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ANÁLISE REAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir função contínua utilizando a ideia de limites. > Reconhecer funções contínuas em conjuntos conexos e em conjuntos com- pactos. > Identificar os tipos de descontinuidade de uma função. Introdução Informalmente, quando pensamos em função contínua, podemos associá-la àquela cujo gráfico pode ser desenhado sem tirar o lápis do papel, ou seja, de maneira interrupta (sem quebras ou saltos). No entanto, é importante evidenciar que o estudo da continuidade de uma função está vinculado ao estudo de limite. Isso implica, formalmente, que uma função f(x) será contínua em x = a quando algumas condições forem satisfeitas. Podemos reconhecer as funções contínuas em conjuntos conexos, aqueles em que não há qualquer maneira de dividir seus elementos em dois conjuntos dicotômicos e bem separados, e em conjuntos compactos, aqueles em que “[...] para um dado espaço métrico (K, dK) e para toda f:K → contínua existir um x* ∈ K tal que f(x*) = infx∈Kf(x). Se K X, dizemos que K é compacto se K é compacto com a métrica induzida por X” (OLIVEIRA, 2014). Neste capítulo, vamos definir função contínua de forma mais intuitiva e pela ideia de limites. Também ensinaremos o leitor a reconhecer funções contínuas em conjuntos conexos e compactos e, por fim, explicaremos os três tipos básicos de descontinuidade de uma função. Continuidade de funções Cristiane da Silva Função contínua Para compreendermos o significado de função contínua, vamos pensar em uma bola que é arremessada. Ela seguirá uma trajetória como uma curva sem interrupções, ou seja, uma trajetória contínua, como vemos na Figura 1. Figura 1. Lançamento de uma bola. Podemos definir uma função contínua por seu gráfico ou sua definição. O gráfico é um recurso visual que auxilia no entendimento da definição. No caso da função contínua, é como se você utilizasse um lápis para desenhar uma curva sem tirá-lo do papel (Figura 2). Figura 2. Função contínua. Perceba que não há qualquer quebra, qualquer salto. A Figura 2 apresenta uma linha contínua, sem descontinuidade. Isso posto, precisamos enten- der quais propriedades de uma função podem causar quebras ou buracos. Acompanhe a Figura 3. Continuidade de funções2 Figura 3. Funções descontínuas. Fonte: Anton, Bivens e Davis (2014, p. 110). Anton, Bivens e Davis (2014) explicam que uma função terá uma quebra ou buraco em um ponto x = c, como mostra a Figura 3, nos seguintes casos: 1. a função f não está definida em c, como mostra a Figura 3a; 2. o limite de f(x) não existe quando x tende a c, como mostram as Figuras 3b e c; 3. o valor da função e o valor do limite em c são diferentes, como mostra a Figura 3d. Isso nos leva à definição de continuidade (ANTON; BIVENS; DAVIS, 2014): Dizemos que uma função f é contínua em x = c se as seguintes condições forem satisfeitas: 1) f(c) estiver definida; 2) existir; 3) Quando uma das condições da definição falha, existe uma descontinui- dade. Na Figura 3, observamos que f(x) tem uma descontinuidade em x = c. Na Figura 3a, ocorre a violação da primeira condição da definição, quando a função não está definida em c. Na Figura 3b, os limites laterais da função quando x tende a c não são iguais, então não existe o que viola a segunda condição da definição. Chamamos esse caso de descontinuidade de salto em c. Na Figura 3c, os limites laterais são infinitos, então não existe e, aqui, dizemos que a função tem uma descontinuidade infinita em c. Na Figura 3d, a função está definida em c e o existe; porém, esses dois valores são diferentes, o que viola a terceira condição da definição. Na última situação, dizemos que a função tem uma descontinuidade removível em c (ANTON; BIVENS; DAVIS, 2014). Outra definição importante diz que uma função f é contínua à di- reita em um número a se e contínua à esquerda em a se Além disso, a função será contínua em um intervalo se for Continuidade de funções 3 contínua em todos os números do intervalo (STEWART, 2016). Vejamos um exemplo de Stewart (2016). Mostre que a função é contínua no intervalo [–1,1]. Solução: Se –1 < a < 1, então, usando as propriedades dos limites: Por definição, f é contínua em a se –1 < a < 1. Cálculos análogos mostram que: Logo, f é contínua à direita em –1 e contínua à esquerda em 1. Consequen- temente, f é contínua em [–1,1]. Confira o gráfico da função e veja que ele é a metade inferior do círculo: Figura 4. Gráfico da metade inferior do círculo x² + (y – 1)² = 1. Fonte: Stewart (2016, p. 101). Continuidade de funções4 Para facilitar o trabalho, especialmente quando estivermos tratando de funções contínuas complicadas, convém utilizar o seguinte teorema, que possibilita trabalhar com funções mais simples: Se f e g forem contínuas em a e c for uma constante, então as seguintes funções também são contínuas em a: 1) f + g; 2) f – g; 3) cf; 4) fg; 5) f/g, se g(a) ≠ 0. Saber quais funções são contínuas nos permite calcular mais rapidamente alguns limites. Existem funções que são sempre contínuas em seus domínios. Isso significa que você não precisa realizar uma análise para esses casos, basta conhecê-las. Veja-as a seguir (STEWART, 2016). � Polinômios. � Funções raízes, para x ≥ 0 em raízes pares � Funções seno e cosseno. � Funções trigonométricas inversas, como arcsen, arctag, etc. � Funções exponenciais. � Funções logarítmicas, para todo x > 0. � Funções racionais. Para Stewart (2016), outra possibilidade de combinar as funções contínuas f e g para obter novas funções contínuas é a função composta f ° g, que vem do seguinte teorema: Seja f é contínua em b e então Dito de outra forma, Confira um exemplo de Stewart (2016). Continuidade de funções 5 Calcule Solução: Uma vez que arcsen é uma função contínua: Nesta seção, vimos a definição de continuidade de uma forma mais in- tuitiva e, depois, no contexto das funções. Ensinamos que podemos analisar a continuidade de uma função por meio do recurso gráfico e por meio da definição. Além disso, estabelecemos sua relação com limite e conhecemos teoremas que nos permitem trabalhar com funções contínuas mais simples. Funções contínuas em conjuntos conexos e compactos Nesta seção, estudaremos funções contínuas em conjuntos conexos e com- pactos. Neri e Cabral (2011) afirmam que A é um conjunto conexo se A é um dos intervalos da seguinte definição: Sejam a, b ∈ com a ≤ b, um intervalo é um subconjunto de R de qualquer uma das formas abaixo: 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) 9) Continuidade de funções6 Quando a = b, temos [a,a] = {a} e [a,a) = (a,a) = (a,a] = ∅. Logo, o conjunto vazio e os conjuntos unitários são intervalos. Esses dois tipos de intervalos são ditos degenerados, enquanto outros são ditos não degenerados. O intervalo ∅ e os intervalos dos tipos (3), (6), (8) e (9) são ditos abertos. O intervalo ∅ e os intervalos dos tipos (1), (5), (7), (9) são ditos fechados” (NERI; CABRAL, 2011). Note que, de acordo com essa definição, o conjunto dos reais e o conjunto vazio são os únicos intervalos que possuem a propriedade de ser abertos e fechados ao mesmo tempo. Também podemos observar que existem intervalos que não são abertos nem fechados. Dito isso, Neri e Cabral (2011) destacam que uma função contínua leva conexo em conexo, mas, para apresentar o teorema que trata dessa questão, precisamos do teorema do valor intermediário: Se f ∈ C([a,b]) e f(a) < k < f(b), então existe c ∈ (a,b) tal que f(c) = k. A mesma conclusão vale quando f(a) > k > f(b). Assim, podemos seguir para o próximo teorema, que diz que a imagem de conexo é conexo: Seja I R um conexo e f: I → contínua, então f(I) é um conexo. Stewart (2016) explica que o teorema do valor intermediário afirma que uma função contínua assume todos os valores intermediários entre os valores da função f(a) e f(b). Observe a Figura 5 e verifique que o valor de k pode ser assumido uma vez (Figura 5a) ou mais (Figura 5b). Figura5. Representação gráfica do teorema do valor intermediário. Fonte: Adaptada de Stewart (2016). Continuidade de funções 7 Stewart (2016) destaca que o teorema do valor intermediário será verda- deiro para aquelas funções contínuas cujo gráfico não apresente saltos ou quebras. No entanto, quando as funções forem descontínuas, o teorema se torna falso. Quanto às funções contínuas em compactos, vale lembrar que, por de- finição, um subconjunto não vazio de R é compacto se, e somente se, ele é fechado e limitado. Dito isso, podemos dizer que a imagem de compacto é compacto, como afirmam Neri e Cabral (2011) no seguinte teorema: Seja K um compacto e f: K → contínua, então f(K) é um compacto. Antes