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ANA LUISA ARRABAL DE ALMEIDA – TERAPÊUTICA VETERINÁRIA Introdução -Toxicologia é o estudo dos venenos e envolve a observação dos efeitos nocivos de agentes tóxicos. Do grego, toxicon significa veneno e logos estudo. A toxicologia tem como objeto de estudo os efeitos nocivos de agentes tóxicos e seu mecanismo de ação. A intoxicação é dividida em 4 fases: 1. Fase de exposição; 2. Toxicocinética; 3. Toxicodinâmina: mecanismo de ação exercido pelos princípios tóxicos. 4. Fase clínica. -Não se dava muita importância em saber exatamente qual o princípio ativo. Atualmente, existe uma área mais ativa na veterinária, a forense. Ou seja, pode ser que o quadro de intoxicação seja intencional e pode ser enquadrado como crime. -Meta no caso de intoxicação: intervenção imediata para salvar a vida. Tempo é fundamental. Os quadros de intoxicação são classificados como emergência por se apresentarem como risco de morte. -Muitas vezes se faz estabilização do paciente e aguardo, esperando o princípio tóxico circular e ser excretado, sendo facilitada a sua excreção por intervenção. Geralmente não há um antídoto exclusivo contra o princípio tóxico. -Orientações: • Intoxicações cutâneas (banho): era comum banho de amitraz para tratamento de pulga e carrapato. Poderia acontecer de dar o banho no sol ou não o utilizar de forma correta, errando na diluição ou tempo de espera. • Não desperdiçar possíveis alimentos contaminados. É importante que seja levado ao veterinário, mesmo que seja o resto do alimento que o animal consumiu. • Embalagens de eventuais produtos também devem ser levadas ao veterinário. Rodenticidas Anticoagulantes -Muitos rodenticidas não são mais permitidos devido aos seus efeitos tóxicos em animais não alvo, como os seres humanos. Entre eles estão estricnina, fluoracetato, tálio e cumarínicos. Apesar da proibição, muitos ainda são utilizados. Os hidroxicumarínicos são os principais compostos utilizados atualmente como rodenticidas anticoagulantes. Esses compostos, como a varfarina, têm a capacidade de interferir na coagulação do sangue de roedores, levando à morte por hemorragia interna. No entanto, mesmo com a utilização desses compostos mais seguros, as intoxicações por rodenticidas ainda são frequentes. Fluoracetato -Fluoracetato: é rapidamente absorvido pelo trato gastrointestinal, respiratório ou por pele lesada. Uma vez absorvido, ele se distribui pelo corpo através da corrente sanguínea, sem ter predileção por tecidos específicos. -Mecanismo de ação: é incorporado pela acetil-CoA formando fluoracetil-CoA. Em seguida, ele se liga ao oxalacetato, resultando na formação de fluorocitrato. O fluorocitrato é capaz de competir com o citrato endógeno pelo sítio enzimático no ciclo de Krebs. Essa competição enzimática leva ao acúmulo de citrato, uma vez que o fluorocitrato bloqueia a atividade das enzimas envolvidas no ciclo de Krebs. Esse acúmulo de citrato pode causar efeitos tóxicos em vários sistemas do corpo, afetando principalmente o sistema nervoso central e o sistema cardiovascular. Entre os efeitos do acúmulo de citrato está a queda brusca nos níveis de cálcio ionizado e o acúmulo de amônia. Normalmente, há um tempo de latência decorrente do tempo de biotransformação, que pode variar entre 30 minutos a 25 horas. -Sinais clínicos: sintomas cardiovasculares incluem arritmias cardíacas, como fibrilação ventricular, que é uma condição grave e potencialmente fatal. Os sintomas neurológicos podem envolver excitabilidade aumentada, fasciculações musculares e convulsões. -Diagnóstico da intoxicação por fluoracetato: • Anamnese: história clínica é fundamental para identificar a exposição ao fluoracetato. O veterinário irá questionar sobre a possível ingestão, inalação ou contato com a substância, além de investigar a presença de sintomas clínicos. • Sinais clínicos; • Patologia clínica: os exames laboratoriais podem fornecer informações adicionais para o diagnóstico. Na intoxicação por fluoracetato, é comum observar leucopenia, neutropenia, elevação das enzimas creatina quinase (CK), creatina quinase- MB (CK-MB) e desidrogenase láctica (LDH). • Análise toxicológica: para confirmar o diagnóstico, pode ser realizada uma análise toxicológica específica. Essa análise pode ser feita qualitativamente por meio de técnicas como cromatografia em camada delgada, que pode detectar a presença de fluoracetato no organismo. Além disso, a análise quantitativa, como