempre � cava pequena para 
tudo o que deveria caber lá dentro. Quando entramos, deparamo-nos com um 
bafo desagradável, que por um momento di� cultou bastante nossa respiração. 
A primeira coisa que avistamos foi um galo e mais adiante duas galinhas e um 
cachorro. Junto à lareira havia uma cama, sobre a qual se encontravam uma 
roda de � ar, um pão e todo tipo de peças de roupa rasgada. Imediatamente 
ao lado da cama havia um berço; ao lado dele, estava sentada a dona da casa, 
acalmando a criança, que berrava. [...] Tivemos de � car de pé porque não havia 
mais lugar para sentar. Na ponta da mesa escolar, avistamos o professor. Ele 
estava mesmo ocupado em passar a lição para as crianças, com o chicote na 
mão. À nossa chegada ele se deteve, pediu para que não se interrompesse, mas 
prosseguisse com a sua aula ordenadamente. Ele fez isso e pediu que seus alunos 
maiores recitassem algo que haviam aprendido de cor, do que inicialmente não 
conseguimos entender quase nada, pois a criança de colo continuava a berrar e o 
galo que, à nossa entrada, havia se retirado para um canto do recinto, cantava a 
partir dali com tal volume de voz que nossas orelhas vibravam (BRANDES apud 
BENJAMIN, 2013, p. 102-103). 
A escolha dessa citação é óbvia, demonstrar o falso romantismo presente no campo, 
idealizado. A ideia do bucólico, poesia pastoril que descreve as belezas da vida campestre expressa 
pelos poetas sobre o campo, tem pouca relevância na pedagogia. Se a passagem acima pode 
soar exagerada, outra testemunha do século XVIII não deixa dúvidas. Justus Möser (1720-1794) 
deixou algumas notas intituladas Sobre a educação das crianças camponesas, na qual anota sobre 
ler e escrever: “Encarava-se isso como uma espécie de educação burguesa que só precisava ser 
realizada nas cidades e por pessoas que não praticavam a agricultura nem a pecuária”. No excerto 
do � lósofo Walter Benjamin (2013, p. 103), seu autor narra com surpresa o que chama de “moda 
entre os camponeses”, a leitura na juventude. Naquele tempo, o camponês precisava saber apenas 
alguns hinos da igreja, que eram mais decorados que legíveis. 
Uma realidade que começaria a mudar com as novas exigências da industrialização. É 
certo que houve um dé� cit muito grande do campo com relação à instrução urbana. Fator que 
condiciona ainda certos preconceitos com relação ao homem do campo como retrógrado e 
atrasado em relação ao civilizado homem da cidade. Um preconceito velado, mas ainda enraizado 
no senso comum em expressões como gente da roça não precisa de estudos, isso é coisa de 
gente da cidade. Uma leitura equivocada que não resiste ao exame histórico e sociológico. É o 
que veremos a seguir. 
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Figura 2 - Paisagem. Fonte: Vieira (2010).
2. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1770-1830): DO CAMPO PARA A CIDADE
Pois a verdade, ainda que expressaem poesia
É que campeia nas aldeias a agonia.
(Raymond Williams)
A forma como a historiogra� a (escrita da história) aborda os movimentos sociais rurais 
ou camponeses permite visualizar as transformações que o conceito de Educação no Campo
(conceito pedagógico) sofreu ao longo dos últimos dois séculos, após a Revolução Industrial, 
portanto. O período de 1770 a 1850 marca uma transição, uma mudança súbita no padrão da 
evolução social e política, primeiramente na Inglaterra, depois França, Alemanha, Estados 
Unidos e Japão. Trata-se de uma mudança radical nos modos de produção e nas relações de 
consumo, isto é, a passagem da sociedade artesanal, manufatureira para a Indústria moderna, 
do fazer manual para o fazer maquinário. Com isso, há um impacto demográ� co e cultural: a 
transição paulatina da vida rural para a urbana.
As fábricas e a vida urbana vieram suplantar a vida no campo, havendo uma mudança 
radical na própria cultura humana, na experiência e na ideia de tempo. A de� nição conceitual 
de Revolução Industrial varia de acordo com a concepção de cada intérprete do tema. Mas, em 
linhas gerais, seguindo as de� nições de Paul Mantoux (1994), em obra clássica sobre o evento 
supracitado, trata-se de uma mudança radical na forma de produção de mercadorias, mudança 
esta que acarreta uma série de alterações na cadeia produtiva, nos modos de produção e de 
trocas. A primeira Revolução Industrial abarca o período de meados da segunda metade do 
século XVIII, de 1770 até 1830. Essa fase restringe-se, em um primeiro momento, ao mercado 
têxtil, à produção de tecido, que na Inglaterra funcionava como uma espécie de mola para o 
desenvolvimento da indústria moderna. 
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A segunda fase da revolução eleva as invenções da primeira em âmbito mundial, não estará mais 
restrita à Grã-Bretanha e diverge também pela diversidade da produção, no mercado de transporte, 
ferrovias, navios a vapor, na indústria bioquímica e física, na medicina, nos motores à combustão 
e, en� m, ao desenvolvimento dos combustíveis fósseis, o petróleo. No século XX, há o que alguns 
autores chamam de Terceira Revolução Industrial, no ramo bélico, nas telecomunicações e na 
informática.
Paul Mantoux (1994) caracteriza a moderna indústria pelo fato de substituir a força 
muscular (manufatura) por forças motrizes inanimadas. A produção deixa de ser privilégio da 
mão humana (daí o termo manufatura, fazer com as mãos), dos mestres de ofício e artesãos 
medievais e passa para as máquinas. As consequências que essa mudança traz ao corpo e 
à consciência humana são notáveis, uma mudança brusca que levou, no máximo, um século 
para ser consolidada, rompendo com a produção manual e o saber humano em uma tradição 
de milhares de anos que vem desde o homo faber e as toscas ferramentas de pedra do período 
paleolítico. 
Com a Revolução Industrial há, portanto, a transição do campo para a cidade, em que 
a urbes passa a ser centro econômico de produção e de troca, relegando o campo a uma função 
coadjuvante e os camponeses ao status subsidiário. Um dos autores que melhor analisou essa 
mudança qualitativa foi o escritor e historiador britânico Raymond Williams (1921-1988), autor 
de O campo e a cidade na história e na literatura e de vasta obra sobre cultura e política. Por meio 
da metodologia que Williams chama de retrospecção ou escada rolante, ele compara diversas 
épocas literárias, de Homero (autor da Ilíada, poema épico que narra a guerra entre gregos e 
troianos) na antiguidade a Aldoux Huxley (autor da distopia chamada Admirável mundo novo) 
na modernidade, sem, todavia, perder o século XVIII de vista. Ele discorda da interpretação de 
autores (mesmo os socialistas) que caem no que ele denomina de idealização do industrialismo. 
“A polidez do melhoramento tem como contraponto necessário a dura realidade do poder 
econômico, e uma ênfase moral diferente torna-se inevitável” (WILLIAMS, 1989, p. 231).
A canção da terra, a canção do trabalho rural, a canção do amor por tantas formas 
de vida com as quais todos nós partilhamos nosso universo físico, é importante 
demais, comovente demais, para que abramos mão dela sem resistência, numa 
traição odiosa, e a entreguemos à arrogância dos inimigos de todas as formas 
signi� cativas e concretas de independência e renovação (WILLIAMS, 1989, p. 
365).
Sua origem na região rural da fronteira entre a Inglaterra e o País de Gales logo o 
colocou em contraste com a área urbana e industrializada do berço da Revolução Industrial. Essa 
dicotomia entre campo e cidade viria a marcar boa parte de sua produção intelectual. Segundo 
Williams (1989, p. 12), a Revolução industrial não transformou só a cidade e o campo, “[...] 
ela baseou-se num capitalismo agrário altamente desenvolvido, tendo ocorrido muito cedo o 
desaparecimento do campesinato tradicional”. A divisão e oposição entre o campo e a cidade, 
indústria e agricultura, em suas formas modernas, representa a culminação crítica do progresso 
relacionado ao mundo urbano e o campesinato relegado a conceitos retrógrados como o rústico 
e o arcaico. 
