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Autor: Prof. Marcelo Botelho da Costa Moraes Prof. Lívia Maria Lopes Stanzani Colaboradores: Profa. Cristiane Nagai Prof. André Galhardo Fernandes Avaliação de Empresas Professores conteudistas: Marcelo Botelho da Costa Moraes / Lívia Maria Lopes Stanzani Marcelo Botelho da Costa Moraes Doutor em Ciências na área de economia, organizações e gestão do conhecimento (2011), mestre em Engenharia de Produção (2007) e bacharel em Ciências Contábeis (2003) pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor doutor da USP, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP), no Departamento de Contabilidade. Tem experiência na área de administração, com ênfase em ciências contábeis, atuando principalmente com docência e pesquisa em contabilidade financeira e métodos quantitativos e computacionais aplicados à contabilidade. Lívia Maria Lopes Stanzani Mestra em Controladoria e Contabilidade, com ênfase em Contabilidade Financeira e Finanças (2017), pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) – Universidade de São Paulo (USP) e graduada em Ciências Contábeis (2015) pela mesma instituição. Atualmente, é professora da Universidade Paulista (UNIP) e tem experiência na área de finanças, atuando principalmente com docência e pesquisa. Além disso, possui artigos publicados em congressos e revistas e desenvolve materiais didáticos para as áreas de finanças, contabilidade financeira e contabilidade tributária. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. U508.97 – 20 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M827a Moraes, Marcelo Botelho da Costa Avaliação de Empresas / Marcelo Botelho da Costa Moraes, Lívia Maria Lopes Stanzani. - São Paulo: Editora Sol, 2020. 132 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Avaliação de empresas. 2. Fluxos de caixa. 3. Capitalização dos lucros. I. Stanzani, Lívia Maria Lopes II. Título. CDU 658.152 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Vera Saad Sumário Avaliação de Empresas APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 INTRODUÇÃO À AVALIAÇÃO DE EMPRESAS ........................................................................................ 11 1.1 Conceituação de valor ........................................................................................................................ 11 1.2 Avaliação de empresas: aplicações práticas ............................................................................. 13 1.3 Metodologias de avaliação de empresa: aplicações práticas ............................................. 14 1.4 Análise técnica (grafista) x Análise fundamentalista ........................................................... 16 2 ESTIMATIVA DO CUSTO MÉDIO PONDERADO DE CAPITAL (WACC) ............................................ 17 2.1 Estrutura de capital da empresa .................................................................................................... 19 3 CUSTOS DAS FONTES DE FINANCIAMENTO .......................................................................................... 22 3.1 Custo de capital de terceiros (Ki) .................................................................................................. 22 3.1.1 Características principais do custo de capital de terceiros .................................................... 24 3.1.2 Cálculo do custo de capital de terceiros (Ki) ............................................................................... 25 3.2 Custo de capital próprio (Ke) ........................................................................................................... 27 3.2.1 Características do custo de capital próprio (Ke) ........................................................................ 28 3.2.2 Cálculo do custo de capital próprio (Ke) ....................................................................................... 29 4 CUSTO MÉDIO PONDERADO DE CAPITAL (WACC) ............................................................................ 32 4.1 Implicações do WACC no processo de avaliação de empresas .......................................... 34 Unidade II 5 PRINCIPAIS METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO DE EMPRESAS ........................................................ 39 5.1 Metodologia do valor presente líquido (VPL) ........................................................................... 39 5.2 Metodologia da TIR e do período payback ................................................................................ 43 5.2.1 Taxa interna de retorno (TIR) ............................................................................................................. 43 5.2.2 Período de payback ................................................................................................................................ 44 5.3 Metodologia das opções reais ......................................................................................................... 49 5.3.1 Mensuração do risco do projeto ...................................................................................................... 54 5.3.2 Utilização da opção real e seu impacto sobre o VPL e o risco ............................................. 55 6 PRINCIPAIS METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO DE EMPRESAS ........................................................ 56 6.1 Metodologia do valor patrimonial contábil e análise dos indicadores associados .............................................................................................................................. 57 6.1.1 Rentabilidade do patrimônio líquido (RPL) ................................................................................. 60 6.1.2 Retorno sobre o ativo (ROA) .............................................................................................................. 61 6.1.3 Retorno sobre o investimento (ROI) ............................................................................................... 62 6.1.4 Rotatividade das vendas (RVPL) ...................................................................................................... 64 6.1.5 Rotatividade do lucro operacional (RLOPL) ................................................................................. 65 6.1.6 Imobilização do patrimônio líquido (IPL) ...................................................................................... 65 6.1.7 Alavancagem (APL)................................................................................................................................. 67 6.1.8 Cobertura de juros com o patrimônio líquido (CJPL) ...............................................................69 6.1.9 Ebitda ou Lajida ....................................................................................................................................... 70 6.2 Metodologia do valor patrimonial de mercado ....................................................................... 72 6.3 Metodologia de capitalização dos lucros ................................................................................... 75 6.4 Metodologia do valor de liquidação............................................................................................. 77 6.5 Metodologia dos múltiplos de mercado ou de transações comparáveis ...................... 78 6.5.1 Índice preço/lucro (P/L) ......................................................................................................................... 79 6.5.2 Múltiplos de faturamento ................................................................................................................... 82 6.5.3 Múltiplos de lucros operacionais (Ebit) .......................................................................................... 83 6.5.4 Múltiplos de Ebitda ............................................................................................................................... 85 6.6 Modelo de desconto de dividendos (modelo de Gordon) .................................................... 86 6.7 Modelo dos fluxos de caixa descontados (FCD) ....................................................................... 88 Unidade III 7 METODOLOGIA DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO (FCD) ............................................................. 93 7.1 Estimativa e composição do fluxo de caixa disponível (ou livre) ..................................... 96 7.2 Estimativa e composição do fluxo de caixa disponível para a empresa ........................ 97 7.2.1 Depreciação e amortização ................................................................................................................ 98 7.2.2 Investimentos em capital fixo (Capex) ........................................................................................... 99 7.2.3 Variações de capital de giro..............................................................................................................100 7.3 Estimativa e composição do fluxo de caixa disponível para o acionista (FCDA) .................. 102 7.4 Taxa de desconto (taxa mínima de atratividade – TMA) ....................................................105 7.5 Valor da empresa na perpetuidade: taxa de crescimento e horizonte de tempo das projeções .................................................................................................................................106 7.6 Exemplo prático da metodologia do fluxo de caixa descontado ...................................109 8 EXEMPLO PRÁTICO DE AVALIAÇÃO DE EMPRESAS .........................................................................110 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina trata das metodologias de avaliação de empresas e busca capacitar o aluno a entender como calcular o valor da empresa utilizando as metodologias baseadas nos dados contábeis e no cálculo do valor presente líquido. Além disso, aborda os conhecimentos necessários para a elaboração de relatórios sobre o valor de mercado das empresas, oferecendo subsídios para as operações de combinação de negócios (fusões, aquisições, incorporações, cisões etc.). Assim, o objetivo da disciplina é auxiliar na compreensão da situação financeira da organização, com o intuito de promover informações aos tomadores de decisão quanto a sua avaliação. Espera-se, desse modo, capacitar os estudantes a adquirirem conhecimentos necessários para aplicar e analisar as principais metodologias de avaliação e os principais procedimentos relacionados, oferecendo os subsídios necessários para a determinação do valor da empresa em diferentes contextos e situações. Sua análise consiste, ainda, na interpretação de demonstrações financeiras e de outras técnicas que possibilitem a determinação do valor da empresa. INTRODUÇÃO No Brasil, assim como na maioria dos países, existem princípios e normas contábeis que definem quais relatórios contábeis são obrigatórios e de que forma eles devem ser desenvolvidos. Esse conjunto de relatórios obrigatórios é comumente chamado de demonstrações financeiras (ou demonstrações contábeis). No caso brasileiro, são definidos pela Lei n. 6.404/76, alterada pela Lei n. 11.638/07 para as sociedades anônimas (S.A.s), e pela Lei n. 10.406/02, no caso das sociedades por quotas de responsabilidade limitada (Ltdas). Lembramos que a Lei n. 11.638/07 estende sua obrigatoriedade com relação à escrituração e à elaboração de demonstrações financeiras, bem como a obrigatoriedade de auditoria independente para a figura das sociedades de grande porte. Ela também determina que: Considera-se de grande porte, para os fins exclusivos desta Lei, a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais) (BRASIL, 2007). Essas informações estão organizadas no esquema a seguir: 8 Balanço patrimonial Demonstrações do resultado do exercício Demonstração das mutações do patrimônio líquido Demonstração do fluxo de caixa Demonstração do valor adicionado Balanço patrimonial Demonstrações do resultado do exercício Demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados ou demonstrações das mutações do patrimônio líquido Sociedades por quotas de responsabilidade limitada (Lei n. 10.406/02) Sociedades anônimas (Lei n. 11.638/07) Demonstrações contábeis (obrigatórias) Figura 1 Dessa forma, a compreensão e a análise sobre a situação patrimonial, financeira e operacional de uma organização será de apoio fundamental para a identificação dos componentes que formam o seu valor e de como essa entidade proporciona a criação de valor. De maneira simples, o valor de uma empresa é de fundamental relevância para seus investidores, pois são eles que proporcionam o capital para investimento. Analisando a empresa sob esse aspecto, qual então deve ser o objetivo da empresa? Toda empresa surge do objetivo de seus investidores (sócios ou acionistas) de obterem rentabilidade pelos recursos que aplicaram no negócio. Nesse sentido, o objetivo da empresa é de gerar o maior retorno possível para seus investidores/acionistas, remunerando o capital investido. Se pensarmos nas grandes empresas, os proprietários de uma sociedade por ações (os acionistas) normalmente não são os seus administradores. Nesses casos, a definição clara do objetivo da empresa se torna ainda mais necessária, pois enfrentamos um dilema significativo entre os interesses de quem faz a gestão da empresa (administrador) e daqueles que são proprietários do capital investido (acionistas), já que estes podem ser conflitantes (Teoria da Agência). Assim, é bastante comum que se indique que o objetivo da empresa é maximizar o lucro, mas essa não é a melhor opção para a organização, segundo Gitman (2004), pelos seguintes motivos: • Distribuição no tempo: a geração de lucros, ou de lucros por ação, como medida alternativa não considera o valor do dinheiro no tempo (juros), ou mesmo o reinvestimento proporcionado quando ocorrerem maiores lucros no início da empresa. • Fluxos de caixa: os lucros não levam necessariamente a fluxos de caixa para os acionistas, isso porque os recebimentos por parte dos acionistas advêm da distribuição de dividendos, e um maior lucro não indica obrigatoriamente que a empresa irá distribuir maiores dividendos, pois essa decisão cabe ao Conselho de Administração. 9 • Risco: a maximização do lucro também desconsidera o risco, pois não há garantias de que os resultados (lucros) apresentados sejam efetivados. Isso ocorre desde a manipulação por gerenciamento de resultados nas organizaçõesaté a relação entre risco e retorno, em que um investidor irá desejar um maior retorno para aceitar maiores riscos. O gerenciamento de resultados caracteriza-se como a alteração proposital dos resultados contábeis, visando atender aos objetivos de manejar os lucros ou prejuízos da entidade. Apesar disso, é importante observar que o gerenciamento de resultados não é fraude contábil, pois opera dentro dos limites do que prescreve a legislação contábil, principalmente nos pontos em que as normas contábeis facultam certa discricionariedade, possibilitando escolhas contábeis (como classificação) não em função da realidade econômica, mas dos objetivos que se deseja (MARTINEZ, 2001). Nesse contexto, o objetivo principal da organização deve ser a maximização da riqueza de seus proprietários, em nome dos quais ela é gerida (GITMAN, 2004), e serve de base para a tomada de decisão. No curso normal de um negócio, ocorrem circunstâncias em que se faz necessária a estimativa total ou parcial de seu valor de mercado (SANTOS, 2008), entre elas: • compra ou venda; • partilha entre herdeiros; • determinação do valor das participações sociais; • fusão de duas ou mais companhias; • divisão (cisão) de uma sociedade em duas ou mais empresas; • privatização; • dissolução societária; • outras. Além das situações apresentadas, também existe a necessidade periódica da própria entidade de verificar se está atendendo ao seu objetivo maior, que é a geração de valor para os investidores. Por isso, nesta disciplina, abordaremos algumas das principais técnicas de avaliação de empresas, bem como sua aplicação em transações envolvendo combinações de negócios, uma vez que as metodologias que serão aqui apresentadas possuem como objetivo a determinação do valor do negócio, tendo a sua aplicação principal em aspectos da negociação empresarial. 10 11 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS Unidade I 1 INTRODUÇÃO À AVALIAÇÃO DE EMPRESAS Conforme visto até aqui, a avaliação de empresas tem por objetivo a determinação de uma estimativa sobre o valor do negócio, buscando uma mensuração confiável e coerente com a realidade da empresa avaliada. Para alcançar esse objetivo, podem ser utilizadas diversas metodologias (muitas vezes aplicadas em conjunto) para determinar o valor justo da empresa. A palavra valor possui uma certa subjetividade inerente a sua definição, o que faz com que seja possível determinar “valores” de referência diferentes para uma mesma empresa, dependendo do objetivo de quem a está avaliando e, consequentemente, da metodologia aplicada durante esse processo (ASSAF NETO, 2019). Podemos, então, dizer que existem metodologias e variáveis adequadas para o contexto de cada empresa analisada, devendo a técnica de avaliação ser escolhida com base em diversos fatores que compõem a realidade da companhia e do mercado no qual ela está inserida. Além disso, devem-se levar em consideração as informações disponíveis antes da determinação da metodologia mais adequada: nem sempre a ferramenta mais complexa é a melhor escolha quando não se é possível obter dados confiáveis para inserção no modelo. Neste livro-texto, iremos abordar de forma bastante detalhada cada uma das principais metodologias de avaliação de empresas existentes. No entanto, antes de nos aprofundarmos nas técnicas, é importante que entendamos a aplicação e a utilidade prática do que iremos aprender na sequência. Por isso, este tópico será voltado para a discussão dos objetivos e da utilidade do processo de avaliação das empresas para o mercado. 1.1 Conceituação de valor Por meio do processo de avaliação de empresas, buscamos identificar uma estimativa de valor para determinado negócio. Porém, antes de conhecermos as ferramentas disponíveis para se chegar ao valor de uma empresa, podemos nos deparar com o seguinte questionamento: O que é valor, afinal? Ou melhor, queremos identificar o valor de uma empresa para quem, exatamente? Essa pergunta se mostra bastante relevante e com implicações teóricas e práticas significativas na determinação do modelo de avaliação. Antes de discutirmos medidas de valor para um negócio, é importante que tenhamos em mente que valor é um conceito que envolve certo grau de subjetividade e depende de muitas variáveis, inclusive, do ponto de vista e dos interesses de quem está avaliando determinado ativo. Nas mais diversas metodologias que iremos aprender a seguir, vocês irão perceber que existem muitos critérios para se determinar o valor de um negócio, embora percebamos que alguns são mais 12 Unidade I utilizados e recomendados do que outros, de fato. A escolha de uma metodologia em detrimento de outra deve estar embasada na realidade do negócio e na disponibilidade de informações para se utilizar determinada ferramenta, sempre confrontando-se as vantagens e desvantagens de cada método. Quando tentamos encontrar o valor de um negócio, buscamos identificar o valor inerente à operação, que é representado pelas expectativas de desempenho futuro da empresa. Portanto, para que consigamos estabelecer uma delimitação sobre o conceito desse termo no decorrer desta disciplina, quando tratarmos da palavra valor no âmbito do processo de avaliação de empresas (ou valuation), estaremos nos referindo à expectativa de desempenho futuro de um negócio traduzida em termos monetários por meio da aplicação das técnicas que iremos aprender. Além disso, é válido ressaltar que, normalmente, o valor de uma empresa é calculado sob a ótica dos investidores/acionistas, sendo estes os usuários mais interessados nesse processo. Outra diferenciação importante que devemos trazer para o contexto de análise do valor de uma empresa é a dissociação entre os conceitos de lucro e valor no curto prazo. Como vimos no parágrafo anterior, o valor da empresa está embasado na expectativa de benefícios futuros que a empresa tem potencial de gerar, e não no seu desempenho presente, necessariamente. Por isso, é possível que encontremos empresas que não estão gerando lucro no presente, mas que possuem um alto valor de mercado, como é o caso de várias empresas na área de tecnologia ou daquelas que se encontram em processo de expansão, por exemplo (ASSAF NETO, 2019). Essas empresas, geralmente, sacrificam recursos no presente como uma forma de investimento, a fim de aumentar a riqueza criada pela companhia no futuro, e isso deve ser levado em consideração no momento da valoração do negócio. Muitas empresas, inclusive, conseguem aumentar o seu valor de mercado, mesmo em cenários com prejuízos contábeis, já que a ausência de lucros por determinado período pode ser compensada pela expectativa de um bom desempenho operacional futuro (ASSAF NETO, 2019). Entretanto, é importante ressaltar que, no longo prazo, a expectativa de lucro é muito importante, pois reflete o desempenho da companhia e a sua expectativa de continuidade operacional. Ainda, é preciso lembrar que o valor encontrado durante o processo de avaliação de um negócio é apenas uma estimativa (ASSAF NETO, 2019) e, na maioria das vezes, não refletirá o quanto um investidor está disposto a “pagar”, de fato, pelo negócio, podendo o valor desembolsado ser menor ou maior, dependendo do interesse e da perspectiva de ambos os lados da negociação. Nesse cenário, destacam-se os conceitos de compra vantajosa e de goodwill. No entanto, apesar de fornecer um valor estimado (e não exato) para o negócio, o resultado do processo de valuation é considerado um parâmetro essencial para se chegar ao valor da empresa durante uma negociação ou decisão de investimento, já que será utilizado como base para as tomadas de decisão que serão derivadas desse processo. Nem sempre o processo de avaliação tem o objetivo fornecer o valor como base para estruturar uma combinação de negócios (aquisição, venda, fusão etc.), como veremos na sequência, mas é utilizado em contextos de decisões bastante estruturadas e economicamente importantes, como determinarboas oportunidades de investimentos. 13 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS 1.2 Avaliação de empresas: aplicações práticas O valor de uma empresa está diretamente associado às decisões tomadas pela administração, que irão afetar a sua expectativa de geração de caixa futuro. Sendo assim, embora o objetivo principal do processo de avaliação de uma empresa esteja relacionado à identificação de um valor base do negócio para o mercado, existem outras utilidades para a própria empresa na identificação desse valor. Muitas vezes, as empresas buscam apurar o seu valor de mercado com frequência para saber se as decisões estratégicas e financeiras que vêm tomando estão resultando no aumento do valor de suas ações, por exemplo. A valoração das ações de uma companhia de capital aberto é um indicador de que a gestão da empresa tem gerado expectativas de desempenho positivas entre os seu principais stakeholders – os investidores –, também servindo, portanto, como um direcionador de eficiência da gestão para a empresa. Assim, podemos dizer que a avaliação de uma empresa está diretamente relacionada à gestão da companhia – é o que chamamos de gestão baseada em valor. Isso significa que a empresa toma decisões levando em consideração a expectativa de criação de valor para a companhia, o que só acontece quando o retorno dos seus investimentos (ROI) supera o custo do capital da empresa (WACC). Nesse caso, podemos dizer que a empresa gerou valor (gerou riqueza), pois conseguiu gerar retorno suficiente para remunerar as suas fontes de financiamento (capital de terceiros e capital próprio), como veremos na sequência (ASSAF NETO, 2019). Existem alguns direcionadores que podem ser utilizados para interferir positivamente no valor de um negócio. Basicamente, a empresa pode atuar em três frentes para aumentar a criação de valor do negócio e, consequentemente, o seu valor de mercado: operacional, de financiamento e de investimento (ASSAF NETO, 2019). As decisões operacionais visam melhorar as estratégias inerentes ao negócio principal da empresa, objetivando ganhar espaço no mercado, melhorar o seu fluxo de caixa e elevar a eficiência da sua operação (aumento de receitas e redução de gastos). Já as decisões de financiamento são voltadas a reduzir o custo de captação dos recursos pela companhia (“pagando” mais barato pelo capital investido, a sua margem de retorno se torna maior). Por fim, as decisões de investimento buscam agregar valor por meio de boas aplicações dos recursos captados, buscando o maior retorno possível em boas oportunidades de mercado (maior o retorno obtido, maior a margem de retorno gerada). O quadro a seguir, elaborado por Assaf Neto (2019), aborda com maiores detalhes os direcionadores de valor e as respectivas estratégias da empresa: 14 Unidade I Quadro 1 – Estratégias financeiras e direcionadores de valor Estratégias financeiras Objetivo estratégico Direcionadores de valor Operacionais Maximizar a eficiência das decisões operacionais, estabelecendo políticas de preços, compras, vendas e estoques etc., voltadas a criar valor Crescimento das vendas; prazos operacionais de cobrança e pagamentos; giro dos estoques; margem de lucro Financiamento Através das decisões de financiamento, procura-se minimizar o custo de capital da empresa, promovendo o incremento de seu valor de mercado Estrutura de capital; custo do capital próprio; custo do capital de terceiros; risco financeiro Investimento Implementar estratégias de investimento voltadas a agregar valor aos acionistas, através da obtenção de uma taxa de retorno maior que o custo de capital Investimento em capital de giro; investimento em capital fixo; oportunidades de investimentos; análise giro × margem; risco operacional Fonte: Assaf Neto (2019, p. 16). Assim, independentemente do objetivo da avaliação de uma empresa, podemos dizer que o resultado desse processo pode ser traduzido na expectativa de geração de benefícios econômicos futuros de um negócio, que resulta das decisões operacionais, de financiamento e de investimento tomadas pela administração. Assim, é possível perceber que a gestão interna dos recursos da empresa tem grande potencial para afetar diretamente o seu valor de mercado. Podemos dizer, então, que o objetivo principal da empresa é maximizar a sua criação de valor para os seus acionistas, o que, consequentemente, irá influenciar de forma positiva na maximização do valor do seu negócio, aumentando o valor justo da empresa. 1.3 Metodologias de avaliação de empresa: aplicações práticas Existem muitos motivos pelos quais o processo de avaliação de empresas (valuation) se torna necessário. A necessidade de se estimar o valor de mercado no negócio está presente por diversos motivos na vida de uma empresa: expansão de investimentos, busca por fontes de financiamento, aquisições de participações societárias, abertura de capital etc. Assim, a aplicação prática principal das ferramentas que vamos aprender na sequência pode estar associada à estimação do valor de uma empresa para fins de combinação de negócios (aquisição, incorporação, cisão, fusão), para determinação do valor justo das ações de uma companhia como técnica de análise de investimentos e, inclusive, para fins de abertura de capital (IPO) no mercado. Desse modo, saber o valor de uma empresa é importante para que se consiga identificar o potencial de desempenho futuro do negócio e, assim, conseguir fazer bons investimentos. De acordo com Damodaran (2018), o que caracteriza um bom investidor é a sua capacidade de ser capaz de identificar e de não pagar a mais por um investimento do que o seu “valor justo”. Para tanto, devemos conhecer os mecanismos que nos permitem avaliar antecipadamente o valor de determinado ativo antes de se concretizar uma operação de investimento. 15 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS Independentemente do tipo de operação ou do investimento em questão (imóveis, ações, títulos), saber avaliar determinado ativo é útil em qualquer etapa do processo de decisão e nos permite verificar oportunidades de negócio, identificando se uma classe de ativos está sub ou sobreavaliada pelo mercado. Dentro desse gigantesco universo de ferramentas de avaliação de empresas, temos, basicamente, duas grandes abordagens que podemos utilizar para identificar o valor de um investimento: valor intrínseco ou valor relativo (DAMODARAN, 2018). Entre os diversos modelos e técnicas que iremos aprender, no final das contas, todas podem ser classificadas nessas amplas abordagens de valuation propostas por Damodaran (2018). Quando nos referimos ao valor intrínseco de um ativo, estamos dizendo que o seu valor será determinado pelo potencial de geração de caixa futuro dessa opção de investimento, ou seja, quanto maior a expectativa de entradas líquidas de caixa que esse ativo pode gerar, mais os investidores estarão dispostos a pagar pela sua aquisição (DAMODARAN, 2018; ASSAF NETO, 2019). As técnicas que buscam encontrar o valor intrínseco de um ativo são muito utilizadas em transações que envolvem alta complexidade, como nas combinações de negócios, ao se tentar identificar o valor justo de uma empresa durante um processo de fusão, por exemplo. Por outro lado, muitos investimentos são realizados com base em uma análise relativa de preços de mercado, o que significa que o seu valor estará atrelado ao valor de ativos semelhantes. As técnicas de avaliação que se respaldam nessa abordagem podem ser utilizadas por falta de informações suficientes para se aplicar uma técnica mais robusta (capaz de encontrar o valor intrínseco de um ativo) ou, apenas, por uma questão de opção e de prática no mercado. É muito comum que esses modelos sejam aplicados em avaliação de imóveis e, até mesmo, para se determinar se uma ação está subavaliada ou sobreavaliada comparada às empresas concorrentes, por exemplo (DAMODARAN, 2018). Diversas são as aplicações práticas das metodologias de valuatione diversos são os fatores que influenciam nesse processo. Não existe uma única e melhor abordagem de avaliação no mercado, pois os objetivos e as necessidades podem ser diferentes. Além disso, elas podem (e devem) se complementar, auxiliando de forma muito mais efetiva no processo de avaliação de um ativo (DAMODARAN, 2018; ASSAF NETO, 2019). Como vimos anteriormente, a subjetividade é inerente ao conceito de valor e também pode ser afetada pelos vieses de investidores e analistas. Sendo assim, quanto mais parâmetros de valores estimados estiverem disponíveis para o investidor, melhor tenderá a ser a sua decisão. De forma semelhante, as metodologias de avaliação, sejam elas relacionadas a uma abordagem intrínseca ou relativa, são ferramentas utilizadas para se chegar ao valor estimado de um investimento e, portanto, devem ser úteis para cada caso específico. Além disso, existem fatores que afetam o intuito do processo de avaliação e, por isso, precisam ser levados em consideração antes da escolha do método em si, como as informações disponíveis para a empresa e a perspectiva sobre o futuro e a continuidade do negócio, por exemplo. 16 Unidade I Logo, se uma empresa precisa ser avaliada porque declarou falência e será dissolvida, a metodologia mais adequada para se determinar o seu valor não deve ser a mesma utilizada em uma perspectiva de continuidade operacional de outra companhia. Afinal, os objetivos e a forma como os ativos serão realizados no futuro são bastante diferentes nessas duas situações. Lembrem-se, sempre, de que o método de avaliação escolhido é o caminho para se chegar no valor da empresa e não a finalidade desse processo. O objetivo do processo todo é encontrar um montante que reflita com a maior fidedignidade possível o valor justo do investimento, seja ele uma empresa ou qualquer outra classe de ativos em questão. 1.4 Análise técnica (grafista) x Análise fundamentalista Além das diferentes abordagens que podem ser utilizadas no processo de avaliação, temos também perspectivas diferentes que podem afetar esse processo. É muito comum ouvirmos falar sobre o método que os analistas utilizam para avaliar as ações de uma empresa e fornecerem recomendações de compra ou venda desses papéis aos investidores. Você já deve ter ouvido falar em análise grafista e análise fundamentalista em algum momento, certo? Então, vamos entender melhor o que são essas duas técnicas. Quando dizemos que um determinado analista se baseia mais em análises técnicas (ou grafistas) para fazer as suas recomendações, significa que a sua decisão de investimento está embasada, prioritariamente, na análise dos preços históricos desses ativos no mercado, buscando identificar comportamentos recorrentes e, consequentemente, oportunidades de compra e venda de ações. Dessa forma, é muito comum nesse tipo de análise a utilização de dados históricos (gráficos) das empresas para tentar prever o seu comportamento futuro, por isso o nome de análise grafista. Esse grupo de analistas sustenta que o mercado apresenta comportamento cíclico e, consequentemente, tendências que se repetem ao longo dos anos. O objetivo principal, então, seria identificar antecipadamente essas tendências, aproveitando oportunidades de mercado. Por outro lado, quando nos referimos à técnica de análise fundamentalista, estamos dizendo que o analista estrutura a sua decisão com base na expectativa de rentabilidade e de desempenho futuro dessa empresa, buscando identificar o seu valor intrínseco por meio da aplicação de modelos e análise de informações contábeis da empresa. Para os defensores da análise fundamentalista, é muito comum a utilização de indicadores financeiros, estimativas de potencial de geração de fluxo de caixa futuro e uso de outras informações contábeis-financeiras para encontrar um parâmetro de valor para essa empresa. Desse modo, os analistas que formam essa “escola” tomam decisões baseando-se, prioritariamente, em fundamentos econômicos e financeiros da empresa e, por isso, a técnica é chamada de análise fundamentalista. De acordo com Damodaran (2018), os investidores chegam ao mercado com uma ampla variedade de filosofias de investimentos: uns se debruçam em gráficos de preços enquanto outros juram pela 17 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS análise fundamentalista que podem definir o valor justo da empresa com base na identificação da sua capacidade de geração de caixa no futuro. Ainda segundo Damodaran (2018, p. 5): [...] Saber avaliar ativos é útil para todos esses investidores, embora a participação desse recurso no processo varie de caso para caso. Os oportunistas de mercado podem usar as ferramentas de avaliação no começo do processo para determinar se um grupo ou uma classe de ativos (ações, títulos de dívida ou imóveis) está subavaliada ou sobreavaliada, enquanto os analistas fundamentalistas podem basear-se em avaliações de diferentes empresas para verificar que ações estão baratas ou caras. Mesmo os analistas técnicos podem recorrer a avaliações para detectar mudanças no momentum ou impulso, quando uma ação em trajetória ascendente muda de curso e começa a cair ou vice-versa. Assim, não importa sobre qual tipo de investidor ou analista estamos falando (técnico ou fundamentalista), pois as metodologias de avaliação de empresas que iremos abordar na sequência podem auxiliá-los em sua tomada de decisão em algum momento, nem que seja para validar uma expectativa de mercado ainda não fundamentada economicamente. 2 ESTIMATIVA DO CUSTO MÉDIO PONDERADO DE CAPITAL (WACC) Custo de capital é a taxa de desconto utilizada pelos investidores para trazer o valor presente os benefícios de caixa futuros esperados e, consequentemente, é o principal parâmetro utilizado pela empresa para determinar a taxa mínima de atratividade (TMA) para os seus investimentos (ASSAF NETO, 2019). A partir deste momento, iremos nos referir ao custo de capital da empresa por meio das seguintes nomenclaturas: custo médio ponderado de capital (CMPC) ou, então, weighted average cost of capital (WACC), sendo este último termo o mais comumente utilizado pelo mercado e, portanto, mais enfatizado no decorrer da disciplina. Como vimos no tópico anterior, o principal objetivo de uma empresa é criar valor para os seus investidores, e isso somente acontece quando a rentabilidade dos investimentos realizados pela empresa (medido pelo indicador ROI – retorno sobre os investimentos) supera o seu custo total de captação de recursos no mercado (medido pelo WACC). Essa medida de criação de valor pode ser traduzida em termos monetários por meio do cálculo do EVA, ou economic value added. A figura a seguir ilustra a análise que devemos fazer para identificarmos o mecanismo de criação de valor de uma empresa e a sua estrutura de financiamento, a qual é, basicamente, formada por recursos de terceiros e recursos próprios: 18 Unidade I Estrutura de capital (financiamento) Capital próprio Criação de valor Capital de terceiros Investim entos >ROI WACC Fluxo dos recursos na empresa Legenda: ROI = Retorno sobre o investimento WACC = Weighted average cost of capital ou custo médio ponderado de capital. Figura 2 – Processo de criação de valor Sabemos que os recursos aplicados na operação de uma empresa são provenientes das fontes de financiamento disponíveis para a entidade e que eles possuem custos que, em conjunto, irão determinar o custo de capital da empresa (WACC), ou seja, o seu custo de oportunidade. Sendo assim, é importante que você saiba, além de calcular essa variável, analisar as implicações do custo de capital para o contexto da avaliação de uma empresa, uma vez que essa variável será um indicador de quanto, no mínimo, a empresa deve exigir de retorno dos seus investimentos para remunerar as suas fontes de capital e, ainda, conseguir gerar valor. De acordo com Assaf Neto (2019), o custo de capital segue o risco do investimento. Assim, para investimentoscom maior risco, deve-se exigir um retorno mais elevado e vice-versa. Com base nessa relação teórica de risco e retorno, é importante que saibamos que o valor do WACC será afetado pelo custo de cada fonte de financiamento e, também, pela estrutura de capital da empresa (a forma como ela é financiada afeta o custo dos recursos). Por isso, o primeiro passo para se identificar o custo de capital de uma empresa é saber de onde vêm os recursos e quanto eles custam, individualmente, para a operação da companhia. Podemos, então, classificar as fontes de financiamento das empresas em dois grandes grupos: capital de terceiros e capital próprio. Assim, o custo de capital é obtido pela ponderação dos custos que envolvem a estrutura de financiamento da empresa: o custo do capital de terceiros, referente aos juros cobrados pelas dívidas onerosas mantidas pela empresa, e o custo de capital próprio, que representa a remuneração mínima exigida pelos investidores da empresa. O custo de capital total é, então, formado por uma média ponderada desses dois custos, considerando a representatividade de cada fonte de financiamento dentro da estrutura da empresa (ASSAF NETO, 2019). Nos próximos tópicos, iremos entender melhor como é formada a estrutura de capital de uma empresa e as suas implicações para o custo de capital total da companhia, além de aprender a identificar e a analisar o custo de capital de terceiros e o custo de capital próprio. Por fim, iremos aprender a calcular e a analisar o WACC da empresa e discutiremos um pouco da sua utilidade para o processo de avaliação de empresas. 19 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS Observação Os termos custo de capital, custo de oportunidade e taxa mínima de atratividade (TMA) são sinônimos e representam o mesmo conceito, significando o retorno mínimo esperado dos investimentos de uma empresa. 2.1 Estrutura de capital da empresa As teorias de finanças sobre estrutura de capital estudam a composição das fontes de financiamento de uma empresa e buscam encontrar a melhor relação entre passivos onerosos e capital próprio (P/PL), a qual chamamos de alavancagem, que contribui para o aumento do valor da empresa (ASSAF NETO, 2019). Podemos dizer que a empresa tem duas opções para a captação de recursos no mercado: capital próprio (acionistas) ou capital de terceiros (credores). Uma das principais decisões que deve ser tomada pela gestão de uma empresa está relacionada a como ela irá captar recursos no mercado para investir em sua operação. Qual é a melhor forma de financiamento para a empresa? Ou melhor, qual é a composição ideal das fontes de financiamento para a companhia? Essa escolha, embora pareça simples, não é trivial, pois acarreta implicações para a empresa em termos de risco financeiro, retorno para o acionista e custo de capital. Uma empresa pode escolher ser financiada, majoritariamente, por meio de recursos próprios (baixa alavancagem), ou então pode optar por apresentar uma elevada participação de capital de terceiros em seu balanço patrimonial (alta alavancagem). Na prática, o que se observa é uma mescla de recursos próprios e de terceiros na composição do capital de uma empresa, ponderando-se a sua estrutura de capital. Por diversos motivos, a representatividade de cada uma dessas fontes de financiamento varia de uma empresa para a outra e, até mesmo, de um setor para outro. A decisão sobre a composição ideal da estrutura de financiamento de uma empresa envolve uma série de fatores que serão estudados mais detalhadamente nos próximos tópicos. No entanto, é importante que saibamos que o objetivo da empresa deve ser criar uma estrutura de financiamento ideal para a sua operação. Assim, o que se espera encontrar é uma relação ótima entre recursos de terceiros e recursos próprios que consiga minimizar o custo total de capital da empresa (WACC) e, ao mesmo tempo, aumentar o seu valor econômico (ASSAF NETO, 2019). Existem infinitas possibilidades para a empresa no que se refere às decisões da composição de sua estrutura de capital. A busca pela composição ideal das fontes de financiamento nem sempre é algo fácil de ser alcançado, especialmente porque essa decisão irá depender da realidade de cada empresa. A figura a seguir ilustra três empresas com estruturas de financiamento bastante distintas: a primeira se 20 Unidade I mostra pouco alavancada; a segunda, muito alavancada; e a terceira, com uma composição igualitária de recursos próprios e de terceiros. Diferentes estruturas de capital: exemplos Legenda: CT = Capital de terceiros CP = Capital próprio 30% 50% 30% 70% 50% 70% 100% 100%100% CT CTCT CP CP CP Figura 3 Nesse processo de escolha da melhor composição das fontes de financiamento, existem algumas implicações que devem ser levadas em consideração. Quando a empresa opta por aumentar o seu endividamento, ou seja, aumentar a participação de capital de terceiros como fonte de financiamento, são esperados alguns efeitos positivos e negativos em sua operação (ASSAF NETO, 2019): • O custo de capital (WACC) tende a diminuir, uma vez que o custo do capital de terceiros é mais barato para a empresa do que o custo de capital próprio (explicaremos os motivos no próximo tópico). Isso é uma vantagem do uso desse tipo de recursos pela empresa. • O risco financeiro da empresa tende a aumentar, elevando o risco de falência, caso ela não consiga honrar as suas obrigações contratuais com os credores. Dessa forma, nota-se um aumento do custo de capital próprio, já que o risco de falência suportado pelo acionista também se intensifica diante do aumento do endividamento da empresa. Sendo assim, notamos que essa decisão gera uma vantagem e, ao mesmo tempo, uma desvantagem para a companhia. A opção por uma fonte mais barata tende a reduzir o seu custo de capital, mas, por outro lado, existe um aumento do risco financeiro, que pode elevar ainda mais o seu custo do capital próprio. Dessa forma, estamos diante de um trade-off relacionado ao uso de capital de terceiros pelas empresas: até que ponto o aumento do endividamento é vantajoso para a empresa? Em que momento ele deixa de ser uma boa opção de captação de recursos? O quadro a seguir demonstra a simulação do custo de capital de uma empresa após alterações em sua estrutura de capital (composição das fontes de financiamento): 21 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS Quadro 2 – Estrutura de capital x Custo de capital Alavancagem (P/PL) Custo de capital próprio (Ke) Custo do capital de terceiros após IR (Ki líq. IR) Custo de capital (WACC) 0% 13,50% 4,50% 13,50% 50% 16,00% 4,90% 12,30% 60% 16,50% 5,10% 12,20% 70% 17,00% 5,60% 12,30% 80% 17,50% 6,40% 12,60% 90% 18,00% 7,40% 13,00% 100% 18,50% 8,80% 13,70% 150% 21,00% 12,90% 16,10% Adaptado de: Assaf Neto (2019, p. 105). Por meio da análise do quadro, podemos perceber que o custo da dívida é sempre inferior ao custo do capital próprio. No entanto, ele aumenta significativamente à medida que o endividamento da empresa sofre uma elevação. Naturalmente, isso é explicado pelo aumento do risco da empresa, que faz com que os credores aumentem a taxa de juros cobrada. Por outro lado, nota-se que o custo de capital da empresa (WACC) sofre redução até o patamar de alavancagem de 60% e depois começa a subir novamente. Isso significa que a alavancagem ótima para essa empresa está entre 60% e 70%, pois, a partir desse patamar, o seu custo de capital começa a se elevar, mesmo com o aumento da participação do capital de terceiros em sua estrutura de financiamento (mais barato). Portanto, 60% seria o nível de alavancagem que minimizaria o custo de capital dessa empresa (WACC) e, consequentemente, maximizaria o seu valor econômico. A partir desse ponto, a alavancagem financeira passa a não ser mais atraente para a companhia, como mostra o gráfico a seguir: 150% P/PL Risco Financeiro100%70% 90%60% 80%50% 12,2% 13,5% WACC (%) P/ PL Ót im o Figura 4 – Estrutura ótima decapital 22 Unidade I Como vimos anteriormente, uma empresa gera valor econômico quando o retorno dos seus investimentos supera o seu custo de captação (custo de oportunidade da empresa). Portanto, quanto menor for o seu custo de capital (WACC), maior tenderá a ser a riqueza gerada pela empresa e, consequentemente, maior o seu valor de mercado. Assim, o objetivo de cada empresa ao determinar a sua estrutura ótima de capital é aumentar o valor econômico da empresa por meio do gerenciamento do custo de suas fontes de financiamento. Estudaremos os detalhes de cada uma delas a seguir. 3 CUSTOS DAS FONTES DE FINANCIAMENTO Como discutido anteriormente, a captação de recursos pelas empresas, seja por meio de capital próprio ou de terceiros, envolve custos que precisam ser corretamente mensurados para a eficácia da gestão financeira da companhia. A seguir, estudaremos cada uma das fontes de financiamentos e os seus respectivos custos, com o objetivo de detalhar os componentes de risco e retorno inseridos no contexto da estrutura de capital das empresas. 3.1 Custo de capital de terceiros (Ki) Uma das alternativas para a captação de recursos que uma empresa possui é a obtenção de empréstimos e financiamentos junto aos credores (instituições financeiras). A captação desses recursos pela empresa apresenta um custo, ao qual chamaremos de custo de capital de terceiros ou de custo da dívida, cuja sigla será representada por Ki a partir de agora. Basicamente, esse custo se refere à taxa de juros cobrada pelos credores que financiam a empresa. Sendo assim, trata-se do custo incorrido pela empresa devido à obtenção de passivos onerosos (empréstimos e financiamentos) e, inclusive, devido à emissão de debêntures (títulos de dívidas emitidos pela empresa). Quando o credor define a taxa de juros que será cobrada de uma empresa em determinada operação financeira, ele leva em consideração algumas variáveis econômicas e financeiras importantes. Além de algumas variáveis de mercado, o credor analisa a situação financeira da empresa, por meio de indicadores e informações contábeis, para definir o risco de crédito envolvido na operação. Segundo Assaf Neto (2019), podemos resumir a equação utilizada pelo mercado para determinar a taxa de juros cobrada de uma empresa por meio da seguinte função: Taxa nominal de juros = f (Rf + Inflação + Risco + Liquidez) Onde: • Rf: taxa livre de risco (normalmente, refletida pela Taxa Selic, no contexto brasileiro). • Inflação: prêmio exigido pela inflação esperada. 23 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS • Risco: prêmio exigido pelo risco de o devedor (a empresa) não pagar os juros e o principal da dívida (risco de crédito). • Liquidez: prêmio pela liquidez (postergação de consumo). Assim, percebemos que algumas variáveis de mercado afetam o custo da dívida para as empresas, como a Taxa Selic e a expectativa de inflação. No entanto, grande parte do risco embutido na taxa de juros definida pelos credores está associada ao risco de crédito apresentado pela empresa, ou seja, ao risco de ela não honrar com a sua obrigação de devolução do capital emprestado no futuro. O risco de crédito, ou risco de inadimplência, é definido pelo rating que a companhia apresenta no mercado. O rating de uma empresa está associado a uma classificação de crédito, que reflete a sua capacidade de pagamento da dívida no futuro. Geralmente, esse indicador é calculado pelos analistas financeiros dos bancos antes da definição da taxa de juros que será cobrada da empresa e do montante de crédito que será ofertado a ela. Quanto maior o rating da companhia, menor será a sua probabilidade de inadimplência e, consequentemente, menor tende a ser o custo da dívida (taxa de juros). Saiba mais Para o melhor entendimento da composição do rating de crédito das empresas e dos determinantes que norteiam essa classificação, sugere-se a leitura do seguinte artigo: BRITO, G. A. S.; ASSAF NETO, A. Modelo de classificação de risco de crédito de empresas. Revista Contabilidade & Finanças, v. 19, n. 46, p. 18-29, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1519-70772008000100003. Acesso em: 18 ago. 2020. É importante ressaltar que, no cálculo do rating das empresas, as informações contábeis e financeiras da companhia são muito importantes para o trabalho dos analistas de crédito. Eles calculam e analisam os indicadores econômico-financeiros das empresas para sustentar o risco de crédito atribuído a cada uma delas, o que refletirá diretamente em seu rating de crédito. Na próxima unidade, iremos abordar com mais detalhes alguns dos principais indicadores financeiros utilizados para a avaliação de empresas e retornaremos a esse assunto com mais profundidade. Observação Os conceitos de risco de crédito, risco de inadimplência e risco de default são sinônimos e se referem ao risco de o devedor não cumprir o compromisso de devolução do capital ao credor (principal + juros). 24 Unidade I 3.1.1 Características principais do custo de capital de terceiros A escolha de financiamento por meio do capital de terceiros possui algumas implicações para as empresas em termos de custo, risco e retorno (ASSAF NETO, 2019). Existem algumas características que são inerentes a esse tipo de financiamento e que, portanto, afetam diretamente o custo da dívida das empresas. A seguir, iremos apresentar essas características, destacadas por Assaf Neto (2019). Risco da empresa e dos projetos financiados O custo da dívida – ou seja, a taxa de juros cobrada pelos credores – está diretamente relacionado ao risco do devedor (empresa) ou do projeto em questão. Assim, quanto maior o risco da empresa (que, na maioria das vezes, está atrelado ao seu rating), maior será a taxa de juros exigida pelo capital emprestado. Risco financeiro da empresa (endividamento) A segunda variável que afeta o custo da dívida é o nível de endividamento da empresa. Quanto maior for a relação existente entre as dívidas e o capital próprio investido na empresa (alavancagem), maior será a percepção de risco financeiro, ou seja, a probabilidade de não pagamento da dívida. Dessa forma, maior será a taxa de juros cobrada pelos credores na concessão dos recursos, gerando um maior custo para a empresa. Observação Quanto maior o índice de alavancagem, maior a participação do capital de terceiros em relação ao capital próprio na estrutura de financiamento da empresa e, consequentemente, maior o seu risco financeiro. Benefício fiscal da dívida Esta talvez seja uma das características mais importantes da opção pelo financiamento por meio de capital de terceiros. Quando a empresa possui dívidas em sua estrutura de capital, esse passivo oneroso resulta em despesas financeiras (juros), que irão reduzir o lucro do período, mas também reduzir a base de cálculo dos tributos sobre o lucro (IRPJ e CSLL). O capital de terceiros (dívidas) possui benefícios tributários, uma vez que os juros são dedutíveis para fins de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica (lembre-se de que, no caso brasileiro, essa afirmativa é válida apenas para as empresas tributadas pelo lucro real); já o capital próprio não apresenta este benefício, pois o pagamento de dividendos aos acionistas não é dedutível tributariamente (ROSS; WESTERFIELD; JAFFE, 2002). Desta forma, a escolha pelo uso de capital de terceiros traz um benefício fiscal que se torna vantajoso para as empresas, fazendo com que elas tenham uma economia no pagamento de tributos, o que não é possível de ser obtido por meio do uso de capital próprio. 25 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS O custo do capital de terceiros é inferior ao custo do capital próprio O custo da captação de recursos está diretamente vinculado ao risco envolvido para a parte que está cedendo capital para a empresa. No caso dos credores, o seu maior risco está atrelado à possibilidade de inadimplência da empresa, ou seja, ao risco de crédito da operação. Além disso, em uma situaçãode descontinuidade da companhia, o credor tem preferência no recebimento dos recursos em relação aos acionistas, que são os últimos a receberem os seus recursos de volta (se ainda restar alguma parte para ser devolvida). Sendo assim, dizemos que os acionistas suportam um risco maior do que os credores na operação da empresa. Os acionistas são os “donos” da empresa, o que faz com que eles assumam, também, o risco do negócio (risco de falência). Por esse motivo, o custo de capital próprio tende a ser maior do que custo de capital de terceiros, pois investidores tendem a exigir um retorno pelo seu investimento superior ao que é exigido pelos credores (risco x retorno). O aumento da presença de capital de terceiros eleva o custo de capital próprio Apesar de a presença de capital de terceiros em sua estrutura de financiamento ser benéfica para a empresa, em função de o seu custo ser inferior e do benefício fiscal decorrente dessa operação, a presença de dívidas também tem uma implicação negativa para operação companhia. Quanto maior a presença de dívidas no balanço patrimonial de uma empresa, maior tende a ser o risco financeiro ao qual ela está submetida, devido ao comprometimento do seu fluxo de caixa futuro com o pagamento dos juros e do principal. Além disso, o acesso ao crédito no mercado se torna mais restrito à medida que a empresa eleva o seu nível de endividamento, justamente em decorrência do aumento do risco de inadimplência para o credor. Sendo assim, é plausível pensarmos que os investidores passarão a exigir um retorno maior pela aplicação dos seus recursos na empresa quando ela apresentar uma elevação no seu nível de endividamento, já que eles “arcam” com o risco de falência do negócio, que se eleva à medida que o seu fluxo de caixa fica mais comprometido com as dívidas no longo prazo. Nesse cenário, quanto maior o endividamento da empresa, maior tende a ser o custo do capital próprio, também. Lembrete O termo alavancagem se refere à utilização de recursos de terceiros na estrutura de capital da empresa, em vez de apenas capital próprio. Podemos medir a alavancagem financeira de uma empresa por meio da divisão do passivo oneroso (dívidas) pelo patrimônio líquido (P/PL). 3.1.2 Cálculo do custo de capital de terceiros (Ki) Embora a empresa possa se financiar apenas por recursos próprios, é comum que a administração escolha aderir a uma parcela de participação de recursos de terceiros em sua estrutura patrimonial. 26 Unidade I Ao buscar alavancar a sua operação, a empresa busca, também, alavancar a rentabilidade dos acionistas, já que o capital de terceiros apresenta um menor custo financeiro comparado ao custo do capital próprio. Conforme abordamos no tópico anterior, a presença de capital de terceiros traz alguns benefícios para a empresa; entre eles, o mais relevante é a economia de imposto de renda gerada pelo benefício fiscal da dívida. Dessa forma, devemos considerar essa economia tributária no cálculo do custo da dívida, uma vez que ela só irá existir se a empresa possuir empréstimos e financiamentos em sua estrutura patrimonial. Apesar de os juros pagos pela empresa representarem um custo para a sua operação, eles também representam uma redução do desembolso de caixa que iria ocorrer em função do pagamento de tributos para o governo. Simplificadamente, podemos dizer que o fato de a empresa pagar juros para o banco faz com que ela reduza o pagamento de tributos para o governo. Assim, devemos considerar o impacto positivo que esse benefício fiscal tem no custo da dívida, reduzindo o custo final do capital de terceiros para a empresa. Portanto, para calcularmos o custo do capital de terceiros (custo da dívida) após o benefício fiscal da dívida (Ki líquido de IR), utilizaremos a seguinte fórmula: Ki líquido de IR = Ki bruto x (1-IR) Onde: • Ki bruto: taxa de juros cobrada pelo credor. Pode ser obtida nas notas explicativas das demonstrações financeiras ou dividindo-se as despesas financeiras (juros) pelo total de passivo oneroso (dívidas) apresentado no passivo da empresa. • IR: alíquota do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Agora, vamos analisar um exemplo prático de aplicação dessa fórmula. Exemplo de aplicação Imagine que a taxa média de juros dos empréstimos e financiamentos de uma empresa seja de 10% (essa informação foi obtida por meio da nota explicativa). Considerando uma alíquota de IR de 34%, qual será o valor do custo da dívida líquido de imposto de renda apresentado pela empresa? Resolução: Ki líquido de IR = Ki bruto x (1-IR) Ki líquido de IR= 10% x (1-0,34) Ki líquido de IR = 6,6% 27 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS O Ki líquido de IR de 6,6% significa que o custo efetivo dos empréstimos e financiamentos para a empresa é inferior à taxa de juros que ela paga aos bancos. Isso acontece porque a companhia “paga” 10% de juros aos bancos, porém, economiza 3,4% em pagamento de tributos ao governo, em decorrência do benefício fiscal da dívida. É como se a redução da carga tributária proporcionada pelas despesas financeiras compensasse uma parte do custo da dívida adquirida, beneficiando a empresa financeiramente. Você deve ter percebido que, após considerar o benefício, o custo da dívida será sempre inferior à taxa de juros efetiva cobrada pelos credores. Trata-se de uma vantagem bastante importante e atrativa dessa fonte de financiamento. Ao optar por uma fonte de recursos mais barata do que o capital próprio, a empresa reduz o seu custo de capital (WACC) e, automaticamente, os retornos dos seus investimentos conseguem superar mais facilmente o custo de capital total da empresa (WACC), criando um retorno excedente, ou seja, gerando valor para a companhia. Dessa forma, sem desconsiderar o risco financeiro e o nível de endividamento da companhia, a opção pela captação de recursos no mercado de crédito pode ser vantajosa tanto para a operação da empresa quanto para os investidores, que serão beneficiados pelo aumento do valor da companhia. Atenção: pelo fato de a empresa obter um benefício tributário pela redução do pagamento de impostos, o custo do capital de terceiros, na prática, é inferior ao custo das dívidas em si. Por exemplo, se considerarmos uma alíquota de IR/CSLL de 34% (15% de Imposto de Renda mais 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido mais um adicional de 10% sobre o lucro excedente a R$ 240.000,00/ano no caso brasileiro, temos uma alíquota aproximada de 34%), então o custo do capital de terceiros será multiplicado por (1 – 0,34). Isso significa que o custo efetivo dos empréstimos e financiamentos realizados pela empresa é sempre inferior ao que é ofertado pelo banco. No entanto, é importante ressaltar que esse benefício tributário somente é válido para empresas que são tributadas pelo regime do lucro real. 3.2 Custo de capital próprio (Ke) Uma empresa pode optar por financiar a sua operação por meio de recursos próprios ou de terceiros. A opção pelo uso de recursos de terceiros está vinculada, basicamente, aos empréstimos e financiamentos realizados pela empresa, como vimos no tópico anterior. Já o financiamento por meio de recursos próprios pode ser proveniente do aporte de recursos dos sócios, da emissão de ações no mercado (IPO) e, até mesmo, da retenção de lucros do período. Assim como os credores exigem uma taxa de juros para aplicar o seu dinheiro na empresa, os acionistas também exigem um retorno mínimo pelo seu investimento, o qual denominamos custo de capital próprio, cuja sigla que será utilizada a partir de agora é Ke. No entanto, diferentemente do cálculo do custo da dívida (Ki), o cálculo do custo de capital próprio apresenta uma maior subjetividade e complexidade envolvida. Para calcular essa variável, iremos aprender a aplicar um dos modelos mais conhecidos em finanças para apuração do custo de oportunidade dos acionistas, conhecido como CAPM, ou Capital Asset Pricing Model. Omodelo e as variáveis serão apresentados no próximo tópico. 28 Unidade I 3.2.1 Características do custo de capital próprio (Ke) De forma simplificada, podemos dizer que o custo do capital próprio representa o custo de oportunidade dos acionistas/investidores da empresa, ou seja, trata-se do retorno mínimo exigido por eles para viabilizar a aplicação dos seus recursos no negócio em vez de aplicar o seu dinheiro em qualquer outro tipo de investimento (DAMODARAN, 2018). Como visto nos tópicos anteriores, o acionista assume um risco maior do que o credor ao aplicar os seus recursos na empresa e se tornar “dono” de parte do negócio e, portanto, exige, também, um retorno maior comparado ao que é exigido pelos credores. Assim, dizemos que o financiamento por meio de recursos próprios apresenta um maior custo financeiro para a empresa, se comparado aos recursos provenientes de terceiros, o que incentiva as empresas a optarem pela participação de capital de terceiros em sua estrutura de financiamento, em vez de apenas se financiarem por meio de recursos próprios (mais caro). Apesar do maior custo financeiro para a empresa, é importante ressaltar que a presença de capital próprio também é importante para a empresa, pois é um indicador de “segurança” para o mercado. Ao contrário do financiamento por meio de recursos de terceiros, que exerce uma pressão direta sobre o caixa da empresa, os recursos provenientes de capital próprio não estão atrelados a um desembolso de caixa, caso a empresa esteja em uma situação de desempenho indesejável. De modo mais simples, independentemente de a empresa apresentar lucro no período, as parcelas decorrentes de empréstimos e financiamentos precisam ser pagas aos credores, periodicamente. Por outro lado, se a empresa não gera lucro, ela não precisa distribuir dividendos aos seus acionistas, já que eles assumem o risco do negócio ao investirem o seu capital na operação. Outra análise importante que merece destaque é o limite da participação do capital de terceiros na empresa. Apesar de o custo de capital de terceiros ser menor, o que torna o aumento da sua alavancagem vantajoso para a empresa, isso ocorre até certo ponto. Em determinado momento, se o endividamento (dívidas/capital próprio) da companhia for excessivo sob a ótica do mercado, ocorre um aumento do custo de capital próprio (devido ao aumento do risco de falência) e, também, uma elevação significativa do próprio custo de capital de terceiros, já que os credores irão incorporar o aumento do risco de inadimplência na taxa de juros ofertada (ASSAF NETO, 2019). Além disso, em determinado momento, os credores poderão deixar de ofertar crédito para essa empresa, já que o risco financeiro se torna tão elevado que a operação deixa de ser vantajosa para o banco, também. Nesse momento, percebemos que a alavancagem financeira da empresa, ao invés de ajudá-la, está afetando negativamente o seu custo de capital (WACC) e a sua operação, tornando-se uma alavancagem financeira negativa. Apesar de mais custosos para a entidade, os recursos próprios apresentam um papel importante na sustentação da operação da empresa, em termos de fôlego financeiro e de redução do risco de crédito perante o mercado. Por isso, o ideal é que a empresa encontre uma estrutura de financiamento ótima para a sua estrutura patrimonial, ponderando a participação de recursos próprios e de terceiros de modo 29 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS que, ao mesmo tempo, minimize o custo de capital total da empresa (WACC) e forneça uma imagem de segurança e solidez financeira ao mercado. Devemos sempre nos lembrar de que, quando a empresa está em uma situação financeira favorável, ela tende a se beneficiar com a utilização de capital de terceiros em seu balanço patrimonial, já que possui capacidade financeira e fôlego para honrar as suas obrigações com os credores. No entanto, diante de situações financeiras desfavoráveis, a mesma “alavancagem” que pode impulsionar a operação da empresa e o retorno dos acionistas pode fazer com que ela passe por maiores dificuldades financeiras, devido à falta de fôlego financeiro no caixa para poder arcar com o pagamento das dívidas existentes. Essa análise deve ser feita de forma cuidadosa pela empresa durante as suas decisões de financiamento, sempre buscando um equilíbrio entre ambas as fontes de recursos (próprio e de terceiros). Esse equilíbrio, no entanto, deve ser encontrado de forma particular para cada empresa, levando-se em consideração a realidade econômica e financeira de cada entidade. 3.2.2 Cálculo do custo de capital próprio (Ke) De acordo com Assaf Neto (2019, p. 72), “o custo de capital próprio (Ke) é uma medida implícita que revela as expectativas de retorno dos recursos próprios investidos na empresa, calculada com base em taxas de juros de mercado e no risco”. Por isso, trata-se de uma variável mais difícil de ser calculada do que a taxa de juros cobrada pelos bancos, por exemplo. O custo de capital próprio pode ser entendido como a taxa mínima de retorno exigida pelo investidor para que viabilize a aplicação do seu capital na empresa, ou seja, é a taxa de desconto que cobre o custo de oportunidade do investidor (ASSAF NETO, 2019). Dada a subjetividade inerente a essa taxa, já que poderíamos pensar que cada acionista tem uma expectativa sobre a remuneração mínima que espera obter ao realizar um investimento, precisamos encontrar um parâmetro que reflita, em média, qual é o retorno mínimo que deveria ser esperado pelos acionistas que aplicam os seus recursos em determinada empresa, considerando o nível de risco inerente a esse negócio. Para encontrar essa estimativa para o custo de capital próprio da empresa, iremos aprender a aplicar e a utilizar o modelo Capital Asset Pricing Model (CAPM), um dos mais utilizados para a determinação dessa variável pelo mercado. De acordo com esse modelo, a fórmula para encontrar o custo do capital próprio (Ke) é a seguinte: Ke = Rf + β (Rm – Rf) Onde: • Rf: taxa de juros livre de risco (no Brasil, é comum utilizarmos a taxa básica de juros da economia, a Taxa Selic). • β: Beta (mede o risco da empresa em relação ao risco sistemático do mercado). • Rm: retorno médio da carteira de mercado (no Brasil, pode ser representado pelo Índice Ibovespa). 30 Unidade I Basicamente, essa fórmula precifica o retorno esperado pelo investidor tendo como ponto de partida uma taxa livre de risco (Rf), ou seja, o mínimo de retorno que um acionista teria se escolhesse aplicar o seu dinheiro em um investimento livre de risco (títulos públicos do governo). No Brasil, utilizamos a Taxa Selic como referência, já que seria uma aproximação do retorno obtido pelos investidores ao aplicar recursos em títulos públicos federais (títulos do governo, praticamente sem risco para o investidor). No entanto, sabemos que aplicar recursos em uma empresa envolve riscos e, por isso, é esperado que o acionista queira obter um retorno maior do que se não corresse nenhum risco em seu investimento. Assim, o segundo passo para encontrar o custo do capital próprio é identificar o retorno médio obtido pelo mercado no qual ele está investindo o seu capital, já que se espera que ele pretenda obter o mesmo retorno de alguém que investe nesse mercado, pelo menos. Normalmente, no Brasil, utilizamos como referência o retorno da carteira de mercado da bolsa, medido com base nos dados históricos do Índice Ibovespa. Se observarmos na fórmula, o termo (Rm – Rf) reflete o “prêmio pelo risco de mercado”, ou seja, o quanto o investidor espera “ganhar” acima da taxa livre de risco pelo fato de estar investindo em um ativo (empresa) que apresenta riscos. Por fim, temos que identificar o Beta dessa empresa, ou seja, o quanto ela é mais ou menos arriscada em relação ao mercado do qual ela faz parte – no caso, devemos analisar o seu risco em relação ao das empresas que compõem o Índice Ibovespa. Se a empresa em questão for tão arriscadaquanto a média das empresas do mercado, significa que ela irá apresentar um β = 1. Caso ela seja menos arriscada do que a média das empresas do mercado, o seu β será inferior a 1, e caso ela seja mais arriscada do que a média das empresas do mercado, o seu β será superior a 1. Dessa forma, como o Beta multiplica o prêmio pelo risco, significa que quanto maior o Beta da empresa, maior será o retorno exigido pelo investidor, e vice-versa. Ao reunirmos todas essas variáveis no modelo, percebemos que o investidor espera receber uma remuneração mínima que está baseada na rentabilidade média de mercado, no risco da empresa em relação ao mercado e na taxa livre de risco da economia. Todas essas variáveis são afetadas por questões econômicas e financeiras e, portanto, não dependem somente do desempenho da empresa, mas do seu desempenho e risco em relação ao desempenho e risco do mercado. Percebe-se, então, que se trata de uma taxa comparativa e relativa, que traduz o conceito de custo de oportunidade do capital próprio. Mas qual é a taxa mínima que esse investimento precisa gerar de retorno para que o acionista prefira realizá-lo em detrimento de outro? Agora, vamos a um exemplo prático. Exemplo de aplicação Imagine que a empresa Alfa apresente um risco 20% maior do que o risco sistemático da carteira de mercado e que o retorno da carteira de mercado seja igual a 15,5%. Admitindo-se uma taxa livre de risco de 3%, qual é a expectativa mínima de retorno exigido pelo acionista da empresa Alfa? 31 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS Resolução: Ke = Rf + B (Rm – Rf) Ke = 3% + 1,2 (15,5% - 3%) Ke = 18% O custo do capital próprio (Ke) de 18% representa o retorno mínimo que o investidor espera obter para remunerar o risco de investir o seu dinheiro nessa empresa. Seria equivalente a pensarmos que o investidor espera receber como remuneração 3% (taxa de juros livre de risco) mais um prêmio pelo risco de 15% para investir nessa empresa, o que resulta em uma remuneração total do seu capital de 18%, que é o seu custo de oportunidade. Percebe-se, ainda, que o retorno exigido pelo acionista é superior ao retorno da carteira de mercado. Isso acontece pois a empresa Alfa apresenta maior risco do que o mercado, justificando a maior expectativa de retorno do investidor: maior risco, maior expectativa de retorno. Lembre-se de que o investimento em uma empresa de maior risco só é justificado por uma expectativa maior de retorno como consequência. Saiba mais O Instituto Assaf divulga o custo do capital próprio (Ke) médio dos setores no Brasil, calculado com base no modelo CAPM, por meio do seguinte endereço eletrônico: https://institutoassaf.com.br/ Sugere-se uma análise detalhada do custo de oportunidade de cada setor. Risco sistemático x Risco não sistemático Em finanças, segregamos os riscos em dois tipos: sistemáticos (não diversificáveis) e não sistemáticos (diversificáveis). Os riscos não sistemáticos são aqueles inerentes e específicos do próprio ativo, não se alastrando para o restante dos investimentos da carteira, e, portanto, podem ser mitigados por meio da diversificação de portfólio (ASSAF NETO, 2003). Um exemplo de risco não sistemático é o risco cambial (oscilação do dólar), pois ele só existe se você possuir investimentos atrelados a operações em moeda estrangeira, por exemplo. 32 Unidade I Por outro lado, existe outro tipo de risco chamado de sistemático. Esse tipo de risco não pode ser eliminado por meio da diversificação, pois ele afeta o mercado (sistema econômico) como um todo, e não apenas empresas específicas (ASSAF NETO, 2003). Um exemplo de risco sistemático é uma crise política ou econômica. Observação O Beta mensura o risco da empresa em relação ao risco sistemático do mercado (ASSAF NETO, 2003). Quanto maior o risco sistemático (Beta) da empresa, maior será o retorno exigido pelo acionista (Ke). 4 CUSTO MÉDIO PONDERADO DE CAPITAL (WACC) O custo total de capital ou custo médio ponderado de capital (WACC) é a taxa de desconto que pondera o custo de todas as fontes de financiamento da empresa (credores e acionistas) e, portanto, deve incluir o retorno mínimo requerido por cada uma dessas fontes. Assim, o WACC é utilizado como taxa mínima de atratividade da empresa para avaliar o retorno e a viabilidade dos seus investimentos. Um investimento só é viável e atrativo quando o seu retorno supera o custo de oportunidade do negócio, ou seja, quando a remuneração obtida é superior ao custo das fontes de financiamento (ASSAF NETO, 2019). De forma simplificada, o cálculo do WACC envolve encontrar a média dos custos das fontes de financiamento da empresa, ponderados pela participação de cada um desses recursos em sua estrutura de capital. A fórmula do custo total de capital da empresa é apresentada a seguir: WACC = Ke x % Capital próprio + Ki x % Capital de terceiros x (1 - IR) Onde: • Ke: custo do capital próprio, que representa a taxa de retorno exigida por investidores. • Ki: custo do capital de terceiros (custo da dívida), que mensura o custo de empréstimo atual, ajustado para os benefícios tributários do empréstimo. • IR: alíquota do Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (normalmente, usamos 34%). % capital próprio = Patrimônio líquido + Passivo* Patrimônio líquido x 100 % capital terceiros = Patrimônio líquido + Passivo* Passivo* x 100 *Passivo = Dívidas ou passivo oneroso: considerar apenas os passivos com juros da empresa (empréstimos e financiamentos). Agora, vamos colocar o que aprendemos em prática para calcular o WACC de uma empresa. 33 AVALIAÇÃO DE EMPRESAS Exemplo de aplicação Considere uma empresa que apresente uma alavancagem (P/PL) igual a 60%. O custo de capital próprio (Ke), calculado com base no modelo do CAPM, é igual a 18%, e o custo de capital de terceiros (Ki), antes do benefício fiscal da dívida, é de 12%. A empresa é tributada com uma alíquota de IR/CSLL de 34%. Para calcular o WACC, primeiramente, precisamos identificar o peso de cada fonte de financiamento dentro da estrutura de capital da empresa. Como a alavancagem (P/PL) é de 60%, poderíamos simular a seguinte estrutura de capital: Essa estrutura de capital reflete a alavancagem do enunciado (P/PL) = 60/100 = 0,6 ou 60% $ 160 $ 60 $ 100 Figura 5 % capital próprio = 160 100 x 100 = 62,5% % capital terceiros = 160 60 x 100 = 37,5% Assim, verificamos que 37,5% dos recursos da empresa são provenientes de capital de terceiros, enquanto 62,5% são provenientes de capital próprio. Na sequência, precisamos ponderar os custos de capital (terceiros e próprio) pelas suas participações para encontrar o custo de capital da empresa da seguinte forma: WACC = (18% × 0,625) + [12,0% × (1 – 0,34) × 0,375] WACC = 11,25% + 2,97% WACC = 14,22% Assim, encontramos que o WACC da empresa é de 14,22%, ou seja, para que a operação da empresa tenha viabilidade econômica, é preciso que gere retorno igual ou superior a 14,22%, o que permitirá a remuneração das suas fontes de financiamento. Qualquer retorno gerado pela empresa acima dessa taxa de desconto (retorno excedente) resultará em geração de valor econômico para a empresa. 34 Unidade I 4.1 Implicações do WACC no processo de avaliação de empresas De acordo com Assaf Neto (2019, p. 109), A preocupação básica na definição do WACC é selecionar uma estrutura de capital que combine recursos próprios e recursos de terceiros, capaz de produzir um custo total de capital (WACC) mais baixo possível. Nessa estrutura de custo mínimo de capital espera-se que os custos de dificuldades financeiras sejam plenamente compensados pelo benefício fiscal do capital de terceiros, e o valor da empresa seja maximizado. Assim, como discutimos nos tópicos anteriores, no processo de buscar o custo de capital ideal para a estrutura de financiamento da empresa, ela precisa tomar algumas decisões importantes, sendo a principal
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