a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), pode ser utilizada para medir os níveis da substância, sendo mais sensível e rápida. • Elevação dos níveis de citrato: a intoxicação por fluoracetato leva ao acúmulo dos níveis de citrato, que pode ser avaliado por meio de exames laboratoriais. -Tratamento: envolve uma abordagem de desintoxicação e suporte. Para desintoxicação são utilizados eméticos (morfina, água oxigenada), lavagem gástrica (inserção de sonda nasogástrica, sendo que muitas vezes não é produtiva), carvão ativado (substâncias adsorventes) e catárticos (procinéticos). São utilizados doadores de acetato que ajudam a diminuir os efeitos tóxicos do fluoracetato pela diminuição da quantidade de citrato endógeno: • Monoacetato de glicerol: pode ser utilizado como doador de acetato, fazendo inibição competitiva com o fluoracetato para entrar no ciclo de Krebs. Geralmente é administrado em doses de 0,55 mg/kg IM a cada 30 minutos, durante 12 horas. -Tratamento suporte: gluconato de cálcio funciona como repositor de cálcio que foi quelado pelo citrato. Também se utiliza diuréticos e hidratação para tentar excretar os tóxicos da circulação. Obs.: a maioria dos princípios tóxicos é lipossolúvel e fornecer leite para o animal aumenta a absorção desse princípio tóxico. Rodenticidas derivados Cumarínicos -Primeira geração: varfarina, dicumarol, valona. Tem baixa potência e necessita de várias doses para causar efeito. -Segunda geração: brodifacum e bromodiolona. Uma única administração já surge efeito. -Mecanismo de ação: lesão da enzima epóxido redutase, a qual transforma a vitamina K metabólito em vitamina K ativa disponível para a síntese dos fatores de coagulação. Por consequência, ocorre um prolongamento do tempo de coagulação e uma maior tendência a hemorragias. -Sinais clínicos: se tem antagonista da vitamina K, a cascata de coagulação não acontece e não tem conversão de fibrinogênio e fibrina e a lesão acontece de novo com posterior hemorragia (quadro anêmico, hemorragia no local de punção). A depender do grau de anemia, pode apresentar dispneia por hipovolemia. Arritmias cardíacas, dor em articulações e ataxia, além de qualquer outra manifestação de hemorragia. -Diagnóstico: • Sinais clínicos; • Redução do hematócrito: pode ser um achado ou não dependendo do fator agudo. Ou seja, o animal pode ter entrado em hipovolemia, mas ainda sem a compensação pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona. • Tempo de coagulação: pode ser avaliado por meio de testes laboratoriais, como o tempo de protrombina (TP) e o tempo de tromboplastina parcial (TTPA). Alterações prolongadas nesses tempos de coagulação podem indicar disfunção da cascata de coagulação. • Análise toxicológica: diagnóstico definitivo. A análise toxicológica pode ser realizada em amostras biológicas, como plasma, sangue, fígado, vômito ou fezes. Essa análise pode identificar a presença de cumarínicos ou seus metabólicos, confirmando a exposição. -Tratamento: • Vitamina K1 (fitomenadiona) SC ou VO (IV causa anafilaxia). A fitomenadiona age como um suprimento exógeno de vitamina K, aumentando a disponibilidade de vitamina K no organismo e superando a inibição causada pelos cumarínicos. Isso restaura a atividade dos fatores de coagulação dependentes de vitamina K.• Suporte: eméticos e adsorventes, oxigenoterapia (a hipovolemia causada pelo sangramento excessivo pode causar dispneia, sendo necessário garantir a correta oxigenação dos tecidos) e transfusão. Estricnina -É um alcaloide encontrado nas sementes de certas plantas. É um pó branco, cristalino, inodoro e de baixa hidrossolubilidade. A absorção da estricnina ocorre principalmente no intestino após a ingestão. Ela é rapidamente absorvida e distribuída pelo organismo. A estricnina tem afinidade por tecidos como fígado, rins e músculos, com quantidades menores encontradas no sangue. -Aproximadamente 80% da estricnina é biotransformada no fígado por meio de processos metabólicos e eliminada principalmente pela urina. Cerca de 20% da estricnina é eliminada inalterada na urina. -Baixa dose tóxica: no contexto veterinário, a estricnina é conhecida por sua alta toxicidade, mesmo em doses relativamente baixas. Pequenas quantidades podem causar intoxicação grave e potencialmente fatal em animais. -Mecanismo de ação: inibição do neurotransmissor glicina, o qual é inibitório do sistema nervoso central. A estricnina atua como um antagonista competitivo e reversível da glicina, interferindo na sua função normal. -Os