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Filosofia do Direito Aula 10 - A lógica do razoável INTRODUÇÃO Nesta aula, ainda no horizonte da hermenêutica jurídica, você irá compreender a lógica do razoável formulada por Luís Recaséns Siches e sua tentativa de superar a lógica tradicional de interpretação das normas jurídicas. OBJETIVOS Identificar o que significa lógica do razoável; Analisar a relação da lógica tradicional e da lógica do razoável; Compreender a relação da lógica do razoável com a equidade em Aristóteles. A LÓGICA DO RAZOÁVEL Luís Recaséns Siches (1903–1977) foi professor da Universidade Nacional do México e universidades norte- americanas, estudou na Universidade de Viena, foi discípulo de Giorgio del Vechio, Rudolf Stammler, Hans Kelsen (vide Notas), dentre outros. Defendeu o emprego de um método: o da lógica do razoável como um critério para escolha de conteúdo para caso em que há lacuna na lei (TOMASZEWISKY, 1998). A ideia de Siches era encontrar um método para interpretação do Direito vigente que estivesse efetivamente ligado ao sentido de justiça. Assim, elabora uma interessante crítica à lógica tradicional aplicada ao Direito em que podemos observar o clássico silogismo: a norma jurídica como premissa maior; o caso fático como premissa menor e a conclusão como subsunção do fato na norma jurídica — uma decisão que considerou ingênua e muitas vezes afastada do sentido de justo. A lógica do razoável seria a única regra capaz de permitir que o julgador alcançasse uma decisão justa porque permite uma ponderação que não é neutra quanto aos valores envolvidos (TOMASZEWISKY, 1998). E, no caso de uma situação com especificidades, sem a existência de uma norma adequada, poderá o intérprete ou juiz recorrer a critérios como os costumes e a analogia e não sendo suficientes buscar nos princípios do Direito Natural que estão na consciência do intérprete (CERQUINHO, 1981). A LÓGICA TRADICIONAL E A LÓGICA DO RAZOÁVEL Siches menciona um relato de Gustav Radbruch segundo o qual, em uma estação ferroviária da Polônia, havia um cartaz proibindo a entrada de pessoas acompanhadas de cachorro. Certa vez, um sujeito apareceu acompanhado de um urso e foi impedido de entrar pelo funcionário responsável. O sujeito reclamou dizendo que o cartaz proibia cachorros e não ursos e, na hipótese, surgiu o conflito em torno da interpretação do regulamento que já havia proibido também a entrada de um cego com um cão acompanhante (apud TOMASZEWISKY, 1998). Everett Collection / Davor Ratkovic / Shutterstock , Na lógica tradicional, o sujeito com o urso estaria correto na sua reivindicação. A norma foi criada para salvaguardar a segurança dos usuários da ferrovia e proibia cachorros que, embora dóceis, podem mudar de humor e não se falava em ursos. Portanto, a situação não contempla análises valorativas e o urso poderia permanecer na estação ferroviária., , Para Siches, os métodos da lógica tradicional são incapazes de ofertar soluções justas diante de situações que não estão previstas em lei. Os métodos da lógica tradicional limitam-se ao raciocínio da lógica-dedutiva, e a decisão a ser prolatada acaba reduzindo-se a um mero silogismo ingênuo da premissa maior, premissa menor e conclusão (TOMASZEWISKY, 1998). Imaginemos o caso sugerido por Tomaszewisky (1998) do sujeito que vive na selva Amazônica com pouco ou quase nenhum contato com comunidades ribeirinhas, não sabe ler ou escrever. Ocorre que o sujeito é preso, em flagrante, ao derrubar uma árvore para fazer a sua canoa assim como procedeu seu pai e seu avô no passado. A reclusão deste sujeito seria justa? Resposta Correta Além de operar com os princípios da justiça, liberdade, segurança, deve, ainda, usar a sensatez, analisar interesses, usar a prudência etc. O ponto fundamental da lógica do razoável ultrapassa o texto da lei, e segue no horizonte de juízos de valor (TOMASZEWISKY, 1998). Na tese de Siches, a interpretação inclui princípios axiológicos e critérios valorativos para dar sentido mais adequado ao texto legal. O processo de produção do direito não termina com a promulgação da lei, mas acontece fundamentalmente no momento de sua individualização, da norma individualizada, que é dimensão concreta do Direito, no mundo da vida, em que se desvela o real papel do julgador (TOMASZEWISKY, 1998). Segundo Luis Fernando Coelho, na obra Lógica jurídica e interpretação das leis (COELHO apud TOMASZEWISKY, 1998, p. 128), Siches é o catalizador de uma nova teoria em matéria de hermenêutica: , Conforme prelecionam alguns autores, a lógica do razoável, que decorre da realidade do mundo dos valores, está presente no procedimento analógico e foi apontado por nosso legislador de maneira implícita quando, no art. 5º, do LINDB, observa que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, neste caso, há o reconhecimento da lógica do razoável como critério para aplicação da norma., , Para ler mais sobre o assunto, clique aqui (galeria/aula10/docs/hermeneutica.pdf). Fonte da Imagem: https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/GON830/galeria/aula10/docs/hermeneutica.pdf Fonte da Imagem: sumkinn / Shutterstock Não se ampara no silogismo; Não se apoia na subsunção formal; Fundamenta-se na prudência; Baseia-se na equidade e no sentido de justo; Está condicionada pela realidade concreta do mundo; Está impregnada de critérios estimativos ou axiológicos; Reporta-se a uma determinada situação real; É regida por razões de congruência ou adequações entre valores e fins/entre fins e a realidade concreta; Está orientada pelos ensinamentos de vida e experiência histórica; Enseja a aplicação das normas jurídicas segundo princípios de razoabilidade. Esquema de situações sugeridos por Siches (SILVA; ZENNI, 2008, p. 126-7.) Situação 1 Aparentemente, existe uma norma vigente, aplicável ao caso em julgamento, de modo a lhe produzir uma solução satisfatória. Mas, mesmo nesta situação, o magistrado realiza uma série de juízos axiológicos: para encontrar a norma, para apreciar a prova e qualificar os fatos, e para adequar o sentido abstrato e geral da norma à significação concreta do caso controvertido. Situação 2 Há dúvida sobre a qual das normas de mesma hierarquia, mas de conteúdo diferente, deve ser aplicável ao conflito. Em tal hipótese, além das valorações referidas na “situação 1”, o juiz, após analisar os resultados que cada uma dessas normas produziria, deve escolher aquela que conduz a uma solução mais justa. Situação 3 À primeira vista, o juiz, por se deixar influenciar por nomenclaturas e conceitos classificatórios contidos em uma norma, pensa estar diante da regra que cobre o caso. Mas, quando ensaia mentalmente, a aplicação da lei à controvérsia sub judice, percebe que sua aplicação levaria a uma consequência diversa do resultado a que a norma propõe, contrária aos efeitos que o legislador pretendeu ou que teria pretendido se tivesse em vista a controvérsia concreta da questão. Em tal circunstância, o juiz deve afastar a norma aparentemente aplicável à espécie e colocar-se em contingência de lacuna. Situação 4 Por mais que o juiz investigue, não contém o Direito positivo vigente uma norma aplicável ao caso. Nessa situação, dá-se uma autêntica hipótese de lacuna. A ideia da lógica do razoável fundamenta-se, portanto, na relação da norma com a realidade concreta. Nessa perspectiva, desvela-se o importante papel do julgador, sua formação humanista mais abrangente e seu comprometimento com o primado da justiça e equidade (SILVA; ZENNI, 2008, p. 128.). VOCÊ SABIA? Os grandes desafios das democracias contemporâneas repousam sobre incessantes lutas por justiça e equidade, presentes nos discursos embora fragilizadas no plano da sociabilidade, por isso, a Filosofia do Direito precisa estar ao lado da Ciência Jurídica para um diálogo profundo e profícuo. ATIVIDADES Luís Recaséns Siches apresenta muitos relatos para exemplificar sua tese da lógica do razoável. Segundo Percival J. V. Cerquinho (1981), podemos imaginar a hipótesede um senhor com grande poder aquisitivo e que, em razão da crise econômica, encontra-se em situação difícil para seu sustento e de sua família. Adoece, mas nomeia como sua curadora a sua secretária. Na gestão da situação, a secretária percebe que somente com a venda de algumas ações que restaram no patrimônio do senhor, poderia manter a família e restabelecer o equilíbrio. Assim procede e obtém êxito no seu intento. Posteriormente, o senhor é acometido de mal súbito e vem a falecer. Abre-se o testamento e verifica-se que o falecido havia deixado, como legado à secretária, justamente as ações que foram vendidas para reerguer a situação econômica da família. Diante da situação, a secretária solicita aos herdeiros que as ações sejam substituídas pelo valor que teriam ou pelo que havia sobrado em dinheiro em razão da venda das mesmas. A família do falecido não concorda e inicia um litígio com a secretária. Em decisão final, a secretária nada recebeu e foi condenada em custas e honorários advocatícios. Neste caso, foi aplicada a lógica do razoável ou a lógica tradicional? Resposta Correta QUESTÃO 1: Nos estudos de hermenêutica jurídica, investigamos a tese da lógica do razoável. Assinale a opção que apresenta a postura do intérprete diante de eventuais lacunas segundo esta teoria da interpretação: O intérprete deve ficar nos limites da norma positivada. O intérprete deve aplicar apenas o silogismo dedutivo. O intérprete deve buscar a aplicação da teoria pura do Direito. O intérprete deve buscar apoio nos princípios do direito natural. O intérprete deve seguir a lógica do positivismo. Justificativa QUESTÃO 2: Considerando os estudos da lógica do razoável, assinale a opção que NÃO apresenta uma característica desta forma de interpretação: Não se ampara no silogismo clássico. Não se apoia na subsunção formal. Baseia-se apenas na norma jurídica positivada e no ordenamento jurídico. Baseia-se na equidade e no sentido de justo. Fundamenta-se na prudência. Justificativa QUESTÃO 3: No processo hermenêutico, como ferramenta para concretização da justiça, a lógica do razoável observa: O princípio da equidade. O sentido estrito da norma. A vontade do legislador. O silogismo tradicional. A racionalidade, mas não a razoabilidade. Justificativa Glossário
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