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MECÂNICA DOS FLUIDOS uma abordagem voltada ao ensino e aprendizagem em nível universitário Camila Pacelly Brandão de Araújo Mecânica dos Fluídos uma abordagem voltada ao ensino e aprendizagem em nível universitário Reitor José Daniel Diniz Melo Vice-Reitor Henio Ferreira de Miranda Diretoria Administrativa da EDUFRN Maria da Penha Casado Alves (Diretora (Helton Rubiano de Macedo (Diretor Adjunto (Bruno Francisco Xavier (Secretário Conselho Editorial (Maria da Penha Casado Alves (Presidente (Judithe da Costa Leite Albuquerque (Secretária Adriana Rosa Carvalho Alexandro Teixeira Gomes Elaine Cristina Gavioli Everton Rodrigues Barbosa Fabrício Germano Alves Francisco Wildson Confessor Gilberto Corso Gleydson Pinheiro Albano Gustavo Zampier dos Santos Lima Izabel Souza do Nascimento Josenildo Soares Bezerra Ligia Rejane Siqueira Garcia Lucélio Dantas de Aquino Marcelo de Sousa da Silva Márcia Maria de Cruz Castro Márcio Dias Pereira Martin Pablo Cammarota Nereida Soares Martins Roberval Edson Pinheiro de Lima Tatyana Mabel Nobre Barbosa Tercia Maria Souza de Moura Marques Tiago de Quadros Maia Carvalho Editoração Helton Rubiano de Macedo (Editor) Kamyla Álvares (Editora) (Bruno Oliveira (Colaborador Revisão Wildson Confessor (Coordenador) Vitor Matheus (Colaborador) Design editorial Rafael Campos (Coordenador) Marcos Paulo do Nascimento Pereira (Projeto gráfico) Fotografias Max Kleinen Mecânica dos Fluídos uma abordagem voltada ao ensino e aprendizagem em nível universitário Camila Pacelly Brandão de Araújo Natal, 2022 Araújo, Camila Pacelly Brandão de. Mecânica dos fluidos [recurso eletrônico] : uma abordagem voltada ao ensino e aprendizagem em nível universitário / Camila Pacelly Brandão de Araújo. – Dados eletrônicos (1 arquivo : 30 Mb). – Natal, RN : EDUFRN, 2022. 285 p. Modo de acesso: World Wide Web <http://repositorio.ufrn.br>. Título fornecido pelo criador do recurso ISBN 978-65-5569-274-7 1. Mecânica dos fluidos. 2. I. Título. CDD 532 RN/UF/BCZM 2021/22 CDU 532 Coordenadoria de Processos Técnicos Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede Elaborado por Gersoneide de Souza Venceslau – CRB-15/311 Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN | Brasil e-mail: contato@editora.ufrn.br | www.editora.ufrn.br Telefone: 84 3342 222 Publicação digital financiada com recursos do Fundo Editorial da UFRN. A seleção da obra foi realizada pelo Conselho Editorial da EDUFRN, com base em avaliação cega por pares, a partir dos critérios definidos no Edital n°04/2019, para a linha editorial Recursos didático-pedagógicos. Fundada em 1962, a Editora da UFRN (EDUFRN) permanece até hoje dedicada à sua principal missão: produzir livros com o fim de divulgar o conhecimento técnico-científico produzido na Universidade, além de promover expressões culturais do Rio Grande do Norte. Com esse objetivo, a EDUFRN demonstra o desafio de aliar uma tradição de seis décadas ao espírito renovador que guia suas ações rumo ao futuro. A todos os meus alunos, passados, presentes e futuros. Essa obra foi feita pensando em vocês. Agradecimentos A Deus; A TODOS os meus colegas de trabalho, em especial ao Prof. Dr. Carlson Pereira de Souza, pelo aprendizado ao longo de toda a minha jornada discente e docente, e ao Prof. Dr. Douglas do Nascimento Silva, pelo apoio durante o desenvolvimento dessa obra; À minha família, em especial aos meus pais e meus irmãos, meu esposo, Breno, e ao nosso maravilhoso filho, Davi, pelo apoio, pelo carinho, pela compreensão e pela paciência durante essa jornada; Aos meus professores, que me trouxeram até aqui com suas orientações. Aos meus amigos, que me acompanham de perto ou à dis- tância. Sou muito feliz por tê-los na minha vida. A todos que contribuíram para que essa experiência literária se concretizasse. Apresentação O presente livro foi concebido na premissa de fornecer ao aluno de um curso de nível superior, que necessite dos conheci- mentos de Mecânica dos Fluidos, uma base sólida de conteúdos e elucidações. Por vezes, o aluno se depara com textos em linguagem que não lhe é familiar, ou que não se aproxima de sua reali- dade durante os seus estudos. O presente texto foi elaborado na perspectiva de contornar essas dificuldades, transportando os conteúdos dos livros para o dia a dia. No capítulo 1, é fornecida uma visão global da Mecânica dos Fluidos, apresentando conceitos iniciais e fundamentais ao desenvolvimento e ao aprofundamento das análises. O capítulo 2 se volta ao tratamento da condição estática dos f luidos, enquanto o capítulo 3 apresenta a ferramenta do Teorema de Transporte de Reynolds e o início do tratamento do escoamento de f luidos, na perspectiva integral. Já o capítulo 4 continua o desenvolvimento do escoamento de f luidos, porém, com uso da perspectiva diferencial. No capítulo 5, a ferramenta de análise dimensional é apre- sentada, e no capítulo 6, ela é aplicada ao escoamento viscoso de f luidos. Sumário 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 11 1.1 Por que estudar a Mecânica dos Fluidos? 12 1.2 O que é um fluido? 13 1.3 Equações básicas 16 1.4 Métodos de análise 19 1.5 Fluido como contínuo 20 1.6 Propriedades dos fluidos e seus campos 22 1.7 Classificação dos escoamentos de fluidos 44 2 Estática 61 2.1 Estática dos fluidos – o que é? 62 2.2 Condição estática 63 2.3 Isotropia da pressão 64 2.4 Equação Geral da Estática 67 2.5 Aplicações da Equação Geral da Estática 78 3 Análise integral do escoamento de fluidos 110 3.1 Escoamento de fluidos 111 3.2 Alguns conceitos necessários 112 3.3 Leis básicas 116 3.4 Teorema de Transporte de Reynolds 124 3.5 Equações para um volume de controle 130 3.6 Equação de Bernoulli 145 1 4 Análise diferencial do escoamento de fluidos 157 4.1 Análise diferencial versus análise integral 158 4.2 Conservação da massa – equação da continuidade 160 4.3 Cinemática da partícula fluida 168 4.4 Conservação do momento linear 184 4.5 Equações de Navier-Stokes 191 4.6 Equação de Euler 193 5 Análise dimensional 198 5.1 Introdução 199 5.2 Homogeneidade dimensional 200 5.3 Análise dimensional 203 5.4 Teorema dos π’s de Buckingham 206 5.5 Semelhança entre modelos 209 5.6 Grupos adimensionais importantes 212 6 Escoamento viscoso 222 6.1 Introdução 223 6.2 Uma breve retomada 224 6.3 Camada-limite 226 6.4 Escoamento viscoso interno 228 6.5 Considerações de energia no escoamento interno viscoso 247 6.6 Perda de Carga 250 6.7 Bombas 261 6.8 Escoamento viscoso externo 265 6.9 Escoamento Fluido em torno de corpos submersos 269 Lista de figuras 277 Lista de símbolos 282 Referências 283 Sobre a autora 284 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 1 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 1.1 Por que estudar a Mecânica dos Fluidos? A primeira grande pergunta que a maioria dos estudantes tem quando entra na sala de aula de Mecânica dos Fluidos é: “por que é que eu devo estudar isso?”, a qual geralmente encontra um olhar de exasperação por parte do professor. Imagine só! O estudante está em contato com a Mecânica dos Fluidos desde antes do seu nascimento e não se dá conta! Quando falamos em líquido embrionário, em respiração, em fluxo sanguíneo, todos são fenômenos relacionados ao escoamento de fluidos no interior do corpo humano. Porém, não só de fluidos corporais se faz a Mecânica dos Fluidos! Enquanto ciência, a Mecânica dos Fluidos passou a se desen- volver a partir da necessidade de conhecimento sobre fenômenos do cotidiano (abastecimento de água, navegação e construção de hidrelétricas) e permeou a evolução da civilização e as buscas por novos continentes. Imagine que a escavação de poços, a constru- ção de canais para distribuiçãode água, o uso de rodas d’água como fonte de potência para moagem de grãos e a instalação dos famosos aquedutos em Roma são todos exemplos de aplicações dos conhecimentos que iremos desenvolver juntos. A partir de Roma até os dias atuais, temos o desenvolvimento da navegação, da aeronáutica, da indústria aeroespacial e de automóveis, que encontra na Mecânica dos Fluidos a base para sua evolução. Na Figura 1, Camila Pacelly Brandão de Araújo 13 você vai encontrar algumas das aplicações mais recorrentes da Mecânica dos Fluidos na área de Engenharia. Figura 1 – Escopo da Mecânica dos Fluidos Fonte: autoria própria 1.2 O que é um fluido? Já vimos que a Mecânica dos Fluidos é uma ciência plural e que abrange diversos aspectos da nossa vida cotidiana; portanto, podemos passar para a segunda grande questão que os alunos sofrem quando chegam à componente de Mecânica dos Fluidos: “o que é esse tal de fluido?”. Então, vamos tentar responder? Quando falamos sobre os estados da matéria, é costume se identificar o estado da matéria 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 14 que um determinado corpo apresenta com base na força de coesão entre as moléculas que o constituem. É dessa forma que atribuímos as designações de estado sólido, líquido ou gasoso aos materiais. A Figura 2 ilustra isso. As forças de coesão destes estados decrescem do sólido ao líquido e deste ao gasoso (Sólido > Líquido > Gás). Figura 2 – Estados físicos da matéria e forças intermoleculares Fonte: autoria própria A questão é: do ponto de vista da mecânica dos fluidos, esta classificação não é boa o suficiente. Veremos que o comportamento de um dado material frente à aplicação de esforços mecânicos será a base para sua classificação como sólido ou fluido. Vamos ver o que acontece quando aplicamos esforços mecâ- nicos a sólidos? A Figura 3 ilustra um material submetido à tração, à compressão e ao esforço tangencial (ou cisalhante). Camila Pacelly Brandão de Araújo 15 Figura 3 – Alguns tipos de esforços mecânicos aplicados a um material Fonte: autoria própria Quando um sólido é submetido a um esforço de tração a níveis abaixo de seu limite de ruptura e acima do limite elástico, por exemplo, observa-se que, mesmo cessado o esforço, o corpo deforma-se de maneira permanente, não readquirindo seu formato original. Diferentemente, líquidos e gases, em função da baixa força de coesão molecular, não resistem a esse tipo de movimento, por menor que ele seja, e escoam. A compressão de sólidos também lhe impõe deformações permanentes, ao passo que, nos líquidos e gases, esse esforço é mais ou menos resistido de acordo com a compressibilidade do fluido. Neste aspecto, os líquidos apresentam capacidade de compressão bem menor do que os gases. Porém, quando sujeitos a esforços cisalhantes ou tangenciais, observam-se grandes diferenças de comportamento entre sólidos e líquidos. O sólido deforma-se, escoando até um novo estado, em que volta a se comportar como sólido rígido, não permitindo a continuidade da deformação. Já os fluidos (gases, líquidos e pastosos), por sua vez, não apresentam limitação na deformação e, enquanto o esforço permanecer, mantém-se o escoamento fluido. A Figura 4 ilustra essa diferença em comportamento. 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 16 Desta forma, define-se fluido como todo material que se deforma continuamente quando submetido a esforços tangenciais. Figura 4 – Comportamento de sólidos e fluidos frente a um esforço cisalhante Fonte: adaptado de Fox, Mcdonald e Pritchard (2011) 1.3 Equações básicas Excelente! Agora que já sabemos o que é um fluido, podemos começar a entender melhor o que a Mecânica dos Fluidos faz. Vamos por partes? A palavra Mecânica diz respeito ao ramo da Física responsável pelo estudo do movimento dos corpos. Assim sendo, é responsável pela análise do movimento e do repouso dos corpos, bem como a evolução desse movimento ao longo do tempo, ou o deslocamento de corpos sob a ação de forças. Fluidos, em adição, se referem a uma parcela da matéria cujo comportamento segue a definição que já postulamos. Então, podemos entender a Mecânica dos Fluidos como o estudo do movimento e do repouso de fluidos, mediante a ação de forças. Camila Pacelly Brandão de Araújo 17 Assim, para que possamos evoluir nesse estudo, se faz neces- sário verificar se todos os seguintes termos e equações já fazem parte do seu vocabulário pregresso. Equações básicas Formulação tradicional Conservação da massa “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” �massasistema � 0 2ª Lei de Newton “A força resultante (soma vetorial de todas as forças aplicadas) é diretamente proporcional ao produto da aceleração de um corpo pela sua massa” F m aR � �� � = . 1ª Lei da Termodinâmica “A energia total transferida para um sistema na forma de calor ou trabalho é igual à variação de sua energia interna, ou seja, em todo processo natural, a energia do universo se conserva” �U Q W� � Princípio da quantidade de movimento angular “O momento angular total do sistema é conservado se o torque total externo que age sobre ele é nulo” H r xVm= �� 2ª Lei da Termodinâmica “A variação da entropia total de um sistema em um processo termodinâmico será sempre maior ou igual a zero” dS dT Q≥ Quadro 1 – Equações básicas para a Mecânica dos Fluidos Fonte: autoria própria 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 18 É óbvio que as leis básicas com as quais lidaremos são as mesmas usadas na mecânica e na termodinâmica. A nossa tarefa será formular essas leis de modo adequado para resolver proble- mas de escoamento de fluidos e, então, aplicá-las a uma grande variedade de situações. Na forma tradicionalmente abordada dessas equações, você provavelmente utilizou o conceito de sistema fechado para chegar a uma ou outra delas. Vamos retomar esse conceito? Sistema é uma quantidade de massa fixa e identificável, separada do ambiente por suas fronteiras, que se escolhe como objeto de estudo. Não existem fluxos de massa pelas fronteiras que deli- mitam o sistema. As fronteiras que o definem podem ser físicas ou imaginárias. Tudo que for externo ao sistema é chamado de vizinhança e, a depender do tipo de sistema, existe um tipo de interação entre eles. Sistemas isolados não permitem a troca nem de quantidades de energia, nem de massa, por meio de suas fronteiras. Já sistemas fechados permitem a transferência de energia, mas não de massa, entre as fronteiras. Os sistemas ditos abertos permitem a transfe- rência de energia e de massa pelas suas fronteiras e são chamados de volumes de controle. Volume de controle é um volume arbitrário no espaço que se deseja observar. Podem existir fluxos mássicos através de suas fronteiras. A sua superfície pode ser imaginária ou física e é delimitada pela superfície de controle. Camila Pacelly Brandão de Araújo 19 1.4 Métodos de análise Agora que já sabemos que ferramentas teremos à mão para utilizar ao longo do nosso curso, podemos nos debruçar sobre o problema de como adaptar esse equacionamento para nossas necessidades analíticas em cada caso. A mecânica lida quase que exclusivamente com sistemas. Você já deve ter usado intensivamente as equações básicas apli- cadas a uma quantidade de massa identificável e fixa. Já deve ter, por exemplo, calculado a força necessária para que uma bola de 5kg adquira uma dada aceleração. Por outro lado, ao tentar analisar dispositivos termodinâmicos, como bombas, válvulas, ou outros, você pode ter achado necessário usar um volume de controle (sistema aberto) para descrever seu problema. Claramente, o tipo de análise depende do problema em questão. Quando os elementos de massa identificáveis (ou a partícula f luida de interesse) são facilmente acompanhados, lançamos mão de um método de descrição que acompanha a partícula. Referimos a isso,usualmente, como o método de descrição Lagrangeano. Quando, porém, é difícil de acompanhar as partículas individuais, a formulação em termos de volume de controle é a alternativa mais conveniente e dizemos estar usando um método de descrição Euleriana, no qual as propriedades do fluido são descritas na forma de campo, ou seja, possuem um valor determinado em cada ponto do espaço a cada instante de tempo. Você pode verificar a Figura 5, que esclarece essas diferenças. 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 20 Figura 5 – Métodos de descrição do escoamento de fluidos Fonte: autoria própria 1.5 Fluido como contínuo Imagine só como uma coisa leva a outra, e a outra e a mais uma, em seguida! Dissemos que a perspectiva Euleriana descrevia as propriedades do fluido seguindo um campo, de tal maneira que essas propriedades possuíam um valor determinado em cada ponto do espaço e a cada instante de tempo. Assim, propriedades, como temperatura, massa específica, velocidade etc. são funções da posição e do tempo. Camila Pacelly Brandão de Araújo 21 Se essas propriedades devem ser descritas a cada ponto, precisamos saber de que tamanho seria um ponto para os fins necessários aos nossos estudos, e isso nos leva diretamente à hipó- tese do fluido como um meio contínuo. Sabemos claramente que a estrutura molecular dos fluidos não está distribuída de forma contínua no espaço, mas concentrada em moléculas que estão separadas por regiões relativamente grandes de espaço. Isso é fácil de imaginar quando pensamos em uma massa de gás, por exemplo. Apesar disso, tratamos os fluidos (para os fins deste curso) como sendo suaves, ou seja, um meio contínuo. Nós não estamos interessados na natureza estatística e molecular do fluido e tratamos suas propriedades como funções matemáticas contínuas que variam suavemente de um ponto a outro. Tomemos, para efeito de exemplificação, a forma pela qual determinamos a massa específica de um dado fluido. A massa específica é a relação entre a massa contida em um dado volume do espaço. Se tomarmos uma região do espaço preenchida por um fluido estacionário (por exemplo, o ar em uma garrafa, tratado como um único gás), ele parecerá um meio contínuo, mas, se ampliarmos um pequeno cubo da região, poderemos ver que a maior parte do espaço é vazia, com moléculas de gás espalhadas ao redor, se movendo em alta velocidade. Assim, qual deverá ser o mínimo volume que um ponto C deve ter, de modo a podermos falar sobre propriedades de fluido contínuo tal como a massa específica? A Figura 6 apresenta essa relação. Podemos observar que diminuições excessivas do volume considerado para a determi- nação poderão levar a oscilações imprevisíveis da relação massa/ volume, indicando a entrada ou a saída de moléculas individuais de maneira discreta no nosso volume de controle. Nesse ponto, podemos perceber o limite da hipótese do contínuo. 