sinais clínicos da intoxicação por estricnina em animais são geralmente agudos e podem ocorrer dentro de 10 minutos a 2 horas após a exposição. Alguns dos principais sinais observados são: 1. Rigidez de músculos extensores; 2. Convulsões tônicas; 3. Sensibilidade sonora e luminosa; 4. Outros sinais: alterações comportamentais, marcha rígida e, em casos graves, pode levar à paralisia dos músculos respiratórios. -Diagnóstico: • Anamnese; • Sinais clínicos; • Alterações laboratoriais: elevação dos níveis de CK pode ocorrer devido à destruição muscular causada pelas convulsões. Também é observada mioglobinúria que indica rabdomiólise, uma complicação potencialmente grave da intoxicação. A detecção da estricnina na urina por meio de testes toxicológicos é outro método para confirmar o diagnóstico, já que 20% dela é excretada inalterada na urina. o Tecido hepático: análise desse tecido pode ser realizada para identificar a presença da estricnina, uma abordagem mais sensível e específica em comparação com a detecção na urina. Obs.: rabdomiólise é uma condição caracterizada pela lesão ou destruição do tecido muscular esquelético, resultando na liberação de substâncias intracelulares, como a mioglobina, no sangue. A mioglobina é filtrada pelos rins e excretada na urina, dando uma coloração escura ou avermelhada, denominando mioglobinúria. -Prognóstico: a rapidez no início do tratamento é fundamental para melhorar as chances de recuperação. Se o tratamento for instituído precocemente e o animal for mantido sob cuidados intensivos por 24 a 48 horas, o prognóstico geralmente é favorável. -Tratamento: • Lavagem gástrica, carvão ativado e procinéticos. • Evitar o uso de eméticos em crises convulsivas pois pode estimular ainda mais o sistema nervoso central e agravar a situação. • Diuréticos. • Acidificação da urina com cloreto de amônio: a estricnina na sua forma ionizada (ácida) tem maior solubilidade e é mais facilmente excretada pelos rins. Dessa forma, a acidificação da urina facilita a eliminação da estricnina, pois aumenta a proporção de estricnina ionizada, que é prontamente excretada na urina. • Tratamento nas crises convulsivas: administração de medicamentos anticonvulsivantes – Diazepam 0,2 -1 mg/kg IV. O éter glicerol guaiacol também é utilizado como anticonvulsionante. • Tratamento após a crise convulsiva: pode ser necessário administrar fenobarbital para evitar recorrências e estabilizar o animal. Hemorragias petequiais. Acidentes por Animais Peçonhentos -Acidentes dependem do gênero da serpente. No Brasil, tem-se a coral e cascavel. Dependem também da espécie acometida, ou seja, dentro do mesmo gênero existem diferentes espécies de serpentes, as quais podem possuir venenos mais potentes ou não. O tempo até o atendimento e a quantidade de veneno no local do inóculo também são relevantes. -Venenos tem ação proteolítica e vasculotóxico – possuem enzimas capazes de quebrar proteínas e causar danos a células e tecidos. Além disso, o veneno de serpentes pode induzir a agregação plaquetária, o que pode resultar em consumo excessivo de fibrinogênio (proteína necessária para a formação de coágulos), levando a uma tendência a sangramento e à diminuição da capacidade de coagulação. -Ação tipo trombina: venenos possuem uma propriedade de atuar de maneira semelhante à enzima trombina, a qual converte o fibrinogênio em fibrina, uma proteína solúvel que forma uma rede de filamentos, essencial para o processo de coagulação. -Sinais de envenenamento: edema, dor, necrose, hemorragia. -Diagnóstico: • Sinais clínicos; • Tempo de coagulação: teste laboratorial que avalia o tempo que o sangue leva para formar um coágulo. • TTPA (tempo de tromboplastina parcial ativada): avalia a via intrínseca da coagulação sanguínea. • TP (tempo de protrombina): avalia a via extrínseca da coagulação. -Tratamento: • Soro antiofídico: principal medida terapêutica. Contém anticorpos específicos que neutralizam o veneno da serpente. o Deve ser administrado IV, de forma lenta e gradual. Uma dose do soro deve ser suficiente para neutralizar cerca de 100 mg de veneno. -Procedimentos contra indicados: • Uso de torniquetes e garrotes: podem restringir o fluxo sanguíneo na área picada e levar a complicações na região congesta, como dano tecidual, necrose etc. • Sucção no local da picada ou cortes ao redor dela; • Utilização de produtos “populares” como borra de café; • Fazer o paciente se movimentar: o aumento do fluxo sanguíneo devido a movimentação vai aumentar a velocidade de disseminação do veneno. Parasiticidas, Inseticidas e Pesticidas -Carbamatos: praguicida em agropecuário e utilizado como pulicida. Tem-se dois tipos de produtos utilizados, seja de controle parasitário, seja de controle em lavoura: carbamato e organofosforado, os quais tem basicamente o mesmo mecanismo de ação, atuando na enzima acetil colinesterase. Essa enzima tem dois sítios de ligação, sendo que o organofosforado faz uma ligação covalente com um dos sítios de ligação, tendo efeito mais potente. O carbamato faz ligação de hidrogênio com ambos os sítios de ligação da enzima. Alguns princípios ativos dos carbamatos incluem aldicarb, carbaril, bendiocarb, propoxur etc. -Tratamento para carbamato: podem ser controlados com agentes antimuscarínicos e alcalinização da urina. Organofosforados -Utilizações: os organofosforados são amplamente utilizados em diferentes aplicações, incluindo guerra química, pesticidas na agropecuária e como anti-helmínticos. Alguns princípios ativos comuns incluem triclorfon, coumafós, diclorvós, diazinon e malation. -Mecanismo de ação: atuam inibindo a atividade da enzima acetilcolinesterase (através de uma ligação covalente entre o composto e o sítio esterásico), que é responsável por quebrar a acetilcolina, um neurotransmissor importante para transmissão do sinal nervoso e, eventualmente, causa paralisia e morte. -Os organofosforados são altamente lipossolúveis, característica que facilita sua absorção pelo organismo. São absorvidos rapidamente de diferentes maneiras: pele, mucosa, TGI e trato respiratório. As fosforilfosfatases são as enzimas responsáveis por metabolizar esses compostos, convertendo-os em produtos menos tóxicos. Os metabólitos resultantes são excretados principalmente pela urina. Os organofosforados possuem capacidade de se depositar no tecido adiposo, ou seja, pode ser armazenado nas células de gordura do corpo, podendo ser novamente liberados na circulação, causando potenciais efeitos tóxicos. -Tratamentopara carbamato: podem ser controlados com agentes antimuscarínicos e alcalinização da urina. -Sinais clínicos: • Sudorese; • Sialorreia; • Lacrimejamento; • Tenesmo: sensação de desconforto na região anal, geralmente associada a uma vontade constante de defecar; • Broncoconstrição e dispneia; • Tremores musculares. -Tratamento: • Podem ser controlados com agentes muscarínicos: o Atropina 0,1-2 mg/kg 1/3 IV e 2/3 IM ou SC: agente colinérgico que ajuda a bloquear os efeitos dos neurotransmissores colinérgicos, aliviando os sintomas relacionados à hiperestimulação do sistema nervoso. o Pralidoxima: reativador de colinesterase que tem capacidade de se ligar ao sítio esterásico da enzima inativada pelos organofosforados. Isso permite que a colinesterase seja reativada e volte a funcionar normalmente. • Alcalinização da urina: é feita com administração de bicarbonato de sódio IV ou VO (3-4 mEq/kg). Amitraz -O amitraz é um parasiticida pertencente ao grupo das formamidinas. É comumente utilizado no controle de carrapatos e ácaros em animais, incluindo cães. Apresenta alta lipossolubilidade e sua forma de administração é tópica. -Mecanismo de ação: envolve a interação com os receptores adrenérgicos α-2, levando a efeitos inibitórios. Essa interação resulta em uma série de efeitos farmacológicos, incluindo a diminuição da atividade simpática e ação sedativa. Além disso, o amitraz também é capaz de inibir a enzima monoamina oxidase (MAO), que está envolvida no metabolismo de neurotransmissores. -Sinais clínicos: • SNC: sedação, hipotermia, incoordenação motora. • Cardiorrespiratórios: bradicardia, hipotensão e bradipneia. • GTI e urinários: poliúria, vômito e sialorreia. • Endócrinos: hiperglicemia, hipocortisolismo e hipoinsulinemia. -Tratamento: • Descontaminação dérmica: caso a intoxicação seja devida à exposição cutânea, é importante remover todo o produto da pele do animal por meio de lavagem com água e sabão suave. • Descontaminação GTI: pode ser necessário induzir o vômito no animal, desde que esteja consciente e estável. • Antagonistas α-2: o Iombina 0,1-0,2 mg/kg IV/IM/SC ou VO. É um antagonista seletivo do receptor adrenérgico α2. o Atipamezole 0,1-0,2 mg/kg IV ou IM. Outro antagonista seletivo do receptor adrenérgico α2. • Suporte: o Acidificante de urina: pode ser utilizado cloreto de amônio ou vitamina C para a acidificação, o que auxilia na eliminação do amitraz. o Controle da hipotermia.
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