Dessa maneira, a partir da análise cultural das mudanças estruturais e qualitativas 
que ocorreram na passagem do século XVIII ao XIX, ou da sociedade agrária, paternalista, 
manufatureira para a sociedade industrial com economia de mercado; pode-se compreender o 
entrechoque dialético que ocorreu no interior daquela cultura em transformação. De um lado, os 
valores morais, religiosos, paternalistas e tradicionais embasados no costume de longa duração; 
de outro, uma cultura em rápida transformação.
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É tarefa desta unidade demonstrar que essa dicotomia revela certo preconceito baseado 
na ideia evolutiva do Positivismo. Nosso objetivo é compreender que existe uma visão de mundo 
essencialmente urbana na modernidade e as consequências pedagógicas subjacentes ao olhar 
pejorativo relacionado ao ambiente rural. Tal ponderação justi� ca-se pela defasagem de políticas 
públicas direcionadas à Educação no Campo, em detrimento da ênfase no ensino nas cidades. 
Em sentido semelhante, as catástrofes ambientais, a natureza relegada ao plano secundário, são 
fruto da ausência de uma educação pautada na sustentabilidade, tanto no campo como na cidade. 
Figura 3 - Escola no campo. Fonte: Fundação Telefônica (2016).
3. O CAMPONÊS E O CORONEL NO BRASIL 
Nesse tópico, vamos entender a construção histórica do homem do campo, o típico 
camponês, bem como a � gura do coronel, ainda comum no país. 
No Brasil, durante muito tempo se negou a existência de uma camada camponesa; 
supunham os autores que, abolida a escravatura, durante a qual os escravos haviam desempenhado 
todos os trabalhos agrícolas, o trabalho assalariado ou então uma servidão disfarçada viera 
substituí-la nas empresas rurais do tipo capitalista. Na verdade, houve em todos os tempos um 
campesinato livre brasileiro, coexistindo tanto com as fazendas monocultoras quanto com as 
fazendas de criação de gado e tendo a seu cargo a produção de abastecimento para estas empresas 
e para os povoados (QUEIROZ, 1973, p. 26).
Segundo Martins (2000, p. 101): “A questão agrária está no centro do processo constitutivo 
do Estado republicano e oligárquico no Brasil, assim como a questão da escravidão estava nas 
próprias raízes do Estado monárquico no Brasil imperial”. Nesse contexto, conforme as Diretrizes 
Curriculares para a Educação no Campo (PARANÁ, 2006), é preciso pensar a educação do 
campo, que esteve à margem das políticas educacionais, uma vez que, da ótica o� cial, a educação 
não era necessária aos povos trabalhadores da terra. A questão agrária esteve visível em diferentes 
conjunturas políticas, em função da atuação dos movimentos que reivindicam a Reforma Agrária, 
muito embora ela tenha sido tratada como problema social, como diz Martins (2000), e não 
como questãoestrutural.
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Na Primeira República (1889-1930), uma lógica paradoxal diferencia e ao mesmo tempo 
relaciona organicamente esses dois cenários – o da capital federal e litoral versus o interior –, à 
primeira vista opostos, o cenário do progresso montado na cidade que, após o 15 de novembro 
de 1889, assume foros de capital federal e o “[...] cenário do interior do país, onde a República 
recém implantada aparentemente muda apenas, no cotidiano, os selos que estampilhavam as 
cartas que o correio de quando em vez faz chegar” (NEVES, 2010, p. 16). Esses ideais modernos, 
condensados no que então era visto como associação indissolúvel entre os conceitos de progresso 
e de civilização, redesenhavam o quadro internacional, acenavam com a possibilidade de um 
otimismo sem limites, em função das conquistas da ciência e da técnica, e impunham uma 
determinada concepção de tempo e de história. 
Esta dicotomia campo/cidade no Positivismo progressista da Primeira República 
encontraria seu narrador ideal em Euclides da Cunha. O autor do clássico Os sertões, obra que 
adentra os arraiais de Canudos e descreve de modo cientí� co o estilo de vida no interior do Brasil. 
Com relação ao sertanejo, contudo, as palavras de Euclides têm um tom bastante pejorativo.
Se em Os sertões predominam expressões que denotam o fatalismo racial, como 
“inexoravelmente arcaicos, atrasados e rudes, separados da civilização por três séculos”, uma 
nova geração de cientistas viria a romper com esse determinismo racial e geográ� co. Com os 
trabalhos de pro� laxia rural, na perspectiva de Roquette Pinto e Belisário Penna, argumenta-
se que os mestiços não seriam orgânicos ou racialmente inviáveis. Essa geração de cientistas, 
de acordo com Nísia Trindade Lima (1999), se opõe a qualquer fatalismo baseado na raça ou 
no clima, ao mesmo tempo em que descarta as versões ufanista e romântica que consideravam 
idealizar a natureza e o homem brasileiro.
O movimento sanitarista, ou de pro� laxia dos sertões, tem início com os trabalhos de 
Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. A máxima de Miguel Pereira, de que “o Brasil é um imenso 
hospital” e a visão negativa da vida nos sertões, cuja representação máxima está nos contos 
de Monteiro Lobato, em especial Urupês e Velha Praga, em que o caboclo brasileiro aparece 
adjetivado como “piolho da terra, parasita, indolente, quantidade negativa”, despertou a atenção 
das autoridades e de cientistas na redescoberta do interior. Em 1916, é publicado o relatório de 
viagem da expedição comandada por Arthur Neiva e Belisário Penna; em 1918, Belisário publica 
Saneamento do Brasil, e no mesmo ano o presidente Venceslau Brás cria o Serviço de Pro� laxia 
Rural. Os pontos de pro� laxia em diversos estados resultaram na melhoria das condições de 
vida do sertanejo e a presença do Estado na implementação de políticas de atenção à saúde de 
populações que, como a� rmaram Belisário Penna e Arthur Neiva, os sertanejos só sabiam de 
governos “[...] porque se lhes cobrava impostos de bezerros, de bois, de cavalos e de burros” 
(LIMA, 1999).
Pode-se também pensar a semântica pejorativa atribuída aos camponeses caboclos, 
por meio dos personagens de Monteiro Lobato, como o Jeca Tatu, um ser mutante, mistura de 
Quasimodo e Hércules, que re� ete, em boa medida, o pensamento das elites republicanas sobre 
a � gura do camponês:
Este funesto parasita da terra é o Caboclo, espécie de homem baldio, 
seminômade, inadaptável à civilização, mas que vive à beira dela na penumbra 
de zonas fronteiriças, à medida que o progresso vem chegando com a via férrea, 
o italiano, o arado, a valorização da propriedade, vai ele fugindo em silêncio, com 
seu cachorro, o seu pilão, pica-pau e o isqueiro, de modo a sempre conservar-se 
fronteiriço, mudo e sorna (LIMA, 1999, p. 137).
Lobato descreve camponês de forma estereotipada como caipira e inadaptável ao mundo 
moderno e ao progresso, incapaz de transpor as barreiras da barbárie para a civilidade, como 
parasita da terra. 
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É verdade que o tipo de caboclo imaginado por Lobato não era unanimidade. Houve 
reações ao Jeca Tatu, surgiu o Mané Chique-Chique ironizando o estilo literário de Monteiro 
Lobato. Rocha Pombo criou o Jeca Leão, e Renato Khel o Jeca Bravo, recuperado pela higiene 
e pelas medidas eugênicas de pro� laxia rural. Os modernistas e sua relação tensa, por vezes 
não amistosa com Lobato, também satirizaram seu personagem. Em Macunaíma, de Mário de 
Andrade, há uma célebre frase que satiriza o personagem lobatiano: “Pouca saúde e muita saúva, 
os males do Brasil são”. Como se sabe, as saúvas, espécie de formigas, têm espaço privilegiado 
nos escritos e contos de Monteiro Lobato. Após as críticas, o próprio Lobato pede perdão ao 
Jeca, in� uenciado pelo movimento sanitarista ele a� rma que “O Jeca não é assim, ele está assim” 
(LIMA, 1999). 