de apresentar o corolário de Weierstrass, Neri e Cabral (2011) reto- mam a definição de pontos de máximo, mínimo e extremo global: Sejam f: A → e B A. Se f(x0) ≥ f(x) para todo x ∈ B, então dizemos que x0 é um ponto de máximo de f em B. Neste caso, f(x0) é o valor máximo de f em B. Se f(x0) ≤ f(x) para todo x ∈ B, então x0 é dito ponto de mínimo de f em B e f(x0) é o valor mínimo de f em B. Se x0 é ponto de máximo ou de mínimo em B, então x0 é chamado de extremo em B. Em particular, quando B = A, trata-se de máximo global ou mínimo global ou extremo global de f. Com essa definição, podemos seguir com o corolário de Weierstrass, que diz: Se f: [a,b] → é contínua, então f tem pontos de máximo e de mínimo em [a,b]. Outra definição importante trata da função uniformemente contínua: Seja f: A → , diz-se que f é uniformemente contínua se tal que implica que De onde segue que uma função contínua em compacto é uniformemente contínua. Acompanhe o teorema: Seja K um compacto e f: K → contínua, então f é uniformemente contínua em K (NERI; CABRAL, 2011). Continuidade de funções8 Adicionalmente, Neri e Cabral (2011) trazem a definição de função Lipschitz contínua, importante em aplicações de análise, como nas equações diferen- ciais. A definição diz o seguinte: Uma função f: A → é dita Lipschitz contínua se existe K > 0 tal que para todo x, y ∈ A. Além disso, se f é Lipschitz contínua em A, então f é uniformemente contínua em A. Abordaremos, agora, os pontos fixos para funções contínuas. Para tanto, vamos recorrer à definição que diz: Seja f: A → , dizemos que x é ponto fixo de f se f(x) = x. Para compre- ender melhor, vejamos um exemplo. A função f(x) = x² – x – 2 pode ser reescrita como: onde g(x) = x²– 2. Essa função tem, como ponto fixo, o valor x = 2, pois: Esse é exatamente o valor da raiz de f(x), pois: Ou seja, no ponto x que corresponde à raiz de f(x), ao substituirmos o valor de x na função g(x), teremos, como resultado, o próprio valor de x. Portanto, a raiz de f(x) será o ponto fixo de g(x), ou seja, o valor que, ao ser substituído em g(x), retorna o próprio valor de x. Vejamos mais alguns teoremas e definições importantes reportados por Neri e Cabral (2011). Continuidade de funções 9 Teorema do ponto fixo de Brouwer: Se f: [0,1] → [0,1] é contínua, então f tem um ponto fixo. Definição: Seja f: A → , dizemos que f é uma contração se existe α ∈ (0,1) tal que para todo x,y ∈ A. Teorema do ponto fixo de Banach: Sejam f: A → contração e X A fechado, não vazio e tal que f(X) X, então existe um único a ∈ X que é ponto fixo de f. Mais precisamente, dado x0 ∈ X, a sequência (xn)n∈N, definida recursivamente por converge para a. Esse teorema também é conhecido como “método das aproximações suces- sivas de Picard” ou “lema da contração”. Nesta seção, vimos como reconhecer funções contínuas em conjuntos conexos e em conjuntos compactos. Também conhecemos os pontos fixos para funções contínuas. Direcionamos a atenção para vários teoremas e definições importantes a respeito das funções contínuas. Tipos de descontinuidade Conforme discutimos nas seções anteriores, quando uma função é contínua, espera-se que ela esteja definida para todos os valores de seu domínio. Quando isso não ocorre, há uma descontinuidade, que pode ser classificada em três tipos básicos: 1. removível; 2. de salto (ou de primeira espécie); 3. infinita (ou de segunda espécie). Ávila (2006, p. 155) apresenta a definição: Sendo a um ponto de acumulação do domínio D de uma função f, dizemos que f é descontínua em x = a, ou f não tem limite com x → a, ou esse limite existe e é diferente de f(a), ou f não está definida em x = a. Analogamente, definimos descontinuidade à direita e descontinuidade à esquerda. Essa definição permite admitir que um ponto pode ser descontinuidade de uma função mesmo que não pertença ao domínio desta. Isso porque se Continuidade de funções10 considera o que acontece nas proximidades dos pontos de acumulação do domínio da função, ainda que eles não pertençam ao domínio (ÁVILA, 2006). Vejamos um exemplo envolvendo descontinuidade removível de uma função. Uma função tem uma descontinuidade removível em x = a se o limite de f(x) existe em a, mas se f(a) é indefinida ou se o valor de f(a) difere do limite. Se nos for solicitado, por exemplo, para encontrar os valores de