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Universidade de São Paulo - Faculdade de Direito Sofia Corrêa Bodião, Turma 23 - 195 Teoria Geral Do Estado I - Professora Maria Paula Dallari Bucci 18/ 06 /2022, São Paulo Resenha dos trechos selecionados dos livros 1º, 2º, 3º, 5º, 8º e 11º. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. São Paulo, Saraiva, 1992. _____________________ Do Espírito das Leis Montesquieu 1. Informações sobre autor e sua obra Charles-Louis de Secondat (1689 - 1755), mais conhecido como Barão de Montesquieu, foi um filósofo francês, iluminista e crítico da monarquia absolutista. Sua obra mais famosa é “O Espírito das Leis” (1748), na qual defende um sistema de governo constitucional e a divisão dos poderes1 em executivo, legislativo e judiciário. Sua produção foi escrita em um momento em que se buscava enfraquecer o Estado, não admitindo sua interferência na vida social a não ser como vigilante da ordem estabelecida pelos próprios indivíduos. Além disso, para elaborar sua teoria dos três poderes, se baseou nas ideias de Locke e Aristóteles. 2. Resumo 2.1. Tese do autor Em um estado natural, os homens possuem um sentimento de fraqueza e igualdade, mas ao se organizarem em sociedade isso se perde, dando espaço para um estado de guerra. Para evitar tal situação e garantir a liberdade dos indivíduos, é necessária a separação2 dos 2 Não confundir com divisão, pois o poder do Estado é uno e indivisível. 1 Também conhecido como “freios e contrapesos” ou "checks and balances”. 1 poderes, configurando-os em legislativo, executivo e judiciário; isso pois aquele que detém o poder (controle) tende a dele abusar, e somente o poder (organização) pode deter esse abuso. 2.2. Subteses do autor 2.2.1 As Leis As leis são as relações necessárias que surgem da natureza das coisas, por isso, todos os seres as possuem. No caso do ser humano, ele é limitado pela própria natureza e, por conseguinte, sujeito ao erro e as paixões; além disso, é próprio de sua substância que aja por si mesmo. Logo, viola suas leis fundamentais, bem como modifica aquelas estabelecidas por ele próprio. Nesse sentido, os legisladores positivam as leis políticas e civis para evitar as falhas humanas. Em um estado de natureza, havia quatro leis naturais, que antecedem todas as outras: a paz (o homem sente medo ao sentir sua própria fraqueza, assim não procura atacar os outros3); a busca pelas suas necessidades (o que o leva a alimentar-se); a aproximação de outros indivíduos (devido a existência de um temor recíproco e a busca pelo prazer animal); e um desejo de viver em sociedade (possibilitando a troca de conhecimentos). Ao se reunirem em sociedade, o sentimento de fraqueza e de igualdade entre os homens cessa, dando início a um estado de guerra. Não só entre os homens, mas também entre nações; cada indivíduo sente sua própria força e busca desviar vantagens da sociedade em benefício próprio. Essas duas formas de estado de guerra (entre homens e entre nações), levam ao estabelecimento de três tipos de leis. O direito das gentes trata da relação entre os povos, busca evitar guerras e prezar pela conservação das nações. O direito político cuida da relação entre os governantes e os governados, existe para cada uma das sociedades. E o direito civil trata da relação entre os cidadãos, sendo o estado civil formado pela reunião da vontade de todos. As leis políticas e civis devem ser específicas para cada país, seguindo a natureza e os princípios de cada governo; isso porque aquelas formam o governo, e essas o mantém. Elas possuem relações entre si, como quanto à origem, objetivo, ordem, e essas relações em conjunto formam o chamado espírito das leis. 3 Mas ao se estabelecer em sociedade há motivos para se atacarem e defenderem. 2 2.2.2 A Natureza dos governos e suas leis As espécies de governo podem ser separadas em três: republicano, monárquico e despótico. No primeiro, quando todo o povo detém o poder soberano é chamado de democracia, podendo o povo ser o monarca, ou os súditos; e é chamado de aristocracia quando apenas uma parte do povo detém tal poder. No governo democrático4, faz-se necessário o estabelecimento de leis quanto ao sufrágio. Deve ser determinada a forma de sufrágio desse governo, bem como a maneira de votar (sendo da natureza da democracia por meio do sorteio, e da aristocracia quando feito pela escolha). Ele deve ocorrer de forma pública e somente o povo deve fazer as leis. Na aristocracia o pequeno número de pessoas que detém o poder soberano faz as leis e as executam, assim o povo está sujeito aos governantes do mesmo modo que os súditos a um monarca. Quanto ao governo monárquico, nele apenas uma pessoa governa, mas por meio de leis estabelecidas. A fonte do poder político e civil é o príncipe, e sua natureza é constituída pelos interesses intermediários subordinados e independentes, sendo a nobreza o poder intermediário subordinado mais natural, o qual é fundamental para a essência da monarquia, cuja uma das principais máximas é “sem monarca, não há nobreza; sem nobreza, não há monarca; mas tem-se um déspota”. Nesse caso, então, as leis fundamentais devem levar o poder ao príncipe, o que ocorre por meio dos intermediários. Em um governo despótico apenas uma pessoa governa, mas não há leis ou regras, suas decisões são conduzidas pelas vontades do governante. A lei fundamental seria a instituição de um governante. 