O pensamento de literatos como Euclides da Cunha e Monteiro Lobato re� ete, em boa 
medida, o sentimento das elites do país sobre o homem do interior, a visão dos grandes centros 
litorâneos acerca dos sertões. Elite essa formada por jornalistas, pro� ssionais liberais, militares de 
alta patente, aristocratas. Um militar que participou da repressão a diversos movimentos sociais 
de protesto na Primeira República (1889-1930) assim se refere ao homem do campo:
O sertanejo é um perfeito grulha: responde ao que se lhe pergunta e conta o que 
não se quer saber. Desde que perceba que está sendo ouvido com atenção, ele 
� ca à vontade: descalça o coturno, coça os pés desasseados, cuspinha, esfrega 
os olhos remelosos, mete o indicador pelas narinas e, às vezes, por cúmulo de 
modos tão extravagantes, tira com as pontas das unhas, farto limo dos dentes, 
virgens de escova (ASSUMPÇÃO, 1917, p. 199-200). 
Em meados da década de 1950, um médico convencido de que era também antropólogo 
nos deixou outro documento histórico sobre o caboclo brasileiro:
Estatura variável, de média a alta; tez que vai do moreno ao acobreado; robusto 
de compleição atlética e de ‘corpo de Dom Quixote’, espadaúdo; desajeitado ao 
andar, nos moldes e nas atitudes. É de uma grande resistência física, que muitas 
vezes adormece num estado potencial para desencadear no momento oportuno. 
[...] Se é capaz de grandes amizades, também nutre grandes e profundos ódios 
que se transmitem inextinguíveis de pais para � lhos e que, avassalando às vezes 
famílias inteiras, determinam lutas de completo extermínio. Mas o caboclo, 
que pelo espírito de vingança chega até ao homicídio, em épocas normais é 
absolutamente incapaz de matar para roubar! (LUZ, 1999, p. 74-75). 
A honra e a moral, especialmente a familiar, fazem do caboclo um herói, tal como o 
camponês descrito por Hesíodo em Os trabalhos e os dias, robusto, resistente, forte, afeiçoado 
ao trabalho no campo; honesto, bom, hospitaleiro; pouco sentimental e nada romântico, 
mas amoroso com a família; valente, exímio esgrimista ao facão, embora pací� co na maioria 
do tempo; inteligente, porém analfabeto. Temente a Deus, religioso, ainda que com certa 
descon� ança aos padres. Possui um vocabulário típico, diacho e barbaridade podem expressar 
diversos signi� cados, para o bem e para o mal. No vestiário, destacam-se as roupas de brim 
para o trabalho e a bombacha para os dias de festa, assim como as roupas simples das mulheres 
no cotidiano e o belo vestido adornado com � tas e bordados para os feriados bíblicos. Esta é a 
descrição antropológica de Aujor Luz (1999), rigorosamente honesta. 
É conservador, tradicional, o sertanejo di� cilmente se deixa dominar pelas inovações, 
guarda vaidoso seus costumes. Oliveira Viana distingue os quatro tipos de caboclo, diferenciados 
geogra� camente: o gaúcho dos pampas rio-grandenses, o matuto das matas mineiras e paulistas, 
o sertanejo das caatingas cearenses, e o caucheiro dos seringais amazonenses.Não citou ou 
caracterizou o caboclo paranaense e catarinense, talvez por entender que este esteja na fronteira 
entre os paulistas e gaúchos. 
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Seja como for, há uma diferença cultural abissal entre o sertanejo e o homem do litoral, a urbes e 
o rústico, o que deve ser levado em conta nas concepções pedagógicas. 
Figura 4 - Representação típica do Coronel e do voto de cabresto durante a Primeira República. Fonte: Infoescola 
(2020).
Uma vez analisada a teoria política positivista no alvorecer da República, faz-se necessária 
uma abordagem prática, ou seja, as raízes das rami� cações que legitimaram o regime republicano 
e, de certa forma, também foram legitimadas por ele, o coronelismo, o latifúndio, o municipalismo 
e o federalismo. 
Sabe-se que a República foi proclamada em um momento de intensa especulação 
� nanceira, processo conhecido como “Encilhamento”, atribuído a Rui Barbosa, causado pelas 
grandes emissões de dinheiro feitas pelo governo para atender às necessidades geradas pela 
abolição da escravidão (CARVALHO, 1997). A crise � nanceira da capital e dos centros comerciais, 
todavia, foi temporariamente sublimada pela autonomia outorgada aos estados e municípios na 
Constituição de 1891. A descentralização do aparelho burocrático visava claramente a uma maior 
arrecadação tributária e, nesse processo, emerge a � gura central do coronel.
O Federalismo, tal como se con� gura na Constituição de 1891, deixa aos Estados, 
recém-criados, uma longa margem de autonomia. Pela Constituição, eles detêm a propriedade 
das minas e das terras devolutas situadas em seus respectivos territórios e podem realizar entre 
si ajustes e convenções, sem caráter político. Podem legislar, também, sobre qualquer assunto 
que não lhes for negado, pautados pelos princípios constitucionais da União (art. 63). Esse 
dispositivo permite aos estados, por exemplo, cobrar impostos interestaduais, decretar impostos 
de exportação, contrair empréstimos no exterior, elaborar sistema eleitoral e judiciário próprios, 
organizar força militar etc. Na República, os governadores ou presidentes, conforme denominado 
na respectiva constituição de cada estado, são eleitos e detêm uma enorme soma de poder que 
lhes advém do próprio texto constitucional. Nesse processo, os coronéis, nos municípios, serão 
peças-chave. Se o poder do estado é grande, também é o poder dos municípios. A doutrina do 
municipalismo, baseada no princípio “o município está para o estado assim como o estado está 
para a União”, impõe-se na maioria dos estados, transforma o município em uma federação de 
distritos (RESENDE, 2010).
Na base do sistema estava a � gura do coronel, dono da vontade dos eleitores e senhor dos 
currais eleitorais, cujo poder pessoal substitui e representa o Estado, distribuindo como favor e 
benesses, a seu bel-prazer, o que seria de direito dos cidadãos. Nesse quadro, as eleições eram um 
ritual vazio, a participação eleitoral era mínima e a fraude a norma eleitoral (NEVES, 2010, p. 39). 
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Para Victor Leal Nunes (1975), o coronelismo é um fenômeno que só pode ser entendido a 
partir da ótica privada, da estrutura agrária latifundiária, que fornece as bases de sustentação para 
as diferentes formas de manifestação do poder privado. O poder representativo de uma estrutura 
econômica e social, basicamente rural, que permite o controle de uma vasta população em posição 
de dependência direta do latifúndio; de um sistema de compromissos, que Nunes (1975, p. 43) 
chamou de paternalismo ou um sistema de reciprocidade, uma troca de proveitos, entre um 
poder público fortalecido e um poder privado já em fase de enfraquecimento. O paternalismo, 
segundo Nunes (1975) também tinha sua recíproca: negar pão e água ao adversário. O ditado 
“aos amigos se faz justiça, ao inimigo se aplica a lei” virou lema dos coronéis, e o provérbio 
transformou-se, na prática, em mandonismo e perseguição aos adversários. O coronel organiza 
uma milícia, arbitra rixas e desavenças, reúne nas mãos funções policiais, empregando capangas 
e jagunços e manipula a polícia e a justiça. Fato comum, os coronéis que alcançam a hegemonia 
nos seus estados passam a integrar as oligarquias estaduais. 
O termo coronelismo está diretamente relacionado aos pseudocoronéis da extinta 
Guarda Nacional, criada por Diogo Antônio Feijó, em 1831. O status de coronel 
passou, então, a todo chefe político ou potentado regional. Sobre esta temática, o 
clássico de Victor Nunes Leal (1975), intitulado Coronelismo, enxada e voto ainda 
é referência obrigatória. 
