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1 Disciplina: Dificuldades de aprendizagem Autora: D.ra Maria Tereza Costa Revisão de Conteúdos: M.e Leandra Felicia Martins Designer Instrucional: Esp. Murillo Hochuli Castex Revisão Ortográfica: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Ano: 2019 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Maria Tereza Costa Dificuldades de aprendizagem 2ª Edição 2019 Curitiba, PR Editora São Braz 3 Editora São Braz Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Conselho Editorial D.r Alex de Britto Rodrigues / D.ra Diana Cristina de Abreu / D.r Eduardo Soncini Miranda / D.ra Gilian Cristina Barros / D.r Jefferson Zeferino / D.r João Paulo de Souza da Silva / D.ra Marli Pereira de Barros Dias / D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos Leandra Felicia Martins Parecerista Técnico Leandra Felicia Martins Designer Instrucional Murillo Hochuli Castex Revisão Ortográfica Alexandre Kramer Morgenterm Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA COSTA, Maria Tereza. Dificuldades de aprendizagem / Maria Tereza Costa. – Curitiba: Editora São Braz, 2019. 48 p. ISBN: 978-85-5475-493-8 1.Aprendizagem. 2. Dificuldades. 3. Neurociências. Material didático da disciplina de Dificuldades de aprendizagem – Faculdade São Braz (FSB), 2019. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Sumário Prefácio ................................................................................................................. 06 Aula 1 – O cérebro e a aprendizagem a partir das neurociências ........................... 07 Apresentação da aula 1 ......................................................................................... 07 1.1 O cérebro e a aprendizagem ..................................................................... 08 1.2 A dinâmica cerebral .................................................................................. 11 1.3 O cérebro na 1ª infância: ocorrência das janelas de oportunidades ........ 12 Conclusão da aula 1 .............................................................................................. 14 Aula 2 – Inteligência, funções executivas e habilidades básicas para a aprendizagem ....................................................................................................... 15 Apresentação da aula 2 ......................................................................................... 15 2.1 O que é inteligência? ................................................................................ 15 2.2 Funções executivas .................................................................................. 19 2.3 Habilidades básicas para a aprendizagem ............................................... 20 Conclusão da aula 2 .............................................................................................. 25 Aula 3 – A aprendizagem escolar e a ocorrência de possíveis interferências ......... 25 Apresentação da aula 3 ......................................................................................... 25 3.1 A aprendizagem e a presença de dificuldades na sua promoção .............. 26 Conclusão da aula 3 .............................................................................................. 34 Aula 4 – Intervenções pedagógicas destinadas a estudantes que apresentam transtornos do neurodesenvolvimento ou outras dificuldades de aprendizagem 34 Apresentação da aula 4 ......................................................................................... 34 4.1 Relembrando as dificuldades de aprendizagem ....................................... 35 4.2 Intervenções pedagógicas para a dislexia ................................................ 35 4.3 Intervenções pedagógicas para a disortografia/disgrafia .......................... 36 4.4 Intervenções pedagógicas para a discalculia ............................................ 38 4.5 Intervenções pedagógicas para o TDAH .................................................. 39 4.6 Intervenções pedagógicas para o TEA ..................................................... 40 Conclusão da aula 4 .............................................................................................. 43 Conclusão da disciplina ......................................................................................... 44 Índice Remissivo ................................................................................................... 45 Referências ........................................................................................................... 47 6 Prefácio Olá, aluno! Seja bem-vindo à disciplina de Dificuldades de aprendizagem, que tem como foco fazer uma reflexão a respeito de situações que envolvem o ensino, o aprender e o não aprender, enquanto um grande desafio para a educação escolar contemporânea. A aprendizagem resulta da capacidade e possibilidade de conhecer, compreender e reter novas informações, incorporando-as às já existentes, o que depende de vários fatores referentes ao sistema nervoso central (SNC) e relativos às oportunidades ambientais oferecidas ao longo da vida. A Neurociência se apresenta enquanto uma nova ciência que estuda o sistema nervoso central (SNC), a educação e o cérebro, este último, nas palavras de Relvas (2010), enquanto um órgão social e passível de ser modificado pela prática pedagógica. Dessa forma, estudar a aprendizagem à luz das neurociências abre um significativo espaço para que possamos compreender também quando este processo não se efetiva de maneira natural, quando o estudante, mesmo diante de uma série de recursos, não consegue responder às demandas educacionais que lhes são postas, de forma satisfatória. A existência de dificuldades de aprendizagem no cenário escolar se faz cada vez mais intensa. Portanto, é no reconhecimento das diferentes manifestações da inteligência, na clareza em relação à importância das funções executivas para o processo educacional, bem como na atenção destinada ao adequado desenvolvimento de habilidades básicas para a aprendizagem que serão conquistadascondições para o enfrentamento dos desafios propostos pela presença de obstáculos neste processo. Este reconhecimento permitirá selecionar recursos, metodologias e estratégias adequadas a cada caso, no sentido da superação da lacuna existente entre o potencial de aprendizagem de determinado estudante e suas respostas acadêmicas. 7 Aula 1 – O cérebro e a aprendizagem a partir das neurociências Apresentação da aula 1 Esta aula tem por objetivo fazer uma reflexão envolvendo a interface entre saúde e educação, por meio de um breve passeio pela neurociência e sua relação com a aprendizagem escolar. Vocabulário Neurociência: compreende o estudo do sistema nervoso e suas ligações com toda a fisiologia do organismo, incluindo a relação entre cérebro e comportamento. O controle neural das funções vegetativas (digestão, circulação, respiração, homeostase e temperatura), das funções sensoriais e motoras, da locomoção, reprodução, alimentação e ingestão de água, os mecanismos da atenção e memória, aprendizagem, emoção, linguagem e comunicação são temas de estudo da neurociência (VENTURA, 2010). A neurociência, enquanto ciência que estuda a relação entre cérebro e comportamento, contribui, fundamentalmente, para que os educadores possam entender como o processo de aprendizagem acontece e que mecanismos e situações estão envolvidos neste processo. A partir desses conhecimentos, procura-se também compreender o não aprender, o que possibilita encontrar formas mais efetivas para a obtenção do sucesso na aprendizagem de todos os alunos. A escola vem registrando a presença de crianças que apresentam um descompasso entre o seu potencial para a aprendizagem e as respostas educacionais que acontecem frente aos desafios escolares, o que sugere a presença de obstáculos no processo de aprendizagem. Este desafio nos leva ao seguinte questionamento: como identificar estudantes que apresentam sinais de atraso ou intercorrências no seu desenvolvimento que possam resultar em problemas de aprendizagem? Este questionamento nos instiga a pesquisar, a partir do estudo das neurociências, o aprender e como o cérebro atua no processo de aprendizagem. 