2.2.3 Os princípios dos três governos Os princípios a seguir não determinam que tais formas de governo terão os princípios citados, mas sim que deveriam ter, se não o governo seria imperfeito. Enquanto a natureza do governo o faz ser como é, em relação a sua estrutura e organização, o seu princípio o faz atuar, são as paixões humanas que o movimentam. No caso da democracia, a virtude dos cidadãos é o princípio para manter sua forma. Em uma 4 No modelo democrático são necessários representantes, pois o povo não é de todo capaz de discutir negócios públicos. 3 aristocracia também, mas tal valor já não é necessário de forma absoluta, a virtude deve estar presente no corpo governante, e não em todo o povo. Nesse modelo de governo, o princípio fundamental é a moderação, quando grande faz a aristocracia se aproximar de uma república, e quando pouca, a situação se mantém. Nas monarquias a virtude não é um princípio, as leis tomam o seu lugar. Sua virtude é a honra, que move as partes do corpo político indo em direção ao bem comum, enquanto seus particulares acreditam estarem indo em direção aos seus próprios interesses. Para que este seja um princípio em um Estado, deve haver uma constituição fixa e certas leis, logo, a honra não é um princípio em Estados despóticos. Nessa última forma de governo, a virtude não é necessária, e a honra seria perigosa, o princípio em um governo despótico é o temor; essa é a forma como o déspota garante sua autoridade e força. As leis de cada governo correspondem aos seus princípios. A virtude necessária na democracia é traduzida em amor pela república, isto é, amor pela democracia e, consequentemente, amor pela igualdade, o que leva à bondade dos costumes. Nesse sentido, o papel das leis na democracia é estabelecer a igualdade e mantê-la. Na aristocracia existem duas fontes de desordem: a extrema desigualdade entre os membros do corpo que governa, e entre esses e os governados. Disso resulta o ódio e o ciúme, os quais as leis possuem o papel de evitar e erradicar. Além disso, são prejudiciais tanto a extrema pobreza quanto a riqueza exorbitante. Nesse sentido, na aristocracia almeja-se a moderação com as leis. Na monarquia as leis devem garantir estabilidade ao governo; sustentar a nobreza, favorecer o comércio que o governo pode oferecer, organizar a arrecadação de tributos. Nesse sentido, há uma vantagem da monarquia em relação à república, isso porque, no primeiro, apenas uma pessoa é responsável por gerir os negócios públicos, logo, sua execução é feita com mais atenção. Além disso,há mais estabilidade que no caso de um governo despótico. Em um governo despótico, ao utilizar o princípio do temor, o povo não resiste ao poder do príncipe. Dessa forma, qualquer sentimento de ambição que poderia levar a uma revolução é impedido. 2.2.4 A Corrupção dos princípios O princípio da democracia se corrompe de duas formas: quando se perde o espírito de igualdade, e quando se assume o princípio de igualdade extrema, desejando ser igual a 4 aqueles que governam. O verdadeiro espírito da igualdade consiste em obedecer e em comandar seus iguais; enquanto em uma situação de igualdade extrema todos os cidadãos querem comandar, ou que ninguém seja comandado. A aristocracia é corrompida quando o poder dos nobres se torna arbitrário. Para que este governo mantenha a força de seu princípio, é necessário que os nobres sintam os perigos externos e vejam a segurança como algo interno. Portanto, o medo de algo externo mantém as leis e os princípios no governo aristocrático. Além disso, faz parte da natureza de uma república um pequeno território, sem isso não seria possível existir por muito tempo. Em uma república pequena, o bem público se torna mais facilmente percebido e mais próximo de cada cidadão. No caso da monarquia, a corrupção ocorre quando um príncipe altera a ordem das coisas de forma a centralizá-las em favor de seus próprios interesses. E quanto maior o poder do monarca, menor a segurança. O grande perigo é que tal abuso de poder pode levar ao despotismo. Neste caso, é adequado que a monarquia possua um tamanho médio. Isso porque, se fosse pequena, se tornaria uma república, e se fosse grande, o poder do príncipe se tornaria menos eficiente pois certos acontecimentos fugiriam do alcance de seus olhos. Em um governo despótico, seu princípio corrompe-se constantemente devido à sua própria natureza. Diferente dos demais governos, que deturpam-se por vícios particulares. Esse modelo se adequa a grandes impérios. 2.2.5 As leis e a liberdade política A palavra liberdade possui diferentes acepções, no sentido político, ela é comumente usada para caracterizar uma república. Em uma sociedade, a liberdade política não consiste em fazer-se o que bem entender, mas sim em fazer aquilo que a lei permite; se um indivíduo pudesse fazer aquilo que as leis proíbem, não haveria mais liberdade, pois os demais indivíduos também poderiam. Tal liberdade normalmente se encontra nos governos moderados, quando não há abuso de poder; para tanto, o próprio poder deve controlar o uso do poder, o que pode ser feito por meio de uma constituição. Todo Estado tem um objetivo em comum, que é o de 5 manter-se, e um objetivo particular. No caso da Inglaterra, por exemplo, havia o objetivo da liberdade política, e estava presente na constituição. Em cada Estado há três poderes: o legislativo, executivo das coisas que depende do direito das gentes e o executivo 5que depende do direito civil. A função do primeiro é elaborar leis e corrigir ou revogar as já existentes (representa a vontade geral do Estado), o segundo deve cuidar da segurança externa e executar resoluções públicas (sendo a execução da vontade geral do Estado). Já o terceiro deve julgar crimes, este último sendo chamado de poder de julgar; tal poder deve ser exercido por pessoas extraídas do corpo do povo, e não por um senado permanente, de forma que esteja prescrito na lei. Os outros dois poderes, como não se exercem sobre nenhum indivíduo, podem ser atribuídos a magistrados ou corpos permanentes. Quando o poder legislativo e executivo estão reunidos em um corpo, não há liberdade. Pois existe a possibilidade de o próprio monarca (ou o senado) criar leis tirânicas para executá-las de forma abusiva. Também não há liberdade quando o poder de julgar está unido ao legislativo ou judiciário, porque assim o juiz seria o próprio legislador, ou então seria o próprio opressor, o que configura um poder arbitrário. O corpo legislativo do governo deve ser composto por duas partes, que devem se subjugar mutuamente por sua faculdade de vetar (“o direito de tornar nula uma resolução tomada por outrem”, quem o possui também pode aprovar). Além disso, no momento em que o Estado perder sua liberdade, ele perecerá; isso ocorre quando o poder legislativo for mais corrupto que o poder executivo. 2.3 Conclusões do autor Em um estado natural os homens nascem em igualdade, mas devido a necessidade de se organizarem em sociedade tal condição se perde. Para voltarem a serem iguais e para terem a liberdade garantida, há a necessidade de leis estabelecidas pelo governo, que deve ter seus poderes separados em legislativo, executivo e judiciário, isso para que não haja abuso de poder; e deve ser estabelecida a autonomia e limites de cada um, para tanto, o próprio poder deve controlar o poder. O poder legislativo compreende o corpo do povo, deve ser composto por seus representantes via eleições, tem a função de elaborar leis e corrigir ou revogar as já existentes; o judiciário aplica a lei, com a função de julgar e punir, e o executivo desempenha 5 Os dois poderes executivos precisam de um poder regulador. 6 o poder de veto às decisões do legislativo, sendo responsável por cuidar da segurança externa e resoluções públicas. 3. Comentário crítico Montesquieu, assim como Hobbes, trata do estado de natureza em sua obra, no entanto, com um ponto de vista diferente; enquanto o primeiro defende que nessas condições havia paz, os homens não atacavam uns aos outros pois sentiam a própria fraqueza, o segundo defende que havia uma guerra de todos contra todos. Locke já havia tratado da separação de poderes, porém é com Montesquieu que isso ocorre de forma mais aprofundada e serve como base para a política moderna. Ambos convergem em relação ao poder legislativo, já o poder executivo de Montesquieu integra também o poder federativo de Locke. Quanto ao poder judiciário, não aparece na produção do inglês. Além disso, enquanto Montesquieu defende que os poderes devem ser independentes e harmônicos entre si, Locke acredita na superioridade do poder legislativo, de forma que o executivo e o federativo sejam seus subordinados. Quanto ao sistema de separação de poderes, como aponta Dalmo Dallari, há algumas críticas a serem feitas. Primeiramente, ele é apenas formalista, jamais tendo sido praticado: na realidade, o que se observa é que, por vezes, um órgão de um poder pratica atos que são da competência de outro poder, ou seja, a separação que deveria ocorrer não é tão clara. Além disso, um dos poderes acaba predominando em relação aos demais, e a separação se torna apenas aparente. Ademais, apesar da finalidade da separação dos poderes ser a garantia da liberdade dos indivíduos, ela não é assegurada. 7