 Sobre o Federalismo, a formulação de Campos Sales é esclarecedora: para ele, 
é dos estados que se governa a República. Era a mola mestra que fez funcionar 
a Primeira República (1889-1930) brasileira, permitindo, por um lado, um grau de 
autonomia consagrado institucionalmente para as oligarquias regionais e suas 
lutas intestinas e, por outro, uma base para a política de contraprestação de 
favores políticos que o porá em consonância com o governo federal.
Isso produziu uma situação de duplo poder, de um lado os chefes municipais e os 
coronéis, que conduzem magotes de eleitores como quem toca tropa de burros; 
de outro lado, a situação política dominante no Estado, que dispõe do erário, dos 
empregos, dos favores e da força policial, que possui, em suma, o cofre das graças 
e o poder da desgraça (LEAL, 1975).
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O cenário político e social da Primeira República foi, portanto, inversamente 
proporcional aos objetivos que motivaram a proclamação. O federalismo 
degenerou-se em um sistema de apadrinhamento político, e o liberalismo limitou-
se às regras das oligarquias. Os ideais positivistas chocaram-se com o mundo 
rústico e tradicional dos sertões. Essa conjectura levou até mesmo os mais 
fervorosos ideólogos da República ao desencantamento natural com o regime, 
ao ponto de Alberto Torres declarar: “Este Estado não é uma nacionalidade; este 
país não é uma sociedade; esta gente não é um povo. Nossos homens não são 
cidadãos”. Pois, como afi rmou o abolicionista Joaquim Nabuco, “O que ela [a 
República] não tinha era princípios” (CARVALHO, 1997, p. 33).
Fora de sintonia com seus ideais e projetos, a República Velha tornou-se incoerente 
até mesmo aos olhos de um sociólogo conservador como Gilberto Freyre. O 
autor de Casa Grande e Senzala declarou na mesma obra que “[...] a monocultura 
latifundiária mesmo depois de abolida a escravidão, achou jeito de subsistir em 
alguns pontos do país, ainda mais absorvente e esterilizante do que no antigo 
regime [...] criando um proletariado de condições menos favoráveis de vida que a 
massa escrava” (LEAL, 1975, p. 27).
Dentro dessa conjuntura positivista e oligárquica, de liberalismo excludente, havia 
poucas alternativas para os pobres do campo ou camponeses. No Nordeste, 
a fome, a seca e a miséria tornavam as condições de vida do sertanejo ainda 
mais desoladoras e uma das opções do matuto era a formação de grupos de 
cangaceiros, com armas a mão, compondo um grupo que Eric Hobsbawm (1976) 
chamou de banditismo social. A outra forma de organização pré-política seria a 
instauração de comunidades místicas em torno de um beato, conselheiro, monge 
ou profeta; que a elite esclarecida designou de fanatismo. “A classe dos pobres 
do campo se achava à margem da sociedade constituída. Não tinha terras nem 
outros bens, não tinha direitos, não tinha sequer deveres – além daquele de servir 
o senhor” (FACÓ, 2009, p. 46).
Há uma tipologia ou uniformidade do Bandido social: são oriundos do meio rural, 
campesino, situando-se entre a evolução tribal e a moderna sociedade capitalista 
e industrial; dentre a sociedade tradicional e a transição para o capitalismo 
agrário. Tende a tornar-se epidêmico em épocas de pauperismoou de crise 
econômica. Pode preludiar ou acompanhar movimentos sociais de vulto, como 
revoluções camponesas, embora sejam reformadores e não revolucionários, pois 
representam pouco mais do que sintomas de crise e tensão na sociedade em que 
vivem (HOBSBAWM, 1976, p. 17-20).
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É sintomático que a concepção positivista de história e de tempo histórico da 
Primeira República rapidamente moldou a visão dos mais célebres e eruditos 
narradores como Euclides da Cunha. Há um estranhamento evidente – e por que 
não, um desprezo – das elites urbanas em relação ao caboclo ou sertanejo, há uma 
enorme distância cultural ou incongruência entre o mundo urbano e o rural, entre 
a civilização e o atraso, o positivo e o negativo. Essa concepção de história levou 
o intelectual Euclides da Cunha, que compreendera que o homem do sertão vive 
em função da terra, a buscar as causas das revoltas sertanejas em fatores raciais 
e étnicos, ao que ele chamou de “estigmas degenerativos de três raças”. Veredito 
semelhante foi dado pelo médico e cientista Nina Rodrigues, afi rmando que “a 
criminalidade do mestiço brasileiro [está] ligada às más condições antropológicas 
da mestiçagem brasileira” (FACÓ, 2009, p. 48-49). É evidente que a substituição 
de causas sociais e históricas por fatores biológicos e degenerativos, além de 
racistas, está diretamente relacionada com o darwinismo social, do qual tratamos 
anteriormente e com o próprio positivismo. 
Seguindo a análise de Rui Facó (2009), a matriz do banditismo social e de 
movimentos como o cangaço, Canudos e o Contestado não reside apenas no 
monopólio da propriedade fundiária, mas sim em todo o atraso econômico, no 
isolamento do meio rural, no imobilismo social, na ausência de iniciativas que não 
fossem as do latifundiário. Facó apreende o cunho místico, profético, religioso 
dos sertões como ideologia, pois correspondiam aos anseios morais e materiais 
daquela população. Para os objetivos deste trabalho, diferenciando-se dos 
conceitos de ideologia, o termo empregado será utopia, tendo em vista que esta 
terminologia aplica-se ao porvir, sendo, portanto, contestadora da ordem social.
Há, no entanto, elementos sobre “ideologia” que Rui Facó não aborda no seu 
clássico Cangaceiros e Fanáticos, mas que corroboraram com sua tese. Antonio 
Gramsci distingue entre ideologias historicamente orgânicas, que são necessárias 
a determinada estrutura, e ideologias arbitrárias, racionalizadas ou desejadas. 
Para Gramsci, a ideologia torna-se mais liberada, deixa de pertencer às classes 
fundamentais. Formas menos estruturadas de pensamento que circulam no seio 
do povo comum, uma mistura de folclore, mito e experiência constituem o que 
ele chama de “ideologia não orgânica”. Nesse sentido, há uma ideologia derivada
ou externa e o elemento inerente ou a base comum de determinado grupo social 
(RUDÉ, 1982). 
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Nesses termos, as características essenciais do camponês são as seguintes: 
é um trabalhador rural, cujo produto se destina primordialmente ao sustento da 
própria família, podendo vender ou não o excedente da colheita, deduzida a parte 
do aluguel da terra quando não é proprietário; devido ao destino da produção, 
é ele sempre policultor. O caráter essencial da defi nição de camponês é, pois, 
o destino dado ao produto, pois este governa todos os outros elementos com 
ele correlatos. Assim, difi cilmente cultivará grandes extensões de terra; por outro 
lado, não sendo a colheita destinada à obtenção de lucro, não deve ela ultrapassar 
certo nível de gastos a fi m de não onerar a disponibilidade econômica familiar. 
Economicamente, defi ne-se, pois, o camponês pelo seu objetivo de plantar para 
o consumo. Sociologicamente, o campesinato constitui sempre uma camada 
subordinada, dentro de uma sociedade global - subordinação econômica, política 
e social (QUEIROZ, 1973). Veremos mais sobre sociologia do campo no próximo 
tópico.
O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as 
astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E 
bala é um pedaçozinho de metal [...]. Sabe o senhor: sertão 
é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o 
poder do lugar. Viver é muito perigoso... (ROSA, 2019, p. 18-28).