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 22 Para o ar nas condições padrões de temperatura e pressão, esse volume mínimo do volume de controle é aproximadamente de 0,001mm³ (aproximadamente o tamanho de um grão de areia). Figura 6 – A hipótese do contínuo e a determinação da massa específica Fonte: adaptado de Fox (2008) 1.6 Propriedades dos fluidos e seus campos Para caracterizar o estado de um fluido, segundo uma perspectiva Euleriana, portanto, é importante a definição de um número de campos de propriedades que o caracterize a cada ins- tante de tempo dentro do domínio em estudo. Dentre os mais importantes para a mecânica dos fluidos, podem ser citados os campos de massa específica (e suas relações), o campo de velocidade e o estado de tensões do fluido. O campo de massa específica relaciona-se diretamente com a propriedade de massa específica. Já o estado de tensões do fluido relaciona-se com a composição de tensões cisalhantes e viscosas, sendo uma relação tanto da pressão quanto da propriedade de viscosidade. O campo de velocidades, por sua vez, não se relaciona diretamente a uma propriedade específica do fluido, mas será também elencado nessa seção por afinidade temática. Camila Pacelly Brandão de Araújo 23 1.6.1 Campo de massa específica A propriedade massa específica representa a relação entre a quantidade de massa ou matéria do fluido por unidade de volume e, para um volume ∀ que contém uma massa m de fluido, pode ser definida como: � � � m que pode diferir da massa específica do fluido em cada ponto do volume ∀. � �� � �x y z t, , , Como todas as quantidades envolvidas são escalares, o campo de massa específica também o é. Assim, não se faz necessária a informação de direção para o campo ser completamente descrito, apenas o valor da massa específica do fluido em cada ponto. Essa constatação de que podem existir valores diferentes de massa específica em cada ponto de um domínio pode parecer estranha a princípio, mas podemos esclarecer rapidamente com o seguinte exemplo. Imagine uma sala de aula com 30 alunos (que saudade das aglomerações!), dotada de um sistema de condicionamento de ar, conforme a figura a seguir. A razão pela qual os equipamentos de ar-condicionado são instalados nas regiões mais altas das salas é devido ao fato de que o ar mais frio tem massa específica maior que o ar mais quente (podemos considerá-lo como um gás ideal): 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 24 � � P RT Dessa forma, se tomarmos essa sala hipotética, ilustrada na Figura 7, por exemplo, podemos observar várias regiões com massas específicas do ar distintas, a depender da distribuição de temperatura do ambiente. Próximo às janelas, o calor irradiado do sol pode aquecer o ar local, mudando sua massa específica. Próximo à saída de ar-condicionado, o ar com temperatura menor apresentará massa específica maior. Além disso, como tanto a irradiação solar que entra no ambiente pela janela quanto o funcionamento do ar-condicionado apresentam variações ao longo de um dia, podemos entender esse campo de massa específica como dependente do tempo, também. Figura 7 – Sala de aula hipotética e regiões de massa específica distintas no domínio Fonte: autoria própria Outras propriedades também interessantes ao estudo de Mecânica dos Fluidos e relacionadas com a massa específica são: Camila Pacelly Brandão de Araújo 25 • Densidade relativa (DR): é a razão entre a massa específica de um fluido qualquer e a densidade da água a 4°C (1000kg/m³ ou 1g/cm³). Também pode ser encontrada como SG ou Specific Gravity, do inglês. Notem que, por ser uma relação entre massas específicas, a densidade relativa é adimensional. DR FLUIDO H C � �� � � � 20 4 • Peso específico (γ): representa a relação entre o peso de um dado fluido em relação ao volume por ele ocupado. Pode ser compreendido como o resultado da ação da gravidade sobre a massa fluida por unidade de volume ou, simplesmente, o produto entre a massa específica do fluido e a aceleração da gravidade. � � � W Ou � � � mg Ou � �� g • Volume específico (v): representa o volume ocupado por cada unidade de massa do fluido. É a relação inversa da massa específica do fluido: v m � � � 1 � 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 26 Vamos exercitar esses conceitos? Ao final do capítulo, vocês vão encontrar algumas questões relacionadas ao que vimos até agora. 1.6.2 Viscosidade Agora que já sabemos como podemos expressar a proprie- dade da massa específica do fluido e como podemos descrever o campo de massa específica como uma função temporal e espacial, vamos começar a entender outra propriedade fundamental para o estudo de Mecânica dos Fluidos: a viscosidade. Essa propriedade estará diretamente relacionada com o campo de tensões ao qual um fluido está sujeito. Esse estado de tensões vai ser definido ainda neste capítulo, certo? Todos sabemos que gases são muito diferentes de líquidos, e que, mesmo entre os líquidos,existem fluidos com comportamentos muito distintos. O mel de abelha, por exemplo, é um líquido, mas é muito mais difícil de escoar do que a água, não é mesmo? Podemos fazer esse mesmo tipo de comparação entre vários fluidos e veremos que dificilmente encontraremos fluidos com a mesma “dificuldade para escoar”. Chamamos isso de comportamento reológico do fluido, e o comportamento reológico de cada fluido depende da sua própria natureza. O vídeo deste link mostra um experimento bastante simples para podermos observar essa natureza viscosa de vários fluidos. Viscosidade é a propriedade do material que mede sua resistência ao escoamento ou à deformação associada à ação de tensões cisalhantes. https://www.youtube.com/watch?v=YHqI5PKmG-A Camila Pacelly Brandão de Araújo 27 Já pensaram o que seriam essas tensões cisalhantes? Nós já definimos o que seriam esforços cisalhantes no início dessa unidade, lembram? Tensões são relações entre força aplicada e uma área de atuação. A pressão é um tipo de tensão da qual você provavelmente já ouviu falar antes, não é mesmo? Existem dois tipos de forças que podem atuar sobre um meio fluido: forças de superfície e forças de campo. Forças de superfície são geradas pela ação de forças de superfície (pressão, atrito) que atuam pelo contato com outras partículas ou com superfícies sólidas. Por outro lado, forças de campo (tais como forças de gravidade e eletromagnética) agem por meio das partículas. A força de campo gravitacional atuando sobre um elemento de volume, d∀ , é dada por �gd� , no qual ρ é a massa específica (massa por unidade de volume) e g é a aceleração local da gravidade. Portanto, a força de campo gravitacional por unidade de volume é: F gB � � E por unidade de massa é: F gB = Forças de superfície agindo sobre uma partícula fluida geram tensões. O conceito de tensão é útil para descrever como é que forças, agindo sobre as fronteiras de um meio (fluido ou sólido), são transmitidas através do meio. Imagine um meio contínuo como o mostrado na Figura 8, no qual uma força resultante infinitesimal δF � ��� atua sobre um dado ponto C de área infinitesimal δ A � ��� , cuja direção normal 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 28 (perpendicular) é representada pelo vetor unitário n. Se decompu- sermos essa força resultante em duas direções, normal e tangencial à área δ A , teremos duas componentes da força, que poderemos denominar de δFN com relação à componente na direção normal e δFt com respeito à componente na direção tangencial. Figura 8 – Forças atuantes sobre um meio contínuo Fonte: autoria própria Então, podemos definir dois tipos fundamentais de tensão como sendo: � � �cisalhante tangencialF A � � � � �normal normalF A � � Assim, tensões cisalhantes correspondem à ação de forças cisalhantes sobre um elemento fluido, enquanto tensões normais correspondem à ação de forças normais sobre um elemento fluido. Ainda de acordo com a Figura 8, poderíamos notar que a ten- são cisalhante discriminada está relacionada com a força cisalhante, ^ Camila Pacelly Brandão de Araújo 29 e que não foi feita qualquer menção sobre o fato de este componente estar orientado de acordo com qualquer dos eixos coordenados. Se fizermos isso (orientarmos o elemento fluido com respeito aos eixos coordenados x, y, z) conforme a Figura 9, veremos que podemos ter mais de uma componente para a tensão cisalhante (τ): uma orientada segundo o eixo y, uma orientada segundo o eixo z e uma única tensão normal (σ). Além disso, convém destacar, na Figura 9, a indicação da direção normal (em vermelho). O vetor unitário normal represen- tante da área sempre aponta na direção para fora da superfície de controle a qual se refere. Figura 9 – Componentes da força e das tensões sobre o elemento de área orientado conforme os eixos coordenados x, y, z Fonte: autoria própria Percebemos, portanto, a necessidade de expressar o campo de tensões, ou o estado de tensão de um fluido por um tensor, um elemento matricial que representará todas essas componentes para uma partícula f luida tridimensional, conforme mostrado na Figura 10. 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 30 Figura 10 – Estado de tensões de uma partícula fluida e tensor de tensões Fonte: adaptado de Fox, McDonald e Pritchard (2011) Perceba que o tensor de tensões emprega uma notação em índice duplo para identificar tanto a área em relação a qual a tensão é definida, como também a direção em que ela atua. Um primeiro índice indica a direção normal à área considerada, e um segundo encarrega-se de definir a direção segundo a qual a tensão atua. Desta forma, a tensão τxy é a tensão tangencial que atua numa superfície cuja normal é paralela à direção x orientada segundo a direção y. A necessidade de que a tensão esteja correlacionada a uma área faz surgir uma nova entidade matemática, denominada de tensor. Enquanto os vetores são completamente especificados pelo módulo, pela direção e pelo sentido, os tensores necessitam, ainda, da área em relação à qual estão definidos, para complementar sua informação. Camila Pacelly Brandão de Araújo 31 Ótimo! Agora sabemos que forças geram tensões e que estas podem ser normais ou cisalhantes, a depender da orientação com respeito à área. Porém, e quanto à relação com a característica viscosa? Calma! Vamos chegar lá! Comportamento reológico de fluidos Dissemos anteriormente que o critério de definição sobre a natureza fluida de um determinado material se baseia no seu comportamento quando submetido a esforços tangenciais. Esse tipo de esforço impõe ao material deformações angulares que ocorrem de forma diferenciada para cada tipo de fluido. Imagine o seguinte experimento descrito pela Figura 11 ilustrativamente: duas placas planas paralelas têm o espaço entre elas preenchido por um fluido. A placa inferior permanece fixa, enquanto a superior move-se com velocidade constante. Para que este movimento ocorra, uma força deve ser aplicada nessa placa, de modo a vencer a resistência viscosa que o fluido impõe ao seu movimento. Essa força, portanto, agirá sobre uma área de atuação, gerando uma tensão cisalhante correspondente. Figura 11 – Escoamento de um fluido entre duas placas planas paralelas Fonte: adaptado de Fox, McDonald e Pritchard (2011) Uma característica importante do comportamento de fluidos é que o fluido é solidário ao contorno que o limita. Como assim? 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 32 Foi verificado experimentalmente que a camada fluida imedia- tamente em contato com a superfície sólida encontra-se agregada a ela e movimenta-se com a mesma velocidade desta superfície. Diz-se que o fluido obedece à condição de não escorregamento nesse ponto. Essa condição tem sido confirmada experimentalmente em todas as situações nas quais a hipótese do contínuo pode ser admitida. Assim, podemos dizer que o fluido, em contato com a placa superior, desloca-se solidário à mesma, enquanto a camada fluida sobreposta à placa inferior permanece imóvel (também de maneira solidária a esse contorno sólido). Queremos avaliar como essa força aplicada para mover a placa se relaciona com a característica viscosa do fluido. Vamos lá? Sabemos que a força se relaciona com a tensão cisalhante por: � � �yx x y x y F A dF dA � �� � transferida pela placa superior para cada uma das camadas de fluido. A cada intervalo dt, o fluido deforma-se de um ângulo dα pelo fato de cada camada de fluido ser puxada na direção da força aplicada para movê-lo. A razão entre o quanto o fluido se deformou angularmente e o intervalo de tempo considerado é o que chama- mos de taxa de deformação angular. Obviamente, a velocidade de deformação verificada depende das características constitutivas do fluido entre as placas. Matematicamente, podemos expressá-la como: � �� � � � � t d dt � Pela geometria podemostambém afirmar que, para ângulos pequenos: . Camila Pacelly Brandão de Araújo 33 tg d d l y � � � � � � � � Sabendo que o deslocamento infinitesimal δ l ocorreu em um intervalo dt, podemos calcular a velocidade relativa para ser: du l dt � � Podemos obter a taxa de deformação angular para ser: d dt du dy � � Esse resultado nos informa que, para determinar a taxa instantânea de deformação angular em qualquer ponto entre as duas placas, basta conhecer a maneira pela qual a velocidade varia ao longo da distância entre as placas, ou seja, a derivada do perfil de velocidades com respeito à espessura y. Quer tentar uma outra forma de visualizar esse conteúdo? Assista ao vídeo deste link. Formuladas a tensão e a deformação sofrida pelo fluido, resta conhecer qual a relação que existe entre elas. A reologia é o estudo de como se dá o comportamento viscoso de materiais e tem como objetivo estabelecer suas relações consti- tutivas onde as deformações angulares sofridas são associadas às tensões aplicadas. Fluidos newtonianos A relação mais simples entre a tensão cisalhante e a taxa de deformação é a que se verifica para os chamados fluidos newto- nianos, que são aqueles cuja relação é proporcional, ou seja: https://www.youtube.com/watch?v=5wuockYfa7Y&list=PLf1lowbdbFICGuf8AgDT9Dy9ulNwK7tVa&index=10&t=0s 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 34 yx du dy E a constante de proporcionalidade é a viscosidade absoluta do fluido. � �yx du dy � Nesse caso, a relação é linear e o fluido se deforma, por menor que seja a tensão aplicada. Os fluidos incluídos nessa classificação (ar, água, glicerina, melaço, por exemplo) apresentam relação de propor- cionalidade entre as tensões aplicadas e as deformações observadas. Observa-se, no entanto, que, quando diferentes fluidos são submetidos a um mesmo esforço tangencial, taxas de deformação de valores distintos são verificadas. Esse comportamento particular de cada fluido é associado, portanto, a uma propriedade física deles, denominada de viscosidade absoluta ou dinâmica. � � � xydu dy A viscosidade absoluta, no S.I., tem unidades de Pa.s, enquanto no CGS, a unidade é P (Poise). Usualmente, sua subdi- visão, o centipoise, é a unidade mais utilizada para representação da viscosidade absoluta. Para converter esses valores, basta atentar-se que: Ou Camila Pacelly Brandão de Araújo 35 Fluidos não newtonianos Qualquer fluido cujo comportamento reológico seja distinto daquele verificado para os fluidos newtonianos é dito fluido não newtoniano. Os hidrocarbonetos de cadeias longas (derivados de petróleo, por exemplo), em sua maioria, são exemplos desse tipo de fluido. Fluidos de perfuração de petróleo, pasta de dente, enfim, vários outros, são fluidos não newtonianos. Em boa parte dos casos, a relação entre tensão e taxa de deformação não segue a linearidade, e as equações constitutivas apresentam-se da seguinte forma: � yx n k du dy � � � � � � � Para que essa equação fique expressa de maneira semelhante àquela dos fluidos newtonianos, podemos definir a viscosidade aparente para ser: � � � � � � � � � k du dy n 1 tal que: � �yx du dy � Assim, a viscosidade aparente, diferentemente da viscosi- dade absoluta, representa uma propriedade dependente não somente da constituição física do fluido, mas também das características do escoamento (taxa de deformação). 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 36 Dentre os fluidos não newtonianos podemos destacar os fluidos Plásticos de Bingham, cujo comportamento se assemelha ao apresentado pelos fluidos newtonianos, uma vez que um deter- minado nível de tensão (mínima de escoamento) seja superado. Sua relação constitutiva pode ser expressa por: � � �� �0 du dy É o caso da pasta de dentes, de suspensões de argila, de tintas a óleo e de fluidos de perfuração de poços. Nesse último caso, em particular, essa característica é fundamental para que os sólidos removidos durante a perfuração permaneçam em sus- pensão na coluna de perfuração, sem sedimentar. Dessa maneira, é possível realizar operações de subida/descida de elementos da coluna de perfuração. Além desse tipo de comportamento, outros fluidos do nosso cotidiano também são não newtonianos. Fluidos pseudoplásticos, por exemplo, apresentam diminuição da viscosidade aparente mediante o aumento da taxa de deformação. Se formos tentar traduzir esse comportamento, poderíamos imaginá-los tornan- do-se sucessivamente mais finos, na medida em que se aumenta a taxa de deformação. Dessa maneira, se observarmos a expressão para a viscosidade aparente, podemos verificar que o expoente n (ou índice de comportamento do fluido) deve ser menor que a unidade, gerando um valor de expoente negativo sobre a taxa de deformação. Como exemplos de pseudoplásticos, podem ser citadas as soluções polímeras, como graxa, tinta de impressão e BPF, soluções coloidais e a polpa de papel diluída em água. Camila Pacelly Brandão de Araújo 37 � � � � � � � � � � � k du dy n n 1 1 Fluidos ditos dilatantes apresentam comportamento análogo e inverso aos fluidos pseudoplásticos. Assim, os fluidos dilatantes aumentam a resistência ao escoamento à medida que este ocorre, ou seja, sua viscosidade aparente cresce com a deformação. Dessa forma, a equação constitutiva de tais fluidos apresenta expoente (n) maior que a unidade, justificando o comportamento desse fluido se tornar aparentemente mais viscoso. Exemplos de fluidos dilatantes são as suspensões de amido e de areia, bem como o silicato de potássio. � � � � � � � � � � � k du dy n n 1 1 O comportamento reológico desses fluidos pode ser visu- alizado nos gráficos apresentados na Figura 12. Figura 12 – Comportamento reológico de fluidos newtonianos e não newtonianos Fonte: autoria própria 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 38 Outros fluidos apresentam, também, comportamento reo- lógico dependente do tempo. Fluidos tixotrópicos apresentam diminuição da viscosidade aparente com o aumento do tempo sob um determinado nível de tensão. Fluidos reopéticos apre- sentam comportamento oposto. Algumas tintas são classificadas no primeiro grupo e os materiais que contêm solventes voláteis (como colas e vernizes) constituem exemplos do segundo. Esses comportamentos, contudo, estão além do escopo do nosso texto. Fatores que alteram a viscosidade de um fluido Agora que já sabemos como relacionar a ação de uma tensão cisalhante com a resposta do fluido, podemos trabalhar com alguns conhecimentos empíricos que já temos. O que acontece com a viscosidade de um fluido se o aque- cermos? E se exercermos pressão sobre ele? Vamos verificar? Provavelmente você já aqueceu mel, por exemplo, e viu que ele passou a escoar bem mais facilmente, não? É quase intuitivo da nossa parte esperar que, mediante um aumento de temperatura, a viscosidade de um fluido diminua, porque estamos acostumados a ver isso no comportamento de vários líquidos. Porém, isso não é verdade para todos os fluidos! Cuidado! Quando falamos de líquidos, de fato, o efeito de um aumento de temperatura é o de diminuir a viscosidade. Isso ocorre porque, ao ceder energia para as moléculas do líquido, elas passam a se agitar mais, enfraquecendo as interações intermoleculares existentes. Para gases, porém, o efeito é inverso. Aumentando a temperatura, verifica-se, também, um aumento da energia cinética das moléculas; porém, mediante esse aumento de energia cinética, também ocorre um aumento do número de choques das moléculas na fase gasosa. Camila Pacelly Brandão de Araújo 39 Isso leva a um efeito líquido de aumento da viscosidade dos gases. A Figura 13 retrata esse fenômeno graficamente. Se tratarmos agora da segunda outra grande variável de processos e seu efeito sobre a viscosidade, verificaremos que a pressão, na realidade, não exerce qualquer mudança significativa na viscosidadeabsoluta de fluidos, sejam eles gases ou líquidos. Porém, se tomarmos a razão entre a viscosidade absoluta e a massa específica, denominada viscosidade cinemática dos fluidos, veremos a dependência com a pressão surgir para o caso de gases. � � � � Essa dependência surge na medida em que a massa específica de uma massa gasosa depende da pressão à qual ela está sujeita. Podemos nos recordar na equação dos gases ideais para verificarmos isso: � � P RT Figura 13 – Comportamento da viscosidade de fluidos em função da temperatura Fonte: autoria própria 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 40 1.6.3 Tensão superficial Você já deve ter se perguntado, em algum momento da sua vida, uma das seguintes questões: por que as gotas são esféricas? Por que insetos conseguem andar por sobre as águas? A propriedade dos fluidos que explica esses fenômenos é a tensão superficial, e a Figura 14 ilustra alguns desses exemplos. Figura 14 – Alguns exemplos de efeitos da tensão superficial Fonte: Pixabay A tensão superficial, diferentemente das tensões normais ou cisalhantes, representa a força por unidade de comprimento na superfície livre de um líquido em função do desbalanceamento de forças intermoleculares observada nessa região. � superficial F l � Camila Pacelly Brandão de Araújo 41 Sempre que um líquido está em contato com outros líqui- dos ou gases, ou com uma superfície gás/sólido, uma interface se desenvolve agindo como uma membrana elástica esticada e criando tensão superficial. O surgimento dessa tensão superficial diz respeito às interações entre as moléculas do fluido e do outro meio com o qual ele se relaciona. Imagine só, uma molécula no seio da fase líquida tem a totalidade de suas interações intermoleculares satisfeitas por suas vizinhas mais próximas. Na superfície (ou na interface do líquido com o outro meio), as forças intermoleculares de uma molécula nessa posição não estão completamente satisfeitas. A Figura 15 ilustra essa situação. Figura 15 – Forças não balanceadas na superfície de um líquido Fonte: autoria própria Esse desequilíbrio de forças intermoleculares entre as cama- das acima e abaixo de uma molécula na superfície do líquido faz surgir uma força de atração desta para o interior da massa fluida. Essa atração faz com que as moléculas se aglutinem umas em relação às outras, formando uma espécie de membrana superficial. Essa membrana exibe duas características: o ângulo de contato θ e o módulo da tensão superficial σ (N/m). Ambas 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 42 dependem do tipo de líquido e do tipo da superfície sólida (ou do outro líquido ou gás) com a qual ele compartilha uma interface. A Figura 16 indica o ângulo de contato para uma superfície molhada e não molhada pelo f luido. Figura 16 – Ângulo de contato para avaliação da molhabilidade de um fluido sobre uma superfície Fonte: adaptado de Fox, McDonald e Pritchard (2011) Em engenharia, o efeito provavelmente mais importante da tensão superficial é o surgimento de um menisco curvo nos tubos de leitura de manômetros ou de barômetros, causando a (normalmente indesejável) ascensão (ou depressão) capilar. Esse fenômeno é particularmente importante na execução de expe- rimentos químicos e sempre que tubos de pequenos diâmetros são utilizados, tais como no caso da administração de drogas intravenosas, por exemplo. Na Figura 17, é mostrado como podemos estimar a altura de um menisco quando um dado fluido se encontra em um tubo fino. Para tanto, a componente vertical da tensão superficial é igualada ao peso do fluido na coluna do menisco. Na Figura 18, é mostrado o efeito da capilaridade para tubos com água e com mercúrio. Pode ser observado que, à medida que o diâmetro da tubulação aumenta, se torna menos importante esse efeito. Camila Pacelly Brandão de Araújo 43 Figura 17 – Estimativa da altura de um menisco de um dado fluido Fonte: autoria própria Figura 18 – Efeito capilar para água e para o mercúrio Fonte: adaptado de Fox, McDonald e Pritchard (2011) Obviamente, essas não são todas as propriedades que os fluidos apresentam, mas, com essas que apresentamos até aqui, podemos dar seguimento com qualidade à nossa aventura na Mecânica dos Fluidos. Outras propriedades serão apresentadas à medida que formos necessitando do seu conhecimento. 