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UNIDADE I DO REGISTRO DOS IMÓVEIS LEGISLAÇÃO APLICADA AO GEORREFERENCIAMENTO DE IMÓVEIS RURAIS Elaboração Márcio Felisberto Revisão Tatiana Reinehr Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................4 UNIDADE I DO REGISTRO DOS IMÓVEIS .............................................................................................................................................................9 CAPÍTULO 1 REGISTRO DA PROPRIEDADE IMÓVEL NO BRASIL ........................................................................................................... 9 CAPÍTULO 2 LEGISLAÇÕES REFERENTES AO REGISTRO PÚBLICO .................................................................................................... 20 CAPÍTULO 3 A GRILAGEM DE TERRA E A QUESTÃO CARTORIAL ....................................................................................................... 30 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................43 INTRODUÇÃO O serviço notarial e registral é aquele prestado, administrativamente, pelos notários e registradores, e tem por objetivo dotar os atos jurídicos de publicidade, autenticidade, segurança e eficácia. É, portanto, o registro imobiliário que torna pública a aquisição de imóveis, bem como qualquer outra transação que incida sobre esse imóvel, como a sua oneração com uma hipoteca ou um penhor, ou mesmo com a constituição do direito de superfície, ou qualquer outro direito real, gerando um rastro de todas as transações em torno do imóvel, que se conhece por cadeia sucessória do imóvel1. Sobre o assunto, Tibães (2015) ressalta o relevante papel dos registros notariais por meio do trabalho dos notários, “agentes públicos responsáveis por escrever, transcrever e conservar documentos privados que se originavam das transações comerciais que precisavam ser adaptados em um documento público para comprovar sua autenticidade e valor probante” (2015, p. 14). Observa-se que a finalidade essencial dos registros públicos é trazer segurança para os negócios do mercado imobiliário; no entanto, pode-se apontar também o importante papel de auxiliar na fiscalização de diversos outros ramos do direito, como civil (regularização da posse), tributário (base de cálculo para o Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana – IPTU ou o Imposto sobre a propriedade Territorial Rural – ITR), urbanístico (fiscalização do cumprimento da função social da propriedade urbana), entre outros. Foi a partir do advento da Lei Federal n. 6.015/1973, conhecida como a Lei dos Registros Públicos, que se fixou o sistema matricial para o registro de imóveis. Isto é, definiu-se que cada imóvel deve possuir uma única matrícula, “na qual se concentra[m] a especialização do bem, a cadeia contínua de atos que envolvam o imóvel e a qualificação de todos os sujeitos que fazem parte de sua cadeia dominial” (OLIVEIRA, 2019, p. 211). Matrícula corresponde ao ato de: inserir em uma folha, pela primeira vez, dados relativos a um único imóvel, a qual, a partir de então, será destinada ao registro de todas as mudanças jurídicas experimentadas diretamente pelo 1 Trata-se de certidão que contém o histórico do imóvel, isto é, toda a sequência cronológica e legitimidade de todas as transmissões de propriedade ocorridas sobre um mesmo imóvel, que vai desde o atual proprietário até a origem da titulação (o primeiro titular, geralmente o Poder Público: Estado, União etc.) (TIBÃES, 2015. p. 14). imóvel ou que lhe influenciem; [...] é a folha em que determinado imóvel foi matriculado, contendo suas sucessivas modificações jurídicas e seu estado atual (JACOPETTI, 2020, p. 42). Mesmo com o sistema matricial, nota-se que a estrutura fundiária no Brasil foi se formando e se caracterizando pela inconsistência dos elementos técnicos definidores do contorno da unidade territorial. Com efeito, observa-se a ausência de rigor no encaixe da medição na geometria das propriedades vizinhas, o que acaba por gerar um registro do memorial descritivo nos serviços de registro de imóveis, por vezes, frágil, inconsistente e incoerente. Esse cenário resulta, na prática, em uma série de problemas na administração da posse, destacando-se a ocupação irregular pelos chamados “posseiros”. A precariedade de sua posse os impede de exercer atos formais perante órgãos públicos e instituições financeiras ou de assistência técnica, dificultando a concretização da função social da terra, e, até mesmo, prejudicando a geração de riqueza para o próprio país. Isso, porque a correta utilização econômica da terra e na sua justa distribuição, de modo a atender ao bem-estar da coletividade (atendimento da função social), interfere, diretamente, na produtividade e na promoção da justiça social (ARAÚJO, 1999, p. 29). Destaca-se que, no âmbito fundiário, a CF/1988 estabelece que: Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (BRASIL, 1988). A fim de viabilizar o cumprimento de todas essas exigências, sobretudo o aproveitamento racional adequado e a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis na propriedade rural, surgem importantes instrumentos de promoção do ordenamento territorial, com destaque para a regularização fundiária, o recadastramento dos imóveis rurais e o registro público administrativo. Nesse sentido, destacam-se as seguintes inovações introduzidas pela Lei n. 10.267/2001: » institui-se o cadastro nacional de imóveis rurais (CNIR), a partir do registro de um código único de identificação de cada imóvel, que corresponde à chave de uma base de dados destinada a agrupar as informações de todos os imóveis rurais do território nacional; » essa base de dados única, gerenciada conjuntamente pelo Incra e pela Receita Federal, será produzida pelas diversas instituições públicas federais e estaduais produtoras e usuárias de informações sobre o meio rural e compartilhadas entre as instituições participantes, sendo uma delas os Cartórios de Registros de Imóveis; » para a efetivação do registro, torna-se obrigatória, por parte do proprietário, a apresentação de memorial descritivo e planta georreferenciada do imóvel, sendo que estão isentos dos custos dos trabalhos técnicos os imóveis que não excedam a quatro módulos fiscais; » a identificação do imóvel rural passa a ser feita com indicação do código do imóvel, dos dados constantes do certificado de cadastro de imóvel rural (CCIR), da denominação e de suas características, confrontações, localização e área; » as escrituras dos imóveis rurais devem fazer menção obrigatória dos seguintes dados do CCIR: código do imóvel, nome e nacionalidade do detentor, denominação e localização do imóvel2; » em caso de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação “será obtida a partir de memorial descritivo contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo Incra”3; » essa identificação torna-se obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural. Antes das alterações promovidas pela referida lei federal, para o registro de um imóvel ou de uma unidade territorial (lote, gleba ou parcela) nos registros públicos, exigia-selevantamento técnico, em que o contorno da unidade territorial era descrito por azimutes e distâncias entre dois pontos, não havendo rigor no encaixe da medição na geometria das propriedades vizinhas, o que acabava por gerar inconsistência das medições com possibilidades de múltiplas definições 2 Com essa interligação, tem-se pela primeira vez a segurança da identidade do imóvel entre os dois registros (o cadastro e o registro de imóveis). 3 Garante-se a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área corresponda, no máximo, a quatro módulos fiscais (BRASIL, 2001). de cada ponto limite entre duas propriedades. Isso correspondia à total afronta ao princípio da especialidade, o qual estabelece que tanto o objeto do negócio (o imóvel) como os contratantes devem estar perfeitamente determinados, identificados e particularizados, para que o registro reflita com exatidão o fato jurídico que o originou. Destaca-se ainda que, anteriormente, os Serviços de Registros de Imóveis não eram obrigados a informar ao governo as alterações ocorridas nas matrículas imobiliárias decorrentes de mudanças de titularidades, parcelamento, desmembramento etc. Isso causava um descompasso entre as informações constantes dos Serviços de Registros de Imóveis e aquelas constantes do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR). E mais, a ausência de unicidade de informações e o não compartilhamento delas aliados a um sistema registral ainda embasado em processos analógicos, portanto, não digitais, facilitavam sobremaneira a ocorrência de fraudes envolvendo muitas vezes o patrimônio público. Além disso, inviabilizavam a implantação de políticas eficientes de gestão territorial, diante do desconhecimento das reais dimensões dos imóveis distribuídos no território brasileiro. No entanto, reconhece-se que, a partir da Nova Lei de Registro Públicos, Lei n. 10.267, ocorreram grandes avanços na área fundiária brasileira, com destaque para a obrigatoriedade de o serviço de registro de imóveis repassar ao Incra todas as alterações ocorridas nas matrículas imobiliárias. A exigência da especialidade passa a ser atendida de uma forma que lhe confere qualidade. Isso, porque as informações de rumos/azimutes e distâncias não podem mais ser utilizadas para a descrição imobiliária, mas sim as coordenadas georreferenciadas. De acordo com Philips (2002), essa simples mudança traz uma série de vantagens: » melhora a identificação do imóvel; » descobre a sobreposição de títulos; » evita ou dificulta fraudes de dupla titulação; » possibilita o referenciamento entre registros e mapas cadastrais, » facilita a interligação dos dados Registrados com outros registros territoriais. Dessa forma, o cadastro de bens imobiliários tem como finalidade a documentação e a segurança legal à integridade geométrica da propriedade imobiliária. Consequentemente, o cadastro complementa o Registro Imóveis, proporcionando segurança jurídica aos direitos de propriedade territorial (PHILIPS, 2002). Paralelamente, a Lei n. 10.931/2004, por meio de seu artigo 59, promoveu alterações nos artigos 212 e 213 da Lei n. 6.015/1973, e, com isso, veio a regulamentar definitivamente a alteração dos registros imobiliários de forma administrativa, inclusive em perímetros urbanos, contribuindo sobremaneira com a celeridade nos processos de regularização fundiária e ordenamento territorial. Diante dessas alterações legislativas, pode-se observar os esforços do poder público no sentido de promover uma gestão territorial mais coerente e eficaz a partir do conhecimento dos seus limites e configurações, mas, sobretudo, a partir do conhecimento da situação ocupacional dos imóveis que integram a estrutura fundiária nacional. Objetivos » Compreender o reordenamento da estrutura fundiária nacional. » Analisar as inconsistências existentes nos serviços de registro de imóveis e no Cadastro Rural Brasileiro. » Compreender a importância do reordenamento fundiário a partir do georreferenciamento dos imóveis rurais. 9 UNIDADE IDO REGISTRO DOS IMÓVEIS CAPÍTULO 1 REGISTRO DA PROPRIEDADE IMÓVEL NO BRASIL O serviço notarial e registral tem por objetivo dotar os atos jurídicos de publicidade, autenticidade, segurança e eficácia. Há basicamente quatro tipos de sistemas registrais no mundo: » o francês, de cadastro, que confere eficácia plena e real às transações imobiliárias; » o norte-americano, record system, ou de arquivo das informações, marcado pela ocorrência de contradição entre títulos e pela presença de companhias seguradoras para compensar esse risco; » o alemão, da eficácia definitiva a partir do momento do registro, gerando a presunção absoluta e inquestionável do teor do ato efetivado; » o brasileiro, da eficácia definitiva a partir do momento do registro, portanto, a qualquer tempo, pode-se questionar a validade de negócios pretéritos. Em razão disso, torna-se indispensável a análise minuciosa e criteriosa do título, o que se dá por meio da qualificação registral a fim de verificar se o ato está plenamente apto ao registro. Há, portanto, diversos sistemas ou formas de organizar os dados notariais ou registrais, que variam de acordo com as origens históricas, políticas e culturais de cada país. Mas seja qual for, no contexto do direito imobiliário, todos contêm em si um elemento básico: garantir que os direitos relativos a imóveis, em especial a propriedade e a posse, possam produzir efeitos perante terceiros por meio do registro. No contexto do ordenamento jurídico brasileiro, tamanha é a relevância do tema que possui previsão expressa na Constituição Federal (CF/1988), em seu artigo 236, como se observa a seguir: 10 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento) § 1o Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. A Lei Federal n. 8.935, de 18 de novembro de 1994, também conhecida como a Lei dos cartórios, destina-se a regular os serviços notariais e de registro. No seu art. 1o, define-se que os serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos submetidos a registro. Destaca-se que, por meio da publicidade, pressupõe-se que os atos são de domínio público, portanto, a princípio, não é possível alegar o seu desconhecimento na tentativa de fazer prevalecer algum outro ato jurídico posterior perante aquele que fora levado a registro anteriormente. Isso se dá também em virtude da autenticidade, que gera a presunção de regularidade do ato registrado; da segurança, que produz a estabilidade dos direitos; e ainda da eficácia, que faz irradiar os seus efeitos perante terceiros (OLIVEIRA, 2019). Historicamente, a prática surgiu em Roma, onde as terras eram de domínio do Estado, mas conferia-se a um particular a possibilidade de explorá-la, transmitindo a ele, portanto, a posse, mas a propriedade permanecia com o Estado. Já no Brasil, o ato de posse e o surgimento das discussões referente a propriedade de uma determinada área remontam à expansão europeia e ao descobrimento das Américas. Quem primeiro ocupava um solo que ainda não era ocupado por outro europeu tomava posse, e consequentemente adquiria o direito de ocupar e explorar da forma que lhe aprouvesse ou interessasse. Após a fase do descobrimento, a história da propriedade no Brasil se estendeu desde as conhecidas capitanias hereditárias e sesmarias. Por esse sistema de administração territorial, repartiu-se o solo brasileiro, por meio de doações, entre membros da burocracia estatal e da pequena nobreza de Portugal. Ressalta-se que, entre os direitos dos capitães-donatários, havia a propriedadede 10 léguas ao longo da costa, isenta de tributos, exceto o dízimo. No entanto, sobre o restante da capitania, possuíam apenas o direito de posse, de administração e do exercício da justiça em nome do rei; além da doação de sesmarias (OLIVEIRA, 2019). As sesmarias eram uma espécie de enfiteuse, pela qual a Coroa permanecia proprietária, mas cedia o domínio útil das terras a sesmeiros, que tinham por 11 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I obrigação o pagamento dos tributos incidentes sobre o bem e foro, sob pena de comisso (perda do direito à sesmaria). Pode-se vislumbrar o antecedente remoto dos registros de imóveis no Brasil no ato de documentação, lavrada pelos funcionários portugueses, que vinculavam terras brasileiras a posseiros e à Coroa. Esse sistema foi substituído pelo regime das posses (caos dominial), até que a Constituição do Império do Brasil de 1824 veio a abolir o confisco e, simultaneamente, consagrou o direito de propriedade. À luz de seus princípios, foi editada a denominada Lei de Terras, Lei n. 601, de 1850, que revalidou as sesmarias, bem como outras concessões do Governo-Geral ou Provincial. Mas considera-se como verdadeiro antecedente dos registros de imóveis que se conhece atualmente o denominado “Registro geral de hypothecas”, instituído pela Lei n. 317, de 1843. Importante ressaltar que o Decreto n. 482, de 1846, veio determinar a criação de um Registro em cada uma das Comarcas do Império, a cargo de um dos tabeliães do local; e a inscrição obrigatória das hipotecas, inclusive aquelas constituídas anteriormente à edição do decreto. Posteriormente, o Decreto n. 1.318, de 1854, determinou a obrigatoriedade do registro das posses dos imóveis, pelos possuidores de terras sob pena de multas, perante os vigários; devendo os exemplares ser conservados no arquivo das paróquias, e os livros de registro remetidos ao delegado do diretor-geral das Terras Públicas da Província respectiva. Tendo em vista as semelhanças da organização “registro do vigário” com o futuro registro de imóveis brasileiro, pode-se considerá-lo “não como antepassado do RI, mas como contribuição digna de nota no aspecto formal do registro” (JACOPETTI, 2020, p. 57). Ressalta-se, no entanto, que o registro paroquial ou o do vigário correspondiam a mero cadastro dotado de efeitos simplesmente declaratórios, sem qualquer valor como título de domínio, consignando apenas as declarações de posse, mas que trouxe grande contribuição ao discriminar o público do particular (OLIVEIRA, 2019, pp. 84-85). Atualmente, impende destacar relevante papel de racionalização do sistema registral conferido pela Lei n. 6.015/1973. As informações de cada imóvel passaram a ser organizadas a partir de uma única matrícula, “na qual se concentram a especialização do bem, a cadeia contínua de atos que envolvam o imóvel e 12 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS a qualificação de todos os sujeitos que fazem parte de sua cadeia dominial” (OLIVEIRA, 2019, p. 87). Oportuno esclarecer que a matrícula corresponde ao “ato de inserir em uma folha, pela primeira vez, dados relativos a um único imóvel [...], destinada ao registro de todas as mudanças jurídicas experimentadas diretamente pelo imóvel ou que lhe influenciem”; ao passo que a tábua registral corresponde à “folha em que determinado imóvel foi matriculado, contendo suas sucessivas modificações jurídicas e seu estado atual” (LAGO, 2008, p. 13). Esse sistema, denominado matricial, representou importante passo para o aprimoramento dos serviços de registro de imóveis. Já no âmbito do registro dos imóveis rurais, a Lei n. 10.267/2001 introduziu grande avanço no sistema ao exigir sua descrição por coordenadas dos vértices definidores dos seus limites a partir do georreferenciamento junto ao Sistema Geodésico Brasileiro. Cabe ressaltar que a precisão posicional da poligonal objeto do memorial descritivo deverá ser certificada pelo Incra. O intuito é alcançar a efetiva especialidade objetiva dos imóveis rurais, de modo a permitir que, a partir das informações constantes da matrícula, seja possível plotar o imóvel em planta ou mapa oficial. Desde o descobrimento do Brasil, no ano de 1500, até o grito de independência, às margens plácidas, o solo era de controle da Coroa portuguesa. Em 1532, o rei delimitou 15 divisões administrativas dentro do território brasileiro, as quais foram denominadas de capitanias hereditárias e concedidas aos respectivos beneficiários (figura 1). Essa distribuição de terras pela Coroa portuguesa tinha como objetivo estimular a produção agrícola e econômica. Vale lembrar que essa prática não surgiu aqui no Brasil, mas já era realizada há muitos anos atrás em Portugal, onde existia nessa época certa crise por causa da falta de alimentos em toda Europa. A prática de distribuição de terras em troca de produção agrícola dentro de um período preestabelecido é conhecida como sistema de sesmarias, sistema esse que, conforme já mencionado, ocorria em Portugal antes mesmo do descobrimento das Américas. Após a independência do Brasil, as demais ocupações do território ocorreram em caráter de posse sem nenhuma titulação de propriedade, e apenas em 1843, com a Lei Orçamentária n. 317 e com a Lei n. 601, de 1850, é que se teve o ponto de partida para a evolução e formação do sistema registral da atualidade. 13 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I Figura 1. Capitanias hereditárias no litoral brasileiro doadas pela coroa portuguesa. Fonte: http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo01/cap_hereditarias.html#imagem3-03-amp.html. 1. Do direito à propriedade A própria Constituição brasileira, em seu artigo 5o, garante o direito à propriedade, garantia essa que se concretizou em sintonia com a evolução e o aprimoramento dos sistemas registrais brasileiro. A fim de melhor compreender o conceito de propriedade, é necessário ter em mente as suas inúmeras transformações que o instituto sofreu ao longo da história em decorrência de influências políticas, econômicas, culturais e filosóficas dos vários povos, desde a Antiguidade. Ressalta-se que, na Declaração dos Direitos dos Homens de 1867, a propriedade é tratada como um direito inviolável e sagrado. Sob essa influência, no Brasil, o Código Civil de 1916 atribuiu à propriedade um caráter individualista, absoluto, inatingível, e o proprietário era considerado senhor da coisa, podendo dela usufruir como bem entendesse. Contudo, diante de pressões sociais por uma justa distribuição de riquezas, o Estado passou a intervir no exercício do direito de propriedade o direito de propriedade, de modo que o Código de 2002 estabeleceu 14 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS o cumprimento de alguns requisitos voltados a atender um caráter de sociabilidade e solidariedade. Consequentemente, a partir da admissão da existência de um interesse social acoplado a um direito tradicionalmente de cunho individualista, à faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e à possibilidade de reavê-la de quem injustamente a detenha (BRASIL, 2002)4, acrescenta-se o ônus do exercício em consonância com finalidades econômicas e sociais definidas em lei, impondo ao proprietário o seu adequado aproveitamento (OLIVEIRA, 2020). Na própria Constituição Federal (CF/1988), entre os direitos e as garantias individuais, consagram-se o direito da propriedade e a necessidade de cumprimento da função social, princípio jurídico que vincula o exercício desse direito. Assim, tem-se que: Art. 5o - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII- é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social (BRASIL, 1988). Os atributos do direito de propriedade são: usar, gozar ou fruir, dispor e reivindicar.De acordo com Pinto (2013), tem-se que: » usar: consiste na faculdade de “utilizar-se da coisa no seu próprio interesse, ou seja, extrair da coisa todos os benefícios ou as vantagens que ela puder prestar, sem alterar a sua substância” (PINTO, 2013, p. 77); » gozar: corresponde à faculdade de o proprietário retirar da coisa as suas utilidades econômicas, como os frutos naturais, industriais e civis, além dos produtos; » dispor: é a faculdade de alienar a coisa, seja de forma onerosa (por meio da compra e venda, por exemplo) ou gratuitamente (por meio da doação, por exemplo); » reivindicar: corresponde a um direito subjetivo por meio do qual se “concede ao proprietário o direito de recuperar a coisa que lhe foi injustamente retirada, para restaurar o seu patrimônio” (PINTO, 2013, p. 77). 4 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Art. 1.228. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 10 dez. 2018. 15 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I Há alguns princípios que regem o direito de propriedade, são eles: » oponibilidade erga omnes (contra todos): por meio desse princípio, tem-se que o direito de propriedade pode ser oposto (contestado ou reivindicado) contra qualquer pessoa que o viole; isso denota também o seu caráter absoluto; » publicidade: a partir do momento em que a propriedade se torna pública pelo registro, ela se torna, ao mesmo tempo, oponível erga omnes; » perpetuidade: o direito de propriedade é, em regra, perpétuo, somente desaparecendo por vontade do proprietário ou por determinação legal (exceção no caso de propriedade resolúvel, que será estuda a seguir); » exclusividade: em regra, o direito de propriedade se exerce exclusivamente por um titular; no entanto, admite-se o seu exercício em conjunto, como ocorre no caso de propriedade condominial (em condomínio); » elasticidade: “a propriedade pode se distender ao máximo ou comprimir ao máximo à vontade do proprietário” (PINTO, 2013, p. 78), variando de plena a restrita (limitada), como se especificará a seguir. Já a fruição desse direito pode se dar de algumas formas ou modalidades. Conforme Gomes (2007), as principais são: » a propriedade plena; » a propriedade restrita; » a propriedade perpétua; » a propriedade resolúvel. A propriedade plena ocorre quando todos os direitos elementares dessa referida propriedade se concentram ou se reúnem na pessoa do proprietário, o qual pode usá-la, gozá-la e dela fruir (colher os frutos naturais e civis) por completo e pelo tempo que quiser, nos termos da lei. A propriedade restrita ocorre quando os direitos referentes a uma determinada propriedade estão condicionados a outros direitos, como, por exemplo, no caso de instituição de usufruto. Dessa forma, o nu-proprietário não poderá dispor plenamente de seu direito, mas caberá ao usufrutuário usar, gozar e colher os frutos correspondentes enquanto durar a limitação (usufruto)5. Pode-se afirmar também que a propriedade restrita ocorre quando ao menos um dos poderes é 5 Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos (BRASIL, 2002). 16 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS retirado do proprietário, como ocorre no caso de instituição do direito real de superfície, do usufruto ou da hipoteca. A propriedade perpétua ocorre quando não condiciona a duração dessa propriedade por qualquer período de tempo, ou seja, a propriedade se perpetua enquanto for da vontade de seu titular. Por fim, a propriedade resolúvel ocorre quando em seu próprio título está contido um dispositivo ou cláusula resolutiva ou revogável. 2. Do direito à posse A posse corresponde à exteriorização da propriedade, mas com ela não se confunde. Isso, porque, de acordo com a Teoria Objetiva de Ihering, adotada pelo Direito Civil Brasileiro, a posse se configura com a presença de um único elemento: o corpus- elemento objetivo, que consiste na detenção física da coisa. Já o possuidor é aquele que exerce, de fato ou não, qualquer um dos poderes inerentes à propriedade6. Isso é, a posse se exterioriza a partir do exercício do uso, do gozo, da disposição ou do poder de reaver a coisa7. Pode-se concluir que a diferença entre a posse e a propriedade está vinculada à vigência do direito de usufruir tal bem. Foi nessa linha que o homem se atentou que poderia continuar a usufruir tal bem, sem se preocupar com o tempo. Passou a ter e exercer um poder mais consistente sobre o bem, ao invés da posse, passou e ter a propriedade. 3. Dos sistemas registrais no contexto do direito à propriedade Frente ao exercício do direito à propriedade, buscou-se criar um sistema de registro para uma determinada propriedade, entre elas a propriedade imóvel. Essa iniciativa se deu em razão da necessidade de oferecer ao cidadão uma garantia, uma segurança jurídica em relação a um referido imóvel, seja ele urbano ou rural. Nesse contexto, importa apontar a linha do tempo da criação do registro geral no ano de 1864, com a Lei n. 1.237, que trouxe avanços significativos e marcantes até os dias atuais, haja vista ter sido o norte para as transformações futuras. 6 Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (BRASIL, 2002). 7 Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (BRASIL, 2002). 17 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I Em 1916, com a criação do Código Civil da época, o nome registro geral passou a denominar registro de imóveis, e também foram preenchidas algumas lacunas, com destaque para: » a inclusão indireta do registro das transmissões referentes a partilhas e heranças; » a inclusão do registro dos atos judiciais; » a adoção de alguns princípios básicos para o sistema registral, tais como os de prioridade, legalidade, especialidade, publicidade e presunção. Mesmo com tantas mudanças significativas, aponta-se que ainda remanesceram algumas lacunas. A primeira refere-se à confusão entre os termos transcrição, inscrição e averbação; e a segunda diz respeito à omissão do princípio da fé- pública. Cumpre ressaltar que os atos de registro se referem, basicamente, a direitos reais ou obrigações com eficácia real, isto é, com necessidade de produzirem efeitos perante terceiros. Já a averbação normalmente se refere à modificação, à retificação (correção) ou ao cancelamento de um ato de registro anterior. Assim, mesmo diante da presunção de validade, legalidade e veracidade dos atos de registro (lato sensu), é possível retificar ou cancelar um registro, como autorizado na Lei de Registros Públicos, nos artigos a seguir: Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação: I - de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de: a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título; b) indicação ou atualização de confrontação; c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento oficial; d) retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de coordenadas georreferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais; e) alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir das medidas perimetrais constantes do registro; f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação; g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas; II - a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmentehabilitado, com 18 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA, bem assim pelos confrontantes [...]. Art. 250 - Far-se-á o cancelamento: I - em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado; II - a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião; III - A requerimento do interessado, instruído com documento hábil. IV - a requerimento da Fazenda Pública, instruído com certidão de conclusão de processo administrativo que declarou, na forma da lei, a rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso de imóvel rural, expedido para fins de regularização fundiária, e a reversão do imóvel ao patrimônio público (BRASIL, 1973). Já no que diz respeito ao suprimento das lacunas acima referidas, em dezembro de 1973, foi editada a Lei n. 6.015, conhecida como a Lei de Registros Públicos (LRP). Como o nome já sugere, a lei é responsável por regular os registros públicos e, em especial, no seu Título V, trata da temática imobiliária, sendo a norma vigente reguladora de todos os registros públicos atuais. O sistema de registro criado no Brasil garante a propriedade não só de imóveis particulares, mas também de imóveis públicos, os quais são devidamente registrados nesse sistema. Porém, vale frisar que, no registro de imóvel público, o Estado o registra com caráter declaratório, para declarar que o referido imóvel é de seu domínio. O registro de imóvel privado, diferentemente, visa garantir o direito e a segurança jurídica de propriedade privada a um determinado cidadão ou pessoa jurídica de direito privado. Porém, independentemente de o bem ser público ou privado, ambos são levados ao sistema registral brasileiro, cuja função jurídica é justamente atribuir a propriedade ao seu titular, seja um particular ou um ente público. 4. Da distinção entre imóvel urbano e rural Outro tema relevante que diz respeito à propriedade imóvel no Brasil é sobre a classificação de um imóvel em urbano ou rural. Existem várias definições para imóvel rural e urbano a partir de diferentes critérios estipulados por diferentes normas. O Incra, por exemplo, diferencia um imóvel do outro a partir da sua localização. Assim, considera imóvel rural aquele que não esteja situado na área do município onde é qualificado como urbano. Ou seja, para qualificar uma área como sendo urbana, é necessário que 19 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I esta se enquadre em pelo menos dois de vários quesitos preestabelecidos. Entre, os principais requisitos, podem-se citar: proximidade a escola pública, hospital etc., presença de sistema de esgoto, pavimentação, entre outros. 5. Conclusão Em conclusão, a importância dos registros públicos no Brasil em dotar os atos jurídicos de publicidade, autenticidade, segurança e eficácia é evidenciada pela sua previsão na própria Constituição Federal (art. 236). No contexto do registro de imóveis, destaca-se a o seu papel na garantia dos direitos inerentes à propriedade e à posse, bem como as limitações quanto ao seu exercício, tanto em relação a imóveis particulares quanto públicos. O próximo passo é analisar a legislação pertinente ao registro público no contexto brasileiro, que é o objetivo do próximo capítulo. 20 CAPÍTULO 2 LEGISLAÇÕES REFERENTES AO REGISTRO PÚBLICO Há uma série de leis importantes que vieram a conferir maior segurança ao exercício do direito de propriedade no Brasil. No contexto da propriedade rural, no ano de 2001, a Lei n. 10.267 veio conferir uma maior segurança quanto ao controle e à informação de seus limites e confrontações a partir da instituição da obrigatoriedade do georreferenciamento de imóveis rurais a todos os proprietários rurais, com o intuito de informar ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) seu exato posicionamento, característica e extensão, além de seus confrontantes. O georreferenciamento consiste em marcar um par de coordenadas em um ponto exato em cada vértice da propriedade a partir da localização pelo sistema GNSS – Sistema Global de Navegação por Satélite, atribuindo e fixando marcos nos vértices da propriedade para definir seus limites e sua exata dimensão, tendo em conta o sistema de referência de coordenadas adotado oficialmente. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto n. 4.449 de 2002, o qual passou a exigir: Art. 1o A apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, [...] sempre acompanhada da prova de quitação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, correspondente aos últimos cinco exercícios, ressalvados os casos de inexigibilidade e dispensa de sua comprovação, previstos no art. 20 da Lei n. 9.393, de 19 de dezembro de 1996, bem como os casos de imunidades, extinção e exclusão do crédito tributário [...]. Art. 4o Os serviços de registros de imóveis ficam obrigados a comunicar mensalmente ao INCRA as modificações ocorridas nas matrículas, decorrentes de mudanças de titularidade, parcelamento, desmembramento, loteamento, unificação de imóveis, retificação de área, reserva legal e particular do patrimônio natural, bem como outras limitações e restrições de caráter dominial e ambiental, para fins de atualização cadastral. O Decreto n. 4.449, de 2002, posteriormente foi modificado pelo Decreto n. 5.570, de 2005, que, no art. 10, instituiu a exigência do georreferenciamento da propriedade imóvel nos casos de: » desmembramento; » parcelamento; 21 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I » remembramento; » e em qualquer situação de transferência8. Essa exigência está prevista na própria Lei de Registro de Imóveis, no art. 176, § 4o, como se segue: Art. 176. [...] § 3o Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1o será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo Incra, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais (BRASIL, 1973). Para se compreenderem melhor as hipóteses de exigência do georreferenciamento, a Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979, esclarece que: » o parcelamento poderá ser feito por meio de duas espécies: › loteamento, que corresponde à subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes (art. 2o, § 1o); › desmembramento, que corresponde à “subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem o prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes” (art. 2o, §2o). Finalmente, o remembramento corresponde à fusão (unificação) de dois ou mais terrenos para formar um novo lote, o que se dá a partir do reagrupamento de lotes contíguos, e a consequente constituição de um terreno maior. Esse terreno resultante do remembramento é considerado juridicamente um novo imóvel, com nova matrícula, limites e confrontações próprias e distintas das anteriores, o que justifica a exigência do georreferenciamento na nova área. Ressalta-se que o remembramento, diferentemente do loteamento e do desmembramento, 8 Art. 10. A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3o e 4o do art. 176 da Lei n. 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9o [...] (BRASIL,2005). 22 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS tem regulamentação própria a cargo de cada município, não sendo, portanto, detalhado na Lei n. 6.766/1979. Ressalta-se que o Decreto n. 4.449, atualizado pelo Decreto n. 5.570, determina, no seu art. 10, que, no caso de desmembramento, parcelamento e remembramento de imóvel rural, deve-se proceder à identificação de sua área nos seguintes prazos: » noventa dias para os imóveis com área superior a cinco mil hectares; » um ano para os imóveis com área de mil até menos que cinco mil hectares; » cinco anos para os imóveis com área de quinhentos até menos que mil hectares; » dez anos para os imóveis com área de duzentos e cinquenta até menos que quinhentos hectares; » quinze anos para os imóveis com área de cem a menos de duzentos e cinquenta hectares; » vinte anos para os imóveis de vinte e cinco a menos de cem hectares9. (BRASIL, 2002; BRASIL, 2005). Caso o proprietário não cumpra o que a legislação determina, ficará impedido de realizar diversos procedimentos, tais como: » não poderá vender seu imóvel; » não poderá doar seu imóvel; » não constitui penhor rural, agrícola e agropecuário; » não poderá desmembrar; » não poderá lotear; » em alguns casos, não poderá adquirir crédito bancário. A exigência trazida pela Lei n. 10.267/2001 quanto à especialização do imóvel rural consiste em uma verdadeira revolução nos sistemas de controle e registro dos imóveis rurais brasileiros. É certo que a medida imposta pela lei requer um prazo para que seja implementada e para que a compreensão do tema esteja por todos os envolvidos, e pela sociedade em geral. Observa-se que agregar esforços para que o novo sistema se concretize o mais brevemente possível é lutar pela evolução da segurança jurídica na questão 9 Redação dada pelo Decreto n. 9.311, de 2018. 23 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I fundiária do nosso país, que é tão controvertida, principalmente em face das dimensões continentais do Brasil e da desigualdade social que aqui faz morada. Torna-se oportuno proceder à análise da importância conferida ao registro imobiliário brasileiro e o papel dos oficiais de registro de imóveis na identificação dos imóveis rurais 1. A identificação do imóvel rural Há vários critérios adotados pelo direito brasileiro para se definir se um imóvel é urbano ou rural. O primeiro deles refere-se à localização. Assim, será urbano aquele situado em zona urbana, conforme definido em norma municipal. Por exclusão, será rural aquele localizado fora da área urbana. O segundo critério diz respeito à finalidade. De acordo com a Lei n. 8.245, de 1991, considera-se imóvel urbano aquele que se destina para fins de ocupação residencial e/ou comercial; ao passo que se considera rural o imóvel utilizado para fins agrícolas, para exploração pecuária, extrativista vegetal, florestal ou agroindustrial (SCHLOSSARECKE, 2016). O terceiro critério é adotado pela legislação tributária, e destina-se à fixação do tributo correspondente: o imposto predial territorial urbano (IPTU), de competência dos municípios, sobre os imóveis urbanos, e o imposto territorial rural (ITR), de competência da União, incidente sobre imóveis rurais. Para diferenciar uma categoria da outra, a legislação tributária usa como critério para considerar o imóvel urbano, no mínimo, duas características entre um conjunto composto de alguns serviços básicos, tais como asfalto, saneamento, escolas, hospitais etc., e sobre este incidirá o IPTU. Caso a localização do imóvel não atenda a pelo menos duas características desse conjunto de serviços, esse imóvel será considerado rural, e sobre ele incidirá o ITR. 2. Sobre o ITR O ITR é um imposto federal, de competência exclusiva da União, nos termos do inciso VI do artigo 153 da Constituição Federal. Possui como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel rural, isto é, aquele imóvel cuja área contínua é constituída de uma ou mais parcelas de terras localizada fora da zona urbana do município. 24 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS A partir de então, o lançamento e a destinação do imposto passaram por uma série de mudanças. A primeira deu-se com edição da Lei n. 8.022, de 12 de abril de 1990, que alterou o sistema de administração das receitas federais, transferindo para a Secretaria da Receita Federal a administração das receitas até então arrecadadas pelo Incra. Posteriormente, com a promulgação da Lei n. 8.847, de 28 de janeiro de 1994, uma nova alteração trouxe a instituição e a aplicação de uma pauta de valores para a terra nua, que, ao ser utilizada para o lançamento do imposto, gerou uma série de conflitos relacionados à tributação. Mais adiante, a partir da edição da Lei n. 9.393, de 19 de dezembro de 1996, alterou-se a modalidade de lançamento do imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR), que, antes por declaração, passou a se dar por homologação. No entanto, pode-se afirmar que a maior alteração no ITR veio a partir da edição da EC 42, de 19 de dezembro de 2003, que deu nova redação ao §4o do artigo 153 da CF, acrescentando-lhe três novos incisos. O primeiro instituiu a progressividade de suas alíquotas fixadas de modo a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; o segundo isentou a sua incidência sobre pequenas glebas rurais, quando o proprietário que as explore não possua outro imóvel; e o terceiro possibilitou a sua cobrança e fiscalização pelos municípios que assim optarem, desde que isso não implicasse redução do imposto ou qualquer forma de renúncia fiscal. Assim, tem-se, a partir da EC n. 42/2003, que o ITR: » I – será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; » II – não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel; » III – será fiscalizado e cobrado pelos municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. Cumpre destacar que, a Lei n. 11.250, de 27 de dezembro de 2005, teve por objetivo regulamentar a alteração constitucional de que tratou a EC 42/2003, e assim possibilitou à União, por intermédio da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), celebrar convênios com o Distrito Federal e os municípios 25 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I que assim optarem, destinados à delegação das atribuições de fiscalização, de lançamento dos créditos tributários e de cobrança do ITR. Ademais, o Decreto n. 6.433, de 15 de abril de 2008, instituiu o Comitê Gestor do ITR (CGITR), voltado a dispor sobre a opção dessa cobrança e fiscalização do imposto pelo DF e pelos municípios, determinando ainda a criação do portal do ITR, no qual devem ser disponibilizados: a relação dos optantes, as informações e os aplicativos relacionados ao imposto, bem como os modelos dos documentos utilizados nas atividades de fiscalização e cobrança do imposto. Finalmente, a Lei n. 11.250, de 27 de dezembro de 2005, veio para regulamentar a alteração constitucional de que tratou a EC 42/2003. Convém lembrar que a base de cálculo do ITR, nos termos da legislação, é o valor da terra nua que deve corresponder ao valor de mercado. Normalmente, o preço de venda revela o valor de mercado e, desse montante, subtrai-se o valor de benfeitorias, melhoramentos, edificações, culturas permanentes e temporárias, pastagens cultivadas ou melhoradas e florestas plantadas. O resultado é o valor da terra nua do imóvel. Cabe ressaltar que muitos municípios, principalmente aqueles que celebraram convênio com a União para administrar o ITR, já estabeleceram um valor médio, por hectare, para as terras rurais, balizando o valor da terra nua para fins de apuração do imposto, a exemplo do que é feito na administração do imposto predial e territorial urbano (IPTU). Importante esclarecer que o critérioadotado pelo Incra para a caracterização de um imóvel como sendo rural é o da sua localização. Assim, considera-se rural aquele imóvel que não está localizado em área urbana. Portanto, coincide com o critério adotado pela legislação tributária. Todo imóvel rural deve também estar cadastrado junto aos registros do Incra. O Cadastro de Contribuinte de Imóvel Rural (CCIR) possui grande valia e deve viabilizar o regime jurídico próprio e diferenciado ao proprietário rural, independentemente de ser grande ou pequeno proprietário. Esse regime jurídico diferenciado justifica-se inicialmente pela forma de proteção a partir do registro do título aquisitivo, que comprova a aquisição. Esse título aquisitivo pode ser representado por: » uma ordem judicial; » escritura pública; » sucessão hereditária, entre outros. 26 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS O título aquisitivo poderá ser registrado no cartório a partir do sistema de registro Torrens. Esse sistema de registro está presente na Lei n. 6.015, de 1973, a qual trata dos registros públicos em seu artigo 277. 3. Sobre o sistema de registro Torrens O sistema de registro Torrens tem origem no sistema australiano e surgiu para atender a uma necessidade de proteção ao proprietário do imóvel rural, haja vista que até então objetivava proteger o credor. Já em 1890, o proprietário passou a ter uma proteção especial no que tange ao seu direito de propriedade. Essa proteção decorreu da instituição desse sistema de registro Torrens na legislação brasileira. Inicialmente, era utilizado para registrar tanto imóveis urbanos quanto rurais. Porém, atualmente, destina-se exclusivamente para o registro de imóveis rurais. Ressalta-se que, para requerer o registro de um imóvel rural no sistema Torrens, junto ao requerimento, devem-se acostar preliminarmente: » documentos comprobatórios de domínio; » prova de atos que modifiquem ou limitem sua propriedade; » memorial descritivo; » planta do imóvel em escala de 1:500 ou 1:5.000. Embora pareçam simples, outros documentos complementares devem ser juntados ao requerimento para que se possa efetivar o referido registro. O registrador, além de providenciar toda a documentação exigida, ainda deve lançar edital, possibilitando a impugnação do pedido de registro. Posteriormente, esse pedido ainda deve ser levado à homologação pelo Judiciário. A grande vantagem é que esse sistema de registro é o único que traz como benefício a presunção absoluta quanto à qualidade de proprietário, de modo que, a partir dessa presunção, não se admite prova em contrário. As principais regras acerca do procedimento do registro Torrens estão previstas na Lei dos Registros Públicos, a Lei n. 6.015/1973, nos seguintes artigos: Art. 277. Requerida a inscrição de imóvel rural no Registro Torrens, o oficial protocolará e autuará o requerimento e documentos que o instruírem e verificará se o pedido se acha em termos de ser despachado. (Renumerado do art. 278, pela Lei n. 6.216, de 1975) 27 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I Art. 278. O requerimento será instruído com: (Renumerado do art. 279, pela Lei n. 6.216, de 1975) I - os documentos comprobatórios do domínio do requerente; II - a prova de quaisquer atos que modifiquem ou limitem a sua propriedade; III - o memorial de que constem os encargos do imóvel os nomes dos ocupantes, confrontantes, quaisquer interessados, e a indicação das respectivas residências; IV - a planta do imóvel, cuja escala poderá variar entre os limites: 1:500m (1/500) e 1:5.000m (1/5.000). § 1o O levantamento da planta obedecerá às seguintes regras: a) empregar-se-ão goniômetros ou outros instrumentos de maior precisão; b) a planta será orientada segundo o mediano do lugar, determinada a declinação magnética; c) fixação dos pontos de referência necessários a verificações ulteriores e de marcos especiais, ligados a pontos certos e estáveis nas sedes das propriedades, de maneira que a planta possa incorporar-se à carta geral cadastral. § 2o Às plantas serão anexados o memorial e as cadernetas das operações de campo, autenticadas pelo agrimensor. Art. 279. O imóvel sujeito a hipoteca ou ônus real não será admitido a registro sem consentimento expresso do credor hipotecário ou da pessoa em favor de quem se tenha instituído o ônus. (Renumerado do art. 280, pela Lei n. 6.216, de 1975) Art. 280. Se o oficial considerar irregular o pedido ou a documentação, poderá conceder o prazo de trinta (30) dias para que o interessado os regularize. Se o requerente não estiver de acordo com a exigência do oficial, este suscitará dúvida. (Renumerado do art. 281, pela Lei n. 6.216, de 1975). Art. 281. Se o oficial considerar em termos o pedido, remetê-lo-á a juízo para ser despachado. (Renumerado do art. 282, pela Lei n. 6.216, de 1975) 28 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS Art. 282. O Juiz, distribuído o pedido a um dos cartórios judiciais se entender que os documentos justificam a propriedade do requerente, mandará expedir edital que será afixado no lugar de costume e publicado uma vez no órgão oficial do Estado e três (3) vezes na imprensa local, se houver, marcando prazo não menor de dois (2) meses, nem maior de quatro (4) meses para que se ofereça oposição. (Renumerado do art. 283, pela Lei n. 6.216, de 1975) Art. 283. O Juiz ordenará, de ofício ou a requerimento da parte, que, à custa do peticionário, se notifiquem do requerimento as pessoas nele indicadas. (Renumerado do art. 284, pela Lei n. 6.216, de 1975) Art. 284. Em qualquer hipótese, será ouvido o órgão do Ministério Público, que poderá impugnar o registro por falta de prova completa do domínio ou preterição de outra formalidade legal. (Renumerado do art. 285, pela Lei n. 6.216, de 1975) Art. 285. Feita a publicação do edital, a pessoa que se julgar com direito sobre o imóvel, no todo ou em parte, poderá contestar o pedido no prazo de quinze dias. (Renumerado do art. 286, pela Lei n. 6.216, de 1975) § 1o A contestação mencionará o nome e a residência do réu, fará a descrição exata do imóvel e indicará os direitos reclamados e os títulos em que se fundarem. § 2o Se não houver contestação, e se o Ministério Público não impugnar o pedido, o Juiz ordenará que se inscreva o imóvel, que ficará, assim, submetido aos efeitos do Registro Torrens. Art. 286. Se houver contestação ou impugnação, o procedimento será ordinário, cancelando-se, mediante mandado, a prenotação. (Renumerado do art. 287, pela Lei n. 6.216, de 1975) Art. 287. Da sentença que deferir, ou não, o pedido, cabe o recurso de apelação, com ambos os efeitos. (Renumerado do art. 288, pela Lei n. 6.216, de 1975) Art. 288. Transitada em julgado a sentença que deferir o pedido, o oficial inscreverá, na matrícula, o julgado que determinou a submissão do imóvel aos efeitos do Registro Torrens, arquivando em cartório a documentação autuada. (BRASIL, 1973). O registro especial Torrens, em comparação ao sistema de registro comum, apresenta-se menos acessível do que o sistema comum, haja vista a possibilidade 29 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I de insucesso quanto à obtenção do registro, bem como pelo seu elevado custo para juntada de documentos para atender às suas exigências. Outra situação que requer atenção no âmbito do registro de propriedade de imóvel rural é a aquisição de terras brasileiras por pessoa estrangeira. Isso, porque imóveis urbanos podem ser adquiridos por estrangeiros, indistintamente, isto é, sem imposição de limites; porém, quanto aos imóveis rurais, existem algumas limitações e condicionantes para a sua aquisição. Essas limitações estão previstas na própria Constituição Federal (art. 190) e são reguladas pela Lei n. 5.709, de 07 de outubro de 1971, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país, ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil. Além disso, o Decreto n. 74.965, de 26 de novembro de 1974, regulamenta a referida lei.Entre os limites impostos, destacam-se os seguintes, quando a aquisição se der por pessoa natural (física): » a quantidade máxima de três módulos fiscais (ou módulos de exploração indefinida – MEI), independentemente de autorização; » quando houver interesse em comprar uma quantidade acima de três módulos (MEI), o estrangeiro terá que obter uma autorização especial perante o Incra; » acima de cinquenta módulos fiscais (MEI), apenas com a autorização do Congresso Nacional (art. 23, §2o, da Lei n. 8.629/1993), por meio de processo administrativo formalizado junto ao Incra, na Superintendência Regional de localização do imóvel rural. Quando a aquisição de imóvel rural se der por pessoa jurídica, devem-se observar as seguintes limitações: » autorização do Incra para qualquer extensão de área, além da apresentação de projeto de exploração vinculado aos seus objetivos estatutários ou sociais; » autorização do Congresso Nacional caso o somatório de áreas do requerente exceder 100 módulos (MEI), em área contínua ou descontínua, no território nacional (BRASIL, 2018). 30 CAPÍTULO 3 A GRILAGEM DE TERRA E A QUESTÃO CARTORIAL A grilagem de terras vem designar venda de terras pertencentes ao poder público ou de propriedade particular mediante falsificação de documentos de propriedade da área. O agente que realiza essa atividade ilegal é conhecido por grileiro. Cabe ressaltar que a grilagem corresponde à ocupação qualificada pela intenção deliberada de se tornar dono de terreno público, como se este fosse particular. Esse problema remonta suas origens às terras devolutas, isto é, aquelas que não estavam habitadas, apossadas, aproveitadas e, portanto, estavam incultas (Lei da Terra de 1850, art. 5o, §§ 1o, 8o e 15). Nesse sentido, Devisate (2010) destaca que, por volta de 1891, os problemas com as conhecidas terras devolutas se iniciaram. Assim, a Constituição Federal da época, em seu art. 64, transferiu para os Estados federados o seu domínio sobre as terras devolutas da União, alvitrando desfazer a ‘supercentralização do Império’ de modo a fortalecer o universo eleitoreiro dos afinados politicamente com o poder dominante, sem um planejamento pré-realizado ou perspectivas de futuro, utilizando o clássico “jeitinho brasileiro”. A origem da expressão grilagem utilizada na definição de terras adquiridas ou apropriadas e registradas ilegalmente vem de uma antiga prática utilizada para envelhecer documentos novos e deixá-los com aparência envelhecida. Os fraudadores de títulos imobiliários colocavam os falsos documentos recém- elaborados em uma caixa metálica ou de madeira juntamente com diversos grilos, fechando-a em seguida. Depois de algumas semanas, os documentos já apresentavam manchas amarelo-fosco-ferruginosas, decorrentes dos dejetos dos insetos, além de ficarem corroídos nas bordas e com pequenos orifícios na superfície, tudo a indicar a suposta ação do tempo. Esse artifício foi aprimorado por técnicas mais sofisticadas, que podem vir a contar com a conivência de serventuários de Cartórios de Registro Imobiliário, que, por vezes, registram áreas sobrepostas umas às outras – ou seja, que só existem no papel. Pode ocorrer também a conivência direta e indireta de órgãos governamentais, que admitem a titulação de terras devolutas estaduais ou federais a correligionários do poder, a pessoas fictícias “laranjas” ou “fantasmas”, estas criadas apenas para levar a fraude a cabo nos cartórios. Esse procedimento normalmente é repetido 31 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I perante o Instituto de Terras do Estado, no Cadastro do Incra, e junto à Receita Federal, com o intuito de obter registros cruzados que dessem à fraude uma aparência de consistente legalidade. A fraude foi historicamente facilitada por algumas brechas institucionais, como, por exemplo, a inexistência de um cadastro único. Os órgãos fundiários, nos três níveis (federal, estadual e municipal), não são articulados entre si. Ao contrário do que ocorre em outros países, historicamente, no Brasil não existem registros especiais específicos para grandes áreas. Os dados dos cadastros federais e estaduais não estão cruzados, e o cadastro federal, pela atual legislação, é declaratório. A correição (fiscalização) sobre os cartórios deixa a desejar. Posses comuns de terras concedidas pela União ou pelos estados, com área constitucionalmente limitada a 2.500 hectares, e pequenas glebas obtidas por usucapião repentinamente transformam-se em grandes latifúndios titulados por meio de fraude. Há casos em que um fantasma consegue ser proprietário de milhões de hectares de terras, que são fracionados e vendidos a dezenas de incautos de boa-fé. Muitas vezes nem mesmo as investigações policiais conseguem identificar o criminoso escondido por trás da fraude, beneficiando-se de terras que não são suas. Destaca-se que o estado do Amazonas, com sua enorme extensão territorial e uma população muito rarefeita, possui inúmeras ocorrências de grilagem de terras. Grandes áreas já foram (e são) subtraídas da União e do estado com a confiança na impunidade por parte do grileiro, já que os riscos de contestação por terceiros são pequenos. No entanto, o rastreamento e as pesquisas promovidas pelo Incra já começaram a mudar essa realidade. Nas áreas pesquisadas, 809 casos suspeitos estão sendo investigados pelo Incra, envolvendo 55 milhões de hectares. Desse total, 18 milhões de hectares já tiveram seus registros cancelados em decorrência de ações movidas pela entidade, sendo as terras revertidas ao patrimônio da União. Já no Amazonas, os casos de grilagem se caracterizam pela adulteração de títulos originais de posse ou propriedade, com o objetivo de aumentar a área dos imóveis. Diante disso, a seguir, exploraremos alguns casos relevantes ocorridos nesse estado. 32 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS 1. Casos concretos Agora, estudaremos alguns casos concretos, seguidos de medidas tomadas pelo Incra e pela Justiça Federal referentes à grilagem de terras ocorridas nos municípios de Novo Aripuanã, Borba, Boca do Acre e Lábrea, no Amazonas. Boca do Acre e Lábrea Localizados na faixa de fronteira, os imóveis Recreio do Pauhenê e Recreio de Santo Antônio tinham área inicialmente indefinida ─ identificada apenas como 42 “estradas de seringas” (cada “estrada de seringa” equivale a 100 hectares). A área passou, em seguida, para 50 mil hectares e, depois, para 85.624 hectares, sem a existência de título que, nas sucessivas transmissões, tenha alterado a medida inicial. Mesmo tendo o então Tribunal Federal de Recursos cancelado o registro dos imóveis, estes continuaram a ser repassados a terceiros. Procuradores do Incra tentam reverter integralmente a propriedade para o patrimônio da União. Outro exemplo de título alterado é do imóvel rural denominado Boa Esperança. Originalmente, o imóvel titulado pelo Governo do Estado media 500 hectares. Na sentença de usucapião, foi aumentado para 2.321,22 hectares. Como não foram encontrados os autos da sentença de usucapião na Comarca de Boca do Acre e nem na Justiça Federal do Amazonas, os procuradores do Incra requereram a suspensão de qualquer pedido de averbação, o que foi deferido. Ainda no mesmo município e igualmente referente à ação de usucapião, o imóvel Lua Nova teve seu título alterado de 1.500 para 2.500 hectares. Contudo, foi averbado despacho do relator do extinto Tribunal Federal de Recursos suspendendo os efeitos da sentença de usucapião até o julgamento da avocatória. Depois do cancelamento do registro, uma área mínima de mil hectares será revertida ao patrimônio da União, caso seja comprovada a autenticidade do título definitivo expedido pelo Governo do Estado. Negada a autenticidade, a reversão será integral. O imóvel denominado Seringal Bragança foi inicialmente registrado com área de 50 mil hectares. Durante processo de inventário, seu proprietário recebeu Carta de Adjudicação,expedida pelo juiz de Direito da Comarca de Lábrea, aumentando a área original para 202.400 hectares. Como não foi encontrada qualquer justificativa para tal aumento, a Procuradoria do Incra requereu a 33 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I suspensão de qualquer averbação no registro imobiliário, o que foi concedido pela Justiça. O Seringal São José, inicialmente identificado como uma área de 80 “estradas de seringas”, recebeu registro em que constam 33.899 hectares. Como não constava averbação sobre essa decisão, a Procuradoria do Incra solicitou-a ao juiz de Direito da Comarca, pedido que foi deferido, determinando o magistrado a suspensão do feito e de qualquer pedido de averbação ou registro além do original. O imóvel denominado Águas Pretas, no município de Lábrea, também por meio de sentença em ação de usucapião, teve sua área aumentada de 590 hectares para 111.673 hectares. Admitindo a avocatória promovida pelo Incra, o extinto Tribunal Federal de Recursos cassou a sentença do juiz estadual. O Incra está providenciando o cancelamento da matrícula do imóvel. O mesmo ocorreu com os imóveis Santa Clemência, com 238,17 hectares, e Dois de Julho I, Dois de Julho II e Dois de Julho III, os três somando 1.576,45 hectares (totalizando 1.814,62 hectares), que tiveram suas áreas aumentadas para 650 mil hectares. Com os imóveis Andirá, Novo Axioma, Papiri, Novo Natal ou Natal e outros, que tinham áreas não definidas, ocorreu o mesmo. Ou seja, sentença em ação de usucapião serviu de título para registrar o aumento das áreas, totalizando 155.906 hectares. O extinto Tribunal Federal de Recursos mandou suspender os efeitos da referida sentença. No entanto, não foi possível o cancelamento dos registros por não terem sido encontrados os autos da avocatória nem na Comarca de Boca do Mato nem nos arquivos da Justiça Federal. Mesmo tendo o então Tribunal Federal de Recursos cancelado o registro dos imóveis, estes continuaram a ser repassados a terceiros. Procuradores do Incra tentam reverter integralmente a propriedade para o patrimônio da União. Sentença do juiz da Comarca de Boca do Acre, em ação de usucapião, serviu de título para registrar um conjunto de terras denominado Seringal Maracaju. Do primeiro registro do imóvel, constavam 2.500 hectares; com a sentença, essa área foi irregularmente aumentada para 14.747 hectares. O imóvel, ao lado de outros, num total de 57.450 hectares, é objeto de uma Ação Discriminatória Judicial, por meio da qual o Incra pretende recuperar a propriedade para a União. Mais uma sentença em ação de usucapião serviu de título para transferir, a particular, o domínio de uma área pública medindo 5.400 hectares, compreendendo os imóveis rurais Igarapé Grande, João Ceará e Iquirema. Os imóveis estão localizados em faixa de fronteira e, no decorrer de diversas transmissões, tiveram 34 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS sua área aumentada para pouco mais de seis mil hectares. Já foram averbados a anulação da sentença de usucapião e o cancelamento do respectivo processo, restando o cancelamento de registro para que os imóveis sejam reincorporados ao patrimônio da União. Os imóveis Alto do Bode e Ponte Grande, totalizando 23.100 hectares, foram reunidos em uma área indefinida denominada Boa Esperança, e cedidos por sentença judicial em ação de usucapião. A decisão não foi averbada, em decorrência do que a Procuradoria do Incra solicitou ao juiz de Direito da Comarca de Boca do Acre a averbação da decisão do extinto Tribunal Federal de Recursos, determinando a suspensão de qualquer atividade nos respectivos registros, até decisão final do juízo competente. A Procuradoria Regional do Incra no Amazonas moveu ação ordinária de nulidade, na Justiça Federal, com o objetivo de anular as matrículas irregulares referentes ao imóvel rural denominado Aripuanã ou Fazenda Paulista. Sua área, inicialmente definida como 100 “estradas de seringa”, foi ampliada para 351.633 hectares. O imóvel está localizado em área de fronteira, e suas matrículas e demais registros foram cancelados por uma sentença da Justiça Federal. Ele foi, no entanto, fracionado e vendido, encontrando-se grande parte dos lotes sob domínio de particulares. Todos os lotes estão acobertados por novas matrículas e à disposição dos “proprietários”. A decisão que cancelou os registros não alcançou o resultado esperado em razão da superposição de dois grandes títulos que, depois de registrados, receberam as denominações de Entre Rios, com área de 120 mil hectares, e Santa Felomena, com área de 119.485 hectares, além de parte de duas reservas indígenas e mais dois pequenos títulos registrados com os nomes de Parna e Mourinha. Quando sanadas as questões de superposição, a área será reincorporada ao patrimônio da União. O Seringal Europa, matriculado como sendo parte desmembrada dos lotes de terra denominados Santana, São Joaquim e Acaramutaba, com área definida em “estradas de seringa”, foi registrado, quando do desmembramento, com área de 55.159 ha. Na verdade, pelo que consta nas diversas cadeias dominiais, o Europa é originário do Seringal Santana, titulado pelo Governo do Amazonas com área de 966,06 hectares. Por ocasião da partilha de bens em inventário, passou a ter 80 mil hectares. 35 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I A Gleba Inauini (Floresta Nacional) era inicialmente composta pelos seringais São Francisco e Arama, sem área definida. Posteriormente, foi acrescida com o Seringal São Domingos, que juntamente com outros seringais constituíram a Gleba Inauini, com área total de 311.783,52 hectares, transferida para Maria Luíza Hidalgo Lima Barros por meio de Certidão de Partilha quando da dissolução e liquidação da firma Inauini. O exame da documentação em cartório constatou que foi aberta nova matrícula, transferindo a área para Adalberto Cordeiro da Silva, ocasião em que houve o aumento da área. O Seringal Santana, com área de 966,09 hectares, teve título definitivo expedido pelo Governo do estado em nome de Antônio Pereira de Santana ─ título este não registrado em cartório. A situação do imóvel encontra-se sub judice, pois a Procuradoria-Geral do Incra no Amazonas propôs ação de discriminação judicial. O exame das certidões constatou desmembramentos e ampliação da área para 80 mil hectares. A área original do Seringal Praia do Inferno era de 750 hectares. Após fracionamento e diversas transmissões, foi registrada como tendo uma área de 61.785 hectares. A posse de terras Aracoiaba foi registrada com área de 500 hectares, em 1941. Quando de sua venda, registrou-se, na mesma matrícula, uma área de 29.657,48 hectares. Matriculado com área de 300 “estradas de seringa”, o Seringal Rampado teve sua área expandida para 264.269 hectares. Cento e sete mil hectares era a área original do Seringal São Miguel. Hoje, constata-se que sua área foi elevada para 210.821 hectares. Os imóveis rurais denominados Santo Antônio do Acimã, Canecury, Metaripuá, Angias e Acutiry, em sentença do juiz da Comarca de Lábrea, tiveram suas áreas fixadas, respectivamente, em 64.554,9 hectares; 27.279,1 hectares; 3.494,32 hectares; 36.514,3 hectares; e 29.279,89 hectares. O extinto TFR anulou os atos decisórios e remeteu os autos da ação demarcatória para a Justiça Federal do Amazonas. O acórdão foi averbado e cancelado o registro, totalizando aproximadamente 161.112 hectares que foram reincorporados ao patrimônio público. Os imóveis Anory (sem área original definida), São Miguel e Santo Elias (com áreas somando 15.100 hectares) passaram a ter, por força de sentença em ação de usucapião, 20 mil hectares e 80 mil hectares, respectivamente. O TFR anulou sentença do juiz da comarca e 100 mil hectares foram reincorporados ao patrimônio público. 36 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS Em ação relativa aos imóveis Camarú I, Camarú II, Camarú III, Humaitá, Canto da Fortuna, Alto da Firmeza, Monte Vidéu, Enseada do Futuroe Sagrado Coração (posse), parte do Seringal Ermida (contendo as colocações, sem áreas definidas, Samuará, Bela Rosa, São Lourenço e Clarin ou Cuarin), que tiveram a soma de suas áreas elevada a 15.098 hectares, o TFR anulou a sentença do juiz da comarca e determinou a remessa dos autos da ação demarcatória para a Justiça Federal. Mesmo averbada essa decisão, a firma Madeireira Moss S.A. continua na posse ilegal das referidas propriedades, por ter assinado contrato de compra e venda com a firma Manasa ─ Madeireira Nacional S.A. Os imóveis Santo Antônio do Quicihã, Parijós I e Parijós II, localizados no município de Paiuiní, somavam uma área de 23.101,6 hectares. Após uma demarcação, por força de decisão judicial do extinto TRF, passaram a medir nada menos que 796.857.38,10 hectares. Numa ação de usucapião, os imóveis Colosso, Cecy, República, Santa Haydee, Santa Cecília, Aracy, Amparo, Europa, Paládio, Caviana, Rio Branco I, Rio Branco II, Xingu, Boca do Maoco I, Boca do Maoco II, Jarecatiá I e São Joaquim tiveram, respectivamente, suas áreas aumentadas da seguinte forma: de 8.364 hectares, para 23.500 hectares; de 4.360 hectares, para 10.550 hectares; 8.706 hectares, para 31.560 hectares; de 33.416 hectares, para 150.400 hectares; 20.416 hectares, para 89.500 hectares; de 10.119 hectares, para 10.600 hectares; de 10.105, para 16.500 hectares; de 7.379 hectares, para 37.850. O TFR anulou a sentença e determinou a remessa da ação para a Justiça Federal/ AM. A anulação foi averbada em, 25/10/1977, no cartório de registro de imóveis da comarca de Lábrea. Mesmo assim, esses imóveis foram desapropriados para fins de reforma agrária em 28/7/1988. O INCRA tenta reverter o feito na Justiça. O Seringal São Romão, no município de Piauiní, teve sua área aumentada de 265,06 hectares para 127.842,25 hectares em sentença do juiz da Comarca de Lábrea em ação de usucapião. O TFR anulou a sentença e cancelou os registros dela decorrentes. Com isso, os 127.842,25 hectares voltaram para o patrimônio público. Embora não conste seu tamanho original em certidão expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis de Lábrea, nem tenham sido localizados os autos judiciais de ação demarcatória, nem no cartório nem na Justiça Federal/AM, após ação demarcatória, os lotes de terras denominados Castanhal Grande, Santa Fé e 37 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I Porto de Cima passaram a se denominar Gleba Castanhal Grande, com uma área total de 356.436,51 hectares. O TFR anulou o processo e determinou a remessa para a Justiça Federal dos autos da ação usucapião dos imóveis Boca do Acatuquini, Boa Vista, Aurora (desapropriado para fins de reforma agrária), Aurora I, Aurora II, Aurora III, Aurora IV, Aurora V, Extrema, Salva Vidas, Tocantins e Ponta (os dois últimos também desapropriados) – todos no município de Pauini e pertencentes à Mustaf Said. Mediam, sendo, inicialmente, 17.560 hectares que, posteriormente, passaram para 281 mil hectares. O TFR anulou a sentença e cancelou o registro da matrícula. A Mustaf Said, portanto, não poderia ter recebido a indenização pela desapropriação das áreas, pois, por força da anulação da decisão do SFT, perdera o domínio dos imóveis. O Incra tenta, judicialmente, reverter essa situação. Os seringais Fortaleza, Caçaduá, Santo Antônio, São Sebastião I, São Sebastião II, São Miguel, São Francisco, Maçanã (posse), Mixiry (posse), Seruiny (posse) Guajarrahã, São Jorge (posse) e Maçanã II (posse), originalmente tinham 872.827 hectares. Ao serem transferidas por Nasser Abrahim Nasser para a Fazenda Manasa, o número de hectares foi aumentado para 1.512.416,65. O Tribunal Federal de Recursos anulou o processo a partir da citação e remeteu à Justiça Federal a ação demarcatória, e houve a averbação do cancelamento do registro por decisão do Supremo Tribunal Federal. Posteriormente, no entanto, o juiz federal do Amazonas determinou a revalidação da matrícula do registro que fora cancelada pelo TFR. O TFR anulou o processo e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal em ação de usucapião movida por Mustaf Said em relação aos seringais Jupyra, Liz e Miry, localizados no município de Pauini e com área de 124.500 ha. Por ordem do corregedor-geral, foi cancelado o registro e os 124.500 hectares retornaram ao patrimônio público. O Tribunal Federal de Recursos declarou nula a ação de usucapião movida sobre os Seringais São Pedro e São Pedro I, registrados em nome de Mustaf Said e localizados no município de Lábrea. Os autos foram remetidos para a Justiça Federal do Amazonas. Os imóveis, originalmente, possuíam 1.442,5655 hectares, área essa que, por força da sentença do juiz de Direito da referida comarca, passou para 485.000 hectares. Embora anulada a sentença, conforme averbação no próprio registro 38 UNIDADE I | DO REGISTRO DOS IMÓVEIS imobiliário, Mustaf Said matriculou os mesmos imóveis com a mesma área de 465.000 hectares na comarca de Pauini. Foi encontrado o registro de uma ação demarcatória dos imóveis rurais denominados Bom Fim, Santo Antônio do Acimã, Canecury, Meteripuá, Anajás e Acurtiry, localizados no município de Lábrea, em nome de Omar Tupã Borges. Em verdade, não há qualquer referência nas certidões resumidas expedidas pelo Cartório de Registro de Imóveis da referida Comarca sobre o tamanho original desses imóveis. No entanto, consta tratar-se de área contínua e que, por sentença do Juiz de Direito da Comarca, foi registrada como tendo 934.000 hectares. Foi anulada a transcrição por decisão do extinto Tribunal Federal de Recursos. Com isso, retornou ao patrimônio público a área de 934.000 hectares. A posse de terras João Bento tem área registrada de 170.000 hectares. Depois de várias transmissões, consta na última averbação uma área remanescente de aproximadamente 908.9286 hectares. De acordo com a certidão de registro expedida pelo Cartório de Lábrea, encontra-se a área sobreposta ao imóvel rural denominado República. A área está sub judice. O seringal denominado Natal ou Novo Natal, com área de 155.906 hectares, originalmente integrava a matrícula n. 352 do Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Boca do Acre, por ter sido objeto de ação de usucapião. Em que pese o juiz de Direito da comarca de Boca do Acre ter determinado o cumprimento de decisão do TRF anulando a ação de usucapião, a anulação foi revogada por nova ordem judicial. Não consta na certidão da matrícula fornecida pelo Cartório do Registro de Imóveis de Lábrea a averbação da anulação da sentença de usucapião, continuando o referido imóvel livre para qualquer transação. Borba Na Comarca de Borba, foram cancelados os registros referentes ao imóvel rural denominado Fazenda Santa Cruz, com área aproximada de 1.654.718,00 hectares. Tal área incorpora também: a Fazenda Mata Azul, com registro em nome de Adão Medeiros Paz; a Fazenda Bela Aliança, transferida por Adão Medeiros Paz para Jussara Marques Paz; a Gleba Dourados, que tinha como proprietário Antônio ZigartNeto; a Fazenda Rio Luna, tendo como adquirentes Jorge Jamil, Ângelo Moss, Waldemar Moss, Raimundo Nonato Barbosa Fernandes e Francisco Moss, que a adquiriram de Isaac Amorim e sua mulher, com área parcial de 657.002,6000 hectares. 39 DO REGISTRO DOS IMÓVEIS | UNIDADE I Decisão do extinto TRF cancelou a sentença do juiz de Direito da comarca que deu origem ao título. Posteriormente à decisão do Acórdão, uma área de 162.124.8010 hectares foi desmembrada dessa propriedade, tendo como base uma certidão fornecida pelo Instituto Fundiário do Amazonas, em 6/8/1997, de moda que toda a área passou a ser reintegrada ao patrimônio público. Novo Aripuanã Em 1985, o Incra solicitou à Corregedoria-Geral de Justiça do estado do Amazonas a declaração de inexistência e de cancelamento da matrícula do imóvel rural Gleba Lisboa, localizado no município de Novo Aripuanã, registrado em nome de Eurípedes Rodrigues da Cunha e outros, com área de 687.280 hectares.
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