Sociologia Rural e Historiografi a do Campo
A historiografi a dos movimentos sociais evoluiu positivamente a partir das 
publicações de autores anglo-saxões, como Eric Hobsbawm, Christopher Hill, 
Perry Anderson, Edward Thompson, Raymond Williams e do canadense George 
Rudé, que, em meados da década de 1950, com a criação de revistas como a 
Past and Present e depois a New Left Review, rompem com a ortodoxia marxista 
(vulgar) baseada no determinismo econômico sem, no entanto, perder a luta de 
classes de vista. Esta escola histórica analisa os trabalhadores, do campo e da 
cidade, como protagonistas da história. Inverte-se, assim, a visão aristocrática e 
positivista, na qual apenas grandes homens, heróis militares, reis, enfi m, a elite, 
faziam e escreviam a história. Trata-se de uma inversão, da história vista de baixo 
para cima, em que as classes trabalhadoras ocupam lugar de destaque. Surgem 
assim os rostos na multidão, os personagens anônimos que nunca tiveram seu 
nome gravado nos livros de história, entre eles, o camponês. 
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Martins (2010, p. 77) refere-se a Eric Hobsbawm: “[...] o renovador do marxismo”. 
Essa renovação, todavia, não representa uma ruptura, pelo contrário, trata-se de 
uma renovação motivada pelos anseios da realidade social da segunda metade do 
século XX. A primeira e importante mudança de foco entre Hobsbawm e o marxismo 
do século XIX ou mesmo a ortodoxia stalinista foi o estudo de movimentos 
campesinos. Como escreveu Martins, essa simples escolha representou uma 
heresia no marxismo ofi cial, uma vez que o próprio Marx havia relegado os 
camponeses como culturalmente arcaicos, reacionários e mesmo como massa 
disforme, um saco de batatas (Dezoito de brumário) que refl etia o idiotismo da 
vida rural (Manifesto comunista). O termo polêmico idiotismo é trabalhado em 
detalhes por Raymond Williams (1989, p. 58), e de forma análoga é relativizado 
pelo próprio Hobsbawm em Sobre História, no capítulo fi nal referente ao Manifesto 
Comunista. A última edição do Manifesto Comunista (Editora Boitempo, 2010, p. 
44) traduz a expressão “idiotismo da vida rural” de forma mais comedida, como 
“embrutecimento da vida rural”. 
 A ênfase dada aos movimentos campesinos talvez se explique pelo fato de que as 
maiores revoluções do século XX ocorreram em sociedades basicamente agrárias, 
como a Revolução Russa, Chinesa e Cubana. Obras como Rebeldes Primitivos e 
Bandidos estão dentro dessa temática e com grande infl uência nos estudos rurais 
brasileiros. 
Com a historiografi a da Nova Esquerda Inglesa inaugura-se, portanto, uma nova 
visão com relação ao camponês, não como mera vítima ou como submisso, mas 
como protagonista de sua história. Para fi ns pedagógicos, esta é uma mudança 
fundamental.
Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo pra 
mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram 
coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. 
Então será maravilhoso quando me tiverdes cativado. O 
trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu 
amarei o barulho do vento no trigo (SAINT-EXUPÉRY, 2016). 
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Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz, socióloga emérita da Universidade 
de São Paulo – USP, o marco inicial para os estudos sociológicos no meio rural 
relaciona-se com o clássico de Euclides da Cunha, Os sertões. Contudo, a socióloga 
adverte que algumas teses acerca de Canudos estão em desuso, como a hipótese 
de que uma nocivamestiçagem limitaria o progresso agrário do país. O mestiço 
ou caboclo – o homem orgânico do campo – era visto como racial e fi sicamente 
degenerado e desequilibrado. Não há base científi ca moderna que sustente as 
teses de Euclides, elas estão inseridas no contexto científi co positivista do fi nal do 
século XIX: linear, evolucionista.
 A segunda tese de Euclides refere-se ao isolamento das populações do interior, 
em contraste com a população do litoral. Isso em teoria seria o sufi ciente para 
moldar o pensamento do sertanejo, como culturalmente arcaico, atrasado, em 
detrimento do homem urbano, civilizado. “Apesar de Euclides da Cunha reconhecer 
explicitamente estes pontos, ainda assim predominou sua sensibilidade, diante da 
paisagem, sobre o raciocínio diante dos fatos; criou então a lenda do isolamento 
das populações caboclas [...]” (QUEIROZ, 1973, p. 9). Trata-se de uma lenda que 
ganhou notoriedade pela hábil composição literária de Euclides, mas não tem 
fundamentação empírica, científi ca. 
Essa explicação biológica fundamentada no positivismo reaparece nos escritos de 
Oliveira Vianna, não mais sobre o Nordeste, mas acerca do fazendeiro sulista. No 
sul, também o mestiço preguiçoso e vadio precisaria da imposição do fazendeiro 
para tornar-se produtivo. Para Vianna, a produtividade agrícola do sul do país era 
mérito do empregador e não do agricultor. 
Ainda em termos similares, porém com maior erudição e qualidade literária está 
o clássico de Gilberto Freyre, Casa grande e senzala. Com os trabalhos de Gilberto 
Freyre, a interpretação racial parece relegada inteiramente a segundo plano. Mas a 
existência de uma camada social intermediária, que aparecera na obra de Euclides 
da Cunha, continuava não sendo reconhecida. Ninguém melhor do que Antônio 
Cândido descreveu suas condições específi cas de existência. Ele demonstrou 
como era ilusória a primeira impressão de isolamento dos caipiras, morando 
cada família em suas terras; na verdade, estavam presos a uma organização de 
vizinhança, o bairro rural, de contornos sufi cientemente consistentes para dar aos 
habitantes a noção de lhes pertencer. Centralizado por uma capela e uma vendinha, 
servia este núcleo de centro de reunião para a vizinhança dispersa. Confi guração 
intermediária entre a família, de um lado e, de outro lado, o arraial, ou a vila, ou a 
cidadezinha, o bairro apresenta as formas mais elementares de sociabilidade da 
vida rústica (QUEIROZ, 1973). 
Com esses estudos atualizados por Maria Isaura Queiroz, cai por terra a tese 
euclidiana de determinismo geográfi co e fatalismo racial, isto é, o condicionamento 
social e racial do homem rural. Esse personagem intermediário entre o fazendeiro 
ou latifundiário e os sem-terra é justamente o camponês. Mas o que confi gura um 
camponês? 
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O camponês constitui as diversas formas de produção agrária, seja de base 
familiar ou não. No entanto, nem fazendeiros comerciais, nem proletários rurais 
de algumas economias de plantação em larga escala se enquadram no problema 
do camponês, embora constituam parte do problema agrário. Três termos de 
origem sociológica defi nem o camponês: subordinação, diferenciação cultural 
e posse efetiva da terra. “Penso que a última é signifi cativamente relevante, 
mas não necessariamente da forma como ela está colocada: ‘a posse efetiva 
da terra’, mas sim o seu contraponto, ou seja, a ausência dela” (PRIORI, 2005, p. 
158). O que o caracteriza não é, pois, a posse ou não da terra - muitas vezes o 
lavrador era um arrendatário - e sim a posse e a manutenção dos animais e dos 
instrumentos aratórios. Outra caracterização genérica é uma classe com escasso 
caráter de classe, ou seja, sendo o campesinato uma classe em si, mas não é 
necessariamente uma classe para si. 
O que denominamos de sertanejos ou caboclos constituía o grosso dessa classe 
campesina, não em seu sentido literal, mestiços de branco com índio, mas como 
um grupo unifi cado pelos laços geográfi cos, econômicos e culturais. Dito de 
outra forma, constituíram uma classe por estarem em uma hinterlândia cultural, 
temporal e religiosa.
Nas Diretrizes para a Educação do Campo (PARANÁ, 2006) há a descrição resumida 
do camponês:
- é um trabalhador que cultiva uma pequena área de terra, com uso de ferramentas 
simples, ou pequenas máquinas de tecnologia rudimentar;
- está baseado quase exclusivamente na mão de obra familiar, podendo empregar, 
esporadicamente, trabalhadores assalariados;
- combina a produção dos meios de vida com a produção de mercadorias, sem as 
condições de acumular capital;
- é um sujeito inserido e reproduzido no interior do modo de produção capitalista, 
sem ser um capitalista, na sua essência;
- a família é a sua unidade básica de posse, produção e consumo;
- organizado de forma coletiva, tem na própria família, no interior da sociedade 
global, a função de permitir a oferta de produtos agropecuários a preços inferiores 
aos das empresas capitalistas;
- a família camponesa está sempre ligada a uma unidade maior, o bairro rural, o 
grupo de vizinhança, a comunidade, sendo a família uma das unidades básicas de 
socialização;
- mantém contato frequente com a sociedade urbana, numa relação subordinada 
a ela, de inferioridade, social, política e econômica;
- possui grau elevado de autonomia no processo de decisão e gestão da produção;
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- o contato com o mercado é frequente, com caráter parcial e incompleto; vende 
seus produtos excedentes e adquire mercadorias complementares para satisfazer 
necessidades básicas;
- tem objetivos de produzir valores de uso e não valores de troca;
- sua agricultura está voltada à manutenção de um modo de vida e não de um 
negócio.
Seguindo as Diretrizes, pode-se dizer, então, que o camponês representa um modo 
de vida, isto é, possui uma cultura.
Vidas secas, de Graciliano Ramos. 
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caros(as) alunos(as), chegamos ao � nal da primeira unidade de estudos sobre educação 
do campo. Na forma com que organizamos esta apostila, a Unidade 1 tem função introdutória, 
isto é, fornecer as bases históricas e socioantropológicas sobre o homem do campo. Nesse 
formato, os fundamentos históricos, antropológicos e sociológicos apresentados até o momento 
serão imprescindíveis para pensarmos em termos didáticos e pedagógicos, os temas das próximas 
unidades.
Conhecer a construção da visão pejorativa com que o homem do campo ainda é adjetivado 
na atualidade é um dos fundamentos categóricos para sua superação. Dito de outra forma, é 
imprescindível apreender os discursos dúbios de Euclides da Cunha, que hora chama o sertanejo 
de um forte, hora o denigre como fruto de mestiçagem e estigmas degenerativos de três raças, 
ou o Jeca-tatu de Monteiro Lobato, para compreensão de que as atuais condições da escola do 
campo são também construções históricas e muitas vezes o preconceito com que se aborda o 
Movimento dos Trabalhadores rurais sem-terra (MST) é, na realidade, apenas a reprodução de 
um discurso das classes dominantes.
Uma pergunta que não cala é: será que os coronéis e o voto de cabresto � caram restritos 
ao século XX? Questão que teima em permanecer atual. 
Essas ponderações são válidas para compreendermos o conteúdo das próximas unidades: 
a legislação referente à Educação no Campo, o currículo para a escola do campo e as concepções 
didáticas de ensino-aprendizagem no meio rural. 
Vamos lá?! Bom estudo. 
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UNIDADE
02
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 24
1. DIRETRIZES CURRICULARES E LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO .....................................................25
2. DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS DO CAMPO: POR UMA PEDAGOGIA DA 
ALTERNÂNCIA .......................................................................................................................................................... 36
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................ 39
ASPECTOS LEGAIS DA ESTRUTURA E 
FUNCIONAMENTO DA ESCOLA DO CAMPO
PROF. ME. RUI BRAGADO SOUSA
ENSINO A DISTÂNCIA
DISCIPLINA:
EDUCAÇÃO NO CAMPO - ASPECTOS HISTÓRICOS 
E PEDAGÓGICOS DO CAMPESINATO
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INTRODUÇÃO
Podemos perceber no posicionamento dos governos, que a Educação no Campo, enquanto 
política de Estado, é tratada no limite da legalidade, ou seja, de se cumprir o que a lei prevê – o 
acesso à escola como direito – porém, por se tratar de uma escola ligada a um movimento social, 
de luta, de enfrentamento, de tensionamento, o faz na precariedade, atendendo minimamente 
as necessidades dessa escola. Por essa razão, a Educação no Campo é analisada como espaço 
de contradição, como instrumento utilizado e produzido com diferentes intencionalidades no 
processo social (SAPELLI, 2013).
Diante das inúmeras di� culdades de cunho cultural, social e político e da complexidade 
inerente à Educação no Campo, abordar a legislação especí� ca do tema corresponde à apropriação 
de saberes especí� cos da esfera legal, bem como a compreensão de que a própria Lei é fruto de 
disputas políticas e simbólicas, sendo que sua elaboração não se distingue da prática social. De 
acordo com Cury (2000, p. 15), “[...] não se apropriar das leis é, de certo modo, uma renúncia à 
autonomia e a um dos atos constitutivos de cidadania”, ou seja, ao pro� ssional da Educação no 
Campo cabe conhecer a legislação especí� ca na qual sua disciplina fundamenta-se e fazer com 
que elas sejam seguidas e aplicadas na prática. 
Nesse sentido, esta unidade faz uma breve retrospectiva dos marcos legais da legislação 
para a Educação no Brasil, priorizando sempre os eixos temáticos da Educação no Campo, mas 
compreendendo-o como parte integrante de um bloco maior. Dito de outra forma, é preciso 
conhecer basicamente a legislação geral acerca da educação, bem como sua especi� cidade na área 
rural. Espera-se demonstrar a quase completa ausência de uma legislação para a Educação no 
Campo até a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases, a LDB 9394 de 1996.
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1. DIRETRIZES CURRICULARES E LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO 
CAMPO
As políticas públicas para a educação como formação humana pautam-se pela necessidade 
de estimular os sujeitos da educação pela sua capacidade de criar com outros um espaço humano 
de convivência social desejável. Seguindo esse modelo, deve-se pensar em políticas no sentido 
geral e histórico e não meramente na política partidária. Se é certo que decisões políticas 
fomentam e direcionam as práticas educacionais, também é correto dizer que tais políticas não 
são exclusivamente partidárias. Antes, elas são in� uenciadas pela pressão da opinião pública, 
pelos movimentos sociais, pela mídia, en� m, pela sociedade civil. Importante compreender que 
todos nós somos sujeitos políticos e não meramente sujeitos passivos. 
Figura 1 - Imagem ilustrativa. Fonte: Sindipúblicos (2020).
A Educação do Campo é uma política pública que nos últimos anos vem se concretizando 
no estado do Paraná, assim como no Brasil. Uma política pública pensada mediante a ação conjunta 
de governo e da sociedade civil organizada. Caracterizada como o resgate de uma dívida histórica 
do Estado com relação aos sujeitos do campo, que tiveram negado o direito a uma educação 
de qualidade, uma vez que os modelos pedagógicos ora marginalizavam os sujeitos do campo, 
ora vinculavam-se ao mundo urbano, ignorando a diversidade sociocultural do povo brasileiro, 
especialmente aquela expressa na prática social dos diversos sujeitos do campo (PARANÁ, 2006).
Trata-se de um documento de relevância histórica e pedagógica, pela forma tardia com 
que a Educação no Campo foi abordada no Brasil. Como vimos na primeira unidade, com as 
políticas aristocráticas do período Imperial (1822-1889) e com o positivismo da Primeira 
República (1889-1930), houve certo retardamento em reconhecer o homem do campo como 
sujeito social. Somente em 1937, foi criada a Sociedade Brasileira de Educação Rural, com o 
intuito de expandir o ensino e preservar a cultura do homem do campo. Esta mudança está 
diretamente relacionada às questões políticas do governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e ao 
deslocamento de poder das elites agrárias ou coronéis para os barões da indústria.
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A educação rural não foi sequer mencionada nos textos constitucionais de 1824 e 1891, 
evidenciando-se, de um lado, o descaso dos dirigentes com a Educação do Campo e, do outro, os 
resquícios de matrizes culturais vinculadas a uma economia agrária apoiada no latifúndio e no 
trabalho escravo. Na primeira Constituição, de 25 de março de 1824, apenas dois dispositivos, 
os incisos XXXII e XXXIII do Art.179, trataram da educação escolar. Um deles assegurava a 
gratuidade da instrução primária, e o outro se referia à criação de instituições de ensino. A Carta 
Magna de 1891 também silenciou a respeito da educação rural, restringindo-se, no Art. 72, 
parágrafos 6 e 24, respectivamente, à garantia da laicidade e à liberdade do ensino nas escolas 
públicas.
A ausência de uma consciência a respeito do valor da educação no processo de constituição 
da cidadania, ao lado das técnicas arcaicas do cultivo que não exigiam dos trabalhadores rurais 
nenhuma preparação, nem mesmo a alfabetização, contribuíram para a ausência de uma proposta 
de educação escolar voltada aos interesses dos camponeses. A introdução da educação rural no 
ordenamento jurídico brasileiro remete às primeiras décadas do século XX, incorporando, no 
período, o intenso debate que se processava no seio da sociedade a respeito da importância da 
educação para conter o movimento migratório e elevar a produtividade no campo. A preocupação 
das diferentes forças econômicas, sociais e políticas com as signi� cativas alterações constatadas 
no comportamento migratório da população foi claramente registrada nos anais dos Seminários 
e Congressos Rurais realizados naquele período (BRASIL, 2013, p. 269).
No governo de Getúlio Vargas, a Constituição de 1934, acentuadamente marcada pelas 
ideias do Movimento Renovador, que culminou com o Manifesto dos Pioneiros da Educação 
Nova, expressa claramente os impactos de uma nova relação de forças que se instalou na 
sociedade a partir das insatisfações de vários setores cafeicultores, intelectuais, classes médias e até 
massas populares urbanas. O texto constitucional de 1934 apresenta grandes inovações quando 
comparado aos que o antecedem. No caso, � rma a concepção do Estado educador e atribui às três 
esferas do poder público responsabilidades com a garantia do direito à educação. Também prevê 
o Plano Nacional de Educação, a organização do ensino em sistemas, bem como a instituição dos 
Conselhos de Educação que, em todos os níveis, recebem incumbências relacionadas à assessoria 
dos governos, à elaboração do plano de educação e à distribuição de fundos especiais. 
O artigo 156 da Constituição Federal de 1934 demonstra o avanço em relação às cartas 
constitucionais anteriores:
Art. 156. A União, os Estados e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por 
cento e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento da renda resultante 
dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos. 
Parágrafo único. Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no 
mínimo, vinte por cento das cotas destinadasà educação no respectivo orçamento 
anual (BRASIL, 2013, p. 270, grifo do autor). 
Portanto, no período varguista (1930-1945), houve a implantação de políticas públicas 
para a Educação no Campo, ao contrário do que se imagina quando se faz referência a Vargas 
apenas no âmbito urbano, na consolidação da legislação trabalhista (CLT) e na industrialização 
tardia dos grandes centros. Ainda que a situação rural não esteja integrada como forma de 
trabalho, apontava para a participação nos direitos sociais. 
As Constituições do Estado Novo (1937) e de 1946, após a deposição de Getúlio Vargas 
não tiveram mudanças relevantes quanto à Educação no Campo, se comparadas com a carta 
Magna de 1934. 
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Na década de 1960, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n. 4024/61) 
deixou a educação rural a cargo dos municípios. Na mesma década, Paulo Freire ofereceu 
contribuições signi� cativas à educação popular, com os movimentos de alfabetização de adultos 
e com o desenvolvimento de uma concepção de educação dialógica, crítica e emancipatória [o 
que veremos na última unidade]. A prática social dos sujeitos passou a ter maior valorização, 
por meio de uma proposta distinta da prática educativa bancária predominante na educação 
brasileira. Com a LDB 5692/71, já no período militar (1964-1985) não houve avanços para a 
educação rural, uma vez que nem se discutia o ensino de 2º grau (atual Ensino Médio) para as 
escolas rurais. (PARANÁ, 2006).
Com o processo de redemocratização, a partir de 1985, a educação ganha mais destaque 
na sociedade. A Constituição Federal (CF) de 1988 reserva um capítulo todo para as questões 
relativas ao direito à educação, tema que também está no capítulo II – dos Direitos Sociais –, 
título II – dos Direitos e Garantias Fundamentais –, Artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a 
saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, 
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988). O fato de a CF de 
1988 ter reservado um capítulo todo para a educação é marcante, ocorreu pela primeira vez em 
nossos textos constitucionais.
Já no capítulo sobre a educação, Artigo 205, ela é consagrada “como direito de todos e 
dever do Estado”. Assim, a educação na atualidade está consolidada entre os cidadãos brasileiros 
como direito de todos e dever precípuo do Estado.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será 
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno 
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua 
quali� cação para o trabalho (BRASIL, 1988).
No Artigo 206 da Constituição Federal de 1988, são de� nidos os princípios sobre os quais 
o ensino seria ministrado, no Brasil, a partir de 1988.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e 
o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de 
instituições públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos o� ciais;
V – Valorização dos pro� ssionais do ensino, garantido na forma da lei, plano 
de carreira para o magistério público, com piso salarial pro� ssional e ingresso 
exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurando regime 
jurídico único para todas as instituições mantidas pela União.
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 1988).
O Artigo 212 da Constituição de 1988 de� ne a vinculação de impostos dos entes federados; 
novamente, percebemos que aquele que arrecada mais investe menos em termos percentuais. 
Assim, a União deve aplicar, anualmente, nunca menos de 18%, e os estados, o Distrito Federal e 
os municípios, 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente 
de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (BRASIL, 1988). A Constituição 
de 1988 foi inovadora e singular ao estabelecer gratuidade em nível nacional para a escolarização, 
após o ensino fundamental. 
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Ademais, quando estabelece no art. 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 
a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), mediante lei especí� ca, reabre 
a discussão sobre educação do campo e a de� nição de políticas para o setor. Contudo, há que se 
registrar na abordagem dada pela maioria dos textos constitucionais, um tratamento periférico 
da educação escolar do campo.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no. 9394/96, há o reconhecimento 
da diversidade do campo, uma vez que vários artigos estabelecem orientações para atender a 
essa realidade, adaptando as suas peculiaridades, como os artigos 23, 26 e 28, que tratam tanto 
das questões de organização escolar como de questões pedagógicas. Contudo, mesmo com esses 
avanços na legislação educacional, a realidade das escolas para a população rural continuava 
precária.
Em seu artigo 28, a LDB 9394/96 estabelece as seguintes normas para a educação do 
campo:
Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino 
proverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida 
rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologia apropriadas às reais necessidades e 
interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às 
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996).
Este artigo da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 é inovador. Ao submeter o processo 
de adaptação à adequação, institui uma nova forma de sociabilidade no âmbito da política 
de atendimento escolar em nosso país. Não mais se satisfaz com a adaptação pura e simples. 
Reconhece a diversidade sociocultural e o direito à igualdade e à diferença, possibilitando a 
de� nição de Diretrizes Operacionais para a educação rural sem, no entanto, recorrer a uma lógica 
exclusiva e de ruptura com um projeto global de educação para o país (BRASIL, 2013, p. 278). 
O artigo 29 da LDB 9394/96 institui um marco legal, uma nova forma de organizar a 
política escolar rural no Brasil. Trata-se de pensar as vicissitudes e especi� cidades do campo 
e não meramente adaptações do ensino urbano para o rural. Somente com a LDB de 1996, o 
conceito de Educação no Campo deixa de ser abstrato. Ao pautar a elaboração de “conteúdos 
curriculares e metodologias apropriadas” (parágrafo I) a legislação ressalta a diversidade cultural 
do campo em relação à cidade, respeitando o direito à diferença. 
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Figura 2 - Quadro comparativo que demonstra a defasagem da Escola do campo em detrimento da cidade. Fonte: 
globo.com (2015).
De acordo com as Diretrizes para a Educação no Campo, ao reconhecer a especi� cidade 
do campo, com respeito à diversidade sociocultural, o artigo 28 da CF traz uma inovação ao 
acolher as diferenças sem transformá-las em desigualdades, o que implica que os sistemas de 
ensino deverão fazer adaptações na sua forma de organização, funcionamento e atendimento 
para se adequar ao que é peculiar à realidade do campo, sem perder de vista a dimensão universal 
do conhecimento e da educação (PARANÁ, 2006). 
Como parte da política de revalorização do campo, a educação também é entendida no 
âmbito governamental como uma ação estratégica para a emancipação e cidadania de todos os 
sujeitos que vivem no campo, e pode, por meio dela, colaborar com a formação das crianças, 
jovens e adultos para o desenvolvimento sustentável regional enacional. De acordo com esse 
pensamento e, após receber os diferentes movimentos sociais que se preocupam com a Educação 
do Campo, em 2003, o Ministério da Educação institui um Grupo Permanente de Trabalho
para tratar da questão da educação do campo, cuja missão é reunir os movimentos sociais e as 
instâncias o� ciais com o objetivo de discutir e de� nir as políticas que efetivamente atendam às 
necessidades educacionais e sejam um instrumento para o desenvolvimento sustentável do Brasil 
do campo. É consenso que a análise e o encaminhamento dessas questões passam necessariamente 
pela re� exão e entendimento da vida, dos interesses, das necessidades de desenvolvimento e dos 
valores do homem do campo. Assim, é fundamental a consideração da riqueza de conhecimentos 
que essa população traz de suas experiências cotidianas (BRASIL, 2003, p. 4).
A efetivação de uma política pública de Educação do Campo impõe-se, ainda, como uma 
exigência para o cumprimento dos objetivos e metas traçados pelo Plano Nacional de Educação 
(PNE), bem como para a implementação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas 
Escolas do Campo, � xadas pelo Conselho Nacional de Educação por meio da Resolução CNE/
CEB nº 1, de 3 de abril de 2002.
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Inicia-se, assim, ainda que de forma tardia, uma nova agenda educacional com ênfase 
no campo. Concomitantemente ao avanço institucional das legislações, houve importantes 
movimentos que condicionaram esta mudança de paradigma na educação brasileira, não sem 
um atraso de séculos. Movimentos como a Pastoral da terra, o Movimento dos Trabalhadores 
Rurais sem Terra (MST) e a constante pressão pela reforma agrária contribuíram para alterar 
o cenário adverso. De acordo com o próprio MEC, trata-se de pensar a escola no campo e a 
identidade do camponês. 
A identidade da escola do campo é de� nida pela sua vinculação às questões 
inerentes a sua realidade, ancorando-se na sua temporalidade e saberes próprios 
dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de Ciência 
e Tecnologia disponível na Sociedade e nos Movimentos Sociais em defesa de 
projetos que associem as soluções por essas questões à qualidade social da vida 
coletiva no país (MEC, 2002, p.37).
E, apesar dos avanços das últimas décadas, ainda existem lacunas e desa� os no que 
se refere à fundamentação e à consolidação da Educação no Campo dentro de parâmetros e 
critérios especí� cos. De acordo com Silva et al. (2010, p. 195), no Brasil, em 2005, apenas 9% dos 
professores do campo tinham formação superior, o que, no meio urbano, corresponde a 38% 
com formação em curso superior. Não existe ainda uma dotação � nanceira para a Educação no 
Campo, o que leva a estatísticas desmotivadoras. De acordo com o MEC, a metade das escolas 
no campo possui apenas uma sala de aula e com número mínimo de estudantes. Com a falta 
de estrutura, cerca de 67% das crianças no campo são transportadas para as cidades e muitas 
prefeituras constroem escolas nas periferias das cidades para matricular os alunos oriundos da 
zona rural. O dado mais alarmante é que 30% da população camponesa que migra para a zona 
urbana é rotulada, no senso comum, de totalmente analfabeta. 
A construção de uma política educacional nacional que assegure a esses brasileiros 
o direito a uma educação de qualidade e, ao mesmo tempo, respeite a diversidade cultural e 
reconheça a realidade diferenciada do campo, de forma a garantir o atendimento adequado das 
necessidades educativas das pessoas que ali vivem e trabalham, constitui-se um imperativo para o 
desenvolvimento sustentável, com inclusão e justiça social. Além de responder às reivindicações 
históricas dos movimentos sociais do campo, o fortalecimento da educação do campo é uma 
exigência da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 
(BRASIL, 2007, p. 43). 
O Censo Escolar 2002 incorporou o levantamento de dados relativos ao transporte 
escolar público estadual e municipal. Foi apurado o atendimento para 3.557.765 
alunos do ensino fundamental e do ensino médio residentes na zona rural. 
Desse total, 67% são transportados para escolas localizadas na zona urbana e 
apenas 33% para escolas rurais. Essa prática tem gerado um debate intenso, pois 
enquanto os movimentos sociais e uma série de políticas governamentais buscam 
fi xar o trabalhador rural no campo e assegurar a posse da terra para aqueles 
que a desejem cultivar, o transporte escolar atua em sentido inverso levando o 
fi lho deste trabalhador para os núcleos urbanos. Por outro lado, cabe avaliar se 
essas escolas urbanas para onde os alunos residentes na área rural estão sendo 
transportados estão localizadas em municípios com características realmente 
urbanas ou meandros rurais imprecisos ou ambíguos (BRASIL, 2003, p. 24).
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Legislação para a Educação no Campo no Paraná
No Estado do Paraná, a trajetória da educação do campo não é diferente, pois 
também esteve marginalizada. Durante muitos anos, a educação dos povos do 
campo foi precarizada, repetindo todos os problemas encontrados no restante 
do país. No Estado, no início dos anos de 1990, ocorreram importantes iniciativas 
de alfabetização de jovens e adultos nos assentamentos da reforma agrária, 
mediante a ação do MST. O acúmulo teórico-metodológico (práticas, materiais 
didáticos, debates, seminários) realizado pelo referido movimento fez avançar o 
debate sobre educação do campo (PARANÁ, 2006).
A situação de analfabetismo generalizado nos assentamentos rurais levou o 
governo estadual a criar projetos como o Programa Especial Escola Gente da Terra, 
no início da década de 1990, para dar um atendimento específi co e diferenciado 
aos povos do campo, das áreas indígenas e assentamentos, em nível fundamental 
e alfabetização de jovens e adultos. As contribuições da Associação de Estudos, 
Orientação e Assistência Rural (Assesoar), com as experiências do projeto Vida 
na Roça, que discute o desenvolvimento das múltiplas dimensões, a partir dos 
sujeitos locais, e as produções escritas sobre a Escola da Roça, foram importantes 
para enriquecer o debate a respeito da escola que tem sentido sociocultural para 
os povos do campo (PARANÁ, 2006, p. 20). 
No Paraná, em 2000, após vários encontros e reuniões, criou-se a Articulação 
Paranaense por uma Educação do Campo, concomitante à realização da II 
Conferência Paranaense: Por uma Educação Básica do Campo. Os sujeitos 
coletivos envolvidos na Conferência foram: Apeart, Assesoar, Comissão Regional 
dos Atingidos por Barragens (Crabi), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sistema 
de Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária (Cresol/Baser), Central 
Única dos Trabalhadores (CUT), Departamento de Estudos Socioeconômicos 
Rurais (Deser), Fórum Centro, Fórum Oeste, MST, Prefeitura Municipal de Porto 
Barreiro e de Francisco Beltrão, Universidades: UFPR, UEM, Unicentro e Unioeste. 
Essa articulação entre poder público, sindicatos, sociedade organizada e 
movimentos sociais é um marco positivo de parcerias em prol da melhoria das 
condições da Educação no Campo. Desde então, a educação do campo passou a 
ter um espaço de articulação entre o poder público e a sociedade civil organizada.
Pelo exposto, o documento intitulado Diretrizes para Educação no Campo no 
Paraná descreve quatro períodos históricos acerca do campo:
Primeiro: período de negação dos camponeses como sujeitos sociais e cidadãos 
brasileiros, que se estendeu desde a colonização até a década de 1930;
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Segundo: período de preocupação com a educação rural por parte do Estado, em 
função da migração campo-cidade e do atraso sociocultural em que se encontrava 
a população rural. Segundo a perspectiva ofi cial, a partir de 1937, com a criação 
de

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