x, no caso de existirem, nos quais não é contínua, e determinar se cada um desses valores é uma descontinuidade removível, fazemos o seguinte. Primeiramente, reescrevemos a função: que representa uma reta. Lembrando que a função não está definida em x = 2, pois torna o denominador nulo. Nos outros pontos, a função é contínua e possui limite em todo o domínio, mas também temos o ponto de descontinuidade em x = 2, que é removível. Observe a Figura 6. Figura 6. Representação da função f(x). Fonte: Adaptada de Descontinuidade removível de uma função (2017). Portanto, ao completar a definição da função com o ponto f(x) = 4 para x = 2, tem-se uma função contínua. Em outras palavras, a descontinuidade removível que pode ser removida a partir do momento que se redefine uma nova função cujo ponto em questão seja igual ao limite da função nesse mesmo ponto. A descontinuidade de primeira espécie, ou do tipo salto, ocorre quando a função possui, no ponto considerado, limites à direita e à esquerda, mas esses limites são diferentes. Ou seja, existem limites laterais em determinado Continuidade de funções 11 ponto, mas eles não coincidem, havendo saltos no valor da função. Nesse caso, a descontinuidade é mais evidente do que a removível. Vejamos um exemplo envolvendo descontinuidade de salto de uma função. Vamos calcular o quando: Nesse caso, temos que, embora a função seja definida no ponto 2, não existe pois e Observe a Figura 7. Figura 7. Representação da função f(x). Fonte: Adaptada de Santos e Bianchini, ([2020]). Note que, nesse caso, como os limites laterais existem, são finitos, mas diferentes, não importa qual seja o valor de f(2): a função sempre apresentará uma descontinuidade nesse ponto. Por esse motivo, dizemos que a função f apresenta, nesse ponto, uma descontinuidade essencial de salto. Por fim, a descontinuidade de segunda espécie, ou do tipo infinita, ocorre quando a função tende a ±∞ no ponto considerado ou quando não tem li- mite nesse ponto (ÁVILA, 2006). Isso significa que algum dos limites laterais inexiste ou tende ao infinito no ponto x = a, no qual estamos analisando a continuidade. Isso ocorre, por exemplo, na função trigonométrica tangente de x. Acompanhe o exemplo. Continuidade de funções12 Vamos analisar o limtg(x) nas seguintes situações: Nesse caso, temos que Além disso, e Observe a Figura 8. Figura 8. Representação da função. Note que a função tangente de x cresce ilimitadamente quando pela esquerda e que a função tangente de x decresce ilimitadamente quando pela direita. Isso implica uma descontinuidade infinita. Nesta seção, identificamos os tipos básicos de descontinuidade de uma função: removível, de salto (ou de primeira espécie) e infinita (ou de segunda espécie). Além disso, vimos exemplos e representações gráficas. De modo geral, este capítulo contribuiupara definir função contínua a partir da ideia de limites e para reconhecer essas funções em conjuntos conexos e em conjuntos compactos. Continuidade de funções 13 Referências ANTON, H.; BIVENS, I. C.; DAVIS, S. L. Cálculo: volume 1. 10. ed. Porto Alegre: Bookman, 2014. ÁVILA, G. Análise matemática para licenciatura. 3. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2006. DESCONTINUIDADE REMOVÍVEL DE UMA FUNÇÃO. Dicas de Cálculo, 2017. Disponível em: https://www.dicasdecalculo.com.br/descontinuidade-removivel-de-uma-funcao/. Acesso em: 14 abr. 2021. NERI, C.; CABRAL, M. Curso de análise real. 2. ed. Rio de Janeiro: Instituto de Matemática, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: https://www.labma.ufrj. br/~mcabral/livros/livro-analise/curso-analise-real-a4.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021. OLIVEIRA, R. I. Topologia e espaços métricos. Rio de Janeiro: IMPA, 2014. Disponível em: http://w3.impa.br/~rimfo/reta_v14/topologia.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021. SANTOS, A. R.; BIANCHINI, W. Continuidade. In: SANTOS, A. R.; BIANCHINI, W. Aprendendo cálculo com o Maple: cálculo I. Rio de Janeiro: UFRJ, [2020]. Cap. 8. Disponível em: http:// www.im.ufrj.br/waldecir/calculo1/calculo1html/cap1_8.html. Acesso em: 14 abr. 2021. STEWART, J. Cálculo: volume I. São Paulo: Cengage Learning, 2016. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Continuidade de funções14
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