8 1.1 O cérebro e a aprendizagem a partir das Neurociências O cérebro diz ao corpo o que fazer, Mas as sensações vindas do corpo Permitem ao cérebro fazer o que disse. (FONSECA, 2012) Conforme Relvas (2010), neurociência compreende um novo ramo da ciência que estuda o sistema nervoso central (SNC), a educação e o cérebro, este último como órgão “social” passível de ser modificado pela prática pedagógica. O entendimento do funcionamento cerebral por meio das neurociências oferece uma revolução ao contexto educacional, no sentido de que avança, significativamente, na compreensão de como se dá a aprendizagem, que redes neuronais estão envolvidas neste processo e como as informações recebidas, processadas, armazenadas na memória e acessadas quando necessário, e permitem o encontro de estratégias a serem usadas na resolução de problemas e como suporte para novas aprendizagens. Ao se falar de funcionamento cerebral, é importante abordar a questão do sistema nervoso central (SNC) enquanto responsável pelo recebimento e processamento de informações originárias, tanto no mundo externo quanto interno. Esse sistema é constituído pela medula espinal e pelo encéfalo, sendo este último formado pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico. Sistema nervoso central Fonte: https://lh3.googleusercontent.com/P7ILVQKv4kK7rOic3il7mHGrPKQ1MOd0PXlxnfOZc GMDXLJF1PFGZIg5ZoAbc0EC789FPw=s96 9 O cérebro, órgão do pensamento, dos sentimentos, da memória e da imaginação, é o principal órgão e centro do sistema nervoso. Dividido em dois hemisférios (direito e esquerdo), é formado pelos lobos frontais, parietais, temporais e occipitais, os quais têm, sob sua responsabilidade, a coordenação de funções específicas. Recebe estímulos dos órgãos sensoriais, interpreta-os e correlaciona-os com impressões armazenadas, a fim de acionar impulsos motores que controlam as atividades vitais. É o nosso “maestro”, uma vez que comanda nossos movimentos corporais, nossa memória e nossas emoções, nos permitindo ações como: andar, cantar, falar, escrever, ler, refletir, entre outras. Para Morin (1996), o cérebro é um órgão extremamente organizado, onde se forma a cognição. Exerce a função de “controlar os movimentos, receber e interpretar os estímulos sensitivos, coordenar os atos da inteligência, da memória, do raciocínio e da imaginação” (MORIN, 1996, apud SAMPAIO & FREITAS, 2011). A parte externa do nosso cérebro, chamada de córtex cerebral, é repleta de neurônios, nossa massa cinzenta, assim conhecida em razão de sua tonalidade. No córtex cerebral localizam-se as áreas sensoriais, motoras e associativas, as quais têm a função de receber e interpretar as sensações e também elaborar planos e estratégias de ação. O córtex cerebral é dividido em quatro sessões ou áreas chamadas lóbulos ou lobo que, na aquisição da aprendizagem, exercem funções específicas. Conforme Goldeberg (2002): A capacidade de responder aos estímulos é o primeiro atributo de um cérebro primitivo. Em um ambiente rico de eventos, contudo, esse cérebro primitivo será imediatamente sobrepujado por uma grande quantidade de fatores de distração ao acaso. Em um cérebro mais complexo, isso pode ser equilibrado por um mecanismo que protege o organismo de caos da causalidade e permite que ele permaneça no caminho seguindo um comportamento específico. A evolução do cérebro é caracterizada pela transição lenta, cuidadosa de um cérebro simplesmente reagindo para um cérebro capaz de ação deliberada, sustentada (GOLDEBERG, 2002 apud RELVAS, 2014). Dessa forma, é valido dizer que a capacidade de atenção sustentada, bem como a capacidade de escolha, a capacidade de organizar o comportamento e a tomada de decisões, aspectos tão importantes para o processo de aprendizagem, ocorre em paralelo ao desenvolvimento dos lobos frontais. 10 ➢ Lóbulo Frontal: localizado na parte anterior do hemisfério cerebral (atrás da testa), é dividido em quatro partes chamadas circunvoluções, as quais compreendem três circunvoluções frontais e circunvolução pré-rolândica. A parte posterior da terceira frontal chama-se Área de Broca, onde se localiza o centro da linguagem falada. Este lóbulo é responsável pela fala, pelas emoções, pelas funções do aprendizado envolvendo raciocínio, planejamento, solução de problemas e pelos movimentos físicos mais simples; ➢ Lóbulo Temporal: localizado na parte inferior da face externa, na região dos ouvidos. Este lóbulo é composto por três circunvoluções temporais e responsável pela percepção e reconhecimento dos estímulos auditivos, da memória e da linguagem; ➢ Lóbulo Parietal: responsável pela reação a estímulos complexos, pela interpretação das sensações, percepção espacial, movimento, reconhecimento, orientação do corpo, pelas informações sensoriais como frio, calor, dor e pela percepção de variados estímulos; ➢ Lóbulo Occipital: responsável pelo processamento visual, ou seja, pela interpretação do que é visto. Interpreta o mundo visto e transporta a experiência visual para a fala. Permite-nos ainda identificar e interpretar os objetos, bem como recuperar informações passadas; ➢ Sistema Límbico: também conhecido como cérebro emocional, se encontra enterrado no cérebro e contém o tálamo, hipotálamo, amígdala e hipocampo. É a amígdala que tem a função de controlar, processar e armazenar nossas reações emocionais. Esta parte do sistema límbico é também conhecida como Torre de Vigilância, justamente por vigiar e controlar nossos comportamentos emocionais. Sua responsabilidade abrange ainda a nossa motivação. É o sistema límbico que irá atuar no momento emque esperamos que nossos estudantes fiquem motivados frente a uma determinada proposta educacional; 11 ➢ Cerebelo: localizado na parte inferior do cérebro e acima do tronco cerebral, organiza as informações recebidas pelas vias sensoriais visual, auditiva e coordena os movimentos voluntários motores, o equilíbrio, o tônus muscular e os processos de memória e aprendizagem básica; ➢ Tronco Cerebral ou Encefálico: abaixo do sistema límbico se encontra o tronco do encéfalo, que é responsável pelas funções vitais como: respiração, batimentos cardíacos e pressão arterial, como também a atenção, o estado de alerta e a transmissão de informações. Entre outras funções, tem ainda sob a sua incumbência o controle das emoções e os comportamentos sociais. 1.2 A dinâmica cerebral O início do desenvolvimento do sistema nervoso humano acontece na fase embrionária, nas primeiras semanas de vida. O sistema nervoso compõe- se de dois tipos básicos de células, os neurônios, responsáveis por receber e enviar mensagens de uma para outra parte cerebral ou de uma para outra parte do corpo) e as células gliais, as quais funcionam como uma espécie de “cola” para manter o sistema unido, permitindo uma estrutura firme para o cérebro. Vocabulário Neurônios: células nervosas que desempenham o papel de conduzir os impulsos nervosos. São as unidades básicas do sistema que processam as informações e estímulos no corpo humano. Células gliais: células que, junto com os neurônios, constituem o sistema nervoso. Possuem diferentes formas e funções, sendo responsáveis pela sustentação, proteção e nutrição dos neurônios. Quando acontece a comunicação entre dois neurônios, ocorrem as sinapses. Em registros de Bee (2003), encontra-se que o ponto em que dois neurônios se comunicam, em que as fibras transmissoras do axônio entram em estreito contato com os dendritos de outro neurônio é chamado de sinapse: a 12 comunicação por meio da sinapse se faz por substâncias químicas, tais como a serotonina, a dopamina e as endorfinas, chamadas de neurotransmissores. Importante O número de sinapses em um único ser humano é imenso. Uma célula, na parte do cérebro que controla a visão, por exemplo, pode ter de 10 a 30 mil inputs sinápticos para seus dendritos (Grennough et al, 1987, apud Bee, 2003). 1.3 O cérebro na 1ª infância: ocorrência das janelas de oportunidades O desenvolvimento cerebral na 1ª infância passa por mudanças muito significativas. No entanto, estas alterações não ocorrem de maneira linear, uma vez que cada área percorre caminhos individuais e sofre mudanças anatômicas que lhes são próprias. Esse desenvolvimento tem direta relação com as mudanças de comportamento que ocorrem neste período, o que fica evidente com a demonstração da capacidade da criança em diferentes estágios. É fundamental entender o que se passa com uma criança em cada fase de seu desenvolvimento e compreender também que, pela ausência de linearidade em seu percurso, as mudanças ocorrem de forma gradativa, por meio de períodos que se sucedem e se superpõem, de modo que as fases de desenvolvimento são não lineares, podendo ocorrer avanços e retrocessos. Ao se conhecer as características de cada fase, é possível oferecer à criança, desafios que são coerentes com as suas possibilidades, sem antecipar etapas ou exagerar nos estímulos. O que se pretende aqui destacar é a importância de, ao se respeitar cada fase do desenvolvimento infantil, dar à criança a possibilidade de vencer cada período de forma tranquila, considerando as “janelas de oportunidades”. Vocabulário Janelas de oportunidades: conceito usado para designar períodos propícios ao desenvolvimento de determinadas habilidades, fazendo um alerta para a importância dos estímulos mais adequados ao melhor desenvolvimento da criança. 13 O cérebro humano é flexível e adaptável. Em função da neuroplasticidade cerebral, ele se remodela para aprender, para sentir-se melhor ou até, ao ser induzido, a se autorreparar, quando bem estimulado. Este processo permite o desenvolvimento de várias habilidades em qualquer época de nossas vidas. No entanto, algumas dessas habilidades têm períodos demarcados, períodos referentes às janelas de oportunidades. Se perdermos a chance de propor situações em que habilidades inerentes a cada um desses períodos são desenvolvidos, corremos o risco de, ao procurar desenvolvê-las, necessitarmos de uma intervenção muito mais direta e bem mais específica, a qual necessitará de muito mais empenho por parte do mediador e mais tempo por parte do estudante. Neurocerebral é uma denominação dada às capacidades adaptativas do Sistema Nervoso Central (SNC) e a habilidade para modificar sua organização estrutural e funcionamento. O desenvolvimento da Neuroplasticidade Cerebral ocorre ao longo de nossas vidas e dele depende o nosso processo de aprendizagem e a reabilitação das funções motoras e sensoriais (RELVAS, 2010). Permite a ocorrência de prontidão para responder aos estímulos do mundo à nossa volta, bem como sofre alterações estruturais em resposta às novas experiências e adaptações. A Neuroplasticidade Cerebral apresenta-se de diferentes formas, a depender de como e quando acontece, definida pela capacidade de regenerar- se que o cérebro tem ou de recuperação funcional das suas células nervosas. Esta regeneração pode ocorrer em três diferentes momentos da vida: durante o desenvolvimento, período em que acontece a neurogênese (período de geração de novos neurônios por trocas ou podas), durante um processo de aprendizagem e após uma lesão cerebral. Os resultados da ação da neuroplasticidade cerebral dependem, sobremaneira, da reação do indivíduo, do ambiente em que a intervenção está ocorrendo e do tipo de estímulo que está sendo oferecido ou oportunizado. 14 Saiba mais O livro Neurociências e Educação, de Regina Migliori, é uma publicação que apresenta o cérebro e suas inter-relações com nossos pensamentos, sentimentos e ações, em uma jornada pelas vias que tecem a trama entre nosso mundo interno e a realidade externa. Em linguagem simples e muito bem ilustrada, apresenta o conhecimento neurocientífico e suas interfaces com o processo educativo, visando o desenvolvimento dos níveis de excelência das pessoas. Conclusão da aula 1 O contato humano e, neste caso o contato do professor ou da professora, é imprescindível no processo de mediação entre o conhecimento produzido historicamente e os novos saberes que assolam nossas mentes e corpos a todo o momento e o estudante. Disso decorre a grande importância de absorvermos o que a neurociência tem para nos apresentar e buscar os laços que atrelam essas informações ao processo de ensinar. Quando agregamos saberes em relação a como o cérebro funciona e que recursos deste cérebro permitem o aprender, conseguimos entender como a criança aprende. Dessa forma, compreendemos também o não aprender e temos a possibilidade de intervir sobre ele. Em síntese, a neurociência tem significativa contribuição para a educação. Atividade de aprendizagem Considerando o que estudamos nesta aula, selecione quatro atividades a serem usadas na educação infantil para estimular respectivamente as áreas cerebrais correspondentes aos lóbulos frontal, temporal, parietal e occipital, fazendo uma relação com aspectos que são fundamentais ao processo de aprendizagem acadêmica. 15 Aula 2 – Inteligência, funções executivas e habilidades básicas para a aprendizagem Apresentação da aula 2 Nesta aula, o foco será a respeito de três pontos importantes do desenvolvimento infantil: inteligência, funções executivas e habilidades básicas para a aprendizagem. Estes aspectos são fundamentais para que a criança obtenha bons resultados, uma vez que o aprimoramento de cadacompetência e de cada habilidade adquirida nesse processo contribuirá para a conquista maturacional necessária ao enfrentamento dos desafios inerentes ao processo de aprendizagem escolar. Discutir aprendizagem e a possibilidade da suposta “não aprendizagem” pressupõe abordar conceitos referentes à inteligência, às funções executivas e às habilidades básicas para o aprender. Este fato requer um importante passeio pelos meandros da própria inteligência, uma vez que as escolhas a serem feitas propiciam o adequado uso das funções executivas e das habilidades fundamentais para a aprendizagem. 2.1 O que é inteligência? O tema “inteligência” é gerador de muitas pesquisas. No entanto, quando procuramos estudos referentes a esse tema, não encontramos unidade em sua definição. Shaffer (2005) nos apresenta que “diferentes teóricos possuem diferentes ideias sobre as características (e quantas delas) essenciais dessa construção denominada inteligência” (SHAFFER, 2005). Inteligência, a partir da abordagem psicométrica, pode ser entendida como “um traço ou conjunto de traços que caracterizam a pessoa em escalas” (SHAFFER, 2005, p. 301) e que podem ser identificados por meio de testes psicométricos. É importante ressaltar que a avaliação de uma pessoa por meio da psicometria vem sendo questionada por teóricos que defendem a importância da inteligência ser entendida a partir de uma visão mais atualizada do processamento das informações. 16 Entre os teóricos que discutem a inteligência a partir de uma visão mais moderna, encontramos Robert Sternberg que, ao propor a Teoria Triárquica da inteligência, enfatiza três aspectos comportamentais compreendidos como fundamentais: o contexto em que o comportamento acontece, que envolve a análise da forma de adaptação do indivíduo em diferentes situações ambientais, a experiência, entendida como um suporte prévio ao desenvolvimento de determinada tarefa e as habilidades para processar a informação, enquanto caminho percorrido pela pessoa para chegar a um certo resultado. Ao analisar os aspectos cognitivos envolvidos na avaliação de determinado problema, analisa-se também a seleção de estratégias utilizadas na sua resolução e controlamos as ações cognitivas que estão sendo acessadas para atingir certo objetivo. Outro teórico importante nessa discussão é Howard Gardner, o qual apresenta a teoria das Inteligências Múltiplas, destacadas como um quesito próprio dos seres humanos. Estes são possuidores de oito diferentes tipos de inteligência, considerando que alguns indivíduos são extremamente eficazes em uma ou algumas dessas inteligências, enquanto outros não apresentam a mesma performance. Vocabulário Performance: termo que chega à língua portuguesa derivado de uma palavra latina composta por justaposição, a palavra performare, [....], formada pelo verbo formare e pelo prefixo per, o verbo formare tem o sentido de “dar forma” e o prefixo “per” tem o sentido de um movimento realizado por meio de algo. O significado da palavra performance é realização, façanha, feito ou desempenho. Outra abordagem que tem revolucionado os constructos acadêmicos é o conceito de inteligência emocional, de Daniel Goleman, o qual a coloca como um conceito relacionado com a chamada "inteligência social". Parafraseando este pesquisador, uma pessoa emocionalmente inteligente apresenta condições de identificar suas emoções com mais facilidade, consegue ter motivação para dar continuidade aos seus projetos, mesmo que apareçam obstáculos. As características mais evidentes deste tipo de inteligência dizem respeito ao autocontrole de impulsos, ao controle emocional, à automotivação, à empatia e 17 ao bom desenvolvimento e manutenção dos bons relacionamentos interpessoais. Porque a Inteligência Emocional é tão importante para o processo de aprendizagem? Segundo Farias et al (2015, p. 15), O estado emocional tem o potencial de influenciar o pensamento. Por exemplo, estudos demonstram que os alunos aprendem e realizam com mais êxito quando se sentem seguros, felizes e animados com o assunto. Embora as emoções tenham o papel de energizar os pensamentos dos estudantes, os estados emocionais também têm o potencial para interferir na aprendizagem, se os alunos estiverem excessivamente animados, eles podem trabalhar descuidadosamente ou rapidamente em vez de trabalhar metodicamente ou cuidadosamente. Além disso, as emoções, como raiva, ansiedade e tristeza, podem influenciar no esforço de aprendizagem, prejudicando a capacidade de aprender (COSTA & MARTINS et al, 2015). Portanto, é fundamental que a educação considere as emoções como um importante fator no processo de aquisição dos conhecimentos. Alguns neurotransmissores, como a adrenalina, quando liberados pelo estado emocional, podem bloquear a ocorrência do fluxo normal entre as sinapses. Estudantes ansiosos em sala de aula se enquadram neste caso, uma vez que a conexão entre adrenalina e ansiedade pode causar esquecimento. O esquecimento, por sua vez, leva o estudante a desacreditar de sua competência de memorização, ou seja, passa a acreditar que tem memória ruim e que não consegue aprender. A credibilidade no “eu não consigo” leva este estudante a ficar com sua autoestima significativamente rebaixada e, consequentemente, a apresentar dificuldades na aprendizagem. É importante também pensar a aprendizagem sob a perspectiva cognitiva, e abordá-la a partir de distintas teorias, como a teoria dos estágios cognitivos de Piaget e a teoria socioeducacional de Vygotsky. Ao estudarmos o desenvolvimento da inteligência em Piaget (1896 – 1980), aprende-se que o desenvolvimento cognitivo das crianças evolui em quatro estágios que envolvem tipos de operações mentais qualitativamente diferentes, como podemos constatar a partir de Papalia, Olds & Feldman (2009); Em cada estágio, a mente da criança desenvolve um novo modo de operação. São eles: Organização, que envolve a criação de estruturas cognitivas (esquemas) progressivamente complexas: sistemas de conhecimento ou maneiras de pensar por meio de imagens cada vez 18 mais precisas da realidade. Esquemas que se efetivam a partir de padrões organizados de comportamento que são usados para pensar sobre uma situação e atuar sobre ela. Adaptação, traduzida pela forma que a criança lida com novas informações, considerando o que já sabe. Envolve a assimilação que compreende o receber novas informações e incorporá-las às estruturas cognitivas existentes e a acomodação, que se dá por meio da modificação das próprias estruturas cognitivas para inclusão de novas informações. Equilibração que se configura na busca por um equilíbrio estável entre os elementos cognitivos. Quando a criança não consegue lidar com novas experiências, entra em desequilíbrio, organiza novos padrões mentais integradores desta nova experiência, para posteriormente recuperar o equilíbrio (PAPALIA, OLDS & FELDMAN, 2009). Piaget, com relação aos estágios do desenvolvimento, apresenta o estágio sensório-motor ou da inteligência prática, que vai de 0 (zero) a aproximadamente 18 ou 24 meses; o estágio pré-operatório ou representacional, que se inicia aos 2 anos e vai até, aproximadamente, 6/7 anos; o estágio operatório-concreto, com início por volta de 7 anos e que se estende até, aproximadamente, 11/12 anos e o estágio operatório formal ou hipotético- dedutivo, que acontece a partir de 11/12 anos. É fundamental o conhecimento destes estágios para entender o processo de desenvolvimento da aprendizagem, enquanto básico para dar suporte aos processos de ensino. Importante ainda apresentar o desenvolvimento cognitivo da criança a partir da teoria sociocultural de Vygotsky, o qual apresenta o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) como sendo a distância entre o nível de desenvolvimento atual, determinadopela capacidade de resolver um problema sem ajuda e sua gama de possibilidades, determinada pela resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro, processo esse entendido como aprendizagem mediada. Conforme Vygotsky (1989), “o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa por outra pessoa” (VYGOTSKY, 1989). Tais estudos partem de um conceito que contemple o que está sendo abordado. Dessa maneira, refere-se à inteligência para discutir questões acadêmicas, opta por entendê-la como sendo o conjunto que forma as características intelectuais de um indivíduo, envolvendo a faculdade de conhecer, compreender, raciocinar, pensar e interpretar a capacidade de fazer escolhas. O desenvolvimento da inteligência se dá, principalmente, nos primeiros anos de vida. 19 2.2 Funções executivas Funções executivas definem-se como um “conceito neuropsicológico aplicado ao processo cognitivo responsável pelo planejamento e execução de atividades, iniciação de tarefas, memória de trabalho, atenção sustentada e inibição de impulsos” (TEIXEIRA, 2013). Estas funções são muito importantes no momento em que precisamos buscar habilidades cognitivas que nos permitam controlar pensamentos, ações e emoções. Não só elas controlam e regulam nosso comportamento como nos permitem criar estratégias para a resolução de problemas e para atingir determinados resultados. São elas: ➢ Planejamento: capacidade de criar caminhos para atingir uma meta ou completar uma tarefa; ➢ Organização: capacidade de selecionar estratégias para facilitar a execução de uma atividade, utilizando aprendizagens do passado como suporte à solução de problemas futuros. Envolve a habilidade de escolha entre estratégias, optando por aquela que, no seu entender, é a mais indicada para o alcance de uma atividade ou consecução de uma tarefa; ➢ Manejo do tempo: habilidade para estimar o tempo necessário ou o tempo que resta para a execução de uma determinada tarefa; ➢ Memória de trabalho: habilidade de manter as informações na mente durante a execução de determinada tarefa e de utilizar aprendizagens já consolidadas como suporte a novas aprendizagens ou como caminhos para atingir determinado objetivo; ➢ Metacognição: habilidade para observar a si mesmo, ou seja, capacidade para se perceber executando certa tarefa ou resolvendo um problema; ➢ Resposta inibitória: habilidade de pensar e avaliar situações antes de agir, não dizendo ou fazendo algo que, pensando melhor, não diria ou o faria; 20 ➢ Autorregulação do afeto: autocontrole emocional para atingir os objetivos. Habilidade que compreende a regulação de comportamentos e das emoções; ➢ Iniciação de tarefas: habilidade para iniciar uma tarefa sem procrastinar, ou seja, sem deixar para outro momento; ➢ Flexibilidade: habilidade para revisar e alterar planos diante de possíveis obstáculos e informações diferentes. Envolve a capacidade de adaptação à novas situações e/ou a condições adversas; ➢ Persistência ao alvo: capacidade para concluir um plano ou uma tarefa sem desistir. Manter o foco em determinada tarefa até o seu final. Todas estas habilidades que compreendem as funções executivas são fundamentais quando o estudante necessita planejar e executar diferentes atividades, bem como tomar decisões no momento em que precise escolher uma, entre diferentes possibilidades. A ocorrência de falhas nessas funções pode favorecer o aparecimento de problemas envolvendo planejamento, organização, manejo do tempo, memória e controle das emoções. 2.3 Habilidades básicas para a aprendizagem Para falar de aprendizagem, se faz necessário falar de desenvolvimento, o qual compreende o período que tem início na concepção se estendendo até a adolescência, um processo que envolve situações de mudanças e de estabilidade, que acontecem obedecendo a maturação neurobiológica e uma sequência natural e universal de mudanças físicas e comportamentais, resultando na conquista de aptidões para dominar novas habilidades. As mudanças ocorridas no período de desenvolvimento infantil podem se caracterizar como quantitativas, ou seja, aquelas que se definem por números e quantidades, tais como: altura, peso e extensão de vocabulário e as qualitativas, cuja alteração se dá na forma, na estrutura ou na organização como, por exemplo, na passagem da comunicação não-verbal para a verbal. Os domínios 21 do desenvolvimento compreendem diferentes aspectos: as mudanças no aspecto físico que podem ser identificadas pelo crescimento do corpo e do cérebro e por padrões que alteram as capacidades sensoriais, as habilidades motoras e a própria constituição da saúde; as mudanças no aspecto psicossocial que dizem respeito às alterações nas emoções, na personalidade, consequentemente, nas relações sociais e no aspecto cognitivo; as mudanças que ocorrem em relação às habilidades mentais necessárias à aprendizagem, as quais envolvem a atenção, a memória, a linguagem, o pensamento, o raciocínio e a criatividade. Aprendizagem Fonte: https://static9.depositphotos.com/1594308/1163/i/950/depositphotos_11634441- stock-photo-reading.jpg O processo de desenvolvimento envolve também as diferenças individuais que são inerentes a todas as pessoas e que deixam suas marcas nas características, nas influências ou nos efeitos do próprio desenvolvimento, além daquelas que sofrem a interferência do ambiente. Nesse contexto, a aprendizagem se faz a partir das experiências que são vivenciadas na infância e que são fundamentais ao processo, aquelas que ocorrem em casa, as que são oportunizadas por meio da educação ou em outros momentos de socialização. Todas essas experiências precisam ser positivamente significativas para a adequada formação do ser humano, uma vez 22 que o que se aprende na infância pode deixar marcas para o resto da vida, em função da vivência de um processo de complexidade único no desenvolvimento. Conforme Costa & Martins, a aprendizagem da leitura, da escrita e da matemática requer habilidades que devem ser trabalhadas na infância. É necessário estimular a criança de acordo com sua fase de desenvolvimento (COSTA & MARTINS et al, 2015). Entre as habilidades que são básicas para o processo de aprendizagem, vale a pena destacar: Imagem corporal: é por meio do corpo que a criança interage com o mundo. Esta habilidade se desenvolve a partir da constatação do corpo como ponto de referência e do estabelecimento de conceitos básicos, como: em cima, embaixo, na frente, atrás, esquerda, direita, alto, baixo, gordo, magro, entre outros, tão importantes para qualquer tipo de aprendizagem e significativos para a alfabetização. Dessa forma, é fundamental para a criança a conscientização de seu corpo por meio do desenvolvimento do esquema corporal, uma vez que quando essa relação não acontece de forma adequada, é possível a presença de grandes dificuldades em reconhecer e representar, mentalmente o próprio corpo, resultando em implicações na aquisição da escrita e da leitura. Lateralidade: definida pelo cérebro humano, é evidenciada pela predisposição para a utilização preferencial de um dos lados do corpo, em três níveis: mão, olho e pé, em razão da dominância de um dos hemisférios cerebrais. Os hemisférios cerebrais definem a lateralidade a partir de fibras nervosas que se cruzam e resultam na identificação da pessoa como destra, sinistra, com lateralidade indefinida ou cruzada. Ser destro compreende a dominância do hemisfério esquerdo sobre o direito, enquanto que ser sinistro (canhoto) significa ter o hemisfério direito como dominante. A preferência do indivíduo, de forma cruzada, em ambos os lados do corpo, define-se como lateralidade cruzada. A exemplo, podemos citar um jogador de futebol que assina seu contratocom a mão direita e tem uma habilidade incrível para chutar a bola com o pé esquerdo. A lateralidade também pode se apresentar de forma indefinida, ou seja, pode ocorrer em função de que a criança ainda não teve maturidade cerebral suficiente para apresentar o uso preferencial de um dos lados do corpo. De acordo com Costa & Martins; 23 Crianças que apresentam distúrbios de aprendizagem ou de fala podem ter a lateralidade cruzada, a ambidestra ou a indefinida, porém, não é essa condição de lateralidade que causa esses distúrbios. Também as dificuldades que a criança sinistra apresenta para escrever, com possíveis alterações de postura ou de posição de braço, decorrem, muitas vezes, da falta de orientação sobre qual a melhor postura a ser adotada na escrita e qual deve ser a posição da folha de papel e do lápis, podendo as mesmas dificuldades aparecerem na criança destra quando há falta de orientação correta (COSTA & MARTINS et al, 2015). A constatação de que a lateralidade se dá a partir da dominância lateral, ou seja, de que é o cérebro que define, nos alerta para a importância da não obrigatoriedade de crianças sinistras escreverem com a mão direita. Esta exigência pode resultar em dificuldades na grafia, como a disgrafia, dificuldades de orientação espacial ao usar a folha de papel ou o caderno, bem como a inadequação da postura para sentar e para escrever, o que incide, diretamente, na produção gráfica. Conhecimento de direita e esquerda: este conhecimento diz respeito ao conceito de imagem corporal e à lateralidade, que dá à criança a possibilidade de reconhecer, gradativamente, lado esquerdo e direito em si, em outra pessoa e em relação aos objetos. A partir da noção de direita e esquerda, a criança aprende conceitos como em cima, embaixo, frente, atrás, no meio, ao lado, sempre tendo seu próprio corpo como referência. Citando Costa & Martins, em relação ao conhecimento de direita e esquerda, encontramos que: A ausência dessa habilidade pode contribuir para a escrita em espelho, que se caracteriza pela rotação das letras, palavras ou números. Ao tentar escrever “mala” a criança poderá escrever “lama”; tentando escrever “28”, poderá escrever “82”. A escrita espelhada é considerada normal quando acontece ainda na educação infantil, até por volta de 5 a 6 anos. Quando acontece após os 7 anos de idade, pode ter conotação patológica. Porém, torna-se motivo de preocupação quando essas dificuldades estão presentes no momento em que se inicia a alfabetização e persistem, pois interferem de forma negativa e direta na associação entre letras e sons (COSTA & MARTINS et al, 2015). Orientação e posição espacial: são habilidades relacionadas à visão e permitem diferenciar posições no espaço e relações espaciais. A percepção da posição dos objetos se dá pela utilização do seu corpo como referência. O desenvolvimento dessas habilidades depende da imagem corporal, o que auxilia na diferenciação de distintas posições espaciais ocupadas pelos objetos, bem 24 como possibilita assimilar conceitos como: atrás, à frente, à direita, à esquerda, em cima, embaixo, entre outras. Nos dizeres de Costa & Martins, A criança que não desenvolve essa habilidade de forma correta também pode apresentar sérias dificuldades para se organizar no ambiente em que vive, espalhando os seus materiais escolares ou as suas roupas de forma desordenada, esbarrando nos objetos ou nas pessoas quando se locomove e apresentando indecisões ao desviar um obstáculo, não sabendo, exatamente, para que lado ir (COSTA & MARTINS et al, 2015). Orientação temporal: habilidade que está relacionada à audição, envolve a discriminação, duração e sucessão de sons e ao domínio de conceitos como: ontem, hoje, amanhã, dias da semana, meses, anos, horas, estações do ano, entre outros. A não aquisição adequada dessa habilidade pode resultar em dificuldades na pronúncia e na escrita das palavras, com inversões ou trocas na ordem das letras. Ainda pode originar problemas na retenção de palavras que compõem determinado texto, inadequado uso dos tempos verbais e problemas na correspondência dos sons com a utilização das letras que os representam, principalmente em situações de ditado. Ritmo, habilidade relacionada com o tempo, uma vez que consiste na sucessão de elementos sonoros em determinado espaço de tempo e com determinada duração. A não adequada conquista da habilidade rítmica pode resultar em problemas na leitura como lentidão e silabação, como também na pontuação e entonação. No caso da escrita, a dificuldade pode contribuir com a ausência de respeito dos espaços em branco que existem entre as palavras, na aglutinação de palavras (omeninojogouabolanaágua), na dificuldade no ordenamento das letras dentro das palavras, com omissões ou acréscimo de sílabas (pipopoca) e falhas de acentuação. Estas dificuldades podem aparecer também por ocasião da leitura. Saiba mais A leitura do livro Brincar para aprender: a neurociência e a psicopedagogia no processo de aprendizagem nos permite entender que o aprendizado da leitura e da escrita não se dá de forma espontânea e contínua, mas sim pela oferta de estímulos necessários a esse processo e o quanto a mediação dos professores é fundamental para o adequado desenvolvimento da criança. 25 Conclusão da aula 2 Compreender como a criança aprende e que fatores estão envolvidos nesta dinâmica requer o entendimento de como se dá a inteligência, assim como requer o conhecimento das funções executivas e de como elas se desenvolvem, e ainda quais são as habilidades fundamentais para o aprender. Essa compreensão permite entender todos os elementos que permeiam esse processo e o que pode ocorrer quando situações causadas pelos fatores neurocognitivos e/ou ambientais obstaculizam o bom desenvolvimento da aprendizagem. Atividade de aprendizagem Entre as habilidades básicas para a aprendizagem apresentadas em nossa aula, escolha três e elabore um pequeno texto a respeito de como podem contribuir para diminuir os obstáculos causados por dificuldades de aprendizagem a elas correspondentes. Aula 3 – A aprendizagem escolar e a ocorrência de possíveis interferências Apresentação da aula 3 Esta aula está destinada a apresentar conteúdos referentes à aprendizagem, bem como a respeito das possíveis dificuldades que podem acontecer neste processo. Por meio da aprendizagem, a criança desenvolve competências e habilidades, além de adquirir conhecimentos que lhes serão fundamentais. Vamos conversar sobre a presença de obstáculos neste processo e como diferentes estudos científicos identificam situações desta natureza, ou seja, o que são distúrbios, problemas, dificuldades ou transtornos. Toda criança aprende. O aprender não é exclusividade de alguns. Porque então algumas crianças apresentam dificuldades neste processo? Que fatores, sejam eles neurocognitivos ou comportamentais, estão alterando o curso natural do desenvolvimento de uma criança, a qual passa a apresentar rendimento acadêmico aquém do esperado? É importante discutir a função da escola e de 26 cada profissional da educação na promoção da aprendizagem para todos os estudantes. No entanto, é necessário também entender o significado de termos que são utilizados para designar o não aprender, bem como a diferença de comportamentos e respostas acadêmicas existente entre cada uma das terminologias como: distúrbio, transtorno, dificuldades e problemas de aprendizagem. 3.1 A aprendizagem e a presença de dificuldades na sua promoção A aprendizagem, a qual tem origem no período gestacional, compreende profundas mudanças no cérebro ao longo da vida, as quais resultam em alterações no comportamento de um indivíduo em função do entrelaçamento de fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais. Nesse processo,a criança passa por experiências que envolvem o andar, o falar, o ler e o escrever, estas, entre outras aprendizagens, que são fundamentais para que ocorra o desenvolvimento da cidadania e a participação ativa na sociedade em que vive. Por meio do processo de aprender, a criança desenvolve e se apropria da capacidade de conhecer, compreender, reter novas informações e assimilar novos conhecimentos que, incorporados aos já existentes, permitem respostas que são traduzidas como novos comportamentos. Todo o processo que envolve a aquisição de novos conhecimentos tem um caráter intencional, uma vez que o ser humano é curioso e sempre tem a intenção de procurar respostas e novos métodos que o ajude a solucionar as demandas que a vida lhe impõe. No entanto, a aprendizagem não depende tão somente do estudante e do seu tipo intelectual, mas também do professor ou da professora, da escolha de estratégias adequadas à apresentação dos conteúdos, do tempo destinado a cada estudante para a aquisição de novos conhecimentos, dos recursos utilizados, das oportunidades que os ambientes escolar, familiar e social oferecem, bem como de expectativas que o estudante tem em relação ao seu presente e seu futuro. Para aprender, o indivíduo depende de estímulos internos como motivação, habilidades básicas desenvolvidas e boas condições neuropsicológicas, bem como de estímulos externos como o ambiente, o tipo de mediação, a relação com o(a) mediador(a), entre outros. Quando estes fatores 27 são contemplados, o processo de aprendizagem permite uma mudança qualitativa na estrutura mental do aprendente. A aquisição de novos conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades e competências promovem uma significativa alteração no comportamento e na capacidade intelectual do indivíduo, permitindo-lhe uma melhor adaptação ao meio circundante. Este panorama diz respeito também à aprendizagem escolar, que deve acontecer em um ambiente organizado e orientado para a obtenção de sucesso no processo de ensino e de aprendizagem, ocasionando mudanças enquanto resultado da aquisição de novos conhecimentos. No entanto, a ocorrência de alterações no curso natural do desenvolvimento pode resultar em problemas na aquisição da aprendizagem escolar. Em razão do importante papel que o educador tem no processo de aprendizagem de seus educandos no sentido não só de ensinar, o que é inerente à sua função, mas também de identificar qualquer situação que possa apontar para a ocorrência de uma dificuldade de aprendizagem, permite considerar que ele tem, em suas mãos, um grande desafio: a possibilidade de reconhecer, o mais precocemente possível, quando uma criança apresenta sinais que alertam para a presença de alguma dificuldade no processo. Conforme consta em Estanislau e Bressan (2014): Os professores têm uma condição privilegiada de observação do comportamento das crianças sob seus cuidados, pois as observam em uma grande variedade de situações, como atividades individuais dirigidas, atividades de trabalho grupal, atividades de lazer, durante a interação com outros adultos e com crianças de diversas idades. O fato de os professores terem experiência com um grande número de crianças possibilita a distinção entre os comportamentos esperados para a sua faixa etária e comportamentos atípicos (ESTANISLAU & BRESSAN, org. 2014). Quando se trata de dificuldades no processo de aprender, que acontecem nas escolas, termos como distúrbios, problemas, dificuldades e transtornos são utilizados de maneira indiscriminada, como se quisessem, muitas vezes, dizer a mesma coisa, tanto na literatura especializada como na prática escolar. No entanto, esses termos dizem respeito a situações diferentes. Vamos começar apresentando a terminologia “distúrbios de aprendizagem”. Para Collares e Moysés (1993) em Sampaio e Freitas (2011): 28 Distúrbios de aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de alterações manifestadas por dificuldades na aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas, presumivelmente devido a disfunção no sistema nervoso central (SNC) (SAMPAIO & FREITAS, 2011). Dessa forma, é possível perceber que esta terminologia está mais relacionada ao estudante, uma vez que recorre à existência de comprometimentos de ordem neurológica. Refere-se a uma questão patológica que acomete o estudante em nível individual e orgânico. Muitas vezes a escola utiliza este termo para determinadas situações que envolvem o não aprender, mas nem sempre o termo corresponde ao que está acontecendo. A referência a “problemas de aprendizagem”, conforme Pain (1985), diz respeito a [...] um sintoma, no sentido de que o não aprender não configura um quadro permanente, mas ingressa em uma constelação peculiar de comportamentos, nos quais se destaca como sinal de descompensação (PAIN, 1985). Crianças com problemas de aprendizagem normalmente apresentam atrasos no desempenho escolar, por vezes relacionados à falta de motivação, a uma metodologia educacional inadequada, à falta de estratégias ou recursos pedagógicos que atendam ao perfil de aprendizagem do estudante ou a mudanças nas exigências da escola, entre outros possíveis fatores. Já as “dificuldades de aprendizagem” dizem respeito a rendimentos acadêmicos que resultam em desempenho abaixo do esperado para a idade cronológica e as experiências escolares, muitas vezes devido a causas físicas como aquelas inerentes a visão, causas cognitivas como as que se referem ao rebaixamento intelectual, causas psicológicas como a baixa autoestima, transtornos neurocognitivos como o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e fatores ambientais representados por falhas na escolha e uso de estratégias pedagógicas, ausência de estimulação, entre outros. Sampaio e Freitas (2011) apresentam a definição que consta da Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição (CID-10), como: Grupos de transtornos manifestados por comprometimentos específicos e significativos no aprendizado de habilidades escolares. Estes comprometimentos no aprendizado não são resultados diretos de outros transtornos (tais como retardo mental, déficits neurológicos grosseiros, problemas visuais ou auditivos não corrigidos ou perturbações emocionais) embora eles possam ocorrer simultaneamente em tais condições (SAMPAIO e FREITAS, 2011). 29 Finalizando este grupo de quatro terminologias, “transtornos de aprendizagem”, conforme o CID 10, cuja elaboração do aqui apresentado é de responsabilidade da Organização Mundial de Saúde (OMS), “transtorno” é utilizado para “indicar a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecíveis associados, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais” (CID - 10, 1992). O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM V), apresenta uma definição para transtornos de aprendizagem enquanto “transtornos do neurodesenvolvimento”, definindo-o como um grupo de condições com início no período do desenvolvimento, cuja manifestação ocorre, em geral, antes do ingresso na escola, caracterizando-se por déficits no desenvolvimento que acarretam prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional, déficits estes que variam desde limitações muito específicas na aprendizagem ou no controle de funções executivas, até prejuízos globais em habilidades sociais ou inteligência. Um transtorno específico da aprendizagem, como o nome implica, é diagnosticado diante de déficits específicos na capacidade individual para perceber ou processar informações com eficiência e precisão. Esse transtorno do neurodesenvolvimento manifesta-se, inicialmente, durante os anos de escolaridade formal, caracterizando-se por dificuldades persistentes e prejudiciais nas habilidadesbásicas acadêmicas de leitura, escrita e/ou matemática. O desempenho individual nas habilidades acadêmicas afetadas está bastante abaixo da média para a idade, ou níveis de desempenho aceitáveis são atingidos somente com esforço extraordinário. [...] Para todas as pessoas, o transtorno específico da aprendizagem pode acarretar prejuízos duradouros em atividades que dependam das habilidades, inclusive no desempenho profissional (DSM V, 2014). As dificuldades no processo de aprender e no uso das habilidades acadêmicas, conforme o DSM V (2014), se manifestam com a presença de ao menos um dos sintomas a seguir, com persistência por pelo menos 6 meses, mesmo que o estudante tenha sido submetido a intervenções dirigidas às suas dificuldades: ➢ Leitura imprecisa, lenta e com esforço. Lê palavras isoladas em voz alta, de forma incorreta ou lenta e hesitante. Frequentemente adivinha palavras e tem dificuldade para soletrá-las; 30 ➢ Dificuldade na compreensão e sentido da leitura. Pode ler um texto com precisão, mas não compreende a sequência, as relações, as interferências e os sentidos mais profundos do que é lido; ➢ Dificuldade para ortografar ou para escrever ortograficamente, ocasião em que pode adicionar, omitir ou substituir vogais e consoantes; ➢ Dificuldade com a expressão escrita. Comete muitos erros de gramática ou pontuação nas frases. Emprega organização inadequada de parágrafos. Expressão escrita das ideias sem clareza; ➢ Dificuldade para dominar o senso numérico, fatos numéricos ou cálculo. Entende os números, sua magnitude e relações de forma insatisfatória. Conta com os dedos para adicionar números de um dígito em vez de lembrar o fato aritmético, como fazem os colegas. Perde-se no meio de cálculos aritméticos e pode trocar as operações; ➢ Comprometimento no raciocínio, com graves dificuldades para aplicar conceitos, fatos ou operações matemáticas para solucionar problemas quantitativos. Os transtornos de aprendizagem podem se manifestar por meio de: dislexia, disgrafia, disortografia, discalculia, Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e Transtorno do Espectro Autista (TEA). De acordo com o DSM V, a dislexia é reconhecida por um prejuízo na leitura e é representada pelo código F81.0. É um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades de aprendizagem caracterizado por problemas no reconhecimento preciso ou fluente de palavras, problemas de decodificação e dificuldade de ortografia. Em Estanislau e Bressan (2014), encontra-se que dislexia é: [...] um transtorno de origem neurobiológica que geralmente prejudica o processamento fonológico, levando a dificuldades de leitura (decodificação) e de soletração ou escrita (codificação). Essas dificuldades costumam ser inesperadas em relação à idade e ao perfil intelectual da pessoa. Como resultado, o indivíduo tende a evitar ou a reduzir sua experiência de leitura, atitude que interfere no 31 enriquecimento do vocabulário e na aquisição de novos conhecimentos em geral (ESTANISLAU & BRESSAN, 2014). As causas da dislexia não são totalmente definidas, mas podem ser entendidas enquanto a conjugação de fatores biológicos, cognitivos e ambientais. Em Estanislau e Bressan (2014), encontram-se diferentes tipos de dislexia. A dislexia auditiva, caracterizada por falhas na correlação grafema- fonema, o que ocasiona erros de leitura e escrita, atraso na linguagem e problemas na fala. A dislexia visual, caracterizada pela existência de confusão entre letras parecidas, inversões de letras, dificuldade com direita e esquerda e erros ortográficos, entre outras manifestações. Um terceiro tipo é a dislexia mista, caracterizada pela combinação dos dois tipos anteriores. Alguns sinais de alerta com relação à dislexia são: Trocas de p/b, v/f, t/f, m/n, entre outros, na leitura e na escrita, devido à similaridade entre os pontos de articulação ou em função de falhas na orientação espacial. Ainda no código escrito, pode ocorrer inversão de em para me, adição de sílabas como no exemplo que envolve as palavras casa e casaco, ou omissão, como a exclusão da letra “r” na palavra forte, a qual passa a ser grafada como fote. O DSM V apresenta o resultado do prejuízo na expressão escrita pelo código F81.81, para referir-se a disortografia e a disgrafia, com a presença de problemas na precisão ortográfica, na gramática, na pontuação e na clareza ou na organização da expressão escrita. O desempenho da escrita acontece abaixo do esperado para a idade, escolaridade e nível de inteligência. Na disgrafia, a dificuldade está presente no aspecto motor, essencialmente necessário para a escrita. Outras dificuldades podem se relacionar à disgrafia como problemas para transferir a informação visual por meio da motricidade fina, conforme definido por Chadha (2008), referenciado em Estanislau e Bressan (2014). No caso da disortografia, as dificuldades estão relacionadas à composição ortográfica das palavras. Discalculia, que para o DSM V apresenta-se como um prejuízo na matemática, é identificada pelo F81.2. Como já colocado, é um transtorno que incide na competência matemática, caracterizado pela presença de habilidades aritméticas defasadas, com déficits em habilidades numéricas que envolvem a comparação entre números e a habilidade de representar quantidades. Conforme Silva, em Sampaio e Freitas (2011), a discalculia pode ser: 32 Discalculia verbal, ou seja, dificuldades em nomear quantidades numéricas; discalculia practognóstica, ou seja, dificuldades para enumerar, comparar, manipular objetos reais ou imagens matematicamente; discalculia léxica, ou seja, a dificuldade na leitura de símbolos matemáticos; a discalculia gráfica, ou seja, a dificuldade na escrita de símbolos matemáticos; a discalculia ideognóstica, isto é, dificuldades em fazer operações mentais e na compreensão de conceitos; discalculia operacional diz respeito a dificuldade na execução de operações e cálculos mentais (SAMPAIO e FREITAS, 2011). O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, identificado pelo DSM V com o código F81.2, é um transtorno neurocognitivo que, conforme Estanislau e Bressan (2014), é caracterizado pela presença de três tipos combinados de funcionamentos específicos que persistem desde a infância até a vida adulta, ocasionando prejuízos no funcionamento social, acadêmico e profissional. Conforme o DSM V; O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento definido por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e / ou hiperatividade- impulsividade. Desatenção e desorganização envolvem incapacidade de permanecer em uma tarefa, aparência de não ouvir e perda de materiais em níveis inconsistentes com a idade ou o nível de desenvolvimento. Hiperatividade-impulsividade implicam atividade excessiva, inquietação, incapacidade de permanecer sentado, intromissão em atividades de outros e incapacidade de aguardar - sintomas que são excessivos para a idade ou o nível de desenvolvimento. Na infância, o TDAH frequentemente se sobrepõe a transtornos em geral, considerados “de externalização” tais como o transtorno de oposição desafiante e o transtorno de conduta (DSM V, 2014). A presença do TDAH ocasiona um desequilíbrio em mecanismos que são fundamentais à aprendizagem como a atenção e a memória, comprometendo, significativamente, o desempenho escolar, com possibilidade de fracasso nas produções acadêmicas. Também a hiperatividade e a impulsividade resultam em significativos prejuízos para o processo acadêmico e social, pela presença de comportamentos que ocasionam situações inadequadas e constrangedoras, criando, inclusive, conflitos sociais, até pela dificuldade de seguir regras, aspecto muito importante na vida em sociedade. O transtorno do espectro autista (TEA), que conforme o DSM V é identificado pelo códigoF84.0, caracteriza-se por déficits na reciprocidade socioemocional (dificuldade para estabelecer uma conversa normal; redução de interesses, emoções ou afeto; dificuldade para iniciar ou responder a interações 33 sociais), déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social (contato visual, linguagem corporal, compreensão e uso de gestos, ausência de expressões faciais e comunicação não verbal), bem como déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos (dificuldade comportamental para se adequar a contextos sociais diversos; para compartilhar brincadeiras imaginativas ou fazer amigos; ausência de interesse por pares). O termo “autismo” tem origem no grego autós cujo significado é “de si mesmo”. Conforme o DSM V, o TEA tem, como comportamentos evidentes: Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos (p. ex., estereotipias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar objetos, ecolalia, frases idiossincráticas. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (p. ex., sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente). Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco (p. ex., forte apego ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos). Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (p. ex., indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento) (DSM V, 2014). Vocabulário Idiossincrasia: traço comportamental característico de um indivíduo ou de um grupo de pessoas. As evidências sintomatológicas do TEA estão presentes desde muito cedo, ainda no período de desenvolvimento infantil, mas nem sempre se manifestam precocemente. Em algumas situações, sua manifestação ocorre por ocasião de exigências sociais que excedem as capacidades limitadas da criança, ou até mesmo podem ser mascaradas por estratégias aprendidas ao longo da vida. No entanto, os sintomas podem causar significativo prejuízo no funcionamento social ou em outras importantes áreas da vida da pessoa, em qualquer fase. É importante ressaltar, conforme consta no DSM V, que: 34 Indivíduos com um diagnóstico do DSM IV bem estabelecido de transtorno autista, transtorno de Asperger ou transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação devem receber o diagnóstico de transtorno do espectro autista (DSM V, 2014). Conclusão da aula 3 Esta aula apresentou conceitos relativos à aprendizagem, bem como as dificuldades de aprendizagem abordadas pela literatura especializada a partir de distintas nomenclaturas, a saber: distúrbios, problemas, dificuldades e transtornos, com suas conceituações e formas de manifestação. Apresentou também os transtornos do neurodesenvolvimento que compreendem a dislexia, a disortografia, a disgrafia, a discalculia, o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e o transtorno do espectro autista, com suas caracterizações. Atividade de aprendizagem O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por três tipos de funcionamentos específicos: déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade, estes últimos podendo aparecer combinados. Elabore uma síntese discorrendo sobre os tipos de funcionamento do TDAH, com suas principais características. Aula 4 – Intervenções pedagógicas destinadas a estudantes que apresentam transtornos do neurodesenvolvimento ou outras dificuldades de aprendizagem Apresentação da aula 4 Esta aula destina-se à apresentação de propostas de intervenções pedagógicas a serem desenvolvidas em sala de aula junto aos estudantes que apresentam dificuldades para aprender, sejam estas causadas por transtornos do neurodesenvolvimento ou por situações ambientais, por estratégias pedagógicas inadequadas ou ineficientes, por desmotivação ou ainda por outros aspectos externos ao estudante. 35 4.1 Relembrando as dificuldades de aprendizagem É importante relembrar as dificuldades de aprendizagem trabalhadas nesta disciplina e suas características fundamentais, para que possamos apresentar estratégias a serem utilizadas em sala de aula, com o objetivo de minimizar ou superar os efeitos que transtornos do neurodesenvolvimento causam no processo de aprendizagem. A dislexia se apresenta com significativa alteração no processo de leitura. A disortografia e a disgrafia como transtornos que interferem na escrita, na ortografia e no traçado das letras. A discalculia se apresenta com alterações matemáticas. O TDAH se manifesta pela desatenção, hiperatividade e impulsividade, enquanto o TEA se manifesta com prejuízos na interação social, na comunicação e no comportamento social. Faz-se necessário observar se as funções executivas já estão estabelecidas por parte do(a) estudante, como este as utiliza, bem como observar a existência (ou não) das habilidades básicas que são fundamentais ao processo de aprendizagem. Em caso de inexistência ou inadequação destas funções e/ou habilidades, analisar quais procedimentos seriam mais eficientes na superação das defasagens evidenciadas. 4.2 Intervenções pedagógicas para a dislexia ➢ Oferecer mais tempo para trabalhos e avaliações que exijam leitura; ➢ Reduzir a quantidade de material a ser lido; ➢ Oferecer provas orais; ➢ Usar livros e contação de histórias; ➢ Cuidar na escolha do método de alfabetização. O método multissenrorial acontece por meio da combinação de modalidades sensoriais como a auditiva, a visual, a cinestésica e a tátil. Por outro lado, o método fônico desenvolve todo o processo por meio da consciência fonológica, trabalhando, por exemplo, com joguinhos que envolvem a letra inicial de nomes próprios, de palavras, bem como com rimas (ESTANISLAU & BRESSAN, 2014). 36 A escolha metodológica com relação à alfabetização vai depender do perfil de aprendizagem e do tipo de dificuldade que o estudante apresenta. É importante que ocorra uma instrução objetiva a respeito da consciência fonológica e uma instrução fônica envolvendo a soletração, a leitura de palavras isoladas e de pseudopalavras, trabalho com o vocabulário, com conceitos e com estratégias de compreensão leitora. 4.3 Intervenções pedagógicas para a disortografia/disgrafia ➢ Trabalhar com instrumentos sonoros que permitam a discriminação de ruídos, o reconhecimento e a memorização de ritmos, tons e melodias; ➢ Trabalhar com o reconhecimento de formas gráficas; ➢ Oferecer possibilidades de formação de sílabas, soletração, formação de famílias de palavras e análise de frases; ➢ Trabalhar com joguinhos e atividades acadêmicas que utilizem práticas de substituição de fonemas; ➢ Exercitar fonemas com dupla grafia; ➢ Trabalhar palavras com sílabas parecidas fazendo a diferenciação entre elas; ➢ Estimular o uso de atividades motoras; ➢ Estimular a percepção e a memória visual; ➢ Observar a postura com a qual o (a) estudante senta, bem como a forma de se posicionar para escrever, pegar o lápis e posicioná-lo na folha de papel, fazendo, quando necessário, as devidas correções; ➢ Prover alternativas pedagógicas e/ou recursos pedagógicos que oportunizem a expressão escrita como, por exemplo, adaptador de lápis para fixá-lo à mão; ➢ Permitir o uso do computador; ➢ Orientar o estudante com relação à direção do traçado para a escrita. Em relação à disortografia, para superar a confusão entre letras, sílabas e as trocas ortográficas que resultamem aglutinações, inversões, omissões e 37 desordem na estruturação da frase, é importante utilizar materiais sensoriais, trabalhar com livros, estimular a memória visual, estimular atividades motoras, trabalhar com contação de histórias, entre outras estratégias (CUNHA, 2012). Disortografia https://www.priscillaranieri.com.br/single-post/2014/09/04/Voc%C3%AA-j%C3%A1- ouviu-falar-em- Para auxiliar no traçado das letras que se tornam ilegíveis em função da disgrafia, é importante: ➢ Colocar o caderno posicionado de forma a facilitar a escrita sem que o estudante precise posicionar-se inadequadamente; ➢ Se necessário, fixar a folha de papel ou o caderno à carteira; ➢ Posicionar o caderno ou a folha de papel utilizado para a escrita do lado direito ou esquerdo, a depender da dominância lateral do estudante; ➢ Observar se o estudante está pegando o lápis de forma correta, segurando-o com a ponta dos dedos e fazendo a pressão adequada na folha de papel; ➢ Durante a escrita cursiva, observar o traçado e se está havendo ligação, aglutinação ou espaços indevidos entre as letras, oferecendo exercícios que contribuam para a superação destas defasagens. https://www.priscillaranieri.com.br/single-post/2014/09/04/Voc%C3%AA-j%C3%A1-ouviu-falar-em- https://www.priscillaranieri.com.br/single-post/2014/09/04/Voc%C3%AA-j%C3%A1-ouviu-falar-em- https://www.priscillaranieri.com.br/single-post/2014/09/04/Voc%C3%AA-j%C3%A1-ouviu-falar-em- https://www.priscillaranieri.com.br/single-post/2014/09/04/Voc%C3%AA-j%C3%A1-ouviu-falar-em- 38 4.4 Intervenções pedagógicas para a discalculia ➢ Utilizar exercícios que envolvam a cópia de números ou de cifras; ➢ Trabalhar com adições em que apareça a oportunidade de somar os números “levados”; ➢ Durante as operações matemáticas, observar o uso dos sinais correspondentes nas operações; ➢ Trabalhar com sequências de etapas matemáticas; ➢ Envolver os estudantes em atividades que trabalhem a contagem e a seriação de objetos; ➢ Utilizar material concreto para a compreensão e fixação da tabuada; ➢ Fazer frequentes usos de objetos concretos, manipuláveis e lúdicos; ➢ Usar situações investigativas que envolvam o raciocínio lógico e a discussão em grupo; ➢ Seguir um programa estruturado; ➢ Trabalhar a automatização de situações matemáticas de forma interessante; ➢ Utilizar jogos e brincadeiras; ➢ Fazer uso do material dourado no trabalho com estudantes que apresentam dificuldades matemáticas; ➢ A matemática desenvolvida em sala de aula precisa ser significativa, ou seja, precisa ter relação direta com o cotidiano dos estudantes. 39 Material dourado http://www.edupp.com.br/2015/05/aplicacao-do-material-dourado-montessoriano-em- sala-de-aula/ 4.5 Intervenções pedagógicas para o TDAH Conforme Estanislau e Bressan (2014), no trabalho com estudantes que apresentam TDAH é importante: ➢ Ensinar a criança a estimar e controlar o tempo; ➢ Ter em mãos todo o material necessário à execução das tarefas; ➢ Dividir atividades que, porventura, possam ser mais longas e em partes menores; ➢ Combinar com o(a) estudante, antecipadamente, sobre os sinais que serão utilizados para que ele(a) possa resgatar e manter a atenção; ➢ Diminuir estímulos no ambiente de estudos, seja em casa ou na escola; ➢ Alternar tarefas passivas com tarefas ativas; ➢ Estimular a organização e o uso do material; ➢ É importante separar, para o início das aulas, os temas que exigem maior esforço intelectual; ➢ Manter sempre à mão as atividades e os materiais que são interessantes para manter o foco de atenção (CUNHA, 2012). 40 Maia (2011) aponta como fundamental: ➢ Não entender o estudante com TDAH como um problema, mas sim uma criança que apresenta um problema. Isso faz toda a diferença; ➢ Tanto a instituição quanto o(a) professor(a) devem buscar informações acerca do transtorno para fazer as intervenções mais adequadas; ➢ Apresentar ao(a) aluno(a), desde o início das aulas, um contrato de regras, enquanto garantia para que este(esta) possa antever possíveis consequências aos seus atos; ➢ Ajudar o(a) estudante na organização da rotina escolar diária. 4.6 Intervenções pedagógicas para o TEA A presença do(a) estudante com TEA tem representado um grande desafio para a escola, uma vez que os professores sentem dificuldades em relação à escolha das estratégias mais adequadas para atender a esta parcela da população escolar. O trabalho pedagógico destinado a estes estudantes, muitas vezes, acontece por força de lei, de modo que as ações educativas nem sempre são as mais pertinentes. É importante ressaltar que as intervenções pedagógicas para o(a) estudante com TEA precisam ser planejadas conforme as características da criança e de forma articulada entre os diferentes profissionais presentes no espaço escolar, para que seja possível proporcionar situações em que ocorra a aprendizagem significativa e tenha, por objetivo, a promoção do conhecimento e a conquista da autonomia. Nesse sentido, conforme Maia (2011); Identificar as características do aluno, observando potencialidades, necessidades, interesses e condições sociais e ambientais; Verificar se o aluno é atendido por profissionais ou instituições especializadas e se há orientações prescritas e executadas. Onde e por quem? Formular o Plano Educacional Individualizado (PEI) considerando elaboração conjunta do professor de apoio, do professor da sala de recursos multifuncionais e do professor de referência, observando os objetivos a serem alcançados; o tempo, o espaço e as mediações pedagógicas para o processo de aprendizagem e desenvolvimento do aluno; as dinâmicas e estratégias propostas; a articulação com o 41 trabalho pedagógico desenvolvido no grupo de referência e a avaliação contínua dos avanços e retrocessos para replanejar as ações (MAIA, 2011). Em Cunha (2012), encontram-se as seguintes propostas de intervenção pedagógica: ➢ Procure penetrar no mundo do autista; ➢ Concentre-se no contato visual; ➢ Trazer sempre o olhar do estudante para a tarefa que ele está realizando; ➢ Procure enriquecer a comunicação; ➢ Utilize a função simbólica (histórias, música e arte); ➢ Mostre a cada palavra uma ação e a cada ação uma palavra; ➢ Procure tornar os hábitos cotidianos agradáveis; ➢ Oriente para a execução de uma atividade por vez. De um modo geral, encontram-se várias atividades que são comuns e benéficas a diferentes transtornos. Os que aqui aparecem, bem como aqueles já citados, em cada um dos transtornos anteriormente trabalhados, não são os únicos. No entanto, pretende-se contribuir com as possíveis escolhas diante dos desafios que a presença de estudantes com transtornos do neurodesenvolvimento e as dificuldades de aprendizagem apresentam. Entre estratégias comuns a várias dificuldades é possível citar: ➢ Utilizar abordagens sensoriais (estímulos visual, auditivo e cinestésico); ➢ Propor atividades que façam sentido; ➢ Oferecer retorno positivo; ➢ Estimular a comunicação; ➢ Cooperar nas atividades; ➢ Incentivar sempre o estudante; ➢ Permitir que o estudante apresente sugestões; ➢ Usar tecnologias motivadoras; ➢ Compartilhar tarefas; 42 ➢ Estimular trabalhos em grupo; ➢ Usar voz clara e firme, porém serena; ➢ Manter contato visual ao falar; ➢ Evitar o excesso de conteúdos; ➢ Privilegiar tarefas pequenas, mesmo que diversas; ➢ Privilegiar as habilidades do estudante; ➢ Evitar atividades muito longas; ➢ Avaliar por meio de múltiplas escolhas; ➢ Usar linguagem objetiva; ➢ Adaptar currículo, provas e avaliações; ➢ Privilegiar vínculos afetivos; ➢ Manter o estudante motivado; ➢ Valorizar a oralidade; ➢ Nas correções, evitar a caneta vermelha; ➢ Tratar o erro como hipóteses; ➢ Conscientizar sobre os equívocos;