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EDUCAÇÃO NO CAMPO: ASPECTOS HISTÓRICOS E PEDAGÓGICOS DO CAMPESINATO PROF. ME. RUI BRAGADO SOUSA Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-Reitoria Acadêmica: Maria Albertina Ferreira do Nascimento Diretoria EAD: Prof.a Dra. Gisele Caroline Novakowski PRODUÇÃO DE MATERIAIS Diagramação: Alan Michel Bariani Thiago Bruno Peraro Revisão Textual: Camila Adão barbosa Camila Cristiane Moreschi Fernando Sachetti Bomfim Patrícia Garcia Costa Produção Audiovisual: Adriano Vieira Marques Márcio Alexandre Júnior Lara Osmar da Conceição Calisto Gestão de Produção: Cristiane Alves © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Só- crates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande res- ponsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a socie- dade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conheci- mento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivên- cia no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de quali- dade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mer- cado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR 33WWW.UNINGA.BR UNIDADE 01 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................. 4 1. A ESCOLA NO CAMPO E NA CIDADE ................................................................................................................... 5 2. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1770-1830): DO CAMPO PARA A CIDADE ............................................................. 8 3. O CAMPONÊS E O CORONEL NO BRASIL ......................................................................................................... 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................ 22 CONTEXTO HISTÓRICO, SOCIAL, ECONÔMICO E POLÍTICO DO CAMPONÊS E DA ESCOLA RURAL PROF. ME. RUI BRAGADO SOUSA ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO NO CAMPO - ASPECTOS HISTÓRICOS E PEDAGÓGICOS DO CAMPESINATO 4WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Caros(as) alunos(as), vamos começar com algumas re� exões acerca do que signi� ca ser camponês e quais as implicações inerentes à escola no campo. Inicialmente, é preciso ressaltar que existem ainda alguns preconceitos no que se refere ao homem do campo, geralmente, designado como inferior ao sujeito urbano; o primeiro ainda em estado de natureza, quase selvagem, bronco e ignorante; o segundo seria sua antítese: civilizado, adaptado, gentil, educado. Para os objetivos dos nossos estudos, nada seria mais prejudicial que essa visão equivocada, sob todos os aspectos. No decorrer desse escrito, teremos oportunidade de compreender onde e quando surgiu essa visão depreciativa da cidade para com o campo. A princípio, basta dizer que não existem diferenças intelectuais entre o camponês e o homini civitatem. Veremos, nesta unidade, os períodos históricos, em que ora o camponês é exaltado, como em Os trabalhos e os dias, na Grécia arcaica de Hesíodo (século VIII a. C.) ou em O campo e a cidade, de Raymond Williams, que marca a transição econômica, cultural e política para o meio urbano pós Revolução Industrial (1870-1830); e ora ele é taxado como inferior, como culturalmente arcaico e atrasado, por sua mestiçagem, no pensamento de Euclides da Cunha e de Nina Rodrigues, já no alvorecer do século XX. Portanto, é preciso compreender a priori que se trata apenas de uma visão de mundo, ou cosmovisão a respeito da vida rural condicionada pela produção intelectual e pela literatura de determinada época. Esta historiogra� a (a escrita da história), muitas vezes, expõe mais a formação de seu autor que a do camponês propriamente dito. Isso nos leva a dizer que é preciso cautela e tolerância para compreender o mundo rural e, sobretudo, para apreender as concepções pedagógicas que lhe são subjacentes. Marlene Sapelli (2013) destaca algumas características da Educação do Campo: ela não é para e nem apenas com, mas dos camponeses; é pressão coletiva por políticas públicas; combina luta pela educação com outras lutas, como: luta pela terra, pela Reforma Agrária, pelo direito ao trabalho etc. O que equivale a dizer que pensar as pedagogias no campo e para o campo pressupõe entender que elas estão inseridas numa disputa simbólica e política, e por que não ideológica. 5WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. A ESCOLA NO CAMPO E NA CIDADE É uma grande satisfação dialogar com vocês sobre um tema de grande relevância, em se tratando de um país que ainda mantém parte signi� cativa de sua matriz econômica pautada no campo, em detrimento de uma industrialização tardia nos grandes centros. O Brasil é um país essencialmente agrário e seus ciclos econômicos (pau-brasil, açúcar, café, soja) não foram acompanhados com a devida atenção no campo educacional. Se, por um lado, o campo é pujante economicamente desde o período colonial, no polo oposto a essa base econômica não se seguiu um processo educacional do trabalhador rural, especi� camente na � gura do camponês. A modernização tardia das técnicas e tecnologias rurais tem seu equivalente na atenção tardia que foi dada a seus habitantes. Existem duas visões que tornam o homem do campo estereotipado. A primeira é romântica, fruto da literatura do século XIX que tende a idealizar a � gura do camponês, essa tendência é bastante evidente em alguns romances de José de Alencar, entre outros autores. A segunda é inversa à primeira e tende a adjetivar o mundo rural como oposto à civilização urbana, esta corrente é pautada pela � loso� a positivista da história, que desloca o campo para um eixo atrasado e negativado, em oposição à cidade civilizada e positivada. A obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, com base em uma tradição positivista, é o principal representante dessa corrente literária. Para � ns pedagógicos, ambas são inválidas. Nem a romântica que idealiza, tampouco a positivista que os denigre. Importa para nossos objetivos compreender o homem do campo, e não o julgar. O termo campesinato é de origem recente em português e vem sendo empregado principalmente no domínio das Ciências Sociais para signi� car o conjunto de camponeses; é um substantivo coletivo. O aparecimento do termo, provavelmente, se prendeu ao desenvolvimento de estudos sobre os indivíduos rústicos, tanto em língua francesa quanto inglesa e traduzidos para o português, tendo sido necessário forjar uma palavra que signi� casse paysannerie e peasantry, ambos signi� cando a condição de ser camponês e o conjunto de camponeses. Deriva do adjetivo campesino, que é sinônimo de campestre, de rústico. Os substantivos correlatos são camponês e campônio, isto é, habitante do campo, aldeão, indivíduo rústico (QUEIROZ, 1973). Este indivíduo rústico será o nosso ator principal, e a Educação no Campo será o nosso enredo. No decorrer das quatro unidades que se seguem, vamos analisar a bibliogra� a referente aos campesinos, tanto em termos históricos, sociológicos, antropológicos e,sobretudo, pedagógicos. Na Unidade 1, veremos a transição do campo para a cidade e o deslocamento do eixo econômico que acompanhara a humanidade até o século XVIII, com a Revolução Industrial e o protagonismo das cidades. Na Unidade 2, analisaremos as bases legais da pedagogia no campo e sua fundamentação na legislação vigente. A Unidade 3 dará continuidade à anterior, mas com foco no currículo e nas vicissitudes do campo em relação à cidade, da oralidade em relação à escrita. Por � m, na Unidade 4, vamos estudar as pedagogias no campo e sua didática especí� ca, a infância no campo e a Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire. Antes de seguirmos, porém, são necessárias algumas de� nições conceituais e semânticas sobre a Educação no Campo. A primeira delas refere-se ao dilema: educação do campo ou no campo? Qual seu sentido correto? Do é a contração da preposição de com o artigo de� nido o (de + o = do); no é contração da preposição em com o artigo o (em + o = do). Nesse caso, é lícito perguntar: a discussão deveria se dar em torno de uma Educação no Campo ou uma educação do campo? Uma questão complexa que vai além da semântica. Trata-se de um problema metodológico. 6WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA De acordo com Luís Bezerra Neto (2010, p. 152), se entendermos que o processo educacional deve ocorrer no local em que as pessoas residem, devemos falar de uma Educação no Campo, e aí, não haveria a necessidade de se pensar em uma educação especí� ca para o campo, dado que os conhecimentos produzidos pela humanidade devem ser disponibilizados para toda a sociedade. Por outro lado, se entendermos que deve haver uma educação especí� ca para o campo, teríamos que considerar as diversidades de uma educação para os assentados por programas de reforma agrária, outra para imigrantes, outra para remanescentes de quilombolas e tantas outras quantas são as diferentes realidades do campo. Nesse caso, trabalharíamos apenas com as diversidades e jamais com o que une todos os trabalhadores, que é o pertencer a uma única classe social, a classe dos desprovidos dos meios de produção e, por isso, vendedores de força de trabalho, explorados pelo capital. Por essas razões, empregamos neste trabalho tanto Educação no Campo, como do campo, no sentido de que ambas representam juntas (no e do) uma das diretrizes legais e metodológicas para a escola do campo, isto é, o direito de uma escola na comunidade, na localidade do campo (por isso, no tem sentido de lugar); e porque a educação deve partir da realidade concreta do aluno do campo (por isso, do tem sentido de especi� cidade, de modo de vida, de cultura do campo). Não havendo uma forma de empregar no e do juntos, optamos por usá-los alternadamente, pensando sempre no sentido de que isolados são incompletos; juntos são complementares. Até mesmo os professores saem dos bancos escolares, dos cursos de licenciatura, sem ter estabelecido qualquer discussão sobre o modo de vida camponês, pressupondo que o modo de vida urbano prevalece em todas as relações sociais e econômicas brasileiras. É nosso objetivo e também justi� cativa estudar e compreender essa dicotomia, para que, ao � nal, possamos ler o belo poema Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto em toda sua radicalidade e realismo: Esta cova em que estás, Com palmos medida, É a conta menor que tiraste em vida, É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe deste latifúndio. Não é cova grande, é cova medida, é a terra que querias ver dividida. (João Cabral de Melo Neto). Figura 1 - Retirantes. Fonte: Portinari (1944). 7WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Para localizarmos a discussão no tempo e no espaço, é importante notar que o conceito moderno de Escola, relacionada a ensino e aprendizagem com uma metodologia e uma pedagogia especí� ca, nasce concomitantemente no � nal do século XVIII. Duas importantes revoluções condicionam seu nascimento: a Revolução Francesa (1789-1794) e a Revolução Industrial (1770- 1830). Com essas mudanças econômicas e políticas fundamentadas pela ascensão de uma nova classe social - a burguesia - ocorre também a necessidade da instrução pública. É certo que havia escola desde muito antes da era contemporânea, a Academia de Platão, o Liceu de Aristóteles, as Universidades no período medieval e as escolas de Comênio na era moderna são exemplos notórios. Contudo, enquanto instituição do Estado, a Escola é um produto da modernidade. Alguns documentos históricos nos remetem para a origem da escola rural na Alemanha do século XVIII, os quais poderiam ser localizados também na França ou Inglaterra do mesmo período. Os Tratados pedagógicos, de Johann Christian Brandes (1735-1799), nos fornecem uma topogra� a clara de seu funcionamento: A aparência exterior do prédio da escola não diferia muito da de um estábulo. Havia sujeira na entrada e lá dentro o espaço era apertado. A sala de aula era a única da casa; na verdade, era bastante espaçosa: mas sempre � cava pequena para tudo o que deveria caber lá dentro. Quando entramos, deparamo-nos com um bafo desagradável, que por um momento di� cultou bastante nossa respiração. A primeira coisa que avistamos foi um galo e mais adiante duas galinhas e um cachorro. Junto à lareira havia uma cama, sobre a qual se encontravam uma roda de � ar, um pão e todo tipo de peças de roupa rasgada. Imediatamente ao lado da cama havia um berço; ao lado dele, estava sentada a dona da casa, acalmando a criança, que berrava. [...] Tivemos de � car de pé porque não havia mais lugar para sentar. Na ponta da mesa escolar, avistamos o professor. Ele estava mesmo ocupado em passar a lição para as crianças, com o chicote na mão. À nossa chegada ele se deteve, pediu para que não se interrompesse, mas prosseguisse com a sua aula ordenadamente. Ele fez isso e pediu que seus alunos maiores recitassem algo que haviam aprendido de cor, do que inicialmente não conseguimos entender quase nada, pois a criança de colo continuava a berrar e o galo que, à nossa entrada, havia se retirado para um canto do recinto, cantava a partir dali com tal volume de voz que nossas orelhas vibravam (BRANDES apud BENJAMIN, 2013, p. 102-103). A escolha dessa citação é óbvia, demonstrar o falso romantismo presente no campo, idealizado. A ideia do bucólico, poesia pastoril que descreve as belezas da vida campestre expressa pelos poetas sobre o campo, tem pouca relevância na pedagogia. Se a passagem acima pode soar exagerada, outra testemunha do século XVIII não deixa dúvidas. Justus Möser (1720-1794) deixou algumas notas intituladas Sobre a educação das crianças camponesas, na qual anota sobre ler e escrever: “Encarava-se isso como uma espécie de educação burguesa que só precisava ser realizada nas cidades e por pessoas que não praticavam a agricultura nem a pecuária”. No excerto do � lósofo Walter Benjamin (2013, p. 103), seu autor narra com surpresa o que chama de “moda entre os camponeses”, a leitura na juventude. Naquele tempo, o camponês precisava saber apenas alguns hinos da igreja, que eram mais decorados que legíveis. Uma realidade que começaria a mudar com as novas exigências da industrialização. É certo que houve um dé� cit muito grande do campo com relação à instrução urbana. Fator que condiciona ainda certos preconceitos com relação ao homem do campo como retrógrado e atrasado em relação ao civilizado homem da cidade. Um preconceito velado, mas ainda enraizado no senso comum em expressões como gente da roça não precisa de estudos, isso é coisa de gente da cidade. Uma leitura equivocada que não resiste ao exame histórico e sociológico. É o que veremos a seguir. 8WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 2 - Paisagem. Fonte: Vieira (2010). 2. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1770-1830): DO CAMPO PARA A CIDADE Pois a verdade, ainda que expressaem poesia É que campeia nas aldeias a agonia. (Raymond Williams) A forma como a historiogra� a (escrita da história) aborda os movimentos sociais rurais ou camponeses permite visualizar as transformações que o conceito de Educação no Campo (conceito pedagógico) sofreu ao longo dos últimos dois séculos, após a Revolução Industrial, portanto. O período de 1770 a 1850 marca uma transição, uma mudança súbita no padrão da evolução social e política, primeiramente na Inglaterra, depois França, Alemanha, Estados Unidos e Japão. Trata-se de uma mudança radical nos modos de produção e nas relações de consumo, isto é, a passagem da sociedade artesanal, manufatureira para a Indústria moderna, do fazer manual para o fazer maquinário. Com isso, há um impacto demográ� co e cultural: a transição paulatina da vida rural para a urbana. As fábricas e a vida urbana vieram suplantar a vida no campo, havendo uma mudança radical na própria cultura humana, na experiência e na ideia de tempo. A de� nição conceitual de Revolução Industrial varia de acordo com a concepção de cada intérprete do tema. Mas, em linhas gerais, seguindo as de� nições de Paul Mantoux (1994), em obra clássica sobre o evento supracitado, trata-se de uma mudança radical na forma de produção de mercadorias, mudança esta que acarreta uma série de alterações na cadeia produtiva, nos modos de produção e de trocas. A primeira Revolução Industrial abarca o período de meados da segunda metade do século XVIII, de 1770 até 1830. Essa fase restringe-se, em um primeiro momento, ao mercado têxtil, à produção de tecido, que na Inglaterra funcionava como uma espécie de mola para o desenvolvimento da indústria moderna. 9WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A segunda fase da revolução eleva as invenções da primeira em âmbito mundial, não estará mais restrita à Grã-Bretanha e diverge também pela diversidade da produção, no mercado de transporte, ferrovias, navios a vapor, na indústria bioquímica e física, na medicina, nos motores à combustão e, en� m, ao desenvolvimento dos combustíveis fósseis, o petróleo. No século XX, há o que alguns autores chamam de Terceira Revolução Industrial, no ramo bélico, nas telecomunicações e na informática. Paul Mantoux (1994) caracteriza a moderna indústria pelo fato de substituir a força muscular (manufatura) por forças motrizes inanimadas. A produção deixa de ser privilégio da mão humana (daí o termo manufatura, fazer com as mãos), dos mestres de ofício e artesãos medievais e passa para as máquinas. As consequências que essa mudança traz ao corpo e à consciência humana são notáveis, uma mudança brusca que levou, no máximo, um século para ser consolidada, rompendo com a produção manual e o saber humano em uma tradição de milhares de anos que vem desde o homo faber e as toscas ferramentas de pedra do período paleolítico. Com a Revolução Industrial há, portanto, a transição do campo para a cidade, em que a urbes passa a ser centro econômico de produção e de troca, relegando o campo a uma função coadjuvante e os camponeses ao status subsidiário. Um dos autores que melhor analisou essa mudança qualitativa foi o escritor e historiador britânico Raymond Williams (1921-1988), autor de O campo e a cidade na história e na literatura e de vasta obra sobre cultura e política. Por meio da metodologia que Williams chama de retrospecção ou escada rolante, ele compara diversas épocas literárias, de Homero (autor da Ilíada, poema épico que narra a guerra entre gregos e troianos) na antiguidade a Aldoux Huxley (autor da distopia chamada Admirável mundo novo) na modernidade, sem, todavia, perder o século XVIII de vista. Ele discorda da interpretação de autores (mesmo os socialistas) que caem no que ele denomina de idealização do industrialismo. “A polidez do melhoramento tem como contraponto necessário a dura realidade do poder econômico, e uma ênfase moral diferente torna-se inevitável” (WILLIAMS, 1989, p. 231). A canção da terra, a canção do trabalho rural, a canção do amor por tantas formas de vida com as quais todos nós partilhamos nosso universo físico, é importante demais, comovente demais, para que abramos mão dela sem resistência, numa traição odiosa, e a entreguemos à arrogância dos inimigos de todas as formas signi� cativas e concretas de independência e renovação (WILLIAMS, 1989, p. 365). Sua origem na região rural da fronteira entre a Inglaterra e o País de Gales logo o colocou em contraste com a área urbana e industrializada do berço da Revolução Industrial. Essa dicotomia entre campo e cidade viria a marcar boa parte de sua produção intelectual. Segundo Williams (1989, p. 12), a Revolução industrial não transformou só a cidade e o campo, “[...] ela baseou-se num capitalismo agrário altamente desenvolvido, tendo ocorrido muito cedo o desaparecimento do campesinato tradicional”. A divisão e oposição entre o campo e a cidade, indústria e agricultura, em suas formas modernas, representa a culminação crítica do progresso relacionado ao mundo urbano e o campesinato relegado a conceitos retrógrados como o rústico e o arcaico. Dessa maneira, a partir da análise cultural das mudanças estruturais e qualitativas que ocorreram na passagem do século XVIII ao XIX, ou da sociedade agrária, paternalista, manufatureira para a sociedade industrial com economia de mercado; pode-se compreender o entrechoque dialético que ocorreu no interior daquela cultura em transformação. De um lado, os valores morais, religiosos, paternalistas e tradicionais embasados no costume de longa duração; de outro, uma cultura em rápida transformação. 10WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA É tarefa desta unidade demonstrar que essa dicotomia revela certo preconceito baseado na ideia evolutiva do Positivismo. Nosso objetivo é compreender que existe uma visão de mundo essencialmente urbana na modernidade e as consequências pedagógicas subjacentes ao olhar pejorativo relacionado ao ambiente rural. Tal ponderação justi� ca-se pela defasagem de políticas públicas direcionadas à Educação no Campo, em detrimento da ênfase no ensino nas cidades. Em sentido semelhante, as catástrofes ambientais, a natureza relegada ao plano secundário, são fruto da ausência de uma educação pautada na sustentabilidade, tanto no campo como na cidade. Figura 3 - Escola no campo. Fonte: Fundação Telefônica (2016). 3. O CAMPONÊS E O CORONEL NO BRASIL Nesse tópico, vamos entender a construção histórica do homem do campo, o típico camponês, bem como a � gura do coronel, ainda comum no país. No Brasil, durante muito tempo se negou a existência de uma camada camponesa; supunham os autores que, abolida a escravatura, durante a qual os escravos haviam desempenhado todos os trabalhos agrícolas, o trabalho assalariado ou então uma servidão disfarçada viera substituí-la nas empresas rurais do tipo capitalista. Na verdade, houve em todos os tempos um campesinato livre brasileiro, coexistindo tanto com as fazendas monocultoras quanto com as fazendas de criação de gado e tendo a seu cargo a produção de abastecimento para estas empresas e para os povoados (QUEIROZ, 1973, p. 26). Segundo Martins (2000, p. 101): “A questão agrária está no centro do processo constitutivo do Estado republicano e oligárquico no Brasil, assim como a questão da escravidão estava nas próprias raízes do Estado monárquico no Brasil imperial”. Nesse contexto, conforme as Diretrizes Curriculares para a Educação no Campo (PARANÁ, 2006), é preciso pensar a educação do campo, que esteve à margem das políticas educacionais, uma vez que, da ótica o� cial, a educação não era necessária aos povos trabalhadores da terra. A questão agrária esteve visível em diferentes conjunturas políticas, em função da atuação dos movimentos que reivindicam a Reforma Agrária, muito embora ela tenha sido tratada como problema social, como diz Martins (2000), e não como questãoestrutural. 11WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Na Primeira República (1889-1930), uma lógica paradoxal diferencia e ao mesmo tempo relaciona organicamente esses dois cenários – o da capital federal e litoral versus o interior –, à primeira vista opostos, o cenário do progresso montado na cidade que, após o 15 de novembro de 1889, assume foros de capital federal e o “[...] cenário do interior do país, onde a República recém implantada aparentemente muda apenas, no cotidiano, os selos que estampilhavam as cartas que o correio de quando em vez faz chegar” (NEVES, 2010, p. 16). Esses ideais modernos, condensados no que então era visto como associação indissolúvel entre os conceitos de progresso e de civilização, redesenhavam o quadro internacional, acenavam com a possibilidade de um otimismo sem limites, em função das conquistas da ciência e da técnica, e impunham uma determinada concepção de tempo e de história. Esta dicotomia campo/cidade no Positivismo progressista da Primeira República encontraria seu narrador ideal em Euclides da Cunha. O autor do clássico Os sertões, obra que adentra os arraiais de Canudos e descreve de modo cientí� co o estilo de vida no interior do Brasil. Com relação ao sertanejo, contudo, as palavras de Euclides têm um tom bastante pejorativo. Se em Os sertões predominam expressões que denotam o fatalismo racial, como “inexoravelmente arcaicos, atrasados e rudes, separados da civilização por três séculos”, uma nova geração de cientistas viria a romper com esse determinismo racial e geográ� co. Com os trabalhos de pro� laxia rural, na perspectiva de Roquette Pinto e Belisário Penna, argumenta- se que os mestiços não seriam orgânicos ou racialmente inviáveis. Essa geração de cientistas, de acordo com Nísia Trindade Lima (1999), se opõe a qualquer fatalismo baseado na raça ou no clima, ao mesmo tempo em que descarta as versões ufanista e romântica que consideravam idealizar a natureza e o homem brasileiro. O movimento sanitarista, ou de pro� laxia dos sertões, tem início com os trabalhos de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. A máxima de Miguel Pereira, de que “o Brasil é um imenso hospital” e a visão negativa da vida nos sertões, cuja representação máxima está nos contos de Monteiro Lobato, em especial Urupês e Velha Praga, em que o caboclo brasileiro aparece adjetivado como “piolho da terra, parasita, indolente, quantidade negativa”, despertou a atenção das autoridades e de cientistas na redescoberta do interior. Em 1916, é publicado o relatório de viagem da expedição comandada por Arthur Neiva e Belisário Penna; em 1918, Belisário publica Saneamento do Brasil, e no mesmo ano o presidente Venceslau Brás cria o Serviço de Pro� laxia Rural. Os pontos de pro� laxia em diversos estados resultaram na melhoria das condições de vida do sertanejo e a presença do Estado na implementação de políticas de atenção à saúde de populações que, como a� rmaram Belisário Penna e Arthur Neiva, os sertanejos só sabiam de governos “[...] porque se lhes cobrava impostos de bezerros, de bois, de cavalos e de burros” (LIMA, 1999). Pode-se também pensar a semântica pejorativa atribuída aos camponeses caboclos, por meio dos personagens de Monteiro Lobato, como o Jeca Tatu, um ser mutante, mistura de Quasimodo e Hércules, que re� ete, em boa medida, o pensamento das elites republicanas sobre a � gura do camponês: Este funesto parasita da terra é o Caboclo, espécie de homem baldio, seminômade, inadaptável à civilização, mas que vive à beira dela na penumbra de zonas fronteiriças, à medida que o progresso vem chegando com a via férrea, o italiano, o arado, a valorização da propriedade, vai ele fugindo em silêncio, com seu cachorro, o seu pilão, pica-pau e o isqueiro, de modo a sempre conservar-se fronteiriço, mudo e sorna (LIMA, 1999, p. 137). Lobato descreve camponês de forma estereotipada como caipira e inadaptável ao mundo moderno e ao progresso, incapaz de transpor as barreiras da barbárie para a civilidade, como parasita da terra. 12WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA É verdade que o tipo de caboclo imaginado por Lobato não era unanimidade. Houve reações ao Jeca Tatu, surgiu o Mané Chique-Chique ironizando o estilo literário de Monteiro Lobato. Rocha Pombo criou o Jeca Leão, e Renato Khel o Jeca Bravo, recuperado pela higiene e pelas medidas eugênicas de pro� laxia rural. Os modernistas e sua relação tensa, por vezes não amistosa com Lobato, também satirizaram seu personagem. Em Macunaíma, de Mário de Andrade, há uma célebre frase que satiriza o personagem lobatiano: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”. Como se sabe, as saúvas, espécie de formigas, têm espaço privilegiado nos escritos e contos de Monteiro Lobato. Após as críticas, o próprio Lobato pede perdão ao Jeca, in� uenciado pelo movimento sanitarista ele a� rma que “O Jeca não é assim, ele está assim” (LIMA, 1999). O pensamento de literatos como Euclides da Cunha e Monteiro Lobato re� ete, em boa medida, o sentimento das elites do país sobre o homem do interior, a visão dos grandes centros litorâneos acerca dos sertões. Elite essa formada por jornalistas, pro� ssionais liberais, militares de alta patente, aristocratas. Um militar que participou da repressão a diversos movimentos sociais de protesto na Primeira República (1889-1930) assim se refere ao homem do campo: O sertanejo é um perfeito grulha: responde ao que se lhe pergunta e conta o que não se quer saber. Desde que perceba que está sendo ouvido com atenção, ele � ca à vontade: descalça o coturno, coça os pés desasseados, cuspinha, esfrega os olhos remelosos, mete o indicador pelas narinas e, às vezes, por cúmulo de modos tão extravagantes, tira com as pontas das unhas, farto limo dos dentes, virgens de escova (ASSUMPÇÃO, 1917, p. 199-200). Em meados da década de 1950, um médico convencido de que era também antropólogo nos deixou outro documento histórico sobre o caboclo brasileiro: Estatura variável, de média a alta; tez que vai do moreno ao acobreado; robusto de compleição atlética e de ‘corpo de Dom Quixote’, espadaúdo; desajeitado ao andar, nos moldes e nas atitudes. É de uma grande resistência física, que muitas vezes adormece num estado potencial para desencadear no momento oportuno. [...] Se é capaz de grandes amizades, também nutre grandes e profundos ódios que se transmitem inextinguíveis de pais para � lhos e que, avassalando às vezes famílias inteiras, determinam lutas de completo extermínio. Mas o caboclo, que pelo espírito de vingança chega até ao homicídio, em épocas normais é absolutamente incapaz de matar para roubar! (LUZ, 1999, p. 74-75). A honra e a moral, especialmente a familiar, fazem do caboclo um herói, tal como o camponês descrito por Hesíodo em Os trabalhos e os dias, robusto, resistente, forte, afeiçoado ao trabalho no campo; honesto, bom, hospitaleiro; pouco sentimental e nada romântico, mas amoroso com a família; valente, exímio esgrimista ao facão, embora pací� co na maioria do tempo; inteligente, porém analfabeto. Temente a Deus, religioso, ainda que com certa descon� ança aos padres. Possui um vocabulário típico, diacho e barbaridade podem expressar diversos signi� cados, para o bem e para o mal. No vestiário, destacam-se as roupas de brim para o trabalho e a bombacha para os dias de festa, assim como as roupas simples das mulheres no cotidiano e o belo vestido adornado com � tas e bordados para os feriados bíblicos. Esta é a descrição antropológica de Aujor Luz (1999), rigorosamente honesta. É conservador, tradicional, o sertanejo di� cilmente se deixa dominar pelas inovações, guarda vaidoso seus costumes. Oliveira Viana distingue os quatro tipos de caboclo, diferenciados geogra� camente: o gaúcho dos pampas rio-grandenses, o matuto das matas mineiras e paulistas, o sertanejo das caatingas cearenses, e o caucheiro dos seringais amazonenses.Não citou ou caracterizou o caboclo paranaense e catarinense, talvez por entender que este esteja na fronteira entre os paulistas e gaúchos. 13WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Seja como for, há uma diferença cultural abissal entre o sertanejo e o homem do litoral, a urbes e o rústico, o que deve ser levado em conta nas concepções pedagógicas. Figura 4 - Representação típica do Coronel e do voto de cabresto durante a Primeira República. Fonte: Infoescola (2020). Uma vez analisada a teoria política positivista no alvorecer da República, faz-se necessária uma abordagem prática, ou seja, as raízes das rami� cações que legitimaram o regime republicano e, de certa forma, também foram legitimadas por ele, o coronelismo, o latifúndio, o municipalismo e o federalismo. Sabe-se que a República foi proclamada em um momento de intensa especulação � nanceira, processo conhecido como “Encilhamento”, atribuído a Rui Barbosa, causado pelas grandes emissões de dinheiro feitas pelo governo para atender às necessidades geradas pela abolição da escravidão (CARVALHO, 1997). A crise � nanceira da capital e dos centros comerciais, todavia, foi temporariamente sublimada pela autonomia outorgada aos estados e municípios na Constituição de 1891. A descentralização do aparelho burocrático visava claramente a uma maior arrecadação tributária e, nesse processo, emerge a � gura central do coronel. O Federalismo, tal como se con� gura na Constituição de 1891, deixa aos Estados, recém-criados, uma longa margem de autonomia. Pela Constituição, eles detêm a propriedade das minas e das terras devolutas situadas em seus respectivos territórios e podem realizar entre si ajustes e convenções, sem caráter político. Podem legislar, também, sobre qualquer assunto que não lhes for negado, pautados pelos princípios constitucionais da União (art. 63). Esse dispositivo permite aos estados, por exemplo, cobrar impostos interestaduais, decretar impostos de exportação, contrair empréstimos no exterior, elaborar sistema eleitoral e judiciário próprios, organizar força militar etc. Na República, os governadores ou presidentes, conforme denominado na respectiva constituição de cada estado, são eleitos e detêm uma enorme soma de poder que lhes advém do próprio texto constitucional. Nesse processo, os coronéis, nos municípios, serão peças-chave. Se o poder do estado é grande, também é o poder dos municípios. A doutrina do municipalismo, baseada no princípio “o município está para o estado assim como o estado está para a União”, impõe-se na maioria dos estados, transforma o município em uma federação de distritos (RESENDE, 2010). Na base do sistema estava a � gura do coronel, dono da vontade dos eleitores e senhor dos currais eleitorais, cujo poder pessoal substitui e representa o Estado, distribuindo como favor e benesses, a seu bel-prazer, o que seria de direito dos cidadãos. Nesse quadro, as eleições eram um ritual vazio, a participação eleitoral era mínima e a fraude a norma eleitoral (NEVES, 2010, p. 39). 14WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Para Victor Leal Nunes (1975), o coronelismo é um fenômeno que só pode ser entendido a partir da ótica privada, da estrutura agrária latifundiária, que fornece as bases de sustentação para as diferentes formas de manifestação do poder privado. O poder representativo de uma estrutura econômica e social, basicamente rural, que permite o controle de uma vasta população em posição de dependência direta do latifúndio; de um sistema de compromissos, que Nunes (1975, p. 43) chamou de paternalismo ou um sistema de reciprocidade, uma troca de proveitos, entre um poder público fortalecido e um poder privado já em fase de enfraquecimento. O paternalismo, segundo Nunes (1975) também tinha sua recíproca: negar pão e água ao adversário. O ditado “aos amigos se faz justiça, ao inimigo se aplica a lei” virou lema dos coronéis, e o provérbio transformou-se, na prática, em mandonismo e perseguição aos adversários. O coronel organiza uma milícia, arbitra rixas e desavenças, reúne nas mãos funções policiais, empregando capangas e jagunços e manipula a polícia e a justiça. Fato comum, os coronéis que alcançam a hegemonia nos seus estados passam a integrar as oligarquias estaduais. O termo coronelismo está diretamente relacionado aos pseudocoronéis da extinta Guarda Nacional, criada por Diogo Antônio Feijó, em 1831. O status de coronel passou, então, a todo chefe político ou potentado regional. Sobre esta temática, o clássico de Victor Nunes Leal (1975), intitulado Coronelismo, enxada e voto ainda é referência obrigatória. Sobre o Federalismo, a formulação de Campos Sales é esclarecedora: para ele, é dos estados que se governa a República. Era a mola mestra que fez funcionar a Primeira República (1889-1930) brasileira, permitindo, por um lado, um grau de autonomia consagrado institucionalmente para as oligarquias regionais e suas lutas intestinas e, por outro, uma base para a política de contraprestação de favores políticos que o porá em consonância com o governo federal. Isso produziu uma situação de duplo poder, de um lado os chefes municipais e os coronéis, que conduzem magotes de eleitores como quem toca tropa de burros; de outro lado, a situação política dominante no Estado, que dispõe do erário, dos empregos, dos favores e da força policial, que possui, em suma, o cofre das graças e o poder da desgraça (LEAL, 1975). 15WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O cenário político e social da Primeira República foi, portanto, inversamente proporcional aos objetivos que motivaram a proclamação. O federalismo degenerou-se em um sistema de apadrinhamento político, e o liberalismo limitou- se às regras das oligarquias. Os ideais positivistas chocaram-se com o mundo rústico e tradicional dos sertões. Essa conjectura levou até mesmo os mais fervorosos ideólogos da República ao desencantamento natural com o regime, ao ponto de Alberto Torres declarar: “Este Estado não é uma nacionalidade; este país não é uma sociedade; esta gente não é um povo. Nossos homens não são cidadãos”. Pois, como afi rmou o abolicionista Joaquim Nabuco, “O que ela [a República] não tinha era princípios” (CARVALHO, 1997, p. 33). Fora de sintonia com seus ideais e projetos, a República Velha tornou-se incoerente até mesmo aos olhos de um sociólogo conservador como Gilberto Freyre. O autor de Casa Grande e Senzala declarou na mesma obra que “[...] a monocultura latifundiária mesmo depois de abolida a escravidão, achou jeito de subsistir em alguns pontos do país, ainda mais absorvente e esterilizante do que no antigo regime [...] criando um proletariado de condições menos favoráveis de vida que a massa escrava” (LEAL, 1975, p. 27). Dentro dessa conjuntura positivista e oligárquica, de liberalismo excludente, havia poucas alternativas para os pobres do campo ou camponeses. No Nordeste, a fome, a seca e a miséria tornavam as condições de vida do sertanejo ainda mais desoladoras e uma das opções do matuto era a formação de grupos de cangaceiros, com armas a mão, compondo um grupo que Eric Hobsbawm (1976) chamou de banditismo social. A outra forma de organização pré-política seria a instauração de comunidades místicas em torno de um beato, conselheiro, monge ou profeta; que a elite esclarecida designou de fanatismo. “A classe dos pobres do campo se achava à margem da sociedade constituída. Não tinha terras nem outros bens, não tinha direitos, não tinha sequer deveres – além daquele de servir o senhor” (FACÓ, 2009, p. 46). Há uma tipologia ou uniformidade do Bandido social: são oriundos do meio rural, campesino, situando-se entre a evolução tribal e a moderna sociedade capitalista e industrial; dentre a sociedade tradicional e a transição para o capitalismo agrário. Tende a tornar-se epidêmico em épocas de pauperismoou de crise econômica. Pode preludiar ou acompanhar movimentos sociais de vulto, como revoluções camponesas, embora sejam reformadores e não revolucionários, pois representam pouco mais do que sintomas de crise e tensão na sociedade em que vivem (HOBSBAWM, 1976, p. 17-20). 16WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA É sintomático que a concepção positivista de história e de tempo histórico da Primeira República rapidamente moldou a visão dos mais célebres e eruditos narradores como Euclides da Cunha. Há um estranhamento evidente – e por que não, um desprezo – das elites urbanas em relação ao caboclo ou sertanejo, há uma enorme distância cultural ou incongruência entre o mundo urbano e o rural, entre a civilização e o atraso, o positivo e o negativo. Essa concepção de história levou o intelectual Euclides da Cunha, que compreendera que o homem do sertão vive em função da terra, a buscar as causas das revoltas sertanejas em fatores raciais e étnicos, ao que ele chamou de “estigmas degenerativos de três raças”. Veredito semelhante foi dado pelo médico e cientista Nina Rodrigues, afi rmando que “a criminalidade do mestiço brasileiro [está] ligada às más condições antropológicas da mestiçagem brasileira” (FACÓ, 2009, p. 48-49). É evidente que a substituição de causas sociais e históricas por fatores biológicos e degenerativos, além de racistas, está diretamente relacionada com o darwinismo social, do qual tratamos anteriormente e com o próprio positivismo. Seguindo a análise de Rui Facó (2009), a matriz do banditismo social e de movimentos como o cangaço, Canudos e o Contestado não reside apenas no monopólio da propriedade fundiária, mas sim em todo o atraso econômico, no isolamento do meio rural, no imobilismo social, na ausência de iniciativas que não fossem as do latifundiário. Facó apreende o cunho místico, profético, religioso dos sertões como ideologia, pois correspondiam aos anseios morais e materiais daquela população. Para os objetivos deste trabalho, diferenciando-se dos conceitos de ideologia, o termo empregado será utopia, tendo em vista que esta terminologia aplica-se ao porvir, sendo, portanto, contestadora da ordem social. Há, no entanto, elementos sobre “ideologia” que Rui Facó não aborda no seu clássico Cangaceiros e Fanáticos, mas que corroboraram com sua tese. Antonio Gramsci distingue entre ideologias historicamente orgânicas, que são necessárias a determinada estrutura, e ideologias arbitrárias, racionalizadas ou desejadas. Para Gramsci, a ideologia torna-se mais liberada, deixa de pertencer às classes fundamentais. Formas menos estruturadas de pensamento que circulam no seio do povo comum, uma mistura de folclore, mito e experiência constituem o que ele chama de “ideologia não orgânica”. Nesse sentido, há uma ideologia derivada ou externa e o elemento inerente ou a base comum de determinado grupo social (RUDÉ, 1982). 17WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Nesses termos, as características essenciais do camponês são as seguintes: é um trabalhador rural, cujo produto se destina primordialmente ao sustento da própria família, podendo vender ou não o excedente da colheita, deduzida a parte do aluguel da terra quando não é proprietário; devido ao destino da produção, é ele sempre policultor. O caráter essencial da defi nição de camponês é, pois, o destino dado ao produto, pois este governa todos os outros elementos com ele correlatos. Assim, difi cilmente cultivará grandes extensões de terra; por outro lado, não sendo a colheita destinada à obtenção de lucro, não deve ela ultrapassar certo nível de gastos a fi m de não onerar a disponibilidade econômica familiar. Economicamente, defi ne-se, pois, o camponês pelo seu objetivo de plantar para o consumo. Sociologicamente, o campesinato constitui sempre uma camada subordinada, dentro de uma sociedade global - subordinação econômica, política e social (QUEIROZ, 1973). Veremos mais sobre sociologia do campo no próximo tópico. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E bala é um pedaçozinho de metal [...]. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso... (ROSA, 2019, p. 18-28). Sociologia Rural e Historiografi a do Campo A historiografi a dos movimentos sociais evoluiu positivamente a partir das publicações de autores anglo-saxões, como Eric Hobsbawm, Christopher Hill, Perry Anderson, Edward Thompson, Raymond Williams e do canadense George Rudé, que, em meados da década de 1950, com a criação de revistas como a Past and Present e depois a New Left Review, rompem com a ortodoxia marxista (vulgar) baseada no determinismo econômico sem, no entanto, perder a luta de classes de vista. Esta escola histórica analisa os trabalhadores, do campo e da cidade, como protagonistas da história. Inverte-se, assim, a visão aristocrática e positivista, na qual apenas grandes homens, heróis militares, reis, enfi m, a elite, faziam e escreviam a história. Trata-se de uma inversão, da história vista de baixo para cima, em que as classes trabalhadoras ocupam lugar de destaque. Surgem assim os rostos na multidão, os personagens anônimos que nunca tiveram seu nome gravado nos livros de história, entre eles, o camponês. 18WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Martins (2010, p. 77) refere-se a Eric Hobsbawm: “[...] o renovador do marxismo”. Essa renovação, todavia, não representa uma ruptura, pelo contrário, trata-se de uma renovação motivada pelos anseios da realidade social da segunda metade do século XX. A primeira e importante mudança de foco entre Hobsbawm e o marxismo do século XIX ou mesmo a ortodoxia stalinista foi o estudo de movimentos campesinos. Como escreveu Martins, essa simples escolha representou uma heresia no marxismo ofi cial, uma vez que o próprio Marx havia relegado os camponeses como culturalmente arcaicos, reacionários e mesmo como massa disforme, um saco de batatas (Dezoito de brumário) que refl etia o idiotismo da vida rural (Manifesto comunista). O termo polêmico idiotismo é trabalhado em detalhes por Raymond Williams (1989, p. 58), e de forma análoga é relativizado pelo próprio Hobsbawm em Sobre História, no capítulo fi nal referente ao Manifesto Comunista. A última edição do Manifesto Comunista (Editora Boitempo, 2010, p. 44) traduz a expressão “idiotismo da vida rural” de forma mais comedida, como “embrutecimento da vida rural”. A ênfase dada aos movimentos campesinos talvez se explique pelo fato de que as maiores revoluções do século XX ocorreram em sociedades basicamente agrárias, como a Revolução Russa, Chinesa e Cubana. Obras como Rebeldes Primitivos e Bandidos estão dentro dessa temática e com grande infl uência nos estudos rurais brasileiros. Com a historiografi a da Nova Esquerda Inglesa inaugura-se, portanto, uma nova visão com relação ao camponês, não como mera vítima ou como submisso, mas como protagonista de sua história. Para fi ns pedagógicos, esta é uma mudança fundamental. Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo pra mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo (SAINT-EXUPÉRY, 2016). 19WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz, socióloga emérita da Universidade de São Paulo – USP, o marco inicial para os estudos sociológicos no meio rural relaciona-se com o clássico de Euclides da Cunha, Os sertões. Contudo, a socióloga adverte que algumas teses acerca de Canudos estão em desuso, como a hipótese de que uma nocivamestiçagem limitaria o progresso agrário do país. O mestiço ou caboclo – o homem orgânico do campo – era visto como racial e fi sicamente degenerado e desequilibrado. Não há base científi ca moderna que sustente as teses de Euclides, elas estão inseridas no contexto científi co positivista do fi nal do século XIX: linear, evolucionista. A segunda tese de Euclides refere-se ao isolamento das populações do interior, em contraste com a população do litoral. Isso em teoria seria o sufi ciente para moldar o pensamento do sertanejo, como culturalmente arcaico, atrasado, em detrimento do homem urbano, civilizado. “Apesar de Euclides da Cunha reconhecer explicitamente estes pontos, ainda assim predominou sua sensibilidade, diante da paisagem, sobre o raciocínio diante dos fatos; criou então a lenda do isolamento das populações caboclas [...]” (QUEIROZ, 1973, p. 9). Trata-se de uma lenda que ganhou notoriedade pela hábil composição literária de Euclides, mas não tem fundamentação empírica, científi ca. Essa explicação biológica fundamentada no positivismo reaparece nos escritos de Oliveira Vianna, não mais sobre o Nordeste, mas acerca do fazendeiro sulista. No sul, também o mestiço preguiçoso e vadio precisaria da imposição do fazendeiro para tornar-se produtivo. Para Vianna, a produtividade agrícola do sul do país era mérito do empregador e não do agricultor. Ainda em termos similares, porém com maior erudição e qualidade literária está o clássico de Gilberto Freyre, Casa grande e senzala. Com os trabalhos de Gilberto Freyre, a interpretação racial parece relegada inteiramente a segundo plano. Mas a existência de uma camada social intermediária, que aparecera na obra de Euclides da Cunha, continuava não sendo reconhecida. Ninguém melhor do que Antônio Cândido descreveu suas condições específi cas de existência. Ele demonstrou como era ilusória a primeira impressão de isolamento dos caipiras, morando cada família em suas terras; na verdade, estavam presos a uma organização de vizinhança, o bairro rural, de contornos sufi cientemente consistentes para dar aos habitantes a noção de lhes pertencer. Centralizado por uma capela e uma vendinha, servia este núcleo de centro de reunião para a vizinhança dispersa. Confi guração intermediária entre a família, de um lado e, de outro lado, o arraial, ou a vila, ou a cidadezinha, o bairro apresenta as formas mais elementares de sociabilidade da vida rústica (QUEIROZ, 1973). Com esses estudos atualizados por Maria Isaura Queiroz, cai por terra a tese euclidiana de determinismo geográfi co e fatalismo racial, isto é, o condicionamento social e racial do homem rural. Esse personagem intermediário entre o fazendeiro ou latifundiário e os sem-terra é justamente o camponês. Mas o que confi gura um camponês? 20WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O camponês constitui as diversas formas de produção agrária, seja de base familiar ou não. No entanto, nem fazendeiros comerciais, nem proletários rurais de algumas economias de plantação em larga escala se enquadram no problema do camponês, embora constituam parte do problema agrário. Três termos de origem sociológica defi nem o camponês: subordinação, diferenciação cultural e posse efetiva da terra. “Penso que a última é signifi cativamente relevante, mas não necessariamente da forma como ela está colocada: ‘a posse efetiva da terra’, mas sim o seu contraponto, ou seja, a ausência dela” (PRIORI, 2005, p. 158). O que o caracteriza não é, pois, a posse ou não da terra - muitas vezes o lavrador era um arrendatário - e sim a posse e a manutenção dos animais e dos instrumentos aratórios. Outra caracterização genérica é uma classe com escasso caráter de classe, ou seja, sendo o campesinato uma classe em si, mas não é necessariamente uma classe para si. O que denominamos de sertanejos ou caboclos constituía o grosso dessa classe campesina, não em seu sentido literal, mestiços de branco com índio, mas como um grupo unifi cado pelos laços geográfi cos, econômicos e culturais. Dito de outra forma, constituíram uma classe por estarem em uma hinterlândia cultural, temporal e religiosa. Nas Diretrizes para a Educação do Campo (PARANÁ, 2006) há a descrição resumida do camponês: - é um trabalhador que cultiva uma pequena área de terra, com uso de ferramentas simples, ou pequenas máquinas de tecnologia rudimentar; - está baseado quase exclusivamente na mão de obra familiar, podendo empregar, esporadicamente, trabalhadores assalariados; - combina a produção dos meios de vida com a produção de mercadorias, sem as condições de acumular capital; - é um sujeito inserido e reproduzido no interior do modo de produção capitalista, sem ser um capitalista, na sua essência; - a família é a sua unidade básica de posse, produção e consumo; - organizado de forma coletiva, tem na própria família, no interior da sociedade global, a função de permitir a oferta de produtos agropecuários a preços inferiores aos das empresas capitalistas; - a família camponesa está sempre ligada a uma unidade maior, o bairro rural, o grupo de vizinhança, a comunidade, sendo a família uma das unidades básicas de socialização; - mantém contato frequente com a sociedade urbana, numa relação subordinada a ela, de inferioridade, social, política e econômica; - possui grau elevado de autonomia no processo de decisão e gestão da produção; 21WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - o contato com o mercado é frequente, com caráter parcial e incompleto; vende seus produtos excedentes e adquire mercadorias complementares para satisfazer necessidades básicas; - tem objetivos de produzir valores de uso e não valores de troca; - sua agricultura está voltada à manutenção de um modo de vida e não de um negócio. Seguindo as Diretrizes, pode-se dizer, então, que o camponês representa um modo de vida, isto é, possui uma cultura. Vidas secas, de Graciliano Ramos. 22WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS Caros(as) alunos(as), chegamos ao � nal da primeira unidade de estudos sobre educação do campo. Na forma com que organizamos esta apostila, a Unidade 1 tem função introdutória, isto é, fornecer as bases históricas e socioantropológicas sobre o homem do campo. Nesse formato, os fundamentos históricos, antropológicos e sociológicos apresentados até o momento serão imprescindíveis para pensarmos em termos didáticos e pedagógicos, os temas das próximas unidades. Conhecer a construção da visão pejorativa com que o homem do campo ainda é adjetivado na atualidade é um dos fundamentos categóricos para sua superação. Dito de outra forma, é imprescindível apreender os discursos dúbios de Euclides da Cunha, que hora chama o sertanejo de um forte, hora o denigre como fruto de mestiçagem e estigmas degenerativos de três raças, ou o Jeca-tatu de Monteiro Lobato, para compreensão de que as atuais condições da escola do campo são também construções históricas e muitas vezes o preconceito com que se aborda o Movimento dos Trabalhadores rurais sem-terra (MST) é, na realidade, apenas a reprodução de um discurso das classes dominantes. Uma pergunta que não cala é: será que os coronéis e o voto de cabresto � caram restritos ao século XX? Questão que teima em permanecer atual. Essas ponderações são válidas para compreendermos o conteúdo das próximas unidades: a legislação referente à Educação no Campo, o currículo para a escola do campo e as concepções didáticas de ensino-aprendizagem no meio rural. Vamos lá?! Bom estudo. 2323WWW.UNINGA.BR UNIDADE 02 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 24 1. DIRETRIZES CURRICULARES E LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO .....................................................25 2. DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS DO CAMPO: POR UMA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA .......................................................................................................................................................... 36 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................ 39 ASPECTOS LEGAIS DA ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA ESCOLA DO CAMPO PROF. ME. RUI BRAGADO SOUSA ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO NO CAMPO - ASPECTOS HISTÓRICOS E PEDAGÓGICOS DO CAMPESINATO 24WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Podemos perceber no posicionamento dos governos, que a Educação no Campo, enquanto política de Estado, é tratada no limite da legalidade, ou seja, de se cumprir o que a lei prevê – o acesso à escola como direito – porém, por se tratar de uma escola ligada a um movimento social, de luta, de enfrentamento, de tensionamento, o faz na precariedade, atendendo minimamente as necessidades dessa escola. Por essa razão, a Educação no Campo é analisada como espaço de contradição, como instrumento utilizado e produzido com diferentes intencionalidades no processo social (SAPELLI, 2013). Diante das inúmeras di� culdades de cunho cultural, social e político e da complexidade inerente à Educação no Campo, abordar a legislação especí� ca do tema corresponde à apropriação de saberes especí� cos da esfera legal, bem como a compreensão de que a própria Lei é fruto de disputas políticas e simbólicas, sendo que sua elaboração não se distingue da prática social. De acordo com Cury (2000, p. 15), “[...] não se apropriar das leis é, de certo modo, uma renúncia à autonomia e a um dos atos constitutivos de cidadania”, ou seja, ao pro� ssional da Educação no Campo cabe conhecer a legislação especí� ca na qual sua disciplina fundamenta-se e fazer com que elas sejam seguidas e aplicadas na prática. Nesse sentido, esta unidade faz uma breve retrospectiva dos marcos legais da legislação para a Educação no Brasil, priorizando sempre os eixos temáticos da Educação no Campo, mas compreendendo-o como parte integrante de um bloco maior. Dito de outra forma, é preciso conhecer basicamente a legislação geral acerca da educação, bem como sua especi� cidade na área rural. Espera-se demonstrar a quase completa ausência de uma legislação para a Educação no Campo até a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases, a LDB 9394 de 1996. 25WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. DIRETRIZES CURRICULARES E LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO As políticas públicas para a educação como formação humana pautam-se pela necessidade de estimular os sujeitos da educação pela sua capacidade de criar com outros um espaço humano de convivência social desejável. Seguindo esse modelo, deve-se pensar em políticas no sentido geral e histórico e não meramente na política partidária. Se é certo que decisões políticas fomentam e direcionam as práticas educacionais, também é correto dizer que tais políticas não são exclusivamente partidárias. Antes, elas são in� uenciadas pela pressão da opinião pública, pelos movimentos sociais, pela mídia, en� m, pela sociedade civil. Importante compreender que todos nós somos sujeitos políticos e não meramente sujeitos passivos. Figura 1 - Imagem ilustrativa. Fonte: Sindipúblicos (2020). A Educação do Campo é uma política pública que nos últimos anos vem se concretizando no estado do Paraná, assim como no Brasil. Uma política pública pensada mediante a ação conjunta de governo e da sociedade civil organizada. Caracterizada como o resgate de uma dívida histórica do Estado com relação aos sujeitos do campo, que tiveram negado o direito a uma educação de qualidade, uma vez que os modelos pedagógicos ora marginalizavam os sujeitos do campo, ora vinculavam-se ao mundo urbano, ignorando a diversidade sociocultural do povo brasileiro, especialmente aquela expressa na prática social dos diversos sujeitos do campo (PARANÁ, 2006). Trata-se de um documento de relevância histórica e pedagógica, pela forma tardia com que a Educação no Campo foi abordada no Brasil. Como vimos na primeira unidade, com as políticas aristocráticas do período Imperial (1822-1889) e com o positivismo da Primeira República (1889-1930), houve certo retardamento em reconhecer o homem do campo como sujeito social. Somente em 1937, foi criada a Sociedade Brasileira de Educação Rural, com o intuito de expandir o ensino e preservar a cultura do homem do campo. Esta mudança está diretamente relacionada às questões políticas do governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e ao deslocamento de poder das elites agrárias ou coronéis para os barões da indústria. 26WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A educação rural não foi sequer mencionada nos textos constitucionais de 1824 e 1891, evidenciando-se, de um lado, o descaso dos dirigentes com a Educação do Campo e, do outro, os resquícios de matrizes culturais vinculadas a uma economia agrária apoiada no latifúndio e no trabalho escravo. Na primeira Constituição, de 25 de março de 1824, apenas dois dispositivos, os incisos XXXII e XXXIII do Art.179, trataram da educação escolar. Um deles assegurava a gratuidade da instrução primária, e o outro se referia à criação de instituições de ensino. A Carta Magna de 1891 também silenciou a respeito da educação rural, restringindo-se, no Art. 72, parágrafos 6 e 24, respectivamente, à garantia da laicidade e à liberdade do ensino nas escolas públicas. A ausência de uma consciência a respeito do valor da educação no processo de constituição da cidadania, ao lado das técnicas arcaicas do cultivo que não exigiam dos trabalhadores rurais nenhuma preparação, nem mesmo a alfabetização, contribuíram para a ausência de uma proposta de educação escolar voltada aos interesses dos camponeses. A introdução da educação rural no ordenamento jurídico brasileiro remete às primeiras décadas do século XX, incorporando, no período, o intenso debate que se processava no seio da sociedade a respeito da importância da educação para conter o movimento migratório e elevar a produtividade no campo. A preocupação das diferentes forças econômicas, sociais e políticas com as signi� cativas alterações constatadas no comportamento migratório da população foi claramente registrada nos anais dos Seminários e Congressos Rurais realizados naquele período (BRASIL, 2013, p. 269). No governo de Getúlio Vargas, a Constituição de 1934, acentuadamente marcada pelas ideias do Movimento Renovador, que culminou com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, expressa claramente os impactos de uma nova relação de forças que se instalou na sociedade a partir das insatisfações de vários setores cafeicultores, intelectuais, classes médias e até massas populares urbanas. O texto constitucional de 1934 apresenta grandes inovações quando comparado aos que o antecedem. No caso, � rma a concepção do Estado educador e atribui às três esferas do poder público responsabilidades com a garantia do direito à educação. Também prevê o Plano Nacional de Educação, a organização do ensino em sistemas, bem como a instituição dos Conselhos de Educação que, em todos os níveis, recebem incumbências relacionadas à assessoria dos governos, à elaboração do plano de educação e à distribuição de fundos especiais. O artigo 156 da Constituição Federal de 1934 demonstra o avanço em relação às cartas constitucionais anteriores: Art. 156. A União, os Estados e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos. Parágrafo único. Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo, vinte por cento das cotas destinadasà educação no respectivo orçamento anual (BRASIL, 2013, p. 270, grifo do autor). Portanto, no período varguista (1930-1945), houve a implantação de políticas públicas para a Educação no Campo, ao contrário do que se imagina quando se faz referência a Vargas apenas no âmbito urbano, na consolidação da legislação trabalhista (CLT) e na industrialização tardia dos grandes centros. Ainda que a situação rural não esteja integrada como forma de trabalho, apontava para a participação nos direitos sociais. As Constituições do Estado Novo (1937) e de 1946, após a deposição de Getúlio Vargas não tiveram mudanças relevantes quanto à Educação no Campo, se comparadas com a carta Magna de 1934. 27WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Na década de 1960, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n. 4024/61) deixou a educação rural a cargo dos municípios. Na mesma década, Paulo Freire ofereceu contribuições signi� cativas à educação popular, com os movimentos de alfabetização de adultos e com o desenvolvimento de uma concepção de educação dialógica, crítica e emancipatória [o que veremos na última unidade]. A prática social dos sujeitos passou a ter maior valorização, por meio de uma proposta distinta da prática educativa bancária predominante na educação brasileira. Com a LDB 5692/71, já no período militar (1964-1985) não houve avanços para a educação rural, uma vez que nem se discutia o ensino de 2º grau (atual Ensino Médio) para as escolas rurais. (PARANÁ, 2006). Com o processo de redemocratização, a partir de 1985, a educação ganha mais destaque na sociedade. A Constituição Federal (CF) de 1988 reserva um capítulo todo para as questões relativas ao direito à educação, tema que também está no capítulo II – dos Direitos Sociais –, título II – dos Direitos e Garantias Fundamentais –, Artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988). O fato de a CF de 1988 ter reservado um capítulo todo para a educação é marcante, ocorreu pela primeira vez em nossos textos constitucionais. Já no capítulo sobre a educação, Artigo 205, ela é consagrada “como direito de todos e dever do Estado”. Assim, a educação na atualidade está consolidada entre os cidadãos brasileiros como direito de todos e dever precípuo do Estado. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua quali� cação para o trabalho (BRASIL, 1988). No Artigo 206 da Constituição Federal de 1988, são de� nidos os princípios sobre os quais o ensino seria ministrado, no Brasil, a partir de 1988. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos o� ciais; V – Valorização dos pro� ssionais do ensino, garantido na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial pro� ssional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurando regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União. VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 1988). O Artigo 212 da Constituição de 1988 de� ne a vinculação de impostos dos entes federados; novamente, percebemos que aquele que arrecada mais investe menos em termos percentuais. Assim, a União deve aplicar, anualmente, nunca menos de 18%, e os estados, o Distrito Federal e os municípios, 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (BRASIL, 1988). A Constituição de 1988 foi inovadora e singular ao estabelecer gratuidade em nível nacional para a escolarização, após o ensino fundamental. 28WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Ademais, quando estabelece no art. 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), mediante lei especí� ca, reabre a discussão sobre educação do campo e a de� nição de políticas para o setor. Contudo, há que se registrar na abordagem dada pela maioria dos textos constitucionais, um tratamento periférico da educação escolar do campo. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no. 9394/96, há o reconhecimento da diversidade do campo, uma vez que vários artigos estabelecem orientações para atender a essa realidade, adaptando as suas peculiaridades, como os artigos 23, 26 e 28, que tratam tanto das questões de organização escolar como de questões pedagógicas. Contudo, mesmo com esses avanços na legislação educacional, a realidade das escolas para a população rural continuava precária. Em seu artigo 28, a LDB 9394/96 estabelece as seguintes normas para a educação do campo: Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino proverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e metodologia apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996). Este artigo da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 é inovador. Ao submeter o processo de adaptação à adequação, institui uma nova forma de sociabilidade no âmbito da política de atendimento escolar em nosso país. Não mais se satisfaz com a adaptação pura e simples. Reconhece a diversidade sociocultural e o direito à igualdade e à diferença, possibilitando a de� nição de Diretrizes Operacionais para a educação rural sem, no entanto, recorrer a uma lógica exclusiva e de ruptura com um projeto global de educação para o país (BRASIL, 2013, p. 278). O artigo 29 da LDB 9394/96 institui um marco legal, uma nova forma de organizar a política escolar rural no Brasil. Trata-se de pensar as vicissitudes e especi� cidades do campo e não meramente adaptações do ensino urbano para o rural. Somente com a LDB de 1996, o conceito de Educação no Campo deixa de ser abstrato. Ao pautar a elaboração de “conteúdos curriculares e metodologias apropriadas” (parágrafo I) a legislação ressalta a diversidade cultural do campo em relação à cidade, respeitando o direito à diferença. 29WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 2 - Quadro comparativo que demonstra a defasagem da Escola do campo em detrimento da cidade. Fonte: globo.com (2015). De acordo com as Diretrizes para a Educação no Campo, ao reconhecer a especi� cidade do campo, com respeito à diversidade sociocultural, o artigo 28 da CF traz uma inovação ao acolher as diferenças sem transformá-las em desigualdades, o que implica que os sistemas de ensino deverão fazer adaptações na sua forma de organização, funcionamento e atendimento para se adequar ao que é peculiar à realidade do campo, sem perder de vista a dimensão universal do conhecimento e da educação (PARANÁ, 2006). Como parte da política de revalorização do campo, a educação também é entendida no âmbito governamental como uma ação estratégica para a emancipação e cidadania de todos os sujeitos que vivem no campo, e pode, por meio dela, colaborar com a formação das crianças, jovens e adultos para o desenvolvimento sustentável regional enacional. De acordo com esse pensamento e, após receber os diferentes movimentos sociais que se preocupam com a Educação do Campo, em 2003, o Ministério da Educação institui um Grupo Permanente de Trabalho para tratar da questão da educação do campo, cuja missão é reunir os movimentos sociais e as instâncias o� ciais com o objetivo de discutir e de� nir as políticas que efetivamente atendam às necessidades educacionais e sejam um instrumento para o desenvolvimento sustentável do Brasil do campo. É consenso que a análise e o encaminhamento dessas questões passam necessariamente pela re� exão e entendimento da vida, dos interesses, das necessidades de desenvolvimento e dos valores do homem do campo. Assim, é fundamental a consideração da riqueza de conhecimentos que essa população traz de suas experiências cotidianas (BRASIL, 2003, p. 4). A efetivação de uma política pública de Educação do Campo impõe-se, ainda, como uma exigência para o cumprimento dos objetivos e metas traçados pelo Plano Nacional de Educação (PNE), bem como para a implementação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, � xadas pelo Conselho Nacional de Educação por meio da Resolução CNE/ CEB nº 1, de 3 de abril de 2002. 30WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Inicia-se, assim, ainda que de forma tardia, uma nova agenda educacional com ênfase no campo. Concomitantemente ao avanço institucional das legislações, houve importantes movimentos que condicionaram esta mudança de paradigma na educação brasileira, não sem um atraso de séculos. Movimentos como a Pastoral da terra, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e a constante pressão pela reforma agrária contribuíram para alterar o cenário adverso. De acordo com o próprio MEC, trata-se de pensar a escola no campo e a identidade do camponês. A identidade da escola do campo é de� nida pela sua vinculação às questões inerentes a sua realidade, ancorando-se na sua temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de Ciência e Tecnologia disponível na Sociedade e nos Movimentos Sociais em defesa de projetos que associem as soluções por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (MEC, 2002, p.37). E, apesar dos avanços das últimas décadas, ainda existem lacunas e desa� os no que se refere à fundamentação e à consolidação da Educação no Campo dentro de parâmetros e critérios especí� cos. De acordo com Silva et al. (2010, p. 195), no Brasil, em 2005, apenas 9% dos professores do campo tinham formação superior, o que, no meio urbano, corresponde a 38% com formação em curso superior. Não existe ainda uma dotação � nanceira para a Educação no Campo, o que leva a estatísticas desmotivadoras. De acordo com o MEC, a metade das escolas no campo possui apenas uma sala de aula e com número mínimo de estudantes. Com a falta de estrutura, cerca de 67% das crianças no campo são transportadas para as cidades e muitas prefeituras constroem escolas nas periferias das cidades para matricular os alunos oriundos da zona rural. O dado mais alarmante é que 30% da população camponesa que migra para a zona urbana é rotulada, no senso comum, de totalmente analfabeta. A construção de uma política educacional nacional que assegure a esses brasileiros o direito a uma educação de qualidade e, ao mesmo tempo, respeite a diversidade cultural e reconheça a realidade diferenciada do campo, de forma a garantir o atendimento adequado das necessidades educativas das pessoas que ali vivem e trabalham, constitui-se um imperativo para o desenvolvimento sustentável, com inclusão e justiça social. Além de responder às reivindicações históricas dos movimentos sociais do campo, o fortalecimento da educação do campo é uma exigência da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 2007, p. 43). O Censo Escolar 2002 incorporou o levantamento de dados relativos ao transporte escolar público estadual e municipal. Foi apurado o atendimento para 3.557.765 alunos do ensino fundamental e do ensino médio residentes na zona rural. Desse total, 67% são transportados para escolas localizadas na zona urbana e apenas 33% para escolas rurais. Essa prática tem gerado um debate intenso, pois enquanto os movimentos sociais e uma série de políticas governamentais buscam fi xar o trabalhador rural no campo e assegurar a posse da terra para aqueles que a desejem cultivar, o transporte escolar atua em sentido inverso levando o fi lho deste trabalhador para os núcleos urbanos. Por outro lado, cabe avaliar se essas escolas urbanas para onde os alunos residentes na área rural estão sendo transportados estão localizadas em municípios com características realmente urbanas ou meandros rurais imprecisos ou ambíguos (BRASIL, 2003, p. 24). 31WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Legislação para a Educação no Campo no Paraná No Estado do Paraná, a trajetória da educação do campo não é diferente, pois também esteve marginalizada. Durante muitos anos, a educação dos povos do campo foi precarizada, repetindo todos os problemas encontrados no restante do país. No Estado, no início dos anos de 1990, ocorreram importantes iniciativas de alfabetização de jovens e adultos nos assentamentos da reforma agrária, mediante a ação do MST. O acúmulo teórico-metodológico (práticas, materiais didáticos, debates, seminários) realizado pelo referido movimento fez avançar o debate sobre educação do campo (PARANÁ, 2006). A situação de analfabetismo generalizado nos assentamentos rurais levou o governo estadual a criar projetos como o Programa Especial Escola Gente da Terra, no início da década de 1990, para dar um atendimento específi co e diferenciado aos povos do campo, das áreas indígenas e assentamentos, em nível fundamental e alfabetização de jovens e adultos. As contribuições da Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (Assesoar), com as experiências do projeto Vida na Roça, que discute o desenvolvimento das múltiplas dimensões, a partir dos sujeitos locais, e as produções escritas sobre a Escola da Roça, foram importantes para enriquecer o debate a respeito da escola que tem sentido sociocultural para os povos do campo (PARANÁ, 2006, p. 20). No Paraná, em 2000, após vários encontros e reuniões, criou-se a Articulação Paranaense por uma Educação do Campo, concomitante à realização da II Conferência Paranaense: Por uma Educação Básica do Campo. Os sujeitos coletivos envolvidos na Conferência foram: Apeart, Assesoar, Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (Crabi), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sistema de Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária (Cresol/Baser), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais (Deser), Fórum Centro, Fórum Oeste, MST, Prefeitura Municipal de Porto Barreiro e de Francisco Beltrão, Universidades: UFPR, UEM, Unicentro e Unioeste. Essa articulação entre poder público, sindicatos, sociedade organizada e movimentos sociais é um marco positivo de parcerias em prol da melhoria das condições da Educação no Campo. Desde então, a educação do campo passou a ter um espaço de articulação entre o poder público e a sociedade civil organizada. Pelo exposto, o documento intitulado Diretrizes para Educação no Campo no Paraná descreve quatro períodos históricos acerca do campo: Primeiro: período de negação dos camponeses como sujeitos sociais e cidadãos brasileiros, que se estendeu desde a colonização até a década de 1930; 32WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Segundo: período de preocupação com a educação rural por parte do Estado, em função da migração campo-cidade e do atraso sociocultural em que se encontrava a população rural. Segundo a perspectiva ofi cial, a partir de 1937, com a criação deserviços assistenciais aos povos do campo, não havia uma preocupação de debater os verdadeiros problemas e contradições presentes no campo, tais como a concentração agrária e o poder político patriarcal; Terceiro: início da década de 1960, com a infl uência, dentre vários pensadores, do educador Paulo Freire na organização dos círculos de cultura e alfabetização de adultos, propiciando os primeiros debates sobre uma concepção de educação pautada no diálogo, na valorização do sujeito social e de sua prática sociocultural. Com o golpe militar em 1964, entretanto, houve um recuo nos projetos educacionais que objetivavam uma educação emancipatória; Quarto: a partir de fi nal da década de 1980, com a abertura democrática e a organização dos movimentos sociais em diversas frentes, foi possível avançar o debate da educação do campo. Dentre os sujeitos coletivos que participam deste debate e que lhe dão impulso, o MST exerce forte infl uência política, ao lado de – e somando-se com – outros movimentos, organizações e instâncias governamentais. No caso do MST, a sua visibilidade se deve à produção pedagógica por meio da publicação de Cadernos, às experiências educativas e à participação sociopolítica nas manifestações públicas na defesa da educação pública como necessidade da reforma agrária. Na década de 1990, pode-se dizer que emergiram os sinais de inserção da educação do campo na agenda política, com a LDB n. 9394/96 e as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, em contraposição à concepção de educação rural vigente até então. O próprio poder público passou a adotar a terminologia educação do campo, num sinal de atenção às demandas sociais, que, obviamente, não podem ser analisadas de modo desvinculado de seus interesses políticos. Não obstante a essa primazia tardia da Educação no Campo, a escola não pode reduzir o conteúdo, o currículo e o projeto pedagógico às demandas e discussões da realidade camponesa. É preciso considerar a interdependência campo-cidade, em que as fronteiras são apenas geográfi cas, pois em termos culturais há algo de sincrético entre as zonas rurais e urbanas. Ainda que cada região preserve certos modos de vida, de linguagem, outros aspectos a suplantam. No mundo globalizado, falar em isolamento do campo seria cair novamente no erro de Euclides da Cunha e no fatalismo geográfi co. É preciso considerar a interdependência campo-cidade em termos de necessidades básicas como alimentação e água potável, sem os quais a cidade não sobrevive. A dimensão ecológica deve ser levada em conta nas propostas pedagógicas, a necessidade crescente e urgente de um programa sustentável – tanto para o campo como para a cidade – leva-nos a inserir questões ecológicas em todo e qualquer debate sério sobre educação. 33WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Esta ponderação não impede a formulação de uma proposta pedagógica fundamentada nos saberes sociais e políticos do campesinato. Compreendendo a formação social da mente (Marx e depois Vigotski) é preciso levar em conta o processo de trabalho do homem do campo, pois é esta atividade que gera transformação socioeconômica, que produz saberes, que elabora sua cultura. As escolas rurais apresentam características físicas bastante diferenciadas das escolas urbanas. Em termos dos recursos disponíveis, a situação da escola da área rural ainda é bastante carente. Considerando o número de salas de aula como um indicador do tamanho da escola, nas escolas urbanas 75% daquelas que oferecem o Ensino Fundamental têm mais de cinco salas de aula. Para aquelas localizadas na zona rural, o perfi l é diferente, ou seja, 94% das escolas têm menos que 5 salas de aula. Em termos do número de alunos, em torno de 67% das escolas rurais têm menos de 51 alunos. Por outro lado, mais de 50% das escolas urbanas atendem mais de 300 alunos do Ensino Fundamental. Quanto aos recursos disponíveis na escola, ainda para aquelas que oferecem Ensino Fundamental na área rural, 21% não possuem energia elétrica, apenas 5,2% dispõem de biblioteca e menos de 1% oferecem laboratório de ciências, de informática e acesso à Internet. Dos estabelecimentos que oferecem o Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série, apesar de 89,6% possuírem energia elétrica, somente 30% dispõem de TV/ Vídeo/Parabólica, 26,4% oferecem biblioteca, 3,5% laboratório de ciências e 3,1% laboratório de informática (BRASIL 2003). Cultura e Identidade do Homem do Campo O que é cultura e qual sua relação com a Educação no Campo? Nesse breve tópico vamos tentar apreender de forma sucinta essa dualidade. Igualmente importante é estabelecer um paralelo entre o conceito de cultura e a construção da identidade camponesa, bem como seus desdobramentos no ensino. A palavra cultura, do latim culter, designa a relha de um arado, deriva de trabalho e agricultura, colheita e cultivo. A raiz latina da palavra cultura é colere, com signifi cado diverso, desde cultivar a adorar e proteger. Também pode signifi car, via o latim cultus, no termo religioso culto. 34WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Cultura denotava no início um processo completamente material, o que foi depois metaforicamente transferido para as questões do espírito; da existência rural para a urbana, da criação de porcos a Picasso, do lavrar o solo à divisão do átomo. A construção da cultural está, portanto, desde sua origem epistemológica, relacionada com a natureza e com o trabalho. “A cultura não é uma vaga fantasia da satisfação, mas um conjunto de potenciais produzidos pela história e que trabalham subversivamente dentro dela” (EAGLETON, 2011, p. 39). Segundo a conceitualização de Edward Said em Cultura e Imperialismo, “cultura designa todas as práticas, como as artes de descrição, comunicação e representação, que têm relativa autonomia perante os campos econômico, social e político, e que amiúde existem sob formas estéticas”. A cultura, nesse sentido, é uma forma de identidade, “uma espécie de teatro em que várias causas políticas e ideológicas se empenham mutuamente”. Concebida dessa maneira, a cultura “pode se tornar uma cerca de proteção: deixa a política na porta antes de entrar” (SAID, 1995, p. 13-14). Carlo Ginzburg, outro exemplo notável nos estudos culturais, afi rma que “assim como a língua, a cultura oferece ao indivíduo um horizonte de possibilidades latentes – uma jaula fl exível e invisível dentro da qual se exercita a liberdade condicionada de cada um” (GINZBURG, 2006, p. 20). As Diretrizes para a Educação do Campo atribuem importância considerável ao conceito de cultura. Segundo o documento: [...] cultura é entendida, neste contexto, como toda produção humana que se constrói a partir das relações do ser humano com a natureza, com o outro e consigo mesmo. [...] Trata-se de elementos culturais presentes, os quais caracterizam os diferentes sujeitos no mundo e, portanto, os diferentes povos do campo (PARANÁ, 2006). A cultura é gerada na prática social produtiva de cada uma das categorias sociais dos povos do campo. Cultura não designa apenas manifestações artísticas, arte ou literatura, compreendidos como cultura erudita. Ela fundamenta-se principalmente nos costumes, tradições, ritos, folclore, festas, religião de um povo, também descrito como cultura popular. Esses conteúdos culturais devem estar presentes na elaboração e execução de práticas pedagógicas. São esses elementos culturais que darão signifi cado e inteligibilidade aos conteúdos pedagógicos, sem eles o ensino torna-se pouco inteligível. É na cultura que um povo se reconhece enquanto sujeito social, é na cultura que ele adquire sua identidade própria. Essa reiteração em temas culturais fará sentido no decorrer dos estudos sobre Educação no Campo, afi nal, prioriza- se a esfera dos costumes e práticas sociais e de trabalho rural como parte dos signifi cadosno momento de aplicação das tendências pedagógicas e curriculares. Dito de outra forma, a partir dos signifi cantes culturais é que o ensino no campo terá signifi cado específi co, objetivo e prático. Se não for valorizada, a cultura campesina tende a degenerar-se em estereótipos. As festas juninas são um exemplo típico dessa deformação cultural. 35WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA As roupas rasgadas, os dentes pintados simulando cáries, o sotaque caipira, enfi m, criações que denotam um costume do campo enviesado de forma degenerada e desfi gurada na cidade. Por estas razões, as Diretrizes para a Educação no Campo visam a superação de conteúdos estereotipados sobre o modo de vida camponês; a educação do campo pode trazer as características de sociabilidade e de trabalho comunitário presentes nas experiências camponesas. A troca de produtos de consumo básico, as atividades do tipo mutirão, a solidariedade no momento da colheita de determinado produto agrícola, são exemplos muito mais signifi cativos de uma cultura. Uma das proposições das Diretrizes é desenvolver uma cultura de indagações que leve à superação do modo tradicional, autoritário e enciclopédico do fazer pedagógico. A pesquisa é um dos caminhos sugeridos na elaboração de encaminhamentos metodológicos na educação do campo. Ela pode se dar no plano individual ou coletivo, mediante o diálogo, a indagação, o registro e a sistematização das informações como aspectos essenciais da mesma. Nesses termos, a Educação no Campo busca compreender a diversidade social, étnica, racial e sexual que compõe a sociedade brasileira e dos aspectos culturais diversos. Reconhecer a identidade dos povos latino-americanos é essencial para superar a visão de que a cultura europeia ou norte-americana é superior à brasileira. Reconhecer as particularidades do próprio país leva à superação da ideia de subordinação a que o povo brasileiro foi submetido no processo de colonização e que ainda se reproduz nos dias atuais. O historiador E. P. Thompson compreendeu de forma precoce as formas com que as mudanças na cadeia produtiva, isto é, na economia, são percebidas também na cultura. Nesse processo de transição para a economia capitalista de mercado, a ênfase da transição recai sobre toda a cultura: [...] a resistência à mudança e sua aceitação nascem de toda a cultura. Essa cultura expressa os sistemas de poder, as relações de propriedade, as instituições religiosas etc, e não atentar para esses fatores simplesmente produz uma visão pouco profunda dos fenômenos e torna a análise trivial (THOMPSON, 1998, p. 288- 289). Dessa forma, é fundamental garantir que a realidade do campo, com sua diversidade, esteja presente em toda a organização curricular. É o que está presente nas Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação Básica (BRASIL, 2013). A educação é um processo de socialização da cultura da vida, no qual se constroem, se mantêm e se transformam conhecimentos e valores. Socializar a cultura inclui garantir a presença dos sujeitos das aprendizagens na escola. Em sentido semelhante, Demerval Saviani (2011) afi rma que a função da escola é transmitir o conhecimento historicamente produzido, visto que o conteúdo ensinado é um instrumento para a compreensão da realidade. O que se ensina, portanto, é a cultura produzida historicamente pelos homens. 36WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Uma Política Pública de Educação do Campo deve respeitar todas as formas e modalidades de educação que se orientem pela existência do campo como um espaço de vida e de relações vividas, porque considera o campo como um espaço que é ao mesmo tempo produto e produtor de cultura. É essa capacidade produtora de cultura que o constitui como um espaço de criação do novo e do criativo, e não quando reduzido meramente ao espaço da produção econômica, como o lugar do atraso, da não cultura. “O campo é acima de tudo o espaço da cultura” (BRASIL, 2003, p. 27). A Educação no Campo deve estar vinculada a uma cultura que se produz por meio de relações mediadas pelo trabalho na terra, entendendo trabalho como produção ou ação humana consciente que produz cultura. Figura 3 - “Amanhecer na fazenda”. Fonte: Vieira (2019). 2. DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS DO CAMPO: POR UMA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA De acordo com a resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), de 28 de abril de 2008, que estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo: Art. 1º A Educação do Campo compreende a Educação Básica em suas etapas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Pro� ssional Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio e destina-se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de produção da vida – agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros (CNE, 2008). 37WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A seguir, seguem seus artigos e parágrafos principais: § 1º A Educação do Campo, de responsabilidade dos Entes Federados, que deverão estabelecer formas de colaboração em seu planejamento e execução, terá como objetivos a universalização do acesso, da permanência e do sucesso escolar com qualidade em todo o nível da Educação Básica. Art. 3º A Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental serão sempre oferecidos nas próprias comunidades rurais, evitando-se os processos de nucleação de escolas e de deslocamento das crianças. § 2º Em nenhuma hipótese serão agrupadas em uma mesma turma crianças de Educação Infantil com crianças do Ensino Fundamental. Art. 7º A Educação do Campo deverá oferecer sempre o indispensável apoio pedagógico aos alunos, incluindo condições infraestruturas adequadas, bem como materiais e livros didáticos, equipamentos, laboratórios, biblioteca e áreas de lazer e desporto, em conformidade com a realidade local e as diversidades dos povos do campo (CNE, 2008). A partir do que foi exposto até o momento, isto é, a legislação especí� ca referente à Educação no Campo, torna-se imprescindível pensar em uma concepção pedagógica que seja coerente com suas demandas e atribuições. Não se trata, contudo, de um modelo ou de uma metodologia única para o ensino rural, mas tão somente de pensar conceitos didático-pedagógicos fundamentados na cultura camponesa. Enfatiza-se que não se trata de um formato ou modelo único, mas de um conjunto de métodos. De acordo com o documento que normatiza o currículo nacional, as DCNs, particularmente propícia para esta modalidade de Educação no Campo é a chamada Pedagogia da Alternância. Trata-se de um sistema dual, criado na Alemanha há cerca de 140 anos e, hoje, difundida em inúmeros países, inclusive no Brasil, com aplicação, sobretudo, no ensino voltado para a formação pro� ssional e tecnológica para o meio rural. Nesta m etodologia, o estudante, durante o curso e como parte integrante dele, participa, concomitante e alternadamente, de dois ambientes/situações de aprendizagem: o escolar e o laboral, não se con� gurando o último como estágio, mas, sim, como parte do currículo do curso. Essa alternância pode ser de dias na mesma semana ou de blocos semanais ou, mesmo, mensais ao longo do curso. Supõe uma parceria educativa, em que ambas as partes são corresponsáveis pelo aprendizado e formação do estudante (BRASIL, 2013, p. 45). Nessa mesma linha, provocado pelo art. 28 da LDB, as DCNs propõem medidas de adequação da escola à vida do campo. Entre essas medidas está a Pedagogia da Alternância. De acordo com Célia Beatris Piatti (2014), docente e coordenadora do curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFMS em Campo Grande– MS, especialista em Educação no Campo, a Pedagogia da Alternância começou a tomar forma em 1935, na França, com agricultores insatisfeitos com o sistema educacional de seu país. No Brasil, teve início em 1969, no estado do Espírito Santo, onde foram construídas as três primeiras Escolas Famílias Agrícolas. Ainda que a Pedagogia da Alternância seja uma proposta parcamente discutida no meio acadêmico e na esfera institucional, nas últimas décadas, houve relativo aumento no número de pesquisas cientí� cas sobre a temática, assim como um destaque maior no âmbito governamental. O ponto positivo desta concepção pedagógica está relacionado ao foco na própria vivência e na cultura do homem do campo, na escola. 38WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A Alternância conjuga tempos plurais, alternados entre a escola de tempo integral e um período com a família, que pode ser de dias ou semanas, visando a aplicação prática do conteúdo curricular da escola. Ao intercalar um tempo na escola e outro na comunidade – os tempos alternados – esta proposta articula escola, família e trabalho. A ênfase recai na experiência prática de conteúdos relacionados, sobretudo, ao contexto da vida rural. Com isso, a Alternância resolve um grande dilema da Educação no âmbito rural: sair do campo para continuar os estudos ou permanecer no campo desistindo deles. Piatti (2014) resume os objetivos dessa proposta da seguinte forma: A Alternância, enquanto proposta pedagógica e metodológica, rompe com um ensino cartesiano, pois compreende que a construção do conhecimento acontece em movimento dinâmico. É, portanto, na relação dialética com o mundo, que o sujeito se constitui e se desenvolve. Dessa forma, consideramos que o sujeito não só é um produto de seu contexto social, mas também um agente ativo na criação desse contexto (PIATTI, 2014, p. 57). O sujeito da aprendizagem – o aluno da escola no campo – apreende os conteúdos a partir do contexto social e cultural no qual está inserido, em relação dialética entre teoria e prática. Com isso, segundo Piatti (2014), rompe-se com a dicotomia entre uma suposta cultura erudita (das cidades) e a cultura popular (do campo), suprimindo assim a falsa concepção de inferioridade do homem do campo em relação ao cidadão urbano. Ao priorizar a cultura campesina, a Pedagogia da Alternância valoriza a identidade do aluno do campo, sua subjetividade, suas especi� cidades. Dessa forma, compreende-se que a Pedagogia da Alternância é uma metodologia de organização do ensino escolar que conjuga diferentes experiências formativas. Sua aplicação prática focada na cultura camponesa evidencia uma concepção pedagógica efetivamente rural. Contudo, pode-se tecer algumas críticas a este formato: sua � nalidade de formação pro� ssional, em detrimento de um ensino geral e humanista; a limitação ao espaço e às práticas rurais e certa ausência do currículo tradicional; a � xação do homem no campo. Nesse sentido, esta proposta pedagógica tende a aumentar as fronteiras entre o campo e a cidade, ao invés de reduzi-las. Todos os documentos legislativos e normativos para a Educação do campo (BRASIL, 1988; 1996; 2003; 2007; 2013) reiteram a necessidade e o direito à educação da população em ambiente rural. Educação é um direito social e não uma questão de mercado. A educação enquanto organizadora e produtora da cultura de um povo e enquanto produzida por uma cultura. A cultura do campo não pode permanecer seguindo a lógica da exclusão do direito à educação de qualidade para todos e todas. A educação recria o campo porque por ela se renova os valores e as atitudes, os conhecimentos e as práticas de pertença à terra. A educação fomenta a recriação da identidade dos sujeitos na luta e em luta pela terra como um direito social porque possibilita a re� exão na práxis da vida e da organização social do campo buscando saídas e alternativas ao modelo de desenvolvimento rural. 39WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS Veri� camos no decorrer desta unidade que não houve empenho por parte do poder Público em implementar políticas educacionais adequadas às populações rurais. O próprio documento das Diretrizes para a Educação no Campo (PARANÁ, 2006) assume que o Estado brasileiro se omitiu na formulação de documentos e legislação referentes a políticas pedagógicas essencialmente para o campo, bem como na ausência de um orçamento de� nido e especí� co para as áreas rurais. Dessa forma, negligenciou também a possibilidade de um plano de carreira docente em tais localidades e a ausência em sua formação básica e continuada. Nesses termos, é notório que o campo foi deixado à margem das políticas públicas para educação. Cenário adverso que apenas recentemente começou a mudar, ainda de forma lenta, porém gradual. Compreendemos também que toda mudança na esfera econômica insere-se de forma mais lenta nos domínios da cultura, ou seja, toda mudança econômica acarreta uma alteração na concepção de cultura de um povo. A divisão do trabalho (campo e cidade) e a racionalização do trabalho nas áreas agrárias foram mais lentas e graduais que aquelas tipicamente urbanas. Nas palavras de Raymond Williams (1989, p. 409) “[...] só podemos vencer a divisão nos recusando a ser divididos”. En� m, o campo, o camponês, o bucólico, apesar das relações monetárias impostas pelo capitalismo, ainda mantém a originalidade da espécie humana: o homem em harmonia com a natureza, retirando dela sobrevivência por meio do trabalho e produzindo cultura pelos costumes, valores e moralidade. Esse é o ideal que percebemos em Williams: o campo em detrimento da cidade ainda sustenta as características esquecidas pela competitividade e consumo: harmonia, bem-estar, paz; sem que seja meramente ingênuo ou idiota, apenas humano. 4040WWW.UNINGA.BR UNIDADE 03 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 41 1. DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS: EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS DO CAMPO ....................... 42 2. O URBANO E O RURAL: DIFERENTES CONTEXTOS E DESAFIOS PEDAGÓGICOS DIVERSOS ..................... 45 3. A EDUCAÇÃO BÁSICA NA ESCOLA DO CAMPO ................................................................................................. 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................50 ABORDAGEM ACERCA DO CURRÍCULO DA ESCOLA DO CAMPO PROF. ME. RUI BRAGADO SOUSA ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO NO CAMPO - ASPECTOS HISTÓRICOS E PEDAGÓGICOS DO CAMPESINATO 41WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Estimado(a) aluno(a), até o momento analisamos juntos a parte histórica e sociológica das pedagógicas no campo (Unidade 1) e sua legislação especí� ca (Unidade 2). Nesta unidade, abordaremos os conteúdos curriculares que formam a base de conteúdos para a Educação no Campo. São temas importantes para pensarmos em tendências e concepções pedagógicas direcionados ao ambiente rural. Pelo que foi visto até o momento, compreende-se que o campo é mais do que um perímetro não urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana. Por sua cultura diversi� cada, por seus costumes tradicionais, por sua linguagem especí� ca, o campo carece também de um currículo e de conteúdos temáticos diferenciados. Trata-se de pensar, nesta unidade, um currículo para a Educação no Campo com temas que não estigmatizem o agricultor, o camponês, o lavrador. Temas que superem o senso comum ou pensamento equivocado, em que as crianças são levadas a pensar quetrabalhar na roça é para quem não tem estudo. Busca-se, portanto, uma análise do currículo em sintonia com a cultura camponesa e pensar o próprio currículo como um documento político, com sentidos e objetivos políticos, ainda que não explícitos. Boa leitura! 42WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS: EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS DO CAMPO As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica - DCNs - são um documento de grande relevância em termos normativos e curriculares. São estas diretrizes que estabelecem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), responsável por orientar a organização, desenvolvimento e avaliação de todas as propostas pedagógicas nas redes de ensino no país. A versão mais atualizada dos DCNs é de 2013 e já contempla o Ensino Médio de nove anos e a obrigatoriedade do ensino gratuito de quatro a dezessete anos. Também integram a obra as diretrizes e respectivas resoluções para a Educação no Campo, a Educação Indígena, a Quilombola, para a Educação Especial, para Jovens e Adultos em Situação de Privação de Liberdade nos estabelecimentos penais e para a Educação Pro� ssional Técnica de Nível Médio, a Educação Ambiental, a Educação em Direitos Humanos e para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Para os nossos objetivos, importa analisar e compreender o conteúdo de Educação no Campo, para � ns curriculares e pedagógicos. As Diretrizes Nacionais Curriculares têm como objetivo: I – Sistematizar os princípios e diretrizes gerais da Educação Básica contidos na Constituição, na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os em orientações que contribuam para assegurar a formação básica comum nacional, tendo como foco os sujeitos que dão vida ao currículo e à escola; II – Estimular a re� exão crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação, execução e avaliação do projeto político-pedagógico da escola de Educação Básica; III – Orientar os cursos de formação inicial e continuada de pro� ssionais – docentes, técnicos, funcionários – da Educação Básica, os sistemas educativos dos diferentes entes federados e as escolas que os integram, indistintamente da rede a que pertençam. O documento fundamenta-se na Constituição Federal (artigo 205) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 (artigo 2º), que têm como foco o pleno desenvolvimento da pessoa, a preparação para o exercício da cidadania e a quali� cação para o trabalho, deve-se considerar integradamente o previsto no ECA (Lei nº 8.069/90), o qual assegura, à criança e ao adolescente de até 18 anos, todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa, as oportunidades oferecidas para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. São direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à pro� ssionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito mútuo, à liberdade, à convivência familiar e comunitária (artigos 2º, 3º e 4º) (BRASIL, 2013, p. 17). As Diretrizes Curriculares Nacionais destacam ainda as dimensões do educar e do cuidar, em sua inseparabilidade, buscando recuperar, para a função social da Educação Básica, a sua centralidade, que é o estudante. Cuidar e educar iniciam-se na Educação Infantil, com ações destinadas a crianças a partir de zero ano, que devem ser estendidas ao Ensino Fundamental, Médio e posteriores: 43WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Cuidar e educar signi� ca compreender que o direito à educação parte do princípio da formação da pessoa em sua essência humana. Trata-se de considerar o cuidado no sentido profundo do que seja acolhimento de todos – crianças, adolescentes, jovens e adultos – com respeito e, com atenção adequada, de estudantes com de� ciência, jovens e adultos defasados na relação idade-escolaridade, indígenas, afrodescendentes, quilombolas e povos do campo (BRASIL, 2013, p. 17). Tanto no campo como na cidade, educar exige cuidado; cuidar é educar. Esta subjetividade demanda pensar o conceito de currículo como algo relativo, não � xo e condicionado a determinada cultura. As Diretrizes Curriculares Nacionais de� nem currículo, seguindo Moreira e Candau (2006), como um conjunto de práticas que proporcionam a produção, a circulação e o consumo de signi� cados no espaço social, e que contribuem, intensamente, para a construção de identidades sociais e culturais. O currículo é, por consequência, um dispositivo de grande efeito no processo de construção da identidade do (a) estudante. Compreende-se, assim, que toda política curricular é uma política cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção e produção de saberes: campo con� ituoso de produção de cultura, de embate entre pessoas concretas, concepções de conhecimento e aprendizagem, formas de imaginar e perceber o mundo. Assim: [...] as políticas curriculares não se resumem apenas a propostas e práticas enquanto documentos escritos, mas incluem os processos de planejamento, vivenciados e reconstruídos em múltiplos espaços e por múltiplas singularidades no corpo social da educação (BRASIL, 2013, p. 24). Por esta razão, enfatizamos nas primeiras unidades a cultura camponesa ou cultura das populações do campo. Essa cultura denota jogos de poder, de resistência, saberes especí� cos que os diferencia das áreas urbanas, embora reconhecemos que as fronteiras entre o campo e a cidade são cada vez mais tênues. Para o professor não atentar para a íntima relação entre cultura e educação simplesmente produz uma concepção pedagógica equivocada e incognoscível para os povos rurais. Não basta abrir a janela para ver os campos e o rio. Não é o bastante não ser cego para ver as árvores e as fl ores. É preciso também não ter fi losofi a nenhuma. Com fi losofi a não há árvores: há ideias apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e o mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela. (Alberto Caeiro). Fonte: http://arquivopessoa.net/textos/1122. 44WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Mesmo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2019, segue alguns pressupostos da LDB 9394/96 e das DCNs de 2013, no que se refere a uma interação entre a base comum dos currículos (aquele inerente a todos) e uma parte diversifi cada. Busca-se utilizar a parte diversifi cada para enriquecer e complementar a base nacional comum. Isso equivale a dizer que apesar de um currículo comum para todo o Brasil, há uma subjetividade em compreender que alguns elementos dessa base não tem o mesmo sentido para o gaúcho dos pampas e para o sertanejo da caatinga nordestina, se forem aplicados de forma homogênea. A diversidade cultural visa inserir a cultura local, os regionalismos e integrá-los ao contexto mais amplo e comum a todos. No mesmo sentido, a decisão de propor Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo supõe, em primeiro lugar, a identifi cação de um modo próprio de vida social e de utilização do espaço, delimitando o que é rural e urbano sem perder de vista o nacional. Mesmo com o processo de industrialização da agricultura, com o rompimento das fronteiras mais rígidas entre campo e cidade, por meio da mobilidade cada vez maior em detrimento de certo isolamento de regiões geográfi cas do país, não se pode compreender o campo como mero apêndice da cidade. No bojo desse pensamento, os camponeses são apreendidos, antes de tudo, como os executores da parte rural da economia urbana, sem autonomia e projeto próprio, negando-se à sua condição de sujeito individual ou coletivo autônomo (BRASIL, 2013, p. 279). Na realidade, a tentativa de homogeneizar o campo e a cidade esconde a tentativa de adaptação deum modelo único de educação e cultura, conforme já notado por Miguel Arroyo. É como se o campo estivesse fora da civilização e, com isso, a integração de comunidades rurais (como também quilombolas e indígenas) teria até mesmo um aspecto civilizatório. Mas ao contrário dessa visão elitista e etnocêntrica, existem movimentos sociais que, ao afi rmar uma cultura e uma identidade próprias, afi rmam também o direito à terra, ao trabalho, à dignidade. O pressuposto básico para a afi rmação da cultura campesina é a educação, motivo pelo qual apenas tardia e lentamente o poder público notou suas especifi cidades e exigências. Portanto, os currículos precisam se desenvolver a partir das formas mais variadas de construção e reconstrução do espaço físico e simbólico, do território, dos sujeitos, do meio ambiente. O currículo não pode deixar ausentes as discussões sobre os direitos humanos, as questões de raça, gênero, etnia, a produção de sementes, o patenteamento das matrizes tecnológicas e das inovações na agricultura, a justiça social e a paz. O elemento transversal dos currículos nas escolas do campo é a terra e com ela as relações com o cosmo, a democracia, a resistência e a renovação das lutas e dos espaços físicos, assim como as questões ambientais, políticas, de poder, ciência, tecnológica, sociais, culturais e econômicas (BRASIL, 2003). 45WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2. O URBANO E O RURAL: DIFERENTES CONTEXTOS E DESAFIOS PEDAGÓGICOS DIVERSOS Para � ns didáticos e pedagógicos, é importante fazer uma distinção entre os termos rural e urbano. Por certo, isso já vem sendo esboçado no decorrer das unidades anteriores, em que se forjou uma diferença em termos históricos e sociológicos do campo e do camponês. Nesta unidade, o que importa é estabelecer essas distinções em termos pedagógicos, implicando em abordagens didáticas também diversas. O termo campo, conforme empregado neste trabalho, signi� ca um lugar. Não necessariamente lugar geográ� co com suas fronteiras na cidade, mas um lugar cultural. Se no campo jurídico e político o campo difere-se da cidade, nos costumes a diferença é ainda maior. É exatamente nessa alteridade, nessa especi� cidade do campo, que a pedagogia visa sua inserção no mundo do camponês, valorizando assim a cultura cabocla. De acordo com as Diretrizes para a Educação no Campo no Paraná: O que caracteriza os povos do campo é o jeito peculiar de se relacionarem com a natureza, o trabalho na terra, a organização das atividades produtivas, mediante mão-de-obra dos membros da família, cultura e valores que enfatizam as relações familiares e de vizinhança, que valorizam as festas comunitárias e de celebração da colheita, o vínculo com uma rotina de trabalho que nem sempre segue o relógio mecânico (PARANÁ, 2006, p. 18). Existe uma identidade cultural própria ao sertanejo. A identidade dos povos do campo comporta categorias sociais como posseiros, boias-frias, ribeirinhos, ilhéus, atingidos por barragens, assentados, acampados, arrendatários, pequenos proprietários ou colonos ou sitiantes – dependendo da região do país – caboclos dos faxinais, quilombolas e etnias indígenas (PARANÁ, 2006). Figura 1 - O gráfi co mostra o ponto em que a população da cidade se torna maior que do campo, transição que ocorre entre as décadas de 1960 e 1970. Fonte: Brasil (2007). 46WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Em síntese, o campo retrata uma diversidade sociocultural, que se dá a partir dos povos que nele habitam: assalariados rurais temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados, reassentados atingidos por barragens, pequenos proprietários, vileiros rurais, povos das � orestas, etnias indígenas, comunidades negras rurais, quilombos, pescadores, ribeirinhos e outros mais. Entre estes, há os que estão vinculados a alguma forma de organização popular, outros não. São diferentes gerações, etnias, gêneros, crenças e diferentes modos de trabalhar, de viver, de se organizar, de resolver os problemas, de lutar, de ver o mundo e de resistir no campo. Nesse sentido, a educação do campo deve estar vinculada a um projeto de desenvolvimento peculiar aos sujeitos que a concernem. São povos que, ao longo da história, foram explorados e expulsos do campo, devido a um modelo de agricultura capitalista, cujo eixo é a monocultura e a produção em larga escala para a exportação, com o agronegócio, os insumos industriais, agrotóxicos, as sementes transgênicas, o desmatamento irresponsável, a pesca predatória, as queimadas de grandes extensões de � orestas, a mão de obra escrava. Por essas razões, de acordo com as Diretrizes para a Educação no Campo (PARANÁ, 2006), na educação do campo, devem emergir conteúdos e debates, entre outros, sobre: • a diversi� cação de produtos relativos à agricultura e o uso de recursos naturais; • a agroecologia e o uso das sementes crioulas; • a questão agrária e as demandas históricas por reforma agrária; • os trabalhadores assalariados rurais e suas demandas por melhores condições de trabalho; • a pesca ecologicamente sustentável; • o preparo do solo. Em outras palavras, trata-se de vincular uma concepção pedagógica às especi� cidades da cultura campestre. É o inverso de adaptar as pedagogias urbanas diretamente ao campo, como se as diferenças fossem imperceptíveis. Mais que negligenciar uma cultura diversa, seria um formato de ensino-aprendizagem basicamente nulo, tendo em vista seu caráter alienante para com o camponês e sua cultura. É justamente essa pedagogia rural que veremos a seguir. A rede privada de ensino tem uma presença pequena na zona rural: são apenas 304 estabelecimentos que oferecem as séries iniciais do ensino fundamental e atendem 24.611 alunos; 142 estabelecimentos que oferecem as séries fi nais do ensino fundamental e atendem 13.075 alunos; e 74 estabelecimentos que atendem 7.899 alunos do ensino médio. No caso do ensino médio da rede federal, os 39 estabelecimentos de ensino chegam a atender 12.187 alunos (BRASIL, 2007, p. 29). 47WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 3. A EDUCAÇÃO BÁSICA NA ESCOLA DO CAMPO De acordo com as Diretrizes para a Educação no Campo no Paraná (2006), a educação para os povos do campo é trabalhada a partir de um currículo essencialmente urbano e, quase sempre, deslocado das necessidades e da realidade do campo. Mesmo as escolas localizadas nas cidades têm um currículo e trabalho pedagógico, na maioria das vezes, alienante, que difunde uma cultura e enciclopédica urbana. Por essas razões, é urgente discutir a cultura, a experiência, os costumes, os saberes dos alunos de acordo com sua vivência. E o mais relevante: transpor essa cultura campesina para uma nova concepção pedagógica que implique também uma didática de ensino igualmente pautada nas reais necessidades do homem do campo. Entre as características da educação do campo que as Diretrizes pretendem construir estão: 1) Concepção de mundo: o ser humano é sujeito da história, não está colocado no mundo, mas ele é o mundo, faz o mundo, faz cultura. O homem do campo não é atrasado e submisso; antes, possui um jeito de ser peculiar; pode desenvolver suas atividades pelo controle do relógio mecânico ou do relógio observado no movimento da Terra, manifesto no posicionamento do Sol. Ele pode estar organizado em movimentos sociais, em associações ou atuar de forma isolada, mas o seu vínculo com a terra é fecundo. Ele cria alternativas de sobrevivência econômica num mundo de relações capitalistas selvagens; 2) Concepção de escola: local de apropriação de conhecimentos cientí� cos construídos historicamente pela humanidade e local de produção de conhecimentos em relações que se dão entre o mundo da ciência e o mundo da vida cotidiana. Os povos do campo querem que a escola seja o local que possibilite a ampliação dosconhecimentos; portanto, os aspectos da realidade podem ser pontos de partida do processo pedagógico, mas nunca o ponto de chegada. O desa� o é lançado ao professor, a quem compete de� nir os conhecimentos locais e aqueles historicamente acumulados que devem ser trabalhados nos diferentes momentos pedagógicos. Os povos do campo estão inseridos nas relações sociais do mundo capitalista e elas precisam ser desveladas na escola; 3) Concepção de conteúdos e metodologias de ensino: conteúdos escolares são selecionados a partir do signi� cado que têm para determinada comunidade escolar. Tal seleção requer procedimentos de investigação por parte do professor, de forma que possa determinar quais conteúdos contribuem nos diversos momentos pedagógicos para a ampliação dos conhecimentos dos educandos. Estratégias metodológicas dialógicas, nas quais a indagação seja frequente, exigem do professor muito estudo, preparo das aulas e possibilitam relacionar os conteúdos cientí� cos aos do mundo da vida que os educandos trazem para a sala de aula; 4) Concepção de avaliação: processo contínuo e realizado em função dos objetivos propostos para cada momento pedagógico, seja bimestral, semestral ou anual. Pode ser feita de diversas maneiras: trabalhos individuais, atividades em grupos, trabalhos de campo, elaboração de textos, criação de atividades que possam ser um diagnóstico do processo pedagógico em desenvolvimento. Muito mais do que uma veri� cação para � ns de notas, a avaliação é um diagnóstico do processo pedagógico, do ponto de vista dos conteúdos trabalhados, dos objetivos, e da apropriação e produção de conhecimentos. É um diagnóstico que faz emergir os aspectos que precisam ser modi� cados na prática pedagógica. 48WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O que se veri� ca nesses quatro itens é a tentativa de elaboração de uma proposta pedagógica atualizada e coerente com as demandas do campo. Não faria sentido impor-lhes um modelo educacional de fora, seria desarrazoado e pouco útil em termos de veri� cação de aprendizagem. Ainda sobre as peculiaridades didáticas para um ensino e aprendizagem e� caz no campo, as Diretrizes indicam aos professores e pedagogos, com bastante precisão, o verbo escutar: • escutar os povos do campo, a sua sabedoria, as suas críticas; • escutar os educandos e as suas observações, reclamações ou satisfações com relação à escola e à sala de aula; • escutar as carências expostas pelos professores das escolas do campo; en� m, ouvir cada um dos sujeitos que fazem o processo educativo: comunidade escolar, professores e governos, nas esferas municipal, estadual e federal; • por meio da escuta, será gerado o diálogo e nele serão explicitadas as propostas políticas e pedagógicas necessárias à escola pública. Figura 2 - Rotinas e estruturas precárias na Educação do campo. Fonte: Canal do educador (2020). Toda relação didática é uma relação bilateral, ou como diria Paulo Freire (1987) na Pedagogia do oprimido, “[...] os professores também aprendem com os alunos”. Para os princípios de uma educação progressiva e libertária, as práticas de ensino dão-se de forma horizontal, e não verticalizadas como em propostas impositivas e pouco democráticas, em que todo o conhecimento está pautado no saber do professor. Diversos educadores - Freire, Vigotski, Saviani - aludem para o saber prévio do aluno, o que se convencionou chamar de senso comum. Esse saber não cientí� co fruto da vivência e da cultura do aluno deve ser transformado em saber cientí� co em sala de aula, em uma relação de dupla troca, não linear, não hierarquizada, não diretiva; mas sim dialógica. Esta dialogia ocorre quando o professor sabe escutar o aluno. Ao ouvir, refaz e transforma aquela cultura em ciência. 49WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Ao mesmo tempo, busca-se uma educação que seja crítica, que leve o educando a pensar e sair de seu estado natural. A Educação no Campo pressupõe algo como o que a educadora Bell Hooks, in� uenciada por Paulo Freire, chamaria de uma educação para transgredir, para mudar o estado de submissão com que o camponês foi relegado durante séculos de história e para recuperar seu lugar de protagonista, tanto como sujeito de aprendizagem quanto como cidadão efetivamente inserido no mundo cognoscível. Em resumo, de acordo com as Diretrizes curriculares da Educação no Campo: No âmbito da educação do campo, objetiva-se que o estudo tenha a investigação como ponto de partida para a seleção e desenvolvimento dos conteúdos escolares, de forma que valorize singularidades regionais e localize características nacionais, tanto em termos das identidades sociais e políticas dos povos do campo quanto em valorização da cultura de diferentes lugares do país (PARANÁ, 2006, p. 31). Valorizar identidades sociais e políticas, esta citação sintetiza os objetivos de uma educação voltada para o homem do campo. Uma educação que deve ser no e do campo. E onde estão esses saberes especí� cos do campo, essa cultura regional que identi� ca o camponês? Na própria produção do sertanejo, na lida com a terra, no estilo tão simples de sua fala, nas práticas religiosas, no folclore etc. No conhecimento do mundo do trabalho, em suma, reside sua especi� cidade. Nesse aspecto: [...] a escola deve realizar uma interpretação da realidade que considere as relações mediadas pelo trabalho no campo, como produção material e cultural da existência humana. A partir dessa perspectiva, deve construir conhecimentos que promovam novas relações de trabalho e de vida [...] (PARANÁ, 2006, p. 32). A construção do conhecimento, segundo as Diretrizes, passa pela interdisciplinaridade. Reconhecida como uma categoria de ação a interdisciplinaridade volta-se também para a prática cotidiana do aluno, aliando assim teoria e práxis. A teorização do conhecimento e a mediação na � gura do professor seguramente constituem-se como importantes pilares no processo pedagógico, como diz Demerval Saviani em sua Pedagogia Histórico-crítica. Mas não se deve desprezar, em hipótese alguma, a vivência prática e cotidiana do aluno. Veremos detalhes sobre essa questão com Paulo Freire mais adiante, que diz que “[...] a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. A prática pedagógica interdisciplinar escolar pode ser um caminho para articular os conhecimentos especí� cos de áreas diversas. Por exemplo: Meio Ambiente, Trabalho na terra, Alimentação, Saúde podem ser temas de projetos escolares, porém a essência do trabalho estará na articulação a ser feita entre as áreas do conhecimento. O envolvimento de professores, alunos, comunidade e equipe escolar na prática pedagógica é um caminho para o desenvolvimento da participação social. No âmbito nacional, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) também aludem para as especi� cidades e a identidade do sujeito do campo. A identidade da escola do campo é de� nida pela sua vinculação com as questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas pela diversidade cultural. O documento nacional (DCNs) enfatiza que as propostas pedagógicas das escolas do campo devem contemplar a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia. O que as DCNs chamam de pedagogia da terra é a busca por um trabalho pedagógico fundamentado no princípio da sustentabilidade, para que se possa assegurar a preservação da vida das futuras gerações. Nesse sentido, a educação do campo é também uma educação para a ecologia. 50WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 3 - Percentual de estabelecimentos e de matriculados noEnsino Fundamental por localização, segundo a infraestrutura disponível na escola, 2002-2005. Fonte: Brasil (2007). CONSIDERAÇÕES FINAIS A Educação Básica para a escola do Campo está prevista na legislação com adequações necessárias às peculiaridades da vida no campo e de cada região, de� nindo-se orientações para três aspectos essenciais à organização da ação pedagógica: conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos estudantes da zona rural, organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas e, ainda, adequação à natureza do trabalho na zona rural. A identidade da escola do campo é de� nida pela vinculação com as questões inerentes à sua realidade, com propostas pedagógicas que contemplam sua diversidade em todos os aspectos, tais como: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia. Formas de organização e metodologias pertinentes à realidade do campo devem ter acolhidas, como a pedagogia da terra, pela qual se busca um trabalho pedagógico fundamentado no princípio da sustentabilidade, para assegurar a preservação da vida das futuras gerações; e a pedagogia da alternância, na qual o estudante participa, concomitante e alternadamente, de dois ambientes/ situações de aprendizagem: o escolar e o laboral, supondo parceria educativa, em que ambas as partes são corresponsáveis pelo aprendizado e pela formação do estudante. O que está em discussão, tanto na legislação quanto no currículo, é o projeto no qual se pretende a inclusão do homem do campo, respeitando-se a diversidade e acolhendo as diferenças sem transformá-las em desigualdades. A discussão da temática tem a ver, neste particular, com a cidadania e a democracia, no âmbito de um projeto de desenvolvimento onde as pessoas se inscrevem como sujeitos de direitos. 5151WWW.UNINGA.BR UNIDADE 04 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 52 1. ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS: PENSANDO A EDUCAÇÃO NO CAMPO NA PRÁTICA .......................................... 53 2. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA PARA AUTONOMIA ...................................................................................... 57 3. EDUCAÇÃO INFANTIL NO CAMPO: QUE INFÂNCIA EXISTE NO CAMPO? ......................................................60 4. O CAMPO NA ATUALIDADE: NOVAS ABORDAGENS ........................................................................................ 63 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................................................... 66 CONTEXTUALIZAÇÃO DE PRÁTICAS DIDÁTICO- PEDAGÓGICAS: DESAFIOS E DIÁLOGOS POSSÍVEIS PARA ESCOLA DO CAMPO PROF. ME. RUI BRAGADO SOUSA ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO NO CAMPO - ASPECTOS HISTÓRICOS E PEDAGÓGICOS DO CAMPESINATO 52WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Estimado(a) aluno(a), chegamos ao tópico � nal de estudos acerca da Educação no Campo. Nesse ínterim, analisamos a formação e a cultura do camponês, a legislação e algumas práticas pedagógicas inerentes ao trabalho docente. Pode-se dizer que todo o conteúdo visto até o momento converge para os objetivos desta unidade, qual seja, a aplicação da história, da sociologia (Unidade 1), da legislação sobre a escola no campo (Unidade 2), das bases curriculares (Unidade 3), para sua didática especí� ca. Além de pensar em termos teóricos, é preciso também focar na prática, isto é, na aplicação da metodologia em sua práxis social. Nesse sentido, esta unidade visa discutir algumas concepções pedagógicas no campo e sua didática. Portanto, nesta unidade, tentaremos pensar as três anteriores de modo direcionado ao ensino efetivamente, à sala de aula. Os conteúdos enfatizam a didática na educação do campo, o ensino infantil na zona rural e sua didática, os conceitos de Paulo Freire e sua a� nidade com a Educação no Campo e, por � m, novas propostas para a temática rural baseadas no rádio e em novas tecnologias. Dessa forma, contemplamos quatro importantes eixos temáticos para pensar uma Educação no Campo: sua história, sua sociologia, sua legislação, e suas práticas didático- pedagógicas. Com isso, esperamos ter dialogado juntos – docente e discentes – sobre uma temática extremamente relevante em um país com sólida tradição agrária, mas que inversamente não efetivou essa tradição na prática, em Educação no Campo. Existe um hiato, uma lacuna entre a base econômica rural e a formação técnica, intelectual e acadêmica do camponês. Ao todo, o material visa mostrar os porquês dessa lacuna, isto é, que a dimensão educacional tem relação direta com a esfera política. Mas, agora, vamos às práticas didático-pedagógicas na Escola do Campo. Boa leitura!! 53WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS: PENSANDO A EDUCAÇÃO NO CAMPO NA PRÁTICA Um estudo realizado em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, revela dados demográ� cos e estatísticos que nos dão um panorama geral das condições em que se encontra a Educação no Campo. Em todos os cenários – infraestrutura, transporte, � nanciamento – o campo ocupa lugar de desprestígio em relação à cidade. Ainda assim o campo é refratário, isto é, ele resiste. Mudar o panorama da Educação no Campo é um dos maiores desa� os educacionais que o Brasil tem pela frente. A incidência de analfabetismo oferece outra medida que demonstra a fragilidade educacional em que se encontra a população rural. Os índices de analfabetismo do Brasil, que permanecem bastante elevados, são ainda mais preocupantes na área rural. Segundo dados da Pnad em 2004, 29,8% da população adulta da zona rural é analfabeta, enquanto na zona urbana essa taxa é de 8,7% (BRASIL, 2007, p. 15). Atualmente, esses números diminuíram um pouco tanto no campo como na cidade, porém o analfabetismo ainda está longe de ser erradicado no Brasil. Os dados do documento intitulado Panorama da educação do campo (BRASIL, 2007) demonstram também a discrepância do acesso à educação entre as zonas rurais e a urbana. Enquanto que, em termos nacionais, o acesso encontra-se bastante próximo da universalização [com uma taxa de atendimento de 97,1% para a população de 6 a 14 anos e uma taxa de frequência líquida de 93,8% no ensino fundamental para essa mesma faixa etária], no campo essas taxas caem ligeiramente: para 90,6% no Norte e 89,7% no Nordeste. Os resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) sobre o rendimento escolar re� etem de forma ampliada as desigualdades entre a Educação do Campo e a da cidade. A pro� ciência média dos alunos de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática é inferior ao desempenho dos alunos da área urbana em torno de 20% (BRASIL, 2007, p. 22). Outra questão crucial a ser considerada é o fraco desempenho escolar na educação básica, que contribui para a persistência de altas taxas de abandono e de evasão. Alguns especialistas argumentam que o desempenho escolar é o resultado da combinação de dois fatores: o capital sociocultural que os alunos trazem e a qualidade da oferta do ensino. O que é “capital cultural”? As teses críticas do sociólogo Pierre Bourdieu denunciam o funcionamento da escola e sua função de conservação social. Mais do que isso, o sociólogo francês alerta para a responsabilidade da escola na perpetuação das desigualdades. Considerando seriamente as desigualdades socialmente condicionadas diante da escola e da cultura, escreve Bourdieu (2014, p. 59), “[...] somos obrigados a concluir que a equidade formal à qual obedece todo sistema escolar é injusta de fato, e que, em toda asociedade onde se proclamam ideias democráticas, ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios”. 54WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Em relação à organização das escolas de educação básica na área rural, em especial aquelas que oferecem o ensino fundamental, o Censo Escolar 2005 mostrou que 59% são formadas, exclusivamente, por turmas multisseriadas ou unidocentes. Isso quer dizer que pelo baixo número de docentes e pela redução da quantidade de salas de aula, a escola do campo concentra alunos de diferentes faixas etárias e de múltiplas séries em uma mesma sala de aula. Estas especifi cidades inerentes ao campo pressupõem pensar em uma didática específi ca para a realidade sociocultural daquela localidade. Isso implica pensar também em dinâmicas direcionadas ao ambiente rural. A escola do campo precisa investir em uma interpretação da realidade que possibilite a construção de conhecimentos potencializadores, de modelos alternativos de agricultura, de novas matrizes tecnológicas, da produção econômica e de relações de trabalho e da vida a partir de estratégias solidárias. A Educação no Campo produz cultura a partir das especifi cidades do campo, mas sem perder de vista a sua inter-relação com o que a cidade produz. Essa ideia confronta a lógica distorcida colocada por uma concepção de campo subjugada à lógica urbana e destituída do sentido do campo como espaço vivido (BRASIL, 2003). Diante do exposto, pensar uma didática para a escola do campo signifi ca, antes, conhecer o signifi cado etimológico do conceito. A palavra didática signifi ca literalmente arte de ensinar ou técnicas de ensino. O ensino é o núcleo do pensamento didático-pedagógico de Comênio, criador do moderno conceito de didática. A origem etimológica dessa palavra remonta ao latim signum, que quer dizer sinal, marca, distintivo. Signare, um derivado, designa marcar com um sinal; insignire, colocar um sinal; insignare, gravar um sinal – no caso, no aluno. A transcrição direta para o português seria ensinação e ensinança, ambos em desuso atualmente (GASPARIN, 2012). Ora, “[...] a igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve como máscara e justifi cação para a indiferença no que diz respeito às desigualdades reais” (BOURDIEU, 2014, p. 59). Segundo a sociologia de Bourdieu (2014, p. 83), o capital cultural ou herança cultural precede em importância o mérito ou o dom pessoal e individual. O capital cultural é um savoir-faire [saber fazer], “[...] é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da ‘pessoa’, um habitus”. Esse capital cultural proveniente de classe e de renda familiar é, em si, o próprio fenômeno desigual que a escola não consegue corrigir em sua função de manutenção do status quo. Nesse sentido, “[...] um sistema de ensino amplamente aberto a todos é, no entanto, estritamente reservado a alguns” (BOURDIEU, 2014, p. 250). 55WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA João Amos Comênio (1592-1670) é reconhecido como o criador das modernas concepções didáticas. Em 1649, escreveu sua Didática Magna ou o Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. O autor tcheco, Comênio [ou Comenius] pertenceu à Unidade dos Irmãos Boêmios, ordem religiosa de moral austera, cuja base e única regra de fé era a Bíblia. Suas origens remontam a João Huss (1369-1415), reitor da Universidade de Praga e perseguido pela ortodoxia católica subordinada a Roma. Comênio viveu um período de constantes e intensas transformações sociais (fi nal do período feudal e início da modernidade), políticas (a monarquia absolutista e o início das Constituições), econômicas (transição do campo para a cidade, grandes descobrimentos) e científi cas (Renascimento, de Galileu a Newton). Em suma, afl oravam e coexistiam princípios cristãos e científi cos, sem que fossem excludentes. Ao pensar em uma didática magna, isto é, grandiosa, Comênio afi rma: “Eu não havia iniciado a escrever a didática da arte do moleiro ou da pintura, ou da gramática ou dá lógica ou de qualquer outra pequena parte do saber, mas a Didática da vida: por isso chamei-a Grande” (GASPARIN, 2015, p. 59). Em Didática Magna, Comênio elabora princípios fundamentais utilizados até hoje na área do ensino e aprendizagem. Ele parte sempre do conteúdo mais simples para o mais complexo, do concreto para o abstrato, sempre fazendo uso de exemplos retirados da natureza. As inúmeras referências à natureza referem-se ao nosso estado primitivo e fundamental, à condição do homem antes do pecado, antes da corrupção, e à providência universal de Deus. Para Comênio, a primitiva natureza do homem era boa e ele deve retornar a ela. Dessa forma, o homem é impelido para o seu estado primitivo (GASPARIN, 2015, p. 87). A natureza é tomada como guia para a formação humana, como símile, como imitação. Mas não é a natureza vegetal que é assumida pelo homem como exemplo a ser imitado, mas a natureza social, como produto histórico gerado pelo próprio homem. Nesse sentido, “[...] pode-se dizer que o homem não imita a natureza, mas imita a si mesmo, uma vez que se projeta na natureza que lhe serve de espelho” (GASPARIN, 2015, p. 89). A relação orgânica do homem do campo com a natureza é um elemento fundamental e determinante no momento de elaboração do projeto pedagógico e sobretudo como instrumento didático em sala de aula. O conteúdo teórico deve estar em conexão com a vivência do aluno. Da água do rio na aula de Ciências, da contagem de grãos em Matemática, da alfabetização com temas corriqueiros do aluno relacionado a animais domésticos, por exemplo, da História tomando por base o folclore e as lendas, enfi m, teoria e prática devem ter uma relação de síntese. Deve-se levar em conta também, conforme os pressupostos de Vygotsky, que em essência a escola nunca começa no vazio, o que corresponde ao ponto de partida ou zona de desenvolvimento inicial. A prática social inicial é sempre a contextualização do conteúdo. 56WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O aluno não chega na escola totalmente desprovido de saber, é preciso considerar esse saber popular, o cotidiano do discente. Outro fundamento importante é encontrado em Paulo Freire (1987), quando ele diz que educador e educando, como sujeitos, se educam e crescem juntos, pois “[...] ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa sozinho: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo, pelos objetos cognoscíveis”. Nesse sentido, completa Gasparin, professor e aluno refazem-se a cada instante, desafi ando-se reciprocamente na busca de respostas para os problemas e a prática que a vida social e os conteúdos lhes vão apresentando. Veremos mais sobre as concepções didáticas e pedagógicas do educador Paulo Freire no próximo tópico. Conforme exposto anteriormente, seguimos as diretrizes legais para a Educação no Campo, sobretudo o Decreto nº 7352/2010, que dispõe sobre tais políticas. Art. 6o – Os recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, culturais e literários destinados à educação do campo deverão atender às especifi cidades e apresentar conteúdos relacionados aos conhecimentos das populações do campo, considerando os saberes próprios das comunidades, em diálogo com os saberes acadêmicos e a construção de propostas de educação no campo contextualizadas (BRASIL, 2010). Educar-se é crescer, não já no sentido puramente fi siológico, mas no sentido espiritual, no sentido humano, no sentido de uma vida cada vez mais larga, mais rica e mais bela, em um mundo cada vez mais adaptado, mais propício, mais benfazejo para o homem (WESTBROOK; TEIXEIRA, 2010). 57WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA PARA AUTONOMIA Paulo Freire talvez pode ser descritocomo o perfeito representante do intelectual orgânico, tal como elaborado por Gramsci, como um legítimo representante das camadas inferiores da sociedade. Freire difere-se substancialmente do intelectual tradicional, o qual constitui uma classe distinta e detentora de um saber especí� co e especializado, porém neutro, que separa a ação intelectual ou teórica da ação política e da social, en� m, da experiência prática. As obras mais importantes de Freire são: Pedagogia do oprimido (1968), Ação cultural para a liberdade, escrito no � nal de 1969, em Cambridge, EUA, e publicado pela primeira vez em 1970, pela Harvard Educational Review, Pedagogia da esperança (1992), Pedagogia da autonomia (1996) e Pedagogia da indignação (2000). Freire de� ne a pedagogia realizada no Terceiro Mundo como uma pedagogia utópica, não no sentido de que se nutre dos sonhos impossíveis ou porque se ajuste a uma perspectiva idealista e abstrata. Utópico porque negando o tempo rei� cado, ela recusa um futuro pré-fabricado, pré-estabelecido, condicionado, que se instalaria independentemente da ação humana consciente. Utópica e esperançosa porque, pretendendo estar a serviço da libertação das classes oprimidas, se faz e se refaz na prática social, no concreto, e implica a dialetização da denúncia e do anúncio, que tem na práxis revolucionária permanente o seu momento máximo (FREIRE, 2001, p. 70). Figura 1 - “Pela estrada da vida”. Fonte: Vieira (2017). 58WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Nesse sentido, o caráter utópico da pedagogia freireana é tão permanente quanto a própria educação, desde que libertadora. A dialética da denúncia e do anúncio, ao demonstrar ao educando as reais condições sociais e econômicas, permite pensar o futuro em termos de novas possibilidades. Sem a abertura desse novum, o amanhã perde sua real signi� cação ou instala-se o medo e a angústia de viver o risco do futuro como superação do presente estrati� cado. É por isso que as classes dominantes nada podem anunciar além da preservação do status quo; “[...] não podem ser, jamais, utópicas nem proféticas”, diz Freire (2001, p. 71). Esta práxis pedagógica ocorre em Paulo Freire pelo fato de que ele compreende a condição humana como inacabamento, como incompletude; para ele estamos em constante busca pelo ser mais, isto é, somos seres a caminho e em busca contínua e permanente de completude. “Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade”, anota Freire (1996, p. 57), em Pedagogia da autonomia. Uma educação voltada para a autonomia, não por acaso, é centrada na experiência e no vir-a-ser. Além das categorias de sonho, esperança e utopia para uma prática pedagógica radical e contestadora, Freire demonstra, especialmente em Pedagogia da autonomia, que “não há docência sem discência”. Ou seja, ele reitera o protagonismo do educando, do aluno como sujeito do processo de ensino e aprendizagem. Ensinar, para Freire (1996, p. 30), “[...] não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. Quando Freire critica as pedagogias tradicionais como educação bancária, ele se refere à mera transmissão de conteúdos prontos e também a imposição de conteúdos prontos sem levar em conta a realidade social, econômica e cultura do aluno. Alguns conteúdos só fazem sentido se relacionados ao trabalho e ao modo de vida do aluno. Esta é a relevância da pedagogia freireana para a Educação no Campo, isto é, uma relação não impositiva, mas dialógica entre docentes e discentes: Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‘argumentos de autoridade’ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas (FREIRE, 1987, p. 68, grifo do autor). Figura 2 - Painel sobre Paulo Freire. Exposição permanente na Unicamp. Fonte: Wikipédia (2020). 59WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Com Paulo Freire, a possibilidade de pensar a educação, a partir das classes trabalhadoras, sob o princípio de uma educação libertadora que concebe a vida humana para além das desigualdades, por meio de um processo dialógico, tornou-se uma referência para pensar a educação popular. De acordo com o educador Miguel Arroyo, o pensamento de Paulo Freire e a educação popular nasceram colados à terra e foram cultivados em contato estreito com os camponeses, com suas redes de socialização, de reinvenção da vida e da cultura. Nasceram percebendo que o povo do campo tem também seu saber, seus mestres e sua sabedoria (PARANÁ, 2006). Dessa forma, o pensamento de Paulo Freire constitui-se como importante concepção pedagógica também para a Educação no Campo. Pela interação dialógica entre sujeitos e objetos da aprendizagem, pela primazia da própria especi� cidade da cultura camponesa no processo educacional, por compreender os saberes da cultura popular campesina, Freire torna-se fundamental na elaboração de metodologias especí� cas ao ambiente urbano e também rural. O que Freire chamava poeticamente de boniteza da prática educativa relaciona-se com a tolerância e com o respeito à diversidade cultural. A esse respeito ele nos fornece um exemplo notável, relacionado à Educação no Campo. Um jovem universitário diz de forma cortês, porém questionadora: “Não entendo como o senhor defende os sem-terra, no fundo uns baderneiros, criadores de problemas”. Pensamento recorrente na atualidade que tem uma resposta exemplar de Freire: “Pode haver baderneiros entre os sem-terra, mas sua luta é legítima e ética”. “Baderna”, explica Freire, “[...] é a resistência reacionária de quem se opõe a ferro e a fogo à reforma agrária. A imoralidade e a desordem estão na manutenção de uma ‘ordem’ injusta” (FREIRE, 1996, p. 74). O importante para Freire é a relação dialógica do questionamento, que o aluno tenha o direito de questionar e de expor o seu pensamento e que tenha ouvido também de forma respeitosa o posicionamento do professor. Mesmo no processo de alfabetização – que foge aos objetivos desse texto –, o pensamento de Freire é pertinente. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, esta é a máxima freireana que baliza as discussões. Dito de outra forma, o importante é estabelecer interações entre a teoria (acadêmica) e a experiência prática do aluno. Assim, as palavras e temas geradores no processo de leitura devem partir da própria concepção de mundo do educando e não de temas abstratos como “Eva comeu a uva” ou “o rato roeu a roupa do rei de Roma”, que não fazem sentido para o aluno da escola do campo. Palavras como abóbora, terra, trator, que tem relação com a vivência do aluno fazem muito mais sentido. A experiência das atuais 11 escolas itinerantes no Paraná, que trabalham na perspectiva da educação crítica e emancipatória de Paulo Freire, também é muito importante para o avanço do debate da educação do campo no Paraná, estado com maior número de escolas itinerantes no país. Cada uma delas tem impulsionado o debate para repensar novas propostas pedagógicas de organização escolar relativamente a temas geradores, tempo e espaços escolares, entre outros. Em suma, Freire é um educador essencial para o campo e para a cidade. 60WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 3 - Escola Rural no MST. Fonte: Novaescola (2020). 3. EDUCAÇÃO INFANTIL NO CAMPO: QUE INFÂNCIA EXISTE NO CAMPO? Três importantes documentos norteiam as discussões acerca da Educação infantil no Brasil. São eles: a LDB 9394/96, as Diretrizes Curriculares Nacionais(DCNs) para ensino infantil e, mais recentemente, a BNCC - Base Nacional Comum Curricular -, que já estava prevista tanto na LDB quanto nos DCNs. Além da legislação que fornece a base e os fundamentos da Educação infantil, há uma tendência acadêmica chamada de Sociologia da Infância com pesquisas muito signi� cativas sobre a criança da cidade e também do campo. Vamos a eles. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases – LDB 9394/96, em sua SEÇÃO II – Da Educação Infantil: Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como � nalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II – pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade (LDB 9394/96, SEÇÃO II). A educação das crianças do campo constitui-se, na atualidade, em um dos principais desa� os na construção da Educação Infantil democrática no país. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), nessa etapa, deve-se assumir o cuidado e a educação, valorizando a aprendizagem para a conquista da cultura da vida, por meio de atividades lúdicas em situações de aprendizagem (jogos e brinquedos), formulando proposta pedagógica que considere o currículo como conjunto de experiências em que se articulam saberes da experiência e socialização do conhecimento em seu dinamismo. Segundo este documento, a educação infantil segue um binômio, de cuidar e educar (BRASIL, 2013, p. 37). 61WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA De acordo com as Diretrizes para a Educação do campo, a Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª a 5ª) também devem inserir a especi� cidade da vida das crianças do campo nas suas práticas pedagógicas, as brincadeiras criadas pelas crianças, a sociabilidade entre elas, a participação nas atividades domésticas e da lavoura etc. Embora seja proibido o trabalho para menores de 14 anos, é sabido que, no campo, faz parte da educação da criança e do jovem o acompanhamento das atividades que os pais realizam na lavoura, desde que não sejam prejudiciais à sua saúde, e nem se caracterizem como exploração de mão de obra infantil. Na escola, contudo, a criança necessita aprender mais sobre os diferentes tempos e lugares, sobre os homens dos diferentes lugares e tempos. Dito de outra forma, é a escola do campo que tornará o saber popular da criança, estabelecido em sua relação orgânica com a terra, em conhecimento cientí� co. Dentre as concepções pedagógicas mais atuais, a Sociologia do campo é a que mais se adapta a esta realidade. O conceito denominado Sociologia da infância integra um campo mais amplo chamado cultura da infância. Em linhas gerais, a sociologia da infância visa compreender as práticas sociais da criança a partir de si mesma, escapando de uma perspectiva adultocêntrica, ou seja, da imposição do adulto para a criança. Procura-se estabelecer ou construir uma pedagogia da diferença, da escuta, do lúdico, das brincadeiras, para compreender o mundo infantil, complexo em suas relações miméticas, e em que medida tais relações constituem algo como uma cultura da infância. As pesquisadoras Ana Lúcia Goulart de Faria e Daniela Finco (2011) destacam que vem sendo construído outro conceito de criança: capaz, produtora de cultura, portadora de história. Para além do � lho ou do aluno (perspectiva adultocêntrica), a preocupação dos atuais pesquisadores é dar à criança as condições para participação como ator social e, para isso, dar voz e protagonismo às pessoas de pouca idade. Seu objetivo é compreender o que as crianças têm feito ao longo da história, de forma contínua e até repetitivamente, que os adultos ainda não conseguem entender. A questão que se coloca é como dar voz ao chamado mudo da história? Lembrando que a etimologia da palavra infância tem origem no latim infantia, do verbo fari = falar, onde fan = falante e in constitui a negação do verbo. Portanto, infans refere-se ao indivíduo que ainda não é capaz de falar. Inicia-se, então, conforme Sarmento, “[...] um olhar caleidoscópico sobre a sociologia, no sentido de identi� car a presença da infância no desenvolvimento do pensamento sociológico e descortinar as razões para sua gritante ausência nas correntes clássicas de sociologia” (FARIA, 2009, p. 23). Manuel Jacinto Sarmento e Manuel Pinto, do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho em Portugal, buscam dar voz à criança com o objetivo de uma autonomia conceitual que pressupõe o descentramento do olhar do adulto como condição de percepção das crianças e de inteligibilidade da infância. A metodologia utilizada deve ter por principal escopo dar ênfase à voz das crianças, isto é, a expressão da sua ação e da respectiva monitoração re� exiva. Além da técnica, o sentido geral da re� exibilidade investigativa constitui princípio metodológico central para que o investigador adulto não projete o seu olhar sobre as crianças (SOUSA, 2019). Aliando a base legal para a Educação infantil a uma metodologia fundamentada pela chamada Sociologia da infância, pode-se pensar a realidade da criança (com ou sem-terra) no ambiente rural. Mais que apreender as vicissitudes e especi� cidade de um período diferenciado da adolescência ou vida adulta, esta abordagem visa escapar também das imposições do nosso adultocentrismo. Em outras palavras, é importante pensar o ensino infantil centrado na criança e não na visão que o adulto tem da infância. 62WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Um exemplo específi co e prático da Sociologia da infância é a educação das crianças sem-terrinha. No Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST -, as crianças também estão inseridas na luta pela terra e pela reforma agrária. A luta pela terra é sempre uma luta em família e seria um erro incorrer que as crianças estão dissociadas desse processo, pois a articulação feita pela ocupação ocorre com a família. Trata-se da defesa de uma educação que se constrói a partir da própria realidade, cultural, econômica e social. Segundo documento do MST, esse modelo ocorre porque “[...] a gente foi vendo que queria era uma proposta de educação que não trouxesse as coisas prontas para a criança, e sim que ela construísse a sua própria educação, e que fosse participativa para a escola e os pais” (MST, 2010, p. 154). A pedagogia tida como ideal para o MST é aquela derivada da pedagogia do oprimido de Paulo Freire. A base desta pedagogia é o existencialismo cristão, sendo que para o existencialista, a existência humana precede a qualquer essência. Por isto, podemos dizer que para o existencialismo, o homem se faz no mundo, ao longo de sua vida, através de suas experiências, seus confl itos, suas conquistas e derrotas, não existindo uma essência do que seja o ser humano. Assim cada indivíduo é um ser particular, que constrói sua própria essência (MST, 2010, p. 154). As refl exões apresentadas neste tópico são relevantes não apenas para o profi ssional que vai atuar na Educação no Campo, para este é indispensável conhecer a realidade socioeconômica rural, mas também para os professores das zonas urbanas. Tomar consciência das normas legais e métodos de ensino é um processo de autoconhecimento e, portanto, de superação das difi culdades inerentes ao ensino no campo. São trabalhos pioneiros nesta temática: FERNANDES, F. As “trocinhas” do Bom Retiro. In: FERNANDES, F. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. Petrópolis: Vozes, 1979. MARTINS, J. S. (Coord.). O massacre dos inocentes: as crianças sem infância no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1991. Martins demonstra como a sociologia não estuda[va] as crianças. O livro foi o marco refl exivo sobre essatemática, apontando que a sociologia não incorpora[va] as crianças (FARIA; FINCO, 2011). 63WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 4. O CAMPO NA ATUALIDADE: NOVAS ABORDAGENS De acordo com o Decreto Nº 7.352, de 4 de novembro 2010, que dispõe sobre a política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária: Art. 1o A pol ítica de educação do campo destina-se à ampliação e quali� cação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação e o disposto neste Decreto (BRASIL, 2010). O Decreto reitera, isto é, reforça os pressupostos da LDB 9694/96 e a atualiza. No Art. 2º dispõe sobre os princípios da educação do campo: Art. 2º. São princípios da educação do campo: I - respeito à diversidade do campo em seus aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero, geracional e de raça e etnia; II - incentivo à formulação de projetos político-pedagógicos especí� cos para as escolas do campo, estimulando o desenvolvimento das unidades escolares como espaços públicos de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o desenvolvimento social, economicamente justo e ambientalmente sustentável, em articulação com o mundo do trabalho; III - desenvolvimento de políticas de formação de pro� ssionais da educação para o atendimento da especi� cidade das escolas do campo, considerando-se as condições concretas da produção e reprodução social da vida no campo; Figura 4 - “Festa junina”. Fonte: Stéfanos (2020). 64WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA IV - valorização da identidade da escola do campo por meio de projetos pedagógicos com conteúdos curriculares e metodologias adequadas às reais necessidades dos alunos do campo, bem como � exibilidade na organização escolar, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; e V - controle social da qualidade da educação escolar, mediante a efetiva participação da comunidade e dos movimentos sociais do campo (LDB 9694/96). Os princípios de respeito, incentivo, desenvolvimento, valorização da identidade da escola e controle social da qualidade da educação escolar, muitas vezes, não encontram eco na prática, tanto no que se refere à efetivação das bases legais por parte do poder público federal, estadual e municipal, como por parte da própria sociedade civil organizada. Há um abismo entre a lei e a prática no que se refere à Educação do Campo. Os dados e indicadores apresentados até o momento revelam um quadro já conhecido de debilidades e carências na infraestrutura escolar e nas condições de oferta educacional no campo. Todas as comparações colocam a população da área rural em franca desvantagem em relação à população da área urbana quanto ao acesso à educação e à qualidade do ensino. Os contrastes observados entre as escolas da área rural e as escolas da área urbana servem apenas para realçar as de� ciências crônicas que afetam a educação do campo. Diante desse cenário, muitas vezes desolador, pergunta-se: há solução? Um dos objetivos centrais da política educacional é assegurar equidade nas condições de oferta educacional no campo e na cidade. Talvez a chave para compreensão dessa lacuna entre o campo e a cidade, bem como da baixa efetividade em colocar a teoria na prática, isto é, fazer cumprir as bases da legislação estaria relacionada com os interesses dos detentores do poder no campo, os herdeiros dos antigos coronéis, o poder das oligarquias rurais convertidos em instrumento de manutenção de privilégios e do status quo. Veremos como esse poder das elites agrárias se mantém na prática como fator de inibição e limitação de uma Educação no Campo crítica e de qualidade. Vejamos alguns exemplos. Segundo dados FAO/INCRA de 1996, encontra-se na situação de 86,89 % agricultura familiar e 11,97% agricultura não familiar (capitalista, patronal e latifundiária). Porém, segundo a pesquisa, os 86,89% da agricultura familiar detêm 40% das terras cultiváveis, enquanto os 11,97% da agricultura não familiar possuem 60% das terras cultiváveis do Paraná. Ou seja, predomina no Brasil o latifúndio. Segundo dados do IBGE, de 1970 a 2006, no Paraná houve o aumento da área de propriedade, (a área ocupada pelos mesmos, passou de, 14.625.530 para 17.568.089 hectares), mas a diminuição do número de proprietários (o número de estabelecimentos no estado passou, de 1970 a 2006, de 554.488 para 373.238). Ou seja, houve um aumento de grandes propriedades latifundiárias, e a consequente diminuição da pequena e média propriedade. O que se veri� ca com a análise de dados do IBGE e do INCRA é a discrepância entre a teoria (a Lei) e a prática (uma escola no campo efetivamente de qualidade). A educação como estratégia fundamental para o desenvolvimento sustentável do campo deve se constituir nas políticas públicas como uma ação cultural comprometida com o projeto de reinvenção do campo brasileiro. Este pressuposto básico encontra resistência nas camadas detentoras do poder na sociedade agrária. 65WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diante desse cenário, que não é apenas da atual conjuntura, mas de longa duração que remete ao período da colonização portuguesa, às Capitanias hereditárias e às Sesmarias, passando pela Lei de Terras de 1850 e pela � gura central do coronel na Primeira República, pode- se dizer que a Educação no Campo está na contramão dos detentores do poder. Ao possibilitar a eles conhecer os fundamentos naturais do planeta e as transformações sociais impostas pelas atividades humanas na dinâmica política, a educação leva ao campo seu sentido emancipador, libertário, inclusivo, democrático. A educação do campo traz um conjunto de conhecimentos e práticas que instiga as políticas a compreenderem o campo como um espaço emancipatório, como um território fecundo de construção da democracia e da solidariedade. De acordo com grandes especialistas na temática: Educação do Campo tem compromisso com a vida, com a luta e com o movimento social que está buscando construir um espaço onde possamos viver com dignidade. A Escola, ao assumir a caminhada do povo do campo, ajuda a interpretar os processos educativos que acontecem fora dela e contribui para a inserção de educadoras/educadores e educandas/educandos na transformação da sociedade (ARROYO; CALDART; MOLINA, 1998, p. 161). De forma a contribuir para a transformação da sociedade, a Educação do Campo mostra sua atualidade de forma substancial. Em um país de dimensões continentais, multiétnico e multicultural como o Brasil, pensar em uma Educação no Campo e do campo é um fundamento categórico indispensável em termos de democratização da sociedade. Vivemos em um período de crise ecológica em que o campo volta os debates acerca da sustentabilidade das gerações vindouras. A crise ecológica está também no centro das preocupações de um pensador de origem indígena extremante relevante e atual, Ailton Krenak. Nascido em uma aldeia às margens do rio Doce, viu sua comunidade devastada pela tragédia ambiental da mineração que praticamente sepultou a vida de todo um rio e de suas populações ribeirinhas. Para Krenak (2019), a experiência moderna está reduzida à mercadoria, o que signi� ca que experimenta-se algo que está fora de nós, isto é, um consumo antropofágico e alienado. “Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos”, alerta Krenak (2019, p. 49-50). A reconciliação do homem com a natureza passa por uma Educação doCampo. Mais que uma disciplina acadêmica, o campo torna-se hoje e sempre território de emancipação e democracia. É a mensagem que deixamos ao � m deste estudo. 66WWW.UNINGA.BR ED UC AÇ ÃO N O CA M PO | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS Fundamentado pela legislação vigente para a Educação do Campo e pela bibliogra� a que lhe é pertinente, este texto teve como objetivo trazer um conjunto de conhecimentos e práticas que instiga as políticas a compreenderem o campo como um espaço emancipatório, como um território fecundo de construção da democracia e da solidariedade, porque o campo transformou- se no lugar não apenas das lutas pelo direito à terra, mas também pelo direito à educação, à saúde, entre outros, e essas lutas acabaram por colocar na pauta novas políticas culturais, econômicas e ambientais para o campo, mas não apenas para o campo. A compreensão de campo não se identi� ca com o tom de nostalgia de um passado rural de abundância e felicidade que perpassa parte da literatura, posição que subestima a evidência dos con� itos que mobilizam as forças econômicas, sociais e políticas em torno da posse da terra no país. Mas sim pelos anseios reais dos indígenas, povos Quilombolas, das Ligas Camponesas. Povos que carregam a memória e a história viva de con� itos no campo como o movimento do Contestado (1912-1916), Canudos (1893-1895), o Cangaço (Primeira República), Revolta dos Colonos no Sudoeste do Paraná (1957), Con� ito de Porecatu (década de 1940), Lutas dos Boias- frias, Movimento dos Atingidos por Barragens, o MST, entre tantos outros. A educação, isoladamente, pode não resolver os problemas do campo e da sociedade, mas é um dos caminhos para a promoção da inclusão social e do desenvolvimento sustentável. Para isso, a educação que se realiza na escola precisa ser no campo e do campo e não para o campo. 67WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA REFERÊNCIAS ARROYO, M. G.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. (Orgs.). I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo. Documentos Finais. Luziânia, GO, 27 a 31 jul. 1998. ASSUMPÇÃO, J. H. D. A campanha do Contestado. Belo Horizonte: Imprensa O� cial do Estado, 2 vols., 1917. BENJAMIN, W. O capitalismo como religião. Organização Michael Löwy. Tradução Nélio Schneider, Renato Pompeu. São Paulo: Boitempo, 2013. BOURDIEU, P. Escritos de educação. Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani (Orgs.). Petrópolis: Vozes, 2014. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. BRASIL. Decreto nº 7352/2010. Dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, 2010. BRASIL. 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