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 44 1.7 Classificação dos escoamentos de fluidos Agora que já entendemos como algumas das propriedades dos fluidos se relacionam para produzir campos de interesse ao nosso estudo, é importante que sejamos capazes de distinguir um tipo de situação de outra no universo da Mecânica dos Fluidos. Inicialmente, temos que fazer distinção entre os casos de estudo de fluidos em repouso (Estática, que será nosso próximo tópico de interesse) e escoando. Se um fluido está escoando, obvia- mente, ele tem uma velocidade, ou, de maneira mais completa, uma distribuição espacial e temporal de velocidades. Isso nos leva diretamente ao conceito de campo de velo- cidade. Um fluido que escoa, por exemplo, entre as duas placas planas usadas no caso da explicação da viscosidade, apresenta uma distribuição espacial de velocidades. Como assim? Cada camada de fluido foi considerada como dona de um dado valor de velocidade tal que, ao longo da espes- sura da camada fluida, a velocidade variava desde zero (na placa parada) até o valor máximo de U (na placa que se movia). Podemos perceber, portanto, que a velocidade do fluido num dado domínio do escoamento pode variar de um ponto a outro; sendo assim, é uma função das coordenadas espaciais. Para além da dependência espacial, há de se considerar que, num instante inicial, as placas estavam paradas e, em seguida, uma delas inicia o seu movimento. Assim, a distribuição de velocidades também é uma função do tempo. Assim, podemos dizer: V V x y z t� � �, , , Camila Pacelly Brandão de Araújo 45 Ou seja, o campo de velocidades é um campo vetorial, o qual requer tanto a informação do seu módulo, quanto da sua direção, para sua completa descrição. Há de se notar que ele se refere à velocidade da partícula que passa através do ponto de coordenadas x, y e z no instante de tempo t. Isso quer dizer que o ponto x, y, z não é a posição em curso de uma partícula individual, mas um ponto do domínio do escoamento que escolhemos olhar. O campo de velocidades pode ser descrito também em termos de seus componentes nas direções x, y, z, quais sejam u, v, w, respectivamente. Assim: ̂ V u i v j wk= + + Onde cada componente pode ser uma função das coorde- nadas espaciais x, y, z e temporais. ( ) ( ) ( ) , , , , , , , , ,ˆ V ui v j wk u u x y z t v v x y z t w w x y z t= + + → = = = ( ) ( ) ( ) , , , , , , , , ,ˆ V ui v j wk u u x y z t v v x y z t w w x y z t= + + → = = = ( ) ( ) ( ) , , , , , , , , ,ˆ V ui v j wk u u x y z t v v x y z t w w x y z t= + + → = = = Excelente! De posse da informação do que seja um campo de velocidade, podemos, agora, iniciar a classificação do escoamento de fluidos. A configuração de um escoamento depende de uma série de parâmetros. Podemos destacar, por exemplo, a geometria do escoamento, o nível de velocidade, se o escoamento depende fortemente dos efeitos da viscosidade ou não, entre outras. De forma geral, os escoamentos podem ser classificados de acordo com os seguintes parâmetros: 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 46 1. Número de coordenadas do problema Unidimensional: se somente uma única coordenada espacial é necessária para a descrição do campo de velocidades, o esco- amento é dito unidimensional. Pode ser observado esse tipo de escoamento em tubos retilíneos de seção constante, por exemplo. Bidimensional: são necessárias duas coordenadas espaciais para a completa descrição do campo de velocidades. Em tubula- ções nas quais seobservam diferenças de diâmetros, entre seções subsequentes, é possível verificar esse tipo de escoamento. Tridimensional: todas as três coordenadas espaciais são necessárias para a descrição do campo de velocidades. Esse tipo de escoamento é o mais comum na realidade. A Figura 19 apresenta essas três classificações. Figura 19 – Dependência do campo de velocidades e classificação com respeito às coordenadas espaciais Fonte: autoria própria Camila Pacelly Brandão de Araújo 47 Observação! Coordenada espacial ≠ Componente do campo de velocidade Coordenadas espaciais → x, y, z, r, θ, α... Componente do campo de velocidade → u, v, w... 2. Dependência temporal Escoamento em regime permanente: caracteriza-se pelo fato de todas as propriedades do fluido e do escoamento perma- necerem constantes com relação ao tempo: �� � � t 0 Onde ø pode representar qualquer propriedade (ρ, V , T, P etc.) Essas propriedades podem, no entanto, apresentar variação no domínio espacial do problema, ou seja, podem permanecer funções espaciais. � ��� �x y z, , Escoamento transiente: refere-se ao escoamento cujas pro- priedades apresentam variações temporais, sejam elas de massa específica, de velocidade, de pressão ou de temperatura. Assim, haverá uma dependência desses campos em termos da variável tempo. 3. Efeitos viscosos Escoamento invíscido ou de fluido perfeito ou ideal: Apesar de não existir fluido sem viscosidade, admite-se a hipótese de fluido invíscido ou de viscosidade nula nesse tipo de escoamento. Apesar de não corresponder fielmente à realidade, esse tipo de análise permitiu importantes conclusões a respeito da natureza dos escoamentos fluidos. 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 48 Escoamento viscoso: quando os efeitos de viscosidade são percebidos e representam importante efeito no escoamento, estes são chamados de viscosos. 4. Regime de escoamento Verificou-se experimentalmente que existiam formas dife- rentes de um fluido escoar dentro de uma mesma tubulação. A essas formas distintas, deu-se o nome de regimes de escoamento, representados na Figura 20. O número de Reynolds, usado como parâmetro para avaliação dos regimes de escoamento, é dado pela razão entre forças inerciais e viscosas e pode ser represen- tado conforme abaixo. Os limites apresentados na Figura 20 são relativos a escoamentos internos e diferem dos valores referentes aos escoamentos externos. Re VD� � � Figura 20 – Regimes de escoamento interno de fluidos Fonte: adaptado de Alé (2001) Escoamento laminar: o fluido escoa em camadas sobre- postas, deslizando umas sobre as outras, sem a ocorrência de qualquer tipo de mistura entre as partículas fluidas. Ocorre a baixos números de Reynolds. Camila Pacelly Brandão de Araújo 49 Escoamento turbulento: caracteriza-se pelo movimento aleatório de partículas que apresentam, no entanto, uma deter- minada orientação de escoamento. Ocorre a elevados números de Reynolds. Um dos modelos de turbulência mais difundidos tem por base a subdivisão do campo de velocidade (u, por exemplo) em uma parcela responsável pelo movimento global na direção preferencial ( u ) e uma parcela relacionada às flutuações e efeitos de vórtices e aleatoriedade do escoamento (u’), ou seja, u = u + u’. A maioria dos escoamentos reais acontecem de forma turbulenta. A Figura 21 ilustra essa diferença. Figura 21 – Trajetórias de partículas em escoamentos laminar e turbulento unidimensionais Fonte: adaptado de Fox, McDonald e Pritchard (2011) 5. Efeitos de compressibilidade Escoamento compressível: Escoamentos compressíveis se caracterizam pelas alterações na massa específica do fluido, seja ele um líquido ou um gás. Um parâmetro usado para avaliar se um escoamento é ou não incompressível é o número adimensional de Mach. Ma v s = 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 50 Onde v representa a velocidade do escoamento e s representa a velocidade do som. Podemos observar, do gráfico apresentado na Figura 22, que variações significativas (>7%) de massa espe- cífica (ou peso específico conforme o eixo coordenado plotado) ocorrem para Ma≥0,3. Esse critério geralmente é empregado como limite entre os escoamentos compressível e incompressível. Em função de suas constituições, tais efeitos são mais frequentes em gases do que em líquidos. Escoamento incompressível: as variações de massa especí- fica do fluido podem ser desprezadas, sendo admitida constante em todo o domínio do problema. Figura 22 – Razão de pesos específicos inicial e final com respeito ao Ma Fonte: adaptado de Alé (2001) 6. Existência de superfície limitante Escoamento interno: existe um contorno sólido que limita a região através da qual o fluido escoa. Na maior parte dos casos, esse contorno sólido é impermeável. Escoamentos no interior de tubos, de dutos, de bocais e de difusores são exemplos desta categoria. Camila Pacelly Brandão de Araújo 51 Escoamento externo: o fluido escoa livremente, sem limi- tação nem orientação imposta pela existência de paredes sólidas. Massas fluidas não limitadas interagindo com contornos sólidos são observadas, por exemplo, na análise da placa plana, de aerofólios e de outros corpos completamente imersos. Escoamento em canal: algumas características dos escoa- mentos interno e externo são percebidas quando um fluido escoa dentro de uma tubulação ou um canal aberto, não preenchendo completamente a seção disponível para tal. O fluido, além de interagir com uma parede sólida, mantém interface com um outro fluido em sua superfície livre. Tubos não preenchidos e canais de uma forma geral estão incluídos neste item. A Figura 23 ilustra essas diferentes configurações do escoamento. Figura 23 – Configurações espaciais do escoamento Fonte: autoria própria, Pixabay e Ben Frantz Dale 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 52 1.7.1 Visualização dos escoamentos de fluidos É melhor ver para crer, não é mesmo? Essa última seção está voltada simplesmente para a visualização do escoamento. Às vezes, observar as equações que descrevem um campo de velocidades pode não ser suficiente para compreendermos completamente a forma pela qual as variáveis se relacionam. Então, diversas formas de se observar o escoamento de fluidos foram desenvolvidas. Cada uma delas dá origem a uma linha de visualização que caracteriza a forma pela qual o experimento foi conduzido. Modelos de escoamentos podem ser visualizados usando linhas de tempo, trajetórias, linhas de emissão ou linhas de corrente. Se, em um campo de escoamento, várias partículas fluidas adjacentes forem marcadas em um dado instante, formarão uma linha no fluido naquele instante; esta linha é chamada linha de tempo. Observações subsequentes da linha podem fornecer infor- mações a respeito do campo de escoamento. A Figura 24 ilustra linhas de tempo para visualização de um escoamento. Figura 24 – Linhas de tempo como forma de visualização de um escoamento Fonte: autoria própria Camila Pacelly Brandão de Araújo 53 Linhas de trajetória são formadas quando observamos o percurso ou o caminho percorrido por uma única partícula fluida em movimento dentro do campo de escoamento. Para torná-la visível, a partícula fluida deve ser identificada por alguma marcação (de cor, por exemplo) em um dado instante e, em seguida, tiramos uma fotografia de exposição prolongada do seu movimento. A linha traçada pela partícula é sua linha de trajetória. Na Figura 25, é possível observar linhas de trajetória para partículas de ar marcadas com fumaça de um cigarro, bem como as linhas de trajetória de diversos carros passando por uma avenida. Figura 25 – Linhas de trajetória Fonte: Pixabay De maneira ligeiramente similar ao realizado para se obser- var linhas de trajetória, linhas de emissão são formadas pela marcação de todas as partículas que passam por um local fixo do escoamento. Após um curto período, teríamoscerto número de partículas fluidas identificáveis no escoamento, e todas elas, em algum momento, passaram pelo mesmo local fixo no espaço. Na Figura 26, pode-se visualizar linhas de emissão em um túnel de vento para teste aerodinâmico de um veículo e de maneira didaticamente ilustrada em uma seção convergente. 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 54 Figura 26 – Linhas de emissão Fonte: adaptado de divulgação/Mercedes-Benz Linhas de corrente são aquelas desenhadas no campo de escoamento de modo que, em um dado instante, são tangentes à direção do escoamento em cada ponto do campo. Como as linhas de corrente são tangentes ao vetor velocidade em cada ponto do campo de escoamento, não pode haver fluxo de matéria através delas. O uso de linhas de corrente é uma das técnicas de visualização mais comu- mente utilizadas. Elas são utilizadas, por exemplo, para estudar o escoamento sobre um automóvel em uma simulação computacional. A Figura 27 ilustra as linhas de corrente e os vetores de velocidade em cada ponto. Pode-se observar a direção do escoamento em cada ponto, bem como a intensidade da velocidade. Figura 27 – Linhas de corrente para uma região de um escoamento Fonte: adaptado de Çengel (2002) Camila Pacelly Brandão de Araújo 55 Como pode ser observado na Figura 28, os componentes da velocidade nas direções x e y, respectivamente, u e v formam entre si triângulos semelhantes. Figura 28 – Ilustração de uma linha de corrente e sua relação com os componentes do campo de velocidades Fonte: adaptado de Çengel (2002) Assim, é possível escrever a seguinte relação: Desta maneira é possível a determinação da equação da linha de corrente por integração simples. 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 56 Resumo Neste capítulo, respondemos a quatro perguntas funda- mentais: qual o escopo do estudo da mecânica dos fluidos, o que é um fluido, como podemos analisá-los e que propriedades os caracterizam. Desse modo, descrevemos os fluidos por meio de algumas de suas principais propriedades, relacionadas à sua massa específica (densidade relativa, volume específico, peso específico), à velocidade e às tensões atuantes. Para tanto, descrevemos o campo de velocidades e classificamos o escoamento e, além disso, des- crevemos as forças que atuam em meios fluidos, as características reológicas e como visualizar um escoamento. ✓ Definição de fluidos e propriedades fundamentais; ✓ Descrição das forças atuantes em fluidos; ✓ Avaliação das características reológicas de fluidos (newtonianos e não newtonianos); ✓ Classificação e visualização dos escoamentos de fluidos. Exercícios 1. A massa específica de um fluido é uma relação que depende de sua massa e do volume ocupado pelo fluido. Sabendo que a massa específica do mercúrio é 26,3 slug/ft³, determine seu volume específico em m³/kg e estime seu peso específico em lbf/ft³ na Terra e na Lua. Considere que a aceleração da gravidade na Lua seja de 5,47 ft/s². Camila Pacelly Brandão de Araújo 57 2. Os campos de velocidade indicam as equações que explicam como a velocidade muda de um ponto a outro e ao longo do tempo em uma dada região de estudo. Para os campos de velocidade abaixo, determine se o escoamento é uni, bi ou tridimensional e por quê. Quais escoamentos podem ser considerados em regime permanente? a) � V ax t e iby^ b) � V ax by î c) � V axi e jbx^ ^ d) � V axi by axkj2 e) � V axi e j aykbt f) � V axi e j azkb 3. O campo de velocidade para um dado escoamento é assim especificado: ˆ ² ˆV axyi by j= + Onde a= 4m-1s-1 e b=-7m-1s-1 e as coordenadas são medidas em metros. O campo de escoamento é uni, bi ou tridimen- sional? Por quê? Calcule as componentes da velocidade no ponto (1, 1/2), no ponto (2, 1) e no ponto (2, 4). Deduza a equação para a linha de corrente que passa pelo ponto (2,1). Trace algumas linhas de corrente para esse campo de escoamento. 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 58 4. A distribuição de velocidade para o escoamento laminar desenvolvido entre placas paralelas é dada por: u u y hmax � �� � � � � �1 2 2 onde h é a distância separando as placas; a origem está situada na linha mediana entre as placas. Considere um escoamento de água a 15°C (viscosidade dinâmica = 10-3 N.s/m²) com umax = 0,60 m/s e h = 0,15 mm. Calcule o módulo da tensão de cisalhamento na placa superior. 5. O comportamento reológico de fluidos é muito importante na determinação de diversos parâmetros de escoamento. O parâmetro perda de carga, inclusive, é uma medida da perda da energia fornecida para colocar o fluido em movimento, devido ao atrito dele com os diversos obstáculos que existem ao longo do seu caminho de escoamento. Diferencie fluidos newtonianos e não newtonianos, apresentando as relações entre as tensões cisalhantes desenvolvidas e as respectivas taxas de deformação. Apresente as características de alguns fluidos não newtonianos e exemplifique. 6. A viscosidade é uma propriedade do fluido que representa a resistência apresentada por ele ao escoamento. Alguns fluidos resistem mais ou menos ao escoamento, e a visco- sidade é a propriedade que descreve esse comportamento. De que maneira a viscosidade dos líquidos e dos gases é afetada por variáveis do escoamento como a temperatura e a pressão? Por quê? Camila Pacelly Brandão de Araújo 59 7. Um pistão cai dentro de um cilindro com velocidade constante de 3,5m/s. Entre o pistão e o cilindro, existe uma película de óleo de viscosidade cinemática de 10-3 m²/s e de peso específico 8850 N/m³. Sendo o diâmetro do pistão 12cm, seu comprimento 5cm e o diâmetro do cilindro 12,3cm, determine o peso do pistão. Use g = 10m/s². 8. Um fluido newtoniano de densidade relativa e viscosidade cinemática respectivamente iguais a 0.92 e 4.10-4m²/s escoa sobre uma superfície imóvel. O perfil de velocidade desse escoamento, na região próxima à superfície, é o descrito pela equação: u U y y � � � � � � � � � � � � � � 3 2 1 2 3 � � Determine o valor, a direção e o sentido da tensão de cisa- lhamento que atua na placa. Expresse seu resultado em função de U e delta (δ). 9. A respeito do comportamento reológico e da classificação dos escoamentos dos fluidos, leia as afirmativas abaixo e indique se são verdadeiras ou falsas, justificando em cada caso. a) A viscosidade cinemática (ν = m²/s) é a relação entre a visco- sidade dinâmica (µ = Kg/m.s) e o peso específico (γ = N/m³). b) O número de Reynolds é um número adimensional definido como uma relação entre forças inerciais e forças viscosas, sendo: Re = ρvd/µ 1 Introdução à Mecânica dos Fluidos e conceitos fundamentais 60 Onde: ρ = massa específica (Kg/m³) / v = velocidade de escoamento do fluido (m/s) / d = diâmetro da tubulação (m) / µ = viscosidade absoluta (Pa.s). c) Para fluidos newtonianos, a relação entre tensão de cisa- lhamento e taxa de deformação é não linear. d) Um fluido plástico de Bingham resiste a baixas tensões de cisalhamento e, assim, comporta-se inicialmente como um sólido, mas se deforma continuamente quando a ten- são de cisalhamento excede o limite de carga, passando a comportar-se como um fluido novamente. 10. Considere o escoamento de um fluido com viscosidade µ através de um tubo circular. O perfil de velocidade no tubo é mostrado na figura abaixo, onde umax é a velocidade máxima de escoamento, a qual ocorre no eixo central; r é a distância radial do eixo central e u(r) é a velocidade do escoamento em qualquer posição r. Desenvolva uma relação para a força de cisalhamento exercida sobre a parede do tubo no sentido do escoamento. 2 Camila Pacelly Brandão de Araújo 61 Estática 2 2 Estática 2.1 Estática dos fluidos – o que é? Bem-vindos ao nosso segundo grande bloco de conteúdos da primeira unidade de Mecânica dos Fluidos! Começaremos, agora, a estudar a condição estática dos fluidos. No início dos nossos estudos,comentamos que a Mecânica dos Fluidos era responsável pelo estudo do movimento e do repouso de fluidos, mediante a ação de forças. Assim sendo, a fluidostática representa justamente o repouso desses fluidos. Essa importante seção da Mecânica dos Fluidos é responsável por inúmeros benefícios ao desenvolvimento humano, tendo sido estudada desde os primórdios dessa ciência. A notícia neste link reporta o fato de uma das maiores barragens do estado do Rio Grande do Norte ter atingido seu maior nível desde 2012. Isso é notícia boa para todo lado que se olhe, não é mesmo? A próxima notícia já não é tão animadora, mas, com certeza, todos nós a sentimos profundamente quando do seu acontecimento. Quem não se lembra do caso do rompimento da Barragem do Feijó em Brumadinho? http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/barragem-armando-ribeiro-gona-alves-atinge-maior-na-vel-desde-2012/481257 Camila Pacelly Brandão de Araújo 63 Será que podemos aplicar nossos conhecimentos de Mecânica dos Fluidos, em especial os de estática de fluidos, nesse caso? Nós desenvolveremos, ao longo dessa aula, ferramentas para permitir tratar de problemas como estes, e como tantos outros relacionados à Estática de Fluidos. Alguns exemplos, como os princípios de funcionamento de prensas hidráulicas, o dimensio- namento de reservatórios de líquidos, o projeto de comportas e de paredes de barragens de armazenamento de fluidos e a deter- minação de esforços sobre corpos submersos em massas fluidas estagnadas, demonstram a importância de aplicação dessa área de conhecimento. Vamos trabalhar, então? 2.2 Condição estática Na aula anterior, quando começamos a falar sobre o tipo de forças que atuavam sobre massas fluidas, dividimos as forças de superfície em duas componentes (normal e cisalhante), as quais eram responsáveis por gerar, por sua vez, tensões normal e tangencial. Dissemos também que o fluido, quando sujeito à ação de esforços cisalhantes, escoa, se deformando continuamente. De tal modo, podemos inferir que, na ausência de tensões cisalhantes, não haverá movimento do fluido e, portanto, ele estará na sua condição estática. Os esforços normais são verificados tanto para um fluido que escoa, como para massas fluidas estagnadas. Nesta condição, o fluido encontra-se unicamente submetido a uma das parcelas da tensão normal - que é a pressão - e às forças originárias da existência de campos magnético ou gravitacional. 2 Estática 64 2.3 Isotropia da pressão Isotropia da pressão é um termo feio, não é? Mas não é de se assustar! “ISO” se refere a tudo que é igual. Assim, nos fluidos está- ticos, a isotropia da pressão diz respeito ao fato de que se observa um único valor de pressão em um ponto do fluido e que a pressão não depende da direção considerada. Para comprovar essa característica isotrópica da pressão, podemos tomar um elemento triangular e realizar o balanço de forças sobre ele. A Figura 29 apresenta esse elemento prismático triangular e as forças atuantes sobre ele. Para efeitos de simplificação da figura, a força gravitacional foi omitida, porém, a consideraremos atuante na direção do y negativo. Figura 29 – Elemento prismático triangular e forças sobre ele atuantes Fonte: adaptado de Duarte (1997) Considerando que o fluido se encontra em repouso, podemos usar a primeira condição de equilíbrio, qual seja a de que o soma- tório de forças atuantes sobre o elemento é nulo, para determinar a relação entre as pressões Ps, Px e Py. Camila Pacelly Brandão de Araújo 65 � � F 0 Na direção x, temos: P y z P z sx SX� � � �� � 0 Pela geometria do problema, podemos inferir que: sen y s � � � � � � E que: cos x s � � � � � � Assim, P y z P y zx S� � � �� � 0 P y z P sen z zx S� � � � �� � � � 0 P Px S= Na direção y, temos: P x z P z s g x y zy Sy� � � � � � � �� � � 1 2 0 Onde o termo 1 2 � � � �g x y z corresponde ao produto do peso específico do fluido pelo volume (∀ ) do elemento: A z x y ztriangulo 2 2 Estática 66 Assim, utilizando as identidades trigonométricas: P x z P z scos g x y zy S� � � � � � � � �� � � � � 1 2 0 P x z P z x g x y zy S� � � � � � � �� � � 1 2 0 P P g yy S� � � 1 2 0� � Tomando o limite em que o elemento se torna um ponto, ou seja, quando y tende a zero, temos: P Py S= Desse modo, podemos verificar que P P Py x S= = Isso nos comprova que o valor da pressão em um ponto é único e independe da direção. Essa relação é conhecida como o Princípio de Pascal, e pode ser enunciada como: “A pressão exercida num ponto no interior de um fluido transmite-se com a mesma intensidade em todas as direções”. Em outras palavras: “A pressão aplicada em um ponto de um fluido incompressível em repouso é transmitida integralmente a todos os pontos do fluido.” Essa é uma informação importante e que é muito usada no nosso cotidiano. Quem nunca viu um carro em uma oficina mecânica, sendo facilmente levantado pelos elevadores mecânicos? Camila Pacelly Brandão de Araújo 67 Provavelmente você já conhece essa relação de algum momento anterior dos seus estudos em nível médio, e deve ter trabalhado com ela em sistemas como os indicados pela Figura 30, na qual se ilustra a ação de uma força de pequena magnitude (F1) em uma pequena área (A1), gerando uma pressão, que se transmite integralmente em todo o meio fluido e realiza uma força de grande magnitude (F2) em uma área maior (A2). Figura 30 – Aplicação do Princípio de Pascal em um elevador mecânico Fonte: autoria própria 2.4 Equação Geral da Estática Nosso objetivo principal nesse momento será o de obter uma equação que represente o campo de pressão para um fluido que esteja na condição estática. Vamos, portanto, deduzir o que já sabemos da experiência do dia a dia: a pressão aumenta com a profundidade. Para isso, vamos aplicar a segunda lei de Newton a um elemento de fluido diferencial infinitesimal, de massa dm d� �� com lados dx, dy e dz, conforme a Figura 31. 2 Estática 68 Figura 31 – Elemento fluido infinitesimal em um sistema de coordenadas cartesianas Fonte: adaptado de Fox, McDonald e Pritchard (2011) Estando o elemento fluido em repouso em relação ao sistema inercial de coordenadas retangulares mostrado, podemos usar a primeira condição de equilíbrio estático para avaliar a relação entre a pressão e a profundidade. � �Fr ��� 0 Sendo a força resultante o resultado da ação da força de campo gravitacional e da força de superfície, devido à pressão em cada uma das faces do elemento. Teríamos, portanto, algo como: F gdB � �� � � �� e, em relação aos esforços que agem na superfície do ele- mento, precisaríamos, primeiro, saber o valor da pressão em cada uma das faces do elemento. Camila Pacelly Brandão de Araújo 69 A função expansão em série de Taylor serve com o propósito de fazer justamente isso: extrapolar o valor que já se conhece de uma função contínua em um ponto, para as suas vizinhanças. Considerando que x seja o ponto no qual se deseja determinar o valor da função, e A seja o ponto no qual esse valor já se conhece, a expansão em série de Taylor estabelece que: f x f A f A x a f A x a1 2 1 2! ! Ou seja, para determinar o valor da função do ponto x, basta termos a informação do valor da função no ponto A, sua derivada (primeira e segunda, se for o caso), e a distância entre os pontos (x-A). Se você precisar dar uma revisada nisso, olhe o material disponível neste link para lhe auxiliar, ok? Considerando que saibamos o valor da pressão no ponto O no centro da nossa partícula fluida infinitesimal, podemos aplicar a expansão em série de Taylor para a face direita da partícula fluida para obtermos a força nessa face, como: p p y y y x z j 2 ^ Onde o produto δ δx z representa a área na qual a pressão atua. Como consideramos que a pressão atua sobre o elemento fluido, a força resultante nessa face aponta para a direção de -y, ou seja -j, tal que: ^ https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rie_de_Taylor2 Estática 70 p p y y x z j 2 ^ O mesmo pode ser feito para a face esquerda, resultando em: p p y y x z j 2 ^ p p y y x z j 2 ^ Para essa direção, portanto, a força líquida, devido à pressão, pode ser calculada como o somatório dessas duas para ser: p y y x z p dy y x z jsy 2 2 F p y y x z jsy ^ Esse mesmo raciocínio pode ser replicado para as direções x e z, produzindo a força resultante de superfície conforme descrito: p p y y x z p y y x z j 2 2 p x x z y p x x z y is 2 2 p p z z x y p z z x y k 2 2 Camila Pacelly Brandão de Araújo 71 Assim: F p x z x y i p y x y z j p zs x z y k Sendo o gradiente de uma quantidade escalar dado por: � x i y j z k Podemos escrever: � � � �F P z x ys � ��� � � �� .� Dessa forma, a força resultante total reduz-se a: � �gd P z x y 0 � �F FB s � ���� � ��� � � 0 �� � � P g� 0 que representa a Equação Geral da Estática dos Fluidos. Note que essa equação é vetorial e pode ser representada de forma escalar, para cada uma das componentes nas direções x, y e z, para ser: � � � � � P x gx� 0 � � � � � P y gy� 0 2 Estática 72 � � � � � P z gz� 0 Ufa! Ainda bem que acabou! Essas três formas representam a Equação Geral da Estática, a qual nos fornece justamente essa relação entre o campo de pressão e o campo gravitacional ao qual uma massa fluida está sujeita. A depender da forma pela qual o sistema esteja arranjado espacial- mente, uma ou mais dessas componentes podem ser nulas. Analisando esse conjunto de equações, podemos verificar que: As pressões em um mesmo plano horizontal não variam em um fluido em repouso. Essa é uma das maneiras de enunciarmos o Princípio de Stevin, o qual está ilustrado na Figura 32. Figura 32 – Princípio de Stevin Fonte: autoria própria Vamos resumir o que fizemos até aqui? O quadro da Figura 33 representa as considerações que fize- mos e faz as devidas simplificações para o caso em que se oriente o eixo Z para cima (no sentido oposto ao da aceleração gravitacional), de tal maneira que g gx y= = 0 e g gz � � . Camila Pacelly Brandão de Araújo 73 Para a maioria das aplicações, podemos considerar que a aceleração da gravidade local é constante com valor de 9,81m/s²; porém, para cálculos mais robustos em que se considere que haja variação dessa variável, ela deve ser considerada. Isso pode acontecer no caso em que se deseje realizar cálculos para veículos aeroespaciais, por exemplo. Figura 33 – Considerações na obtenção da Equação Geral da Estática Fonte: autoria própria Como se pode verificar na Figura 33, são indicadas duas condi- ções que devemos observar quando formos usar essa equação e ambas dizem respeito à mesma propriedade do fluido: a massa específica. 2.4.1 Fluidos incompressíveis Para fluidos incompressíveis, a integração da expressão da Equação Geral da Estática é trivial e podemos realizá-la conforme demonstrado a seguir para determinar a maneira pela qual a pressão varia no interior de um fluido. A Figura 34 ilustra dois planos de referência dentro de uma massa fluida, distantes entre si de uma cota h. 2 Estática 74 Figura 34 – Variação de pressão no interior de uma massa fluida Fonte: autoria própria Separando as variáveis da Equação Geral da Estática e rea- lizando a integração entre os limites de P1 1 2 2 temos: P P z z dP gdz 1 2 1 2 � �� � � Assim: P P g z z 2 1 2 1 � � � �� �� Chamando de h a diferença entre as cotas z2 e z1, temos: P P gh 2 1 � � �� Como sabemos que a pressão aumenta com a profundidade, a quantidade P P 2 1 − produz um resultado negativo, indicando que, no nível mais profundo, a pressão é maior. Assim, podemos reescrever para obtermos: P P gh 1 2 � � � Camila Pacelly Brandão de Araújo 75 Vocês provavelmente já tiveram a oportunidade de conhecer essa expressão em algum momento anterior – no Ensino Médio, por exemplo. Podemos observar que a pressão cresce linearmente com a profundidade a partir da superfície livre a uma taxa determinada pelo peso específico do fluido. A Figura 35 apresenta essa relação. Figura 35 – Relação linear da pressão com a profundidade em uma massa de fluido incompressível Fonte: adaptado de Duarte (1997) Podemos, convenientemente, aplicar esses conhecimentos a situações em que P0 é conhecida, bem como a diferença de cotas h entre os pontos considerados. Em muitas destas situações, a massa fluida apresenta uma superfície livre aberta para a atmosfera, onde a pressão atuante é a pressão atmosférica local. Para estes casos, costuma-se escolher, como referência, esta superfície onde P0 = Patm. Nas próximas seções, iremos aplicar esses conhecimentos para determinar o valor da pressão atmosférica local no uso de diversos instrumentos de medição, entre outros. 2 Estática 76 2.4.2 Fluidos compressíveis A variação da pressão estática é diferente em líquidos e gases. Os gases são fluidos compressíveis, já que apresentam uma variação significativa da massa específica em função da pressão e da temperatura. Contudo, a variação de pressão em uma coluna de ar com centenas de metros pode ser considerada desprezível, como vere- mos a seguir. Basta termos em mente que, enquanto a massa específica da água é de 1000 kg/m³, a massa específica do ar é da ordem de 1,2 kg/m³, o que representa uma significativa mudança de ordem de grandeza. Nas aplicações de Engenharia, as alturas verticais das tubulações que trabalham com líquidos representam desníveis energéticos significativos que devem ser vencidos pelas bombas. No caso de sistemas que trabalham com gases, como, por exemplo, os sistemas de ventilação industrial, a variação de pressão devido às alturas verticais dos dutos considera-se desprezível. Quando a variação da altura é da ordem de milhares de metros, devemos considerar a variação da massa específica nos cálculos da variação de pressão. No caso de um gás perfeito, é válida a equação: � � P R T* onde ρ é a pressão absoluta (Pa), a massa específica é medida em kg/m³, T é a temperatura absoluta (K) e R*, a constante de cada gás. Para o ar, R*=287 J/kg. K. Não confundir R* com a constante universal dos gases, R, pois R* corresponde à relação da constante universal R pela massa molar do gás considerado. Camila Pacelly Brandão de Araújo 77 Assim, novamente separando as variáveis da Equação Geral da Estática, temos: P P z z dP gdz 1 2 1 2 � �� � � E: P P z z dP P R T gdz 1 2 1 2 � �� � * Tal que: P P z zdP P gdz R T1 2 1 2 � �� � * Admitindo que a temperatura seja constante no intervalo considerado, temos: ln ln P P g R T z z* 2 1 2 1 Se, por outro lado, não for possível considerar que haja um valor único de temperatura para o intervalo de elevação conside- rado, há de se inserir uma relação funcional dessa variável com respeito à elevação. A Figura 36 mostra o comportamento da temperatura a diferentes níveis de elevação na atmosfera terrestre. É possível observar que existem intervalos de valor constante de temperatura, bem como intervalos em que o comportamento é linear, seja com incremento ou com diminuição da temperatura no trecho considerado. 2 Estática 78 Figura 36 – Variação de temperatura com a altitude na atmosfera- padrão nos Estados Unidos Fonte: adaptado de Fox (2008) 2.5 Aplicações da Equação Geral da Estática Ficou clara a importância das pressões no estudo de Mecânica dos Fluidos? Por esse motivo, muitas técnicas e instrumentos foram desenvolvidos para a medição desta propriedade em uma massa fluida. A esta ciência, convencionou-se chamar de manometria. Para além das medições de pressão, a determinação das forças oriundas da ação da pressão de um fluido também é de grande interesse prático e de engenharia. Nesta seção analisaremos alguns desses casos. Camila Pacelly Brandão de Araújo 79 2.5.1 Níveis de pressão Qualquer que seja o valor da pressão observada em um fluido, ele deverá ser expresso em relação a um nível de referência. Esta característicarelativa da pressão introduz o conceito dos níveis de pressão e das pressões absoluta e efetiva. A Figura 37 ilustra essa situ- ação, indicando os níveis 1, atmosférico e 2, e as respectivas leituras de pressão em escala absoluta (verde) e manométrica (vermelha). Figura 37 – Níveis de pressão Fonte: adaptado de Vilanova (2011) A propriedade de pressão do fluido pode ser, ainda, expressa na forma de pressões absolutas e de pressões manométricas. A pressão absoluta é medida tendo como referência a pressão de zero absoluto, enquanto a pressão manométrica é medida tendo como referência a pressão atmosférica. Perceba que, quando a pressão manométrica tem valor nulo (0), a pressão absoluta mede aproximadamente 101 KPa. Esse valor corresponde ao valor da pressão atmosférica local. Podemos expressar essa relação da seguinte forma: P P Pabsoluta atmosférica manométrica� � 2 Estática 80 Quando a pressão é expressa pela diferença entre o seu valor e a pressão atmosférica local, ela é associada ao conceito de pressão efetiva. Vamos agora usar esses conhecimentos para obter informações importantes sobre fluidos estáticos? 2.5.2 Medição de pressão As medições de pressão podem ser realizadas através de instrumentos simples. Abaixo, encontraremos exemplos de como alguns deles funcionam. i. Barômetro A pressão atmosférica em um determinado local é medida por um instrumento chamado barômetro, cuja configuração mais simples constitui-se simplesmente de um tubo de vidro cheio de mercúrio. O extremo aberto é submerso na superfície de um reservatório cheio de mercúrio e ali permanece até que alcance o equilíbrio, como se observa na Figura 38. Na parte superior do tubo, produz-se um vácuo muito próximo do vácuo perfeito, contendo vapor de mercúrio a uma pressão (Pvapor) de somente 0,17 Pa a 20°C. Figura 38 – Barômetro Fonte: autoria própria Camila Pacelly Brandão de Araújo 81 Escrevendo a Equação Geral da Estática para um fluido incom- pressível, como o mercúrio, na base da coluna de fluido, se verifica: P gh Patm vapor� �� Como o termo referente à pressão de vapor do mercúrio é muito pequeno à temperatura ambiente, considera-se desprezível e desta forma: P ghatm Hg� � Determina-se, assim, a pressão atmosférica diretamente em função da coluna de mercúrio. Como o peso específico do mercúrio é aproximadamente constante, uma mudança na pressão atmosférica ocasionará uma mudança na altura da coluna de mercúrio. Esta altura representa a pressão atmosférica. Você já ouviu falar que a pressão atmosférica é de 760mm de mercúrio? É exatamente esse o valor da altura da coluna de mercúrio medida por um barômetro. No presente material, utilizaremos o peso específico do mercúrio igual a 132.8 kN/m³. Vamos testar nossos conhecimentos? Qual seria a altura da coluna se o fluido usado fosse água? E se fosse gasolina gasolina m840 ³? ii. Tubo piezométrico O tubo piezométrico é o manômetro mais simples para medição de pressão em um reservatório contendo um líquido pressurizado. Consiste em um tubo graduado conectado a um reservatório cuja altura de líquido indica o valor da pressão dentro do reservatório. A Figura 39 ilustra esse instrumento. 2 Estática 82 Figura 39 – Tubo piezométrico Fonte: adaptado de Vilanova (2011) Note que, por sua configuração intrínseca, o tubo piezo- métrico não permitiria a medição de pressão de um reservatório de gases, pois ele escaparia. Além disso, o uso desse dispositivo não é conveniente quando se deseja medir níveis elevados de pressão, porque produziria colunas de grande altura de fluido. Em adição, esse instrumento não se presta à medição de pressões mais baixas que a atmosférica, porque, nesse caso, o reservatório estaria puxando ar atmosférico para seu interior. Aplicando a Equação Geral da Estática para um fluido incompressível entre a extremidade aberta e o nível 1, temos: P P ghA � �0 � iii. Manômetro em U Claramente, alguns pontos precisavam ser contornados na configuração dos tubos piezométricos para que sua aplicação fosse aumentada. Camila Pacelly Brandão de Araújo 83 Nesse intuito, surgiram os manômetros em U, os quais, mediante o uso de um fluido manométrico de massa específica diferente da massa específica do fluido contido no reservatório, podem medir valores de pressão mais elevados. Esse arranjo é mostrado na Figura 40. O problema da medição da pressão em recipientes contendo gases pode ser eliminado utilizando-se o manômetro de tubo em U, podendo, neste caso, a pressão no recipiente ser negativa ou positiva, porém, dentro de parâmetros que permitam alturas razoáveis de colunas de líquido para serem construídos. Alguns requerimentos são de que o f luido cuja pressão se deseja medir deva ter uma massa específica menor que a do fluido manométrico e que os fluidos de medição e manométrico não se misturem. Figura 40 – Tubo em U Fonte: elaborado a partir de Vilanova (2011) 2 Estática 84 Para avaliar a pressão no reservatório A, devemos percorrer o caminho do fluido, desde uma das extremidades até o ponto desejado. Assim, poderíamos, partindo da superfície livre, descer a coluna de fluido manométrico (verde-claro) de profundidade h2 até o ponto 2, o qual se encontra no mesmo nível do ponto 1 do mesmo fluido. P P gh 2 0 2 2 � � � Pelo Princípio de Pascal enunciado anteriormente, sabemos que as pressões em um mesmo plano horizontal não variam em um fluido em repouso. Assim: P P 1 2 = Estando o ponto A acima do ponto 1, a pressão deverá ser menor naquele do que neste, tal que: P P ghA � �1 1 1� Combinando as equações, temos, portanto: P P gh ghA � �� � �0 2 2 1 1� � Alternativamente, o manômetro em tubo em U pode ser conectado a um vaso pressurizado em dois pontos, ou entre dois reservatórios, ou ser anexado a uma tubulação em que um fluido escoa, permitindo a medição da diferença de pressão entre eles. Camila Pacelly Brandão de Araújo 85 Seguindo o mesmo procedimento realizado acima, se esco- lhermos partir do ponto B até o ponto A da Figura 41a, teríamos, por exemplo: P P gh 4 5 3 3 � � � P PB = 5 P P gh 3 4 2 2 � � � P P 2 3 = P P P ghA A� � �1 2 1� As quais, combinadas, resultam em: P P gh gh ghA B A� �� � ��� �� �� � �3 3 2 2 1 Ou: P P gh gh ghA B A� � � �� � �3 3 2 2 1 Um procedimento similar poderia ser realizado para o arranjo mostrado na Figura 41b. Figura 41a – Medição de diferenças de pressão usando um tubo em U Fonte: adaptado de Vilanova (2011) 2 Estática 86 Figura 41b – Medição de diferenças de pressão usando um tubo em U Fonte: adaptado de Vilanova (2011) iv. Manômetro inclinado Apesar da versatilidade alcançada com o arranjo em U mostrado anteriormente, ainda algumas dificuldades surgiam quando do uso desse instrumento para medições de pequenas variações de pressão, como no caso de gases. Observando-se a última equação, podemos ver que, se o fluido de medição for um gás, ou seja, possuir massa específica bastante inferior à do fluido manométrico, a equação se reduz a: P P ghA B man� � � Assim, para pequenas variações de pressão, as variações na altura da coluna h também seriam pequenas. No intuito de contornar esse tipo de situação, foram desen- volvidos os manômetros de tubo inclinado, ilustrados na Figura 42. Uma perna do manômetro é inclinada, formando um ângulo Camila Pacelly Brandão de Araújo 87 θ com a horizontal, e a leitura diferencial l2 é medida ao longo do tubo inclinado. Mesmo que o diferencial de pressão seja pequeno, a inclinação possibilita realizar uma leitura. Figura 42 – Manômetro de tubo inclinado Fonte: adaptado de Alé (2011) p gh gl sen gh pA B� � � � � �� � � �1 1 2 2 3 3 p p gl sen gh ghA B� � � � � �� � � �2 2 3 3 1 1 p p gl senA B� � � �� �2 2 l p p gsen A B 2 2 � � � �� � Os manômetros apresentados até aqui são amplamente utilizados, mas apresentam muitas desvantagens em relação à sua aplicação quando comparados a outros dispositivos mecânicos ou elétricos, como o medidorde pressão de Bourdon (Figura 43) ou os transdutores piezoelétricos. Na prática, esses dispositivos são mais ágeis e mais práticos para a realização da medição das pressões do que os primeiros e, por isso, são os mais utilizados em plantas industriais. Vamos conhecer um pouco sobre eles? 2 Estática 88 v. Manômetro de Bourdon O funcionamento desse tipo de manômetros é baseado na alteração da curvatura originada num tubo de seção elíptica pela pressão exercida no seu interior. A seção elíptica tende para uma seção circular com o aumento da pressão no interior do tubo levando a que o tubo se desenrole. Você já deve ter visto o funcionamento do brinquedo de criança conhecido por língua de sogra; se não viu, ele está indicado na Figura 43, juntamente com um manômetro de Bourdon e com o seu mecanismo interno de funcionamento. Figura 43 – Língua de sogra (à esq.) e Manômetro de Bourdon (à dir.) Fonte: Pixabay A medida da pressão pelo uso desse instrumento é relativa, uma vez que o exterior do tubo está sujeito à pressão atmosférica. vi. Transdutores de pressão Por sua vez, os transdutores de pressão são dispositivos de medição que fornecem uma grandeza de saída, a qual tem uma relação especificada com uma grandeza de entrada. Nesses dispositivos, a pressão, que é um sinal mecânico, é convertida em um sinal analógico elétrico. Camila Pacelly Brandão de Araújo 89 Nesse caso, a pressão aplicada ao transdutor de pressão produz uma deflexão do diafragma, que causa deformação aos sensores. Essa deformação, por sua vez, produzirá uma alteração de resistência elétrica proporcional à pressão e essa informação é enviada a um sistema de controle. A Figura 44 ilustra esse tipo de dispositivo. Figura 44 – Transdutor de pressão Fonte: divulgação Honeywell Agora que já sabemos como a pressão varia em uma massa fluida podemos entender que, quando uma superfície qualquer está submersa em uma massa fluida, forças oriundas do fluido agem sobre essa superfície. O estudo dessas forças é particularmente importante no projeto de grandes tanques de armazenamento de f luidos, de navios e de represas. Lembra que comentamos no começo desse material a respeito das barragens para armazenamento de água no sertão, na construção de hidrelétricas e no armazenamento de rejeitos de mineração? É nesse tipo de problema que iremos começar a trabalhar agora. 2 Estática 90 Para determinar completamente a resultante de força atu- ando sobre uma superfície submersa, devemos especificar: 1. O módulo da força; 2. O sentido da força; 3. A linha de ação da força. Consideraremos tanto superfícies submersas planas quanto curvas. i. Superfícies planas Vamos começar analisando superfícies planas? Nas seções anteriores, vimos que a pressão em uma superfície de referência varia linearmente com a profundidade ou com a dis- tância dessa superfície submersa à superfície livre da massa fluida. a) Horizontais Em superfícies horizontais, como a apresentada na Figura 45, é fácil perceber que teremos um determinado nível de pressão igualmente distribuído na totalidade da área da superfície, con- forme mostrado a seguir. Assim, a determinação da força resultante é direta e pode ser realizada pela aplicação da Equação Geral da Estática na pro- fundidade da superfície. F P AR � �� � = . Sendo P P gh� �0 � Camila Pacelly Brandão de Araújo 91 No caso em que a pressão atmosférica atue em ambos os lados da placa, o termo referente a P0 pode ser omitido. Figura 45 – Distribuição da pressão em uma superfície horizontal plana Fonte: autoria própria Por se tratar de uma distribuição uniforme da carga de pressão em toda a superfície horizontal, podemos considerar que a força resultante atua no centro geométrico da superfície e sua direção é perpendicular à própria superfície. b) Verticais ou inclinadas Em se tratando de superfícies verticais ou inclinadas, a carga de pressão, conforme vimos anteriormente, aumenta linearmente com a profundidade. Assim, em superfícies planas verticais ou inclinadas, não podemos simplesmente multiplicar a pressão pela área da superfície para calcular uma força resultante, já que a pressão, a cada novo nível, apresenta um novo valor. A Figura 46 retrata essa distribuição. 2 Estática 92 Figura 46 – Distribuição da carga de pressão hidrostática em uma superfície plana vertical Fonte: autoria própria Módulo da força resultante: Portanto, para determinar o módulo da força resultante, se faz necessária a integração da expressão para a força atuante em uma área infinitesimal da superfície, ao longo de toda a superfície a ser considerada. dF pdA= Em um ponto a uma altura qualquer, a pressão poderá ser calculada para ser: p p ghi i� �0 � E a força resultante deverá ser: F PdA p gh dAR i( )0 Camila Pacelly Brandão de Araújo 93 Analisando a Figura 47, verificamos que, para uma superfície inclinada, haverá a formação de um ângulo θ qualquer entre a superfície submersa e a superfície livre do líquido. Caso a superfície seja vertical, esse ângulo assume o valor de 90°. Essa informação é particularmente importante se levarmos em consideração que o aumento da carga de pressão ocorre segundo a relação: Figura 47 – Superfície plana inclinada e a composição de força Fonte: adaptado de Çengel (2006) Assim, a integração fica: F pdA p gysen dAR A A� � � � �� � [ ]0 � � F p dA gsen ydAR A A� � � �� �0 � � Se você se recordar bem, em outras disciplinas, você pode já ter tido contato com a última integral apresentada na equação. Quando desejamos determinar as coordenadas do centro geométrico de uma superfície, usamos as relações da Figura 48 para tanto. 2 Estática 94 Figura 48 – Determinação do centro geométrico de uma superfície Fonte: autoria própria Podemos, então, reconhecer o termo: A c ydA y dA� �� De tal maneira que: F p dA gsen y dAR A c A� � � �� �0 � � F p A gsen y AR c� � � �0 � � Reconhecendo que o termo p gsen y Pc c0 � � � �� � cor- responde à pressão que atua no centro geométrico da superfície, podemos reescrever a equação acima para ser: F P AR c= Não é ótimo isso? Podemos calcular o módulo da força resultante atuando sobre uma superfície submersa simplesmente tomando o produto da pressão que atua sobre o centro geométrico dela e multiplicando pela sua área. Camila Pacelly Brandão de Araújo 95 Linha de ação da força resultante: Como dissemos anteriormente, determinar completamente a força resultante não diz respeito somente ao cálculo do seu módulo, mas também à indicação da sua linha de ação e à sua direção. Apesar de podermos dizer que a força resultante pode ser calculada usando-se as coordenadas do centro geométrico da superfície, não podemos dizer o mesmo sobre a sua linha de ação, e a razão disso é bastante simples: se a pressão aumenta linearmente com a profundidade, evidentemente, a contribuição para a força total das porções mais profundas é maior. Dessa forma, a linha de atuação da força resultante se encontra deslocada para um ponto mais abaixo que o centro geométrico, chamado de centro de pressão. Para estabelecer as coordenadas do centro de pressão (y’, x’), trabalharemos com a igualdade dos momentos da força resultante e da carga de pressão distribuída. � � � � �� �y F yp dA y gsen ydAR A A0 � � � � �y F ypdAR A Vimos da dedução anterior que a quantidade: A c ydA y dA� �� Assim, temos: � � � � � �y F p y A gsen y dAR C A0 � � ² 2 Estática 96 O termo da integral refere-se ao momento de inércia da área da superfície em relação ao eixo x. Se nos referirmos novamente à Figura 47, veremos que o eixo x corresponde a um eixo que sai do plano da página e tem sua localização no ponto em que a superfície livre do líquido encontra a linha da superfície inclinada. I y dAxx A 2 Contudo, as tabelas de momentos de inércia de diversas figuras geralmente apresentam essa informação quando o eixo de rotação considerado é o que passa pelo centro geométrico dela. O Teoremados Eixos Paralelos permite transladar o momento de inércia da área para um eixo que passe pelo seu centro geométrico pela seguinte relação: I I Ayx CG c 2 Ao final dessa dedução, você vai encontrar uma tabela com os momentos de inércia (ICG) de várias figuras geométricas comuns (Figura 49). � � � � � �� �y F p y A gsen I AyR C CG c0 2� � Evidenciando os termos repetentes: � � � �y F y p gh A gsen IR C c CG( )0 � � � � � � � � �y F y A p gsen y gsen IR C c CG( )0 � � � � Reconhecendo o termo entre parênteses como o módulo da força resultante calculada no item anterior: Camila Pacelly Brandão de Araújo 97 � � �y F y F gsen IR c R CG� � Isolando as coordenadas da linha de ação da força resultante: � � �y y gsen I Fc CG R � � Essa relação nos apresenta a informação de que a linha de ação da força resultante sempre estará em um ponto abaixo do centro geométrico da superfície plana. Eu, particularmente, prefiro utilizar essa expressão, em detrimento da expressão anterior: � � �y y I y Ac CG c A qual é obtida quando se considera a ação de uma pressão externa de igual magnitude sobre ambos os lados da superfície. Figura 49 – Coordenadas do centro geométrico e o momento de inércia de algumas figuras Fonte: adaptado de Çengel (2006) 2 Estática 98 ii. Superfícies curvas Para superfícies curvas, deduziremos, novamente, expressões para a força resultante por integração da distribuição de pressões sobre a superfície. Contudo, diferentemente da superfície plana, temos um problema mais complicado — a força de pressão é normal à superfície em cada ponto; contudo, agora, os elementos infinitesimais de área apontam em diversas direções, por causa da curvatura da superfície. Isso significa que, em vez de integrar sobre um elemento de área dA, nós devemos integrar sobre o elemento vetorial �dA � �� . A forma mais simples de se determinar a força hidrostática resultante que age sobre uma superfície curva bidimensional é por meio da determinação dos componentes horizontal e vertical FH e FV separadamente. Isso é feito considerando o diagrama de corpo livre do bloco de líquido englobado pela superfície curva e pelas duas superfícies planas, uma horizontal e outra vertical, passando pelas duas extremidades da superfície curva. Isso fica mais claramente explicado com o diagrama apresentado na Figura 50. Figura 50 – Determinação da força hidrostática em superfícies curvas submersas Fonte: adaptado de Çengel (2006) Camila Pacelly Brandão de Araújo 99 A superfície vertical do bloco de líquido pode ser conside- rada, simplesmente, como a projeção da superfície curva em um plano vertical. Já a superfície horizontal é a projeção da superfície curva em um plano horizontal. Assim, a força resultante que age sobre a superfície sólida curva é igual e oposta à força que age sobre a superfície líquida curva, de acordo com a terceira lei de Newton. Para a horizontal, temos que: A componente horizontal da força (FH) é igual à força FX na parede imaginária vertical. F FH X= Para a vertical, podemos dizer que: A componente vertical da força (FV) é igual à força Fy na parede imaginária horizontal mais (ou menos) o peso do bloco de fluido. Dizemos “mais (ou menos)” o peso do fluido, pois a configuração espacial da superfície não necessariamente é a apre- sentada na Figura 50, e pode apresentar configurações como a da Figura 51, por exemplo. Figura 51 – Determinação da força hidrostática em superfície está acima do líquido Fonte: adaptado de Çengel (2006) 2 Estática 100 Onde: W gdV� � Somando-se as duas componentes vetorialmente, temos: F F FR H V � �� � �� � �� � � Cujo módulo pode ser calculado para ser: F F FR H V a. Empuxo Nosso próximo tema é bastante presente na vida de quem mora no litoral ou nas proximidades de rios e lagoas. A Figura 52 ilustra várias situações em que o empuxo está presente. Figura 52 – Exemplos de situações em que o empuxo pode ser verificado Fonte: Unsplash Sempre que um objeto está imerso em um líquido, ou flutu- ando em sua superfície, surge uma força líquida vertical agindo sobre ele, devido à pressão do líquido. Essa força é denominada empuxo. Camila Pacelly Brandão de Araújo 101 Provavelmente você tenha ouvido falar dessa força se relacio- nando com Arquimedes e a história da determinação da quantidade de ouro na coroa do rei. Vamos entender como essa força surge? Considere um objeto totalmente imerso em um líquido estático, conforme mostrado na Figura 53. Observa-se um desbalan- ceamento das forças nas superfícies superior e inferior, produzindo uma resultante para cima. F F Fr inf sup� � Reconhecendo que a força na face inferior da superfície submersa a pressão se refere à de uma coluna de líquido de pro- fundidade (h+s) e que, na superfície superior, a coluna é de pro- fundidade (h), temos: F g s h A gsr f f� �� � �� � F ghAr f� � Assim, podemos obter a expressão para o empuxo para ser: F gVB f� � Figura 53 – Empuxo sofrido por um elemento submerso Fonte: adaptado de Çengel (2006) 2 Estática 102 Esse resultado é bastante interessante, pois indica que: A força de flutuação que age sobre um corpo é igual ao peso do líquido deslocado por ele, e age para cima no centroide do volume deslocado. Esse é o enunciado do chamado Princípio de Arquimedes. Essa relação foi usada por Arquimedes no ano 220 a.C. para determinar o teor de ouro na coroa do rei Hiero II. Nas aplicações técnicas mais correntes, a expressão para o empuxo é empregada no projeto de embarcações, de peças flutuantes e de equipamentos submersíveis. Do que se lê da expressão para o empuxo, podemos verificar que: ✓ Não depende da distância entre o corpo e a superfície livre; ✓ Não depende da massa específica do corpo sólido; ✓ É válida para qualquer corpo, independente da sua forma. Da equação para o empuxo, podemos predizer a força líquida vertical decorrente da pressão sobre um corpo que está totalmente submerso em um único fluido. Nos casos de imersão parcial, um corpo flutuante desloca um volume de líquido com peso igual ao peso do corpo. F WB = F gB f sub� �� W gcorpo total� �� Camila Pacelly Brandão de Araújo 103 Assim, � �corpo total f subg g� � � Tal que, � � �sub total corpo f � � Portanto, a fração de volume submersa � � � � � � � �sub total de um corpo flutuante é igual à razão entre as massas específicas do fluido e do corpo. Você já ouviu falar que não se consegue afundar no Mar Morto? Você conseguiria fornecer uma explicação para isso agora? A linha de ação da força de empuxo, que pode ser determi- nada usando os métodos anteriormente descritos, age por meio do centroide do volume deslocado. Como os corpos flutuantes estão em equilíbrio sob a ação de forças de campo e de empuxo, a localização da linha de ação da força de empuxo determina a estabilidade. A Figura 54 ilustra a composição de forças de empuxo e de peso e a formação de conjugados (pares de força) que tendem a aprumar a embarcação na esquerda (A), enquanto, na direita, a tendência é de rotacionar a embarcação. Perceba que, em ambos os casos, o volume submerso da embarcação é o mesmo e, portanto, gera o mesmo empuxo. Porém, no item (b), a disposição da carga da embarcação promove uma elevação do centro de gravidade, alterando o conjugado de forças resultante. 2 Estática 104 Figura 54 – Empuxo sofrido por um elemento submerso Fonte: adaptado de Fox (2008) Resumo Neste capítulo, construímos o conceito de estática de fluidos e verificamos que, para um fluido estar nessa condição, é necessário que não haja nenhum componente de força tangencial. Realizamos um balanço de forças para obtermos a Equação Geral da Estática e os demais princípios governantes do comportamento de fluidos nessa condição. Utilizamos essas ferramentas para construir formas de medição de pressão (manometria) e acessar o efeito da ação de massas de fluidos estáticas sobre superfícies submersas. ✓ Dedução das equaçõesbásicas de estática de fluidos (Princípio de Pascal, Stevin e Equação Geral da Estática); ✓ Aplicação destes princípios para o desenvolvimento de dispositivos para medição de pressão (manometria); ✓ Aplicação destes princípios para avaliação das forças resultantes da ação de massas de fluidos estáticas; ✓ Descrição e utilização da força e do empuxo (Princípio de Arquimedes). Camila Pacelly Brandão de Araújo 105 Exercícios 1) Considerando g = 10m/s² e Patm = 105Pa, qual será a profundidade associada ao valor da pressão manométrica atuante nos ouvidos de um mergulhador na água (densidade relativa = 1,0), correspondente a 6,5 vezes a pressão atmosférica? 2) Um fluido de viscosidade cinemática de 21mm²/s des- loca-se por uma tubulação de 35mm de diâmetro. Para que esse fluido não escoa em regime laminar, sua velocidade deve ser, no mínimo, de: a) 125cm/s b) 1.125mm/s c) 1,4m/s d) 110cm/s e) 13dm/s 3) O recipiente da figura ao lado contém água (densidade relativa = 1,0), óleo (ρ = 800kg/m³) e ar (ρ = 1,2kg/m³). Sabendo-se que a pressão atmosférica local é de 105Pa e que a aceleração da gravidade local é de 10m/s², a pressão manométrica no fundo da coluna de óleo será (em Pa): a) 1400 b) 12000 c) 26000 d) 30000 e) 130000 2 Estática 106 4) Um líquido foi ensaiado em um reômetro de cilindros concêntricos para avaliação do seu comportamento reológico. Foi constatado que a sua viscosidade aparente diminuía quando a taxa de cisalhamento aumentava, sem apresentar efeitos de histerese. Esse fluido pode ser classificado como sendo, portanto: A) De Bingham B) Dilatante C) Newtoniano D) Pseudoplástico E) Reopético 5) A figura abaixo representa um manômetro em U desti- nado a medir a pressão no reservatório 1 (P1). Estime o valor de P1 (em kPa), sabendo que a extremidade aberta está sujeita à ação da pressão atmosférica (760mmHg) e que a cota d vale 90mm. Camila Pacelly Brandão de Araújo 107 6) Na figura a seguir, ambas as extremidades do manômetro estão abertas para a atmosfera. Sabe-se que a densidade do óleo SAE 30 é igual a 0,8740. Calcule a densidade do fluido X. 7) Na figura a seguir, todos os fluidos estão a 20ºC. Determine a diferença de pressão entre os pontos A e B. 2 Estática 108 8) Manômetros de Bourdon são colocados no sistema a seguir. Sabendo que as pressões manométricas P’A, P’B e P’C são, respectivamente, 4,0 atm; 1,8 atm e 2,2 atm, e considerando que a pressão atmosférica seja de 1 atm, qual será a pressão absoluta no recipiente A? a) 2 atm b) 5 atm c) 6 atm d) 8 atm e) 9 atm 9) A porta mostrada na lateral do tanque é articulada ao longo de sua borda inferior. Uma pressão de 5000Pa (manométrica) é aplicada na superfície livre do líquido. Determine a força Ft requerida para manter a porta fechada. Camila Pacelly Brandão de Araújo 109 10) A superfície inclinada mostrada, articulada ao longo de A, tem 5m de largura. Ela é uma vista lateral de uma barragem para produção de energia elétrica a partir do movimento da água. Determine a força resultante (FR) da água sobre a superfície incli- nada para o caso em que o fluido está estático. Análise integral do escoamento de fluidos 3 3 Análise integral do escoamento de fluidos 3.1 Escoamento de fluidos Bem-vindos à nossa segunda unidade de conteúdos de Mecânica dos Fluidos! Começaremos, agora, a estudar a condição de fluidos em escoamento. No início dos nossos estudos, comentamos que a Mecânica dos Fluidos era responsável pelo estudo do movimento e do repouso de fluidos, mediante a ação de forças. Assim sendo, a fluidodinâmica representa justamente o caso do movimento desses f luidos. Essa importante seção da Mecânica dos Fluidos é responsável por inúmeras situações do nosso cotidiano, desde o abastecimento de água na nossa residência ao escoamento de sangue em nossas veias e artérias e ao movimento das massas de ar. A notícia neste link reporta a construção de um gasoduto para escoamento da produção do pré-sal. Podemos ver claramente a importância do escoamento de fluidos, portanto, para diversos aspectos da nossa vida, desde o abastecimento de gás para o funcionamento das indústrias, até a produção de derivados e petróleo, entre vários outros. https://epbr.com.br/cosan-licencia-projeto-indicado-pela-epe-para-escoamento-de-gas-do-pre-sal/ 3 Análise integral do escoamento de fluidos 112 Nós desenvolveremos, ao longo dessa aula, ferramentas para permitir tratar de problemas como esses e tantos outros relacionados ao Escoamento de Fluidos. Vamos trabalhar, então? 3.2 Alguns conceitos necessários No início da nossa disciplina, quando começamos a falar sobre o tipo de forças que atuavam sobre massas fluidas, dividimos as forças de superfície em duas componentes (normal e cisalhante), as quais eram responsáveis por gerar, por sua vez, tensões normais e tangenciais. Dissemos também que o fluido, quando sujeito à ação de esforços cisalhantes, escoa, se deformando continuamente. De tal modo, podemos inferir que, na ausência de tensões cisalhantes, não haverá movimento do fluido e, portanto, ele estará na sua condição estática; e que, na presença desses esforços, haverá o escoamento. Os esforços normais são verificados tanto para um fluido que escoa, como para massas fluidas estagnadas. Quando trabalhamos na etapa introdutória desse curso, dissemos que usaríamos ferramentas que vocês já conhecem para modelar o escoamento de fluidos, mas que essas ferramentas de equacionamento iriam precisar de modificações. É o que come- çaremos a fazer agora. Para isso, vamos trabalhar em termos de propriedades genéricas (quaisquer) do fluido. Propriedades ditas intensivas são aquelas que indepen- dem do tamanho do sistema que está sendo estudado. Podemos enquadrar, nessa categoria, propriedades como: calor específico (cp), massa específica (ρ), temperatura (T) e pressão (P). Imagine Camila Pacelly Brandão de Araújo 113 uma massa de água de 300ml em um copo e uma massa de água também de 1m³ em um tanque. Conseguem perceber que essas propriedades serão as mesmas para ambos os casos? Propriedades ditas extensivas são aquelas que dependem do tamanho do sistema que se está estudando. Os valores totais das propriedades extensivas podem ser obtidos somando-se os valores em parcelas individuais do sistema. Assim, podemos pensar em propriedades como a massa do sistema, o volume por ela ocupada, sua energia total, entre outras. De maneira geral, podemos dizer que uma dada propriedade intensiva pode se relacionar com a sua propriedade extensiva correspondente por: P INTENSIVA PEXTENSIVA TAMANHODOSISTEMA � � � � � = Assim, podemos representar propriedades intensivas, como energia interna específica, massa específica e entalpia específica, para serem razões dos valores de energia interna total (U), de entalpia total (H) ou de Volume total (∀ ). u U M = h H M = � � � M 3 Análise integral do escoamento de fluidos 114 Então, partindo dessas definições, chamaremos de N qual- quer uma das propriedades extensivas do sistema, e as propriedades intensivas, de η. Assim: Quando falamos em estudar o comportamento dos fluidos em movimentos, é convencional analisarmos uma região do espaço que é o nosso objeto de estudo, o nosso volume de controle, ao invés de uma massa fixa e definida do fluído (sistema). Porém, as Leis Básicas que conhecemos dos nossos estudos pregressos em outras disciplinas foram formuladas para sistemas. Você se recorda dessas definições? Adiante, você pode encontrar essas definições mais uma vez, enquanto, na Figura 55, se apresenta a diferença entre essas abordagens para o caso simples de se considerar o escoamento de spray por meio de um recipiente de aerossol. Sistema é uma quantidade de massa fixa e identificável, separada do ambiente por suas fronteiras, que se escolhe como objeto de estudo. E Volume de controle é um volume arbitrário no espaço que se deseja observar. Podem existir fluxosmássicos através de suas fronteiras. Camila Pacelly Brandão de Araújo 115 Figura 55 – Abordagem por sistemas x abordagem por volume de controle Fonte: adaptado de Çengel (2006). Ainda a respeito de volumes de controle (VC), podemos definir as fronteiras do volume de controle pelo uso de superfí- cies de controle (SC), em meio às quais se dará o fluxo do fluido (Vilanova, 2011). A Figura 56 representa tanto um volume de controle estipulado, quanto a sua respectiva superfície de controle. Figura 56 – Representação do volume de controles e superfície de controle em uma tubulação Fonte: autoria própria 3 Análise integral do escoamento de fluidos 116 No próximo tópico, apresentaremos as Leis Básicas que governam o comportamento geral dos fluidos na sua formulação original e destacaremos a maneira recorrente como elas podem ser expressas. Em seguida, vamos conhecer o Teorema de Transporte de Reynolds, que permitirá unificar as equações desenvolvidas para sistemas, com a formulação de volume de controle. Por fim, vamos aplicar esse conhecimento para três das Leis Básicas de maior importância: conservação da massa, conservação da quantidade do movimento linear e conservação da energia. 3.3 Leis básicas Como dissemos no início das nossas tratativas, os princípios e as leis básicas que vocês já conhecem e utilizam com frequência nos estudos referentes a outras disciplinas também serão utilizados aqui. São eles: o princípio da conservação da massa, o princípio da conservação do momento linear, a primeira Lei da Termodinâmica, o princípio da conservação do momento angular e a segunda Lei da Termodinâmica. Aqui, eles serão descritos conforme o nosso uso futuro. 3.3.1 Conservação da massa O sistema, por definição, se constitui de uma quantidade de massa fixa e identificável - assim, é composto pela mesma quantidade de matéria em todos os instantes de tempo. Portanto, o conceito de sistema já representa semanticamente o próprio equacionamento deste princípio de conservação. Como o sistema contém sempre as mesmas partículas fluidas, a massa identificada pelo sistema não varia com o tempo, ou seja, Camila Pacelly Brandão de Araújo 117 dM dt Sistema | = 0 Desse modo, a massa específica do fluido pode apresentar variações no interior do sistema. À medida que o sistema se movi- menta com o escoamento, a massa específica destas partículas pode variar em função da geometria do problema ou do campo de pressão observado. Para manter a sua massa, o sistema deforma-se, encolhendo ou fazendo crescer o seu volume, na medida exata para compensar estas expansões ou contrações do fluido. 3.3.2 Conservação do momento linear Como vocês já sabem, o momento linear de um dado objeto pode ser calculado pelo produto da sua velocidade pela sua massa. É devido ao fato de o momento linear de um caminhão carregado descendo uma serra ser maior que o de um carro (ambos à mesma velocidade) que os motoristas daqueles precisam de cuidados redobrados nesses momentos e contam com o auxílio de sistemas de frenagem específicos: � ��� P mV= . Se nos propusermos ao cálculo da taxa de variação do momento linear de uma partícula, podemos fazer: 3 Análise integral do escoamento de fluidos 118 dP dt m dV dt Vdm dt � � Onde o termo dm/dt representaria a taxa de variação da massa do sistema, que já vimos ser nulo no item acima. Assim, dP dt ma = De tal maneira que podemos dizer que a taxa de variação do momento linear de um sistema é igual ao somatório de forças atuantes sobre ele, de acordo com a Segunda Lei de Newton: dP dt FR � � �� = Dessa forma, podemos escrever (mantendo a formatação usada para a conservação da massa): dP dt F Sistema � � | � 3.3.3 Conservação da energia A Primeira Lei da Termodinâmica, ou o Princípio de Conservação da Energia, estabelece que as trocas energéticas entre um sistema fechado e sua vizinhança somente podem ocorrer sob Camila Pacelly Brandão de Araújo 119 as formas de trabalho ou calor. Define-se calor como toda forma de energia em trânsito que surge em decorrência de diferenças de temperatura, e trabalho como toda forma organizada de trans- ferência de energia (cilindro-pistão, força eletromagnética etc.). Sendo a energia total de um sistema a contabilização da energia nas formas mecânica e interna, podemos dizer: E E E Utotal C P� � � E mV mgz Utotal � � � 2 2 Ou, por unidade de massa do sistema: e E m V gz u� � � � 2 2 Dessa maneira, podemos escrever esse princípio de con- servação para ser: dE dt Q W Sistema | � � A convenção de sinais usados para o uso dessa equação é a apresentada na Figura 57, na qual a realização de trabalho pelo sistema e o recebimento de calor pelo sistema são contabilizados com sinal positivo, enquanto o fornecimento de calor e a realização de trabalho sobre o sistema são contabilizados com sinal negativo. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 120 Figura 57 – Convenção de sinais para a Primeira Lei da Termodinâmica Fonte: autoria própria Além disso, podemos também dizer: dm e dSistema M sistema sistema 3.3.4 Conservação do momento angular Inúmeras são as máquinas em que um fluido rotaciona em torno de um eixo cuja dinâmica do movimento deve ser formulada por este princípio. Sendo o torque atuante sobre o sistema dado pelo produto vetorial da força resultante e a distância ao eixo considerado, temos: � � � ��T r x FR= �� A qual pode ser expressa como: Sendo a quantidade de momento angular dada por: Camila Pacelly Brandão de Araújo 121 O princípio da conservação da quantidade de movimento angular estabelece que a taxa de variação dessa quantidade é resul- tado da ação dos torques observados em relação a um referencial inercial que age sobre o sistema. Assim, escreve-se: dH dt T Sistema � � | � Note que, na equação supracitada, se recorre, mais uma vez, à diferenciação do sistema em volumes elementares infinitesimais para contabilizar tanto a variação das propriedades do fluido (r e ), como o "braço" , segundo o qual a partícula rotaciona em relação à origem do sistema de coordenadas. 3.3.5 Segunda Lei da Termodinâmica O conceito de entropia diz respeito ao nível de desordem de um sistema. Em qualquer processo termodinâmico, como a deformação de um fluido, a transferência de calor ou a realização de trabalho sobre um sistema, por exemplo, exige que haja uma mudança de estado do sistema considerado. Em processos de transferência de calor, o nível de desordem do sistema pode variar desde aquele preconizado para processos ditos reversíveis (usando diferenças de temperatura infinitesimais entre as partes envolvidas) até valores maiores, que seriam carac- terísticos dos processos reais nos quais ocorrem irreversibilidades. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 122 Várias são as fontes de irreversibilidade na natureza. Processos termodinâmicos que envolvem o atrito, a expansão espontânea de um gás e a deformação plástica de um material apresentam geração de irreversibilidades superiores ao processo de transferência de calor de um processo reversível. Assim, a Segunda Lei da Termodinâmica representa essa relação na forma de inequação, indicando que a taxa de variação de entropia de um sistema em que há um fluxo de calor a uma dada temperatura deve ser maior ou igual àquele estipulado para o processo reversível: dS dt Q TSistema | � � Onde 3.3.6 Leis básicas – formulação genérica Do que foi exposto até agora, podemos dividir as proprie- dades em intensivas e extensivas, como dissemos anteriormente. Se as equações integrais que mensuram a quantidade de cada uma das propriedades no interior do sistema descritas nos itens anteriores forem comparadas entre si, será possível perceber grande semelhança entre elas. Desse modo, se chamarmos de N uma propriedade qualquer do sistema (a qual pode representar a massa, a quantidade de movimento, a quantidade de movimento de angular, a energia ou a entropia)e sua forma específica por η, estas equações podem ser representadas genericamente pela expressão: Camila Pacelly Brandão de Araújo 123 Assim, a Tabela 1 apresenta a relação entre as propriedades extensivas e suas intensivas correspondentes: Propriedade Extensiva Propriedade Intensiva M 1 E e S s Tabela 1 – Propriedades extensivas e suas correspondentes propriedades intensivas Fonte: autoria própria Podemos, também, perceber que todos esses princípios fundamentais podem ser expressos em termos de equações de taxa de uma dada propriedade extensiva do sistema. Dessa forma, para que se obtenha uma equação de conserva- ção válida para volumes de controle, devem ser correlacionadas as taxas de variação de cada uma destas propriedades no interior do sistema e do volume de controle. Ou seja, empregando a propriedade genérica N, busca-se estabelecer a seguinte relação: dN dt dN dtSistema volume de controle �⌋ ⌋ 3 Análise integral do escoamento de fluidos 124 Logo, deve ser verificada a condição na qual os primeiros membros dos princípios de conservação são os mesmos para sistema e para volume de controle (VC). Note que isto pode ser conseguido simplesmente selecionando sistema e volume de con- trole coincidentes no instante de tempo considerado. É o que faremos agora! 3.4 Teorema de Transporte de Reynolds Vamos imaginar uma porção qualquer de fluido em esco- amento num instante inicial t0 (Figura 58); essa forma inicial do nosso sistema de fluído coincide, nesse instante, com o volume de controle. Após um tempo infinitesimal ∆t, o sistema (de massa fixa e identificável) terá se movimentado para um novo local (Figura 58b), enquanto o volume de controle permanecerá o mesmo que o determinado no instante inicial. Figura 58 – Porção de fluido em escoamento nos instantes t0 (a) e t0 + ∆t (b) Fonte: adaptado de Fox (2008) Camila Pacelly Brandão de Araújo 125 As leis que acabamos de discutir se aplicam a essa porção de fluido; utilizando a conservação da massa, por exemplo, observa- mos que a massa do fluido é constante. Além disso, examinando a geometria do sistema/volume de controle em t = t0 e t = t0 + ∆t, vamos ser capazes de obter formulações das leis para o volume de controle (Fox, 2008). É importante ressaltar, também, que no instante t0, o sistema e o volume de controle estipulado são coincidentes; já no instante t0 + Δt, podem ser identificadas 3 (três) regiões: ✓ I e II correspondem à região que chamamos de volume de controle; ✓ II e III correspondem ao sistema (lembra que sistema se refere a uma porção de massa fixa e identificável?). Como nosso objetivo é correlacionar qualquer propriedade extensiva do sistema com suas quantidades do volume de controle, tomemos a taxa de variação temporal de uma propriedade N qualquer do sistema para ser: dN dt t∆ ⌋ ⌋ ⌋∆ Analisando a Figura 58, podemos identificar as regiões correspondentes ao sistema nos instantes t e t0 como: E ⌋ ⌋ 3 Análise integral do escoamento de fluidos 126 Substituindo esses termos na definição de derivadas, temos: Sabemos, também, que o limite da soma é a soma dos limites, então: Analisando cada um dos termos isoladamente, podemos identificar, para o primeiro termo, a expressão da taxa de variação temporal da propriedade N no volume de controle conforme descrito: Para avaliarmos tanto o segundo termo da equação, quanto o terceiro, precisamos obter uma expressão para a propriedade que sai do volume de controle na região III, NIII ∆ 0 ⌋ . Considere a sub-região de III representada pela Figura 59. Figura 59 – Vista ampliada da sub-região III Fonte: adaptado de Fox (2008) Camila Pacelly Brandão de Araújo 127 Para essa sub-região, pode se afirmar que o elemento vetorial de área dA tem o módulo do elemento de área dA da superfície de controle, e o sentido de dA é normal à superfície para fora do elemento. Em termos gerais, o vetor velocidade V fará um ângulo qualquer α em relação a dA. dN dIII ∆ 0 ∆ 0 ⌋ Além disso, se considerarmos esse infinitesimal cilíndrico, podemos expressar o seu volume como sendo: dV l dA� .∆ isso se o relacionarmos com o caminho percorrido pelo fluido desde a superfície de controle aos limites da região III. Ou seja: t�∆ ∆ Teremos: ∆ ∆ Assim, ∆ 0 ⌋ ∆ Dessa forma, podemos integrar toda a região III e obter, para o segundo, o termo necessário da equação. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 128 De forma semelhante para a sub-região I, podemos obter: V dA SCI ∆ 0 ⌋ ∆ Para a sub-região I, o vetor velocidade aponta para dentro do volume de controle, mas o vetor normal que caracteriza a área sempre aponta (por convenção) para fora do volume de controle (α = π/2), de modo que o produto escalar entre esses dois vetores na equação anterior é negativo. Podemos ilustrar o conceito do produto escalar na Figura 60. Figura 60 – Avaliação do produto escalar Fonte: adaptado de Fox (2008) Substituindo todos os termos individuais na equação de taxa de variação inicial, temos: Camila Pacelly Brandão de Araújo 129 As duas últimas integrais constituem a superfície de controle, de tal maneira que podemos combiná-las em uma única integral ao longo da totalidade da superfície de controle, obtendo, assim: Essa é a equação que desejávamos obter desde o início: uma equação que representa como relacionar uma propriedade do sistema (expressa em termos da sua taxa de variação temporal) com a sua variação dentro do volume de controle e com o seu fluxo através da superfície de controle desse VC. Essa equação também é conhecida como o Teorema de Transporte de Reynolds. Podemos interpretar cada um dos termos como: representa a taxa de variação temporal da pro- priedade extensiva N do sistema. representa a taxa de variação da quantidade da propriedade N dentro do volume de controle. Se for M a pro- priedade N, teremos η=1, de tal maneira que o termo dentro da integral representará a massa contida no volume de controle, e a sua derivada, com respeito ao tempo, representará o seu aumento ou diminuição dentro do VC. representa a taxa com a qual a propriedade N flui pelo volume de controle (entradas e saídas de N) através da superfície de controle. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 130 3.5 Equações para um volume de controle Agora que já aprendemos como relacionam-se as proprieda- des do sistema com as propriedades do volume de controle, vamos aplicar o TTR sobre as principais equações de conservação para nosso estudo de Mecânica dos Fluidos. Faremos o uso do TTR para avaliar a equação da conservação da massa, do momento linear e da energia nesse texto. Vamos começar? 3.5.1 Conservação da massa – Equação da continuidade Conforme dissemos anteriormente, na equação para a con- servação da massa para um sistema vale: Sendo M a nossa propriedade extensiva N, e η=1, a ser subs- tituída no TTR, temos: Assim, podemos reescrever o TTR usando a equação da taxa de variação para o sistema para ser: Camila Pacelly Brandão de Araújo 131 O primeiro termo do segundo membro representa a taxa de variação da massa do volume de controle, enquanto o segundo termo representa o fluxo líquido de massa através da superfície. Essa equação poderia ser reescrita na forma: Se nós recuperarmos a definição de produto escalar e verificarmos as relações geométricas entre o vetor velocidade e o vetor elemento de área em seções de saída e de entrada de fluido (tais como na Figura 60), poderemos observar que haverá acúmulo de massa positivo no interior do volume de controle somente quando o fluxo para seu interior for maior que o fluxo de saída; no caso inverso, ocorre um esgotamento do conteúdo do volume de controle. A Figura 61 nos fornece uma representação gráfica bastante simples e de fácil entendimento do que se trata a equação de conservação da massa para um volume de controle. Imagine um tanque como o mostrado na Figura 61. O volume de controle está delimitado pela superfíciede controle ali destacada. Suponha que o volume de controle tenha um dado volume inicial de líquido, de tal maneira que este apresente o nível L. O aumento do fluxo na seção de entrada acarretará (se não se alterar o fluxo de saída do líquido) em um aumento do nível do líquido, concordam? 3 Análise integral do escoamento de fluidos 132 Isso se reflete no termo do lado esquerdo da equação, no termo representativo da taxa de variação da massa contida no volume de controle. Como a região de entrada (pela Figura 60) é uma região em que o produto escalar entre o vetor velocidade e a área gerará um valor negativo, isso se reflete em um termo de acúmulo (taxa de variação no volume de controle) positivo. O oposto se verifica quando há um aumento no fluxo de saída com a manutenção do mesmo fluxo de entrada. Essa situação vai se caracterizar por uma diminuição da quantidade de massa presente no volume de controle. Figura 61 – Representação da conservação da massa para um V.C. Fonte: autoria própria Duas possibilidades de simplificação da equação da con- servação da massa na forma integral para um volume de controle podem ser facilmente aplicadas. A admissão de fluido incompressível e de regime perma- nente podem ser realizadas obtendo um equacionamento para a conservação da massa nos seguintes formatos: Camila Pacelly Brandão de Araújo 133 a) Fluido incompressível (ρ constante em todo o volume de controle) Caso o volume do volume de controle não varie com o tempo, Note que o produto V.A tem dimensões de L³/t (unidades SI de M³/s) e é denominado vazão volumétrica Q. Para um escoamento incompressível, a vazão de entrada deve ser igual à vazão de saída, ainda que não se trate de um escoamento em regime permanente. A velocidade média do escoamento em uma seção pode ser estimada conhecendo-se a vazão volumétrica como: 3 Análise integral do escoamento de fluidos 134 b) Regime permanente Para os escoamentos em regime permanente, não há variação temporal de qualquer propriedade do fluido. Assim: Note que o produto ρV.A tem dimensões de M/t (unidades SI de kg/s) e é denominado vazão mássica (m. ). Desse modo, em regime permanente, a vazão mássica (ρVA) que entra no volume de controle é igual à vazão mássica que deixa o volume de controle. c) Escoamento uniforme: A consideração de escoamento uniforme implica em uma velocidade constante ao longo de toda a área da seção transversal. Se a massa específica também puder ser considerada uniforme na seção, então: E, ao invés de se realizar a integração de uma função que represente o perfil de velocidades ao longo da seção do escoamento, simplesmente se realiza a multiplicação dos referidos termos. 3.5.2 Conservação do momento linear Aplicando o mesmo raciocínio que desenvolvemos para chegar à expressão da equação da conservação da massa, podemos Camila Pacelly Brandão de Araújo 135 determinar a equação para a conservação do momento linear de um volume de controle por meio do TTR, sendo a propriedade extensiva N e a correspondente propriedade intensiva: Perceba que a coincidência entre sistema e volume de controle garante que as forças que agem sobre o sistema sejam as mesmas que atuam sobre o volume de controle no instante em que eles envolvem a mesma porção fluida. Assim, podemos escrever: Se compreendermos que a força atuando sobre o volume de controle pode ser dividida em forças de campo e forças de superfície, a expressão fica mais claramente descrita por: onde FS e FB representam as forças resultantes que atuam sobre a superfície e sobre a massa do volume de controle, res- pectivamente. As forças de superfície representam o somatório da ação de tensões (normais e tangenciais) sobre a superfície de controle, enquanto a força de campo geralmente é a força do campo gravitacional atuando sobre a massa de fluido. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 136 F Bdm B dB vc � �� � � � � �� � � Como sabemos, as forças são quantidades vetoriais. Logo, podemos descrever a expressão da conservação do momento linear por meio das suas componentes em cada uma das direções do sistema de coordenadas adequado à geometria do problema. Para o sistema cartesiano, essas componentes resumem-se em: A rigor, esta equação foi deduzida considerando-se que, em um determinado instante, sistema e volume de controle envolvem uma mesma porção fluida e apresentam fronteiras coincidentes. Como estratégia didática, analisa-se o problema como se o VC permanecesse fixo em relação à referência xyz da Figura 62, apesar da equação permanecer válida para todas as situações em que a velocidade representar a velocidade relativa entre o sistema (ou seja, o fluido) e o volume de controle, não importando o tipo de movimento descrito por este último. Camila Pacelly Brandão de Araújo 137 Figura 62 – Volume de controle fixo Fonte: adaptado de Duarte (1997) Essa consideração torna-se ainda mais clara se for observado que é essa velocidade relativa que provoca os fluxos de entrada e de saída da propriedade N através da superfície de controle. Na condição em que o volume de controle esteja fixo em relação a um referencial inercial, a equação de conservação da quantidade de movimento linear assume o formato da expressão onde as velocidades e derivadas são tomadas em relação ao sistema inercial (por simplicidade, fixo) xyz. Como ambos, sistema de referência e volume de controle, não se movimentam, a velocidade do fluido medida em relação às coordenadas xyz da ilustração é a própria velocidade relativa entre o fluido e o VC. Poderia ter-se optado por representar a origem deste sistema sobre o volume de controle sem ocorrer em qualquer prejuízo à validade da equação (4-34) e, assim, concluir que, para obter essa velocidade relativa, basta medir a velocidade do fluido em relação a um sistema de coordenadas solidário ao volume de controle. Lembre-se de que a escolha dessa posição é arbitrária, desde que se garanta a característica inercial do sistema de referência. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 138 Figura 63 – Volume de controle em movimento uniforme Fonte: adaptado de Duarte (1997) O volume de controle se movimenta agora, uniformemente, em relação ao sistema xyz da ilustração seguinte, com velocidade VVC . A velocidade do fluido também é medida em relação a este sistema e, para obter a velocidade relativa ( VXYZ ), basta subtrair V de VVC , ou seja: A equação da conservação do momento linear para um volume de controle assume o formato, portanto, de: onde a única alteração foi o uso das velocidades relativas Vxyz � ��� . Camila Pacelly Brandão de Araújo 139 3.5.3 Conservação de energia A conservação de energia é um dos princípios de grande importância em Mecânica dos Fluidos por ter implicações prá- ticas e diretas em atividades corriqueiras para engenheiros das mais diversas áreas. O dimensionamento de equipamentos de bombeamento e de compressão de gases, bem como a avaliação da perda de energia do fluido em decorrência dos efeitos de atrito, são diretamente atendidos por esse princípio. Em qualquer situação em que agentes externos realizam conversão de energia em trabalho e vice-versa, tais como o bom- beamento de líquidos, a geração de potência mecânica com uma turbina hidráulica ou a compressão de gases em reservatórios, faz-se necessário empregar a equação da energia para, por exemplo, determinar adequadamente as características destas unidades. Se recorrermos novamente ao TTR, Em conjunto com a equação para a Primeira Lei da Termodinâmica: Podemos escrever: 3 Análise integral do escoamento de fluidos 140 Substituindo os termos respectivos à taxa de variação da energia do sistema e à energia específica, a qual reúne as parcelas interna, cinética e potencial, temos: Pela convenção de sinais, a taxa de transferência de calor (sempre em decorrência de uma diferença de temperatura) é positiva quando é adicionadoao VC, e negativa quando sai do VC. Em contrapartida, a taxa de realização de trabalho, por qualquer uma das diversas formas que iremos descrever adiante, é positiva quando realizado pelo VC e negativa quando realizado sobre o VC. Analisando a taxa de realização de trabalho sobre ou pelo volume de controle , verifica-se que esse trabalho total é o resultado da ação de vários agentes que transferem ou absorvem trabalho por meio da superfície de controle. Esses agentes podem ser resumidos nas forças que agem sobre essa superfície (normais e tangenciais), fontes mecânicas externas (bombas, turbinas, ventila- dores etc.) que interagem com o VC e com outras fontes de trabalho, como aquele associado à ação do campo eletromagnético percebido em equipamentos elétricos (transformadores, por exemplo). Assim, a) Trabalho de eixo Todo o trabalho é realizado por equipamentos como tur- binas, bombas ou compressores que operam pelo movimento de um eixo. Nas turbinas, ocorre a produção de trabalho (+) pela desaceleração de um fluido que provoca o movimento de suas Camila Pacelly Brandão de Araújo 141 partes internas móveis (giratórias). Nos compressores e bombas, uma quantidade de trabalho ou potência é requerida (-) para que seja imposto um aumento de pressão na corrente de fluido. b) Trabalho exercido pelas tensões normais Wnormal Podemos imaginar que o volume de controle, quando sujeito a esforços decorrentes da ação de tensões normais, tende a se comprimir ou expandir o seu volume V. Para determinar o trabalho resultante da ação de tensões normais sobre a superfície de controle, considere um elemento de área diferencial definido sobre a superfície de controle, conforme a Figura 64. Figura 64 – Trabalho realizado sobre o volume do controle Fonte: adaptado de Duarte (1997) Onde a força normal pode ser expressa por: 3 Análise integral do escoamento de fluidos 142 Assim, Ou Assim, podemos expressar o trabalho realizado pelas forças normais para ser: Como o trabalho realizado pelas forças normais é um tra- balho de compressão e a tensão normal pode ser expressa em termos da pressão termodinâmica do escoamento, ao longo de toda a superfície de controle, ficamos com: c) Trabalho realizado pelas tensões cisalhantes Wcisalhamento Considere um elemento de área dA na superfície de controle que é submetido à ação de esforços tangenciais que provocam uma deformação ds representada no esquema anterior. Tal como no caso dos esforços normais, esta deformação ocorre durante um intervalo de tempo dt e é provocada pelo fluido que atua sobre a vizinhança da superfície de controle com velocidade V. Camila Pacelly Brandão de Araújo 143 Sendo a força tangencial expressa por: Podemos escrever: E, similarmente ao realizado para o caso das tensões nor- mais, temos: Sempre que um dos termos do integrando ou o próprio produto escalar for nulo, o trabalho associado aos esforços tan- genciais deixará de existir. Essa condição é de interesse para nós para simplificação da equação da conservação de energia. Regiões de interface com contornos: contornos invaria- velmente encontram-se estacionários e, pela condição do não escorregamento, o fluido permanece fixo em relação à mesma. Regiões de fluxo: se a superfície de controle for proposi- tadamente selecionada segundo uma orientação normal ao vetor velocidade em todas as áreas por onde ocorrem fluxos: tensão tangencial perpendicular à velocidade em toda a área de escape. Assim, o produto � se anulará nesta área e pode ser descon- siderado da equação da energia. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 144 Dessa maneira, fazemos, em geral, a opção por volumes de controle que permitam que o produto escalar descrito há pouco assuma o valor nulo, para que possamos desconsiderar esse termo na equação da conservação de energia. d) Outros tipos de trabalho outros As outras formas de realização de trabalho, em geral, se relacionam com a energia eletromagnética, elétrica etc. Esse tipo de trabalho é, portanto, associado à ação do campo eletromag- nético percebido em equipamentos elétricos (transformadores, por exemplo). Retornando à equação da conservação da energia, temos: Substituindo os termos referentes ao trabalho, temos: Assim: Sendo a tensão normal tida como o negativo da pressão ter- modinâmica (-p) e multiplicando o termo por 1 (sendo expresso pelo produto do volume específico pela massa específica (� �1/ v ), temos: Camila Pacelly Brandão de Araújo 145 Sendo essa uma integral em toda a superfície de controle, pode ser adicionada ao termo da direita mais externa para ser: Reconhecendo o termo referente a entalpia como sendo temos: 3.6 Equação de Bernoulli A Equação de Conservação de Energia descrita anterior- mente, quando aplicada a escoamentos de fluidos invíscidos (ou seja, escoamentos nos quais os efeitos da viscosidade podem ser considerados desprezíveis) e dentro de alguns limites operacionais, pode ser bastante simplificada. Essas simplificações, apesar de, aparentemente, serem mui- tas, retratam uma grande parcela do comportamento de fluidos em escoamento. Imagine que os efeitos viscosos e a ideia da existência de uma camada-limite na qual esses efeitos são percebidos só foi elaborada e aceita após muitos séculos com os estudos de Prandtl. Antes disso, muito foi possível graças às equações aparentemente simples das quais vamos tratar agora. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 146 A Equação de Bernoulli é uma das mais importantes e simples equações da Mecânica dos Fluidos, mas também uma das mais mal utilizadas. O conjunto de restrições às quais ela se aplica é fundamental para sua compreensão e boa utilização. Apresentaremos duas formas de compreensão da Equação de Bernoulli: uma partindo-se da perspectiva de energia, conforme a análise integral, e uma avaliando-se as forças atuantes sobre uma partícula fluida que escoa, segundo a análise diferencial. Cada uma dessas será apresentada no tópico correspondente. Para avaliação de um escoamento que atenda aos critérios 1. ocorra em regime permanente � � � � t 0 , 2. cujos efeitos viscosos sejam desprezíveis, ou seja, sem efeitos de atrito, como a dissipação de calor ou o aumento da energia interna do fluido ∆ , 3. cujo fluido possa ser considerado incompressível � �� CTE , 4. e na ausência de máquinas ou outras formas de realização de trabalho , podemos verificar que a Equação da Conservação da Energia assume a seguinte forma: Tal que: Camila Pacelly Brandão de Araújo 147 Sabemos que, para um escoamento em regime permanente, a equação da continuidade nos fornece a seguinte relação, a qual nos indica que os fluxos mássicos de entrada e de saída do volume de controle devem ser iguais: Considerando um volume de controle com uma única seção de entrada e uma única seção de saída, temos: Também podemos expandir a equação para ser: Assim, é possível escrever: 3.6.1 Interpretações Alternativamente, essa relação pode ser expressa por: Na qual a massa específica é utilizada, ao invés do volume específico. Nessa forma, os termos da equação apresentam dimen- são de (L/t)², a qual é um tipo de representação de energia por unidade de massa. Em termos das unidades do SI, podemos verificar isso para ser: 3 Análise integral do escoamento de fluidos 148 Se optarmos por expressar a equação de Bernoulli usando o peso específico (dividindo a equação acima por g), temos: Dessa forma, a equação de Bernoulli apresenta dimensão de L (comprimento) representando cada um dos termos, portanto, uma altura equivalente de coluna de fluido. A Equação de Bernoulli é uma relação aproximada entre pressão, velocidade e elevação e é válida em regiões de escoamento incompressível e em regime permanente ao longo de uma linha de corrente, na qual as forças de atrito resultantes são desprezíveis. A Figura 65 apresenta uma representação do escoamento por sobre um aerofólio. Podemos verificar que, nas proximidadesdo objeto, os efeitos viscosos são pronunciados e, portanto, a Equação de Bernoulli não é válida. Figura 65 – Regiões de escoamento viscoso e não viscoso de um escoamento sobre um aerofólio Fonte: adaptado de Çengel (2008) Camila Pacelly Brandão de Araújo 149 Podemos interpretar a relação entre essas pressões expres- sando a Equação de Bernoulli, ainda, de uma terceira maneira, conforme demonstrado a seguir: Algumas maneiras de se interpretar essa relação são for- necidas no que segue: A soma das energias cinética, potencial e de escoamento de uma partícula de fluido é constante ao longo de uma linha de corrente durante um escoamento em regime permanente quando os efeitos da compressibilidade e do atrito são desprezíveis. Sob a luz da Segunda Lei de Newton, a Equação de Bernoulli também pode ser vista como o trabalho realizado pelas forças de pressão e de gravidade sobre uma partícula de fluido sendo igual ao aumento da energia cinética da partícula. 3.6.2 Aplicações Quando a Equação de Bernoulli é escrita de maneira que seus termos expressem dimensões de pressão, podemos designar e atribuir, a cada um dos seus termos, interpretações pertinentes: Pressão estática (P): corresponde à pressão exercida sobre a partícula fluida em movimento e representa a pressão termodi- nâmica real do fluido. Não incorpora nenhum efeito dinâmico. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 150 Pressão hidrostática (ρgz): representa os efeitos de uma possível mudança na pressão, devido à variação de energia poten- cial do fluido como resultado na alteração de elevação. Seu valor depende do nível de referência selecionado. Pressão dinâmica (1/2 ρV2 ): representa o aumento de pres- são quando o fluido em movimento é parado de forma isentrópica (reversível e sem troca de calor). Surge da conversão da energia cinética em pressão devido à sua desaceleração (de V=V para V=0). Pressão total (Ptotal ): representa a soma das contribuições dinâmica, estática e hidrostática ao aumento de pressão quando o fluido em movimento é estacado de forma isentrópica. Assim, a Equação de Bernoulli também diz que “a pressão total ao longo de uma linha de corrente é constante” (para os escoamentos que atendem às demais restrições). Pressão de estagnação (Pestag ): representa a pressão em um ponto no qual o fluido é parado totalmente de forma isentrópica. Corresponde à soma das parcelas da pressão dinâmica e estática. É fácil perceber a diferença de interpretação entre a pressão dinâmica e a pressão de estagnação se você se atentar aos termos que as descrevem individualmente. Enquanto a pressão dinâmica diz respeito ao aumento da pressão em decorrência de se levar o f luido ao repouso, a pressão de estagnação se refere ao valor da pressão num ponto em que esse fenômeno ocorra. Caso não haja qualquer valor de pressão termodinâmica (vácuo absoluto), essas duas quantidades serão iguais; porém, em qualquer outra situação, há de se acrescentar a parcela referente à pressão ter- modinâmica local. Camila Pacelly Brandão de Araújo 151 A informação da pressão de estagnação é útil para determi- nação da velocidade do fluido em um dado local do escoamento. Podemos rearranjar a expressão para ser: O instrumento de medição de velocidade do escoamento, conhecido como Tubo de Pitot, na realidade, é um dispositivo de medição de pressão estática e de estagnação do fluido para estimativa da velocidade. A Figura 66 ilustra seu funcionamento de maneira didática, ainda que os equipamentos mais modernos sejam capazes de embutir e de diminuir os espaços necessários para tanto. Figura 66 – Funcionamento de um dispositivo Tubo de Pitot para medição de velocidades Fonte: autoria própria 3 Análise integral do escoamento de fluidos 152 Resumo Neste capítulo, descrevemos as leis básicas para um sistema: conservação da massa, Segunda Lei de Newton, Primeira Lei da Termodinâmica, conservação do momento angular e Segunda Lei da Termodinâmica. Em seguida, desenvolvemos o Teorema de Transporte de Reynolds para formular essas mesmas leis na perspectiva da análise do escoamento de fluidos em um volume de controle. Assim, descrevemos a equação da continuidade, a conservação do momento linear e a conservação da energia para um volume de controle. Finalmente, aplicamos a última para o escoamento de um fluido invíscido e incompressível para obtermos a Equação de Bernoulli. Exercícios 1) Na condição de voo de cruzeiro, no qual não se observam maiores variações no voo de um avião, a sua turbina consome 0,35kg/s de combustível e 29,5kg/s de ar. A velocidade média dos produtos de combustão em relação à turbina é igual a 460m/s. Estime a massa específica média dos gases produzidos na combustão, sabendo que a área da seção de descarga da turbina é igual a 0,35m². 2) Ar é comprimido em um compressor, conforme a figura abaixo. O equipamento é alimentado com 0,3m³/s de ar na con- dição padrão. O ar é descarregado através de uma tubulação com diâmetro de 30,5mm. A velocidade e a massa específica do ar que escoa no tubo de descarga são, respectivamente, 215m/s e 1,80kg/m³. Camila Pacelly Brandão de Araújo 153 Determine a taxa de variação de massa de ar contido no tanque em kg/s e a taxa média de variação da massa específica do ar contido no tanque. 3) A figura abaixo mostra o escoamento de um fluido viscoso na região próxima a uma placa plana. Note que a velocidade do escoamento é nula na placa e que aumenta continuamente até atingir um valor constante ao longe. Esta região que apresenta variação de velocidade é denominada camada limite. O perfil de velocidade do escoamento pode ser considerado uniforme no bordo de ataque da placa e o valor da velocidade neste local é U. A velocidade também é constante e igual a U na fronteira externa da camada limite. Se o perfil de velocidade longitudinal na seção 2 é dado por Desenvolva uma expressão para calcular a vazão em volume na fronteira externa da camada limite de imitada entre o bordo de ataque e a seção transversal que apresenta espessura de camada limite δ. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 154 4) Um jato d'água com diâmetro de 10mm incide sobre um bloco que pesa 6N, do modo indicado pela figura abaixo. A espessura, a largura e a altura do bloco são, respectivamente, 15, 200 e 100mm. Determine a vazão de água do jato necessária para tombar o bloco. 5) O bocal curvo mostrado na figura abaixo está instalado num tubo vertical e descarrega água na atmosfera. Quando a vazão é igual a 0,1m³/s, a pressão relativa no flange é de 40kPa. Determine a componente vertical da força necessária para imobilizar o bocal. O peso do bocal é de 200N e o volume interno do bocal é de 0,012m³. O sentido da força vertical é para cima ou para baixo? Camila Pacelly Brandão de Araújo 155 6) Jatos de água estão sendo usados cada vez com maior frequência para operações de cortes de metais. Se uma bomba gera uma vazão de 63 × 10–6 m3/s através de um orifício de diâmetro 0,254 mm, qual é a velocidade média do jato? Que força (N) o jato produzirá por impacto, considerando como uma aproximação que a água segue pelos lados depois do impacto? 7) Calcule a força requerida para manter o tampão fixo na saída do tubo de água. A vazão é 1,5 m³/s e a pressão a montante é 5MPa. 8) Ar a 20ºC escoa em regime permanente e com baixa velocidade através de um bocal horizontal (por definição, um equipamento para acelerar um escoamento) que o descarrega para a atmosfera. Na entrada do bocal, a área é de 0,1m2 e, na saída, 0,02m2. Determine a pressão manométrica necessária na entrada do bocal para produzir uma velocidade de saída de 50m/s. 3 Análise integral do escoamento de fluidos 156 9) A figura mostra uma turbina a vapor. A velocidade e a entalpia específica na seção de alimentação do equipamento valem, respectivamente, 50m/s e 4850kJ/kg. O vapor deixa a turbina como uma mistura líquido-vapor cuja entalpia específica vale 2520kJ/kg. Sabendo que a velocidade na seção de descarga é de 80m/s, determine o trabalho no eixo da turbina por unidade de massa de fluido que escoa. Considere o escoamento adiabático. 10) Ar a 110kPa e 50ºC (ρ = 1,19kg/m3) escoa para cima através de um duto inclinado com 6cm de diâmetro a uma vazão de 45L/s. O diâmetro do duto é reduzido para 4cm por meio de um redutor. A variação de pressão através do redutor é medida por um manômetro de água. A diferença de elevação entre os dois pontos do tubo onde os dois braços do manômetro estão ligados é de 0,20m. Determine a altura diferencial entre os níveis de fluido dos dois braços do manômetro. 4 Camila Pacelly Brandão de Araújo 157 Análise diferencial do escoamento de fluidos 4 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 4.1 Análise diferencial versus análise integral Olá, pessoal! Bem-vindos à nossa segunda etapa da análise do escoamento de fluidos! Vamos começar essa segunda unidade retomando algumas das principais conclusões que obtivemos da análise integral dos escoamentos e, em seguida, iremos fazer um comparativo das razões pelas quais escolhemos uma ou outra abordagem de estudo do movimento dos fluidos. A análise de fenômenos envolvendo escoamento fluido por meio da ferramenta das equações integrais apresenta-se bastante útil quando se deseja conhecer o comportamento global do fenô- meno mediante parâmetros como vazão, esforços sobre superfícies, variações de velocidades médias, entre outros (Figura 67). Figura 67 – Análise integral para um VC Fonte: adaptado de Çengel (2008) Camila Pacelly Brandão de Araújo 159 A análise de volumes globais torna-se particularmente ade- quada quando não há interesse em se conhecer, por exemplo, os campos (velocidade, pressão, temperatura etc.) associados ao escoamento. Em problemas nos quais os detalhes (vórtices, redemoinhos, descolamento e transição da camada limite) do escoamento são determinantes de seu comportamento, as equações integrais tor- nam-se inadequadas, em função da grande diferença de ordem de grandeza entre o espaço em que os mesmos ocorrem e as dimensões do domínio do problema. Assim, o escoamento deve ter o seu comportamento estu- dado ponto a ponto, de forma a compreender, controlar e manipular as variáveis geométricas e físicas que determinam o processo. Enquanto, na abordagem integral, era possível calcular a força atuante sobre qualquer elemento que estivesse dentro da caixa preta que era o volume de controle (Figura 67), sem se preocupar com o formato dele, na abordagem diferencial, é possível fazer mudanças em cada detalhe de sua geometria que possa resultar em melhorias de um ou outro parâmetro, como, por exemplo, a formação de vórtices após o elemento (Figura 68). Figura 68 – Análise diferencial Fonte: adaptado de Çengel (2008) 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 160 Dessa forma, nosso objetivo é o de estabelecer as equações que governam o escoamento do ponto de vista diferencial que, após suas soluções (exatas ou numéricas), produzem uma descrição mais detalhada do escoamento e dos fenômenos associados a ele em todo domínio de interesse por meio dos campos de velocidade, de pressão, de temperatura, de densidade, de tensões ou outros. 4.2 Conservação da massa – equação da continuidade Quando tratamos da análise integral, aplicamos o TTR a um volume de controle e obtivemos, para a representação da conservação da massa, a seguinte equação: dM dt t d V dASistema VC SC1 1 .⎦ Usando a definição de sistema, podemos obter a equação a seguir para representá-la: 0 t d V dA VC SC � � . A qual podemos escrever como sendo: t d V dA VC SC � � . Ou, de maneira mais simples: t d m m VC entradas saídas � � Camila Pacelly Brandão de Araújo 161 Essa relação, deduzida para um volume de controle na pers- pectiva integral, é válida também para qualquer volume de controle, por menor que ele seja. Assim, podemos diminuir o volume de controle até uma quantidade infinitesimal, de tal maneira que tratemos de um ponto no campo de escoamento (Figura 69). Figura 69 – Transformação das equações integrais para a formulação diferencial Fonte: adaptado de Çengel (2008) Se considerarmos um volume de controle infinitesimal, conforme a Figura 70, em coordenadas cartesianas de volume: d dx dy dz� � . . Cujas propriedades tenham um valor definido no seu centro geométrico, sejam elas velocidade, massa específica ou qualquer outra, conforme ilustrado na Figura 70: 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 162 Figura 70 – Elemento infinitesimal e respectivas componentes da velocidade e valores de massa específica e pressão Fonte: adaptado de Çengel (2008) Usando a expansão em série de Taylor para representar o produto da massa específica pela componente da velocidade em cada direção, que são quantidades que são expressas na equação da conservação da massa (da mesma maneira que fizemos na primeira unidade, lembram? Vocês podem consultar aquele material para relembrar algum detalhe, se desejarem), temos: � � � � u u u x dx u x dx direita� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 2 1 2 2 2 2 2 ! Desprezando termos de segunda ordem, temos: � � � u u u x dx direita� � � � � � � � � � 2 Camila Pacelly Brandão de Araújo 163 Estendendo esse procedimento para todas as faces do ele- mento, podemos observar, na Figura 71, os valores relativos a cada uma delas. Observe que alguns termos apresentam sinal positivo (sendo relativos a seções de saída), enquanto outros apresentam sinal positivo para os termos de derivação. Figura 71 – Expansão em série de Taylor para o produto componente da velocidade em cada direção Fonte: adaptado de Çengel (2008) Retomando a equação de conservação da massa desenvolvida na perspectiva integral: t d m m VC entradas saídas � � 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 164 E substituindo os termos atualmente desenvolvidos na perspectiva de diminuição do volume de controle para um VC infinitesimal, temos o primeiro termo podendo ser expresso por: � � � � � ��t d t dx dy dzVC� � . . O termo referente às seções de entrada: entradas u x dx dydz v v y dy dxd� 2 2 z w z dz dydx 2 E nas seções de saída: saida u x dx dydz v v y dy dxdz� 2 2 w w z dz dydx 2 De tal maneira que é possível perceber que os termos, sem a presença de derivada parciais, são cancelados ao substituir na equação inicial. Isso é ilustrado na Figura 72: Figura 72 – Manipulação matemática para conservação da massa diferencial Fonte: autoria própria Camila Pacelly Brandão de Araújo 165 Resultando em: � � � � � � � � � � � � � � � � t dxdydz u x dxdydz v y dxdydz w z dxdydz� Cancelando os termos referentes ao volume do volume de controle infinitesimal, temos: � � � � � � � � � � � � � � � � t u x v y w z 0 Essa equação representa a equação da conservação da massa, ou também chamada de equação da continuidade, em coordenadas cartesianas. Utilizando o operador del para esse sistema de coordenadas: � i x j y k z Podemos também expressar essa equação como sendo: � � �� � � �� �t V . 0 Similarmente ao feito no caso integral, em que consideramos algumas hipóteses simplificadoras para avaliar o comportamento da equação de conservação da massa, repetiremos o procedimento. I) Escoamento incompressível: Sabemos que um escoa- mento incompressível é caracterizado pela constância da massa específica, não havendo qualquer variação dessa propriedade nem com respeito às coordenadas espaciais, nem com ao tempo. Assim, verificamos que a equação da continuidade pode ser expressa como: 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 166 � � � � � � � � � u x v y w z 0 Ou � � � �. V 0 Assim, para averiguar se um escoamento é incompressível, basta avaliar se o campo de velocidade obedece à relação descrita. Caso se verifique a igualdade, é possível afirmar que o escoamento é incompressível. II) Escoamento em regimepermanente: Para escoamentos em regime permanente, as propriedades são independentes do tempo. Desse modo, o campo de massa específica, que é designado normalmente como uma função � � � �f x y z t, , ,� , se limita a apre- sentar, no máximo, a dependência com as coordenadas espaciais, tal que � � � �f x y z, , ; assim: � � � � � � � � � � � � �� � � �ux v y w z V . 0 Similarmente ao realizado em coordenadas cartesianas, podemos avaliar a conservação da massa em qualquer sistema de coordenadas geométricas, cilíndricas ou polares, por exemplo. No caso das coordenadas cilíndricas, usando o volume de controle infinitesimal apresentado na Figura 73, podemos obter a equação da continuidade de duas maneiras: ou realizando o mesmo procedimento descrito anteriormente, o qual está compilado na Tabela 2, ou simplesmente mudando o operador del para as coordenadas adequadas, obtendo a equação: Camila Pacelly Brandão de Araújo 167 � � � � � � � � � � � � � � � � � � r V r V r V z r t r z� � � � �� 0 Onde é importante observar a necessidade de aplicação da regra da cadeia na derivação dos termos de derivadas de produtos. Figura 73 – Volume de controle infinitesimal em coordenadas cilíndricas Fonte: Adaptado de Fox (2008) Figura 74 – Conservação da massa em coordenadas cilíndricas – avaliação de termos Fonte: adaptado de Fox (2008) 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 168 4.3 Cinemática da partícula fluida As partículas fluidas estão inseridas em um campo de velo- cidades que assume valores diferentes em diferentes posições e a cada instante de tempo (regime transiente ou permanente). Nosso objetivo agora é o de descrever o movimento das partículas fluidas no campo de escoamento, para que possamos, em seguida, avaliar a ação de forças, a relação delas com o campo de tensões etc. Portanto, a nossa pergunta fundamental nesse momento é: como se movimenta uma partícula fluida? Veremos que a partícula fluida “se remexe muito”, estando sujeita a diferentes valores de velocidade em cada ponto do campo do escoamento, os quais podem ocasionar sua aceleração, sua desaceleração, sua deformação linear ou angular e a sua rotação. Trataremos de cada um desses movimentos isoladamente agora, apesar de sabermos que todos podem ocorrer simultaneamente. A Figura 75 ilustra esses componentes do movimento da partícula fluida de maneira conjunta (esquerda) e isoladamente (direita da seta). Figura 75 – Componentes do movimento de uma partícula fluida Fonte: adaptado de Fox (2008) Camila Pacelly Brandão de Araújo 169 4.3.1 Translação A translação da partícula fluida diz respeito à sua mudança de posição desde um instante inicial até um momento posterior, da mesma maneira que a translação da Terra ao redor do Sol caracte- riza o seu deslocamento. Então, a translação pode ser compreendida como o puro deslocamento da partícula desde uma posição inicial até um local mais adiante no campo de escoamento. A Figura 76 ilustra esse movimento. Figura 76 – Componentes do movimento de uma partícula fluida Fonte: adaptado de Duarte (1997) No instante t inicial, a partícula fluida na posição r está sujeita ao campo de velocidades naquele ponto, com velocidade V V x y z tP t , , , . Num instante posterior (t+dt), ela deverá ter se movimentado para uma posição � ��� r dr+ , na qual o campo de veloci- dade pode ser expresso por V V x dx y dy z dz t dtP t dt| , , ,� � � � � �� � � ����� � . Desse modo, podemos avaliar a variação infinitesimal da velocidade da partícula fluida para ser: dV V t dt V x dx V y dy V z dzP p p p � ���� � � � � � � � � � � � � � � � � 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 170 Uma vez que o campo de velocidades é uma função das coordenadas espaciais (x, y,z) e do tempo (t). Tomando a taxa de variação da velocidade, podemos verificar que: dV dt V t dt dt V x dx dt V y dy dt P V z dz dt p Compreendendo que os termos dx dt dy dt dz dt p p p,� ,� correspondem às taxas de deslocamento da partícula fluida em cada uma das direções, podemos escrever: a V t V x u V y v V z wp ��� � � � � � � � � � � � � � � � � ou a DV Dtp ��� � = Percebam que essa forma de derivação é um tanto diferente da que usualmente estamos habituados a usar. Diz-se que a derivada material (também chamada de derivada substancial) é uma derivada tomada ao longo de um caminho movendo-se com velocidade v. Ela é descrita como a taxa de variação em relação ao tempo do valor de alguma propriedade (tal como calor ou momento) de matéria/substância que está sendo transportada – ou seja, de alguma matéria que está sujeita a um campo de velocidade que varia no espaço e no tempo. Podemos interpretar a aceleração de uma partícula fluida desmembrando-a em dois grandes termos: aceleração convectiva e aceleração local. A Figura 77 apresenta esquematicamente esses termos de aceleração da partícula fluida. Camila Pacelly Brandão de Araújo 171 O termo de aceleração local � � � � � � � � V t contabiliza, como o próprio nome indica, as variações do campo de velocidades em um mesmo local (em uma mesma posição) ao longo do tempo. Em escoamentos em regime permanente, esse termo é nulo, e não existem variações temporais no campo de velocidade que promovem o surgimento de aceleração local. Já o termo referente à aceleração convectiva contabiliza as variações de velocidade devido às mudanças de posição da partícula fluida. Em determinado local, o campo lhe atribui uma velocidade mais baixa, porém, em um local mais adiante (por qualquer mudança na geometria do escoamento, por exemplo), a velocidade pode ser maior. Figura 77 – Aceleração da partícula fluida Fonte: adaptado de Duarte (1997) A Figura 78 apresenta um escoamento em regime permanente, no qual o campo de velocidades sofre variações do valor da compo- nente u, desde a seção 1 até a seção 2. Perceba que a configuração geométrica do sistema proporcionou esse aumento de velocidade de uma seção para outra, ainda que o escoamento ocorresse em regime permanente. Essa variação de velocidade em decorrência da mudança de posição das partículas fluidas é contabilizada na forma de aceleração convectiva. 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 172 Figura 78 – Aceleração convectiva em um escoamento em regime permanente Fonte: autoria própria É importante perceber que a equação descrita para a repre- sentação da aceleração de uma partícula fluida é uma equação vetorial. Portanto, pode ser decomposta em suas componentes nas direções x, y e z para ser: a u t u x u u y v u z wpx � � � � � � � � � � � � a v t v x u v y v v z wpy � � � � � � � � � � � � a w t w x u w y v w z wpz � � � � � � � � � � � � Na qual tratamos, ao invés da totalidade do campo de veloci- dades V , somente das componentes do campo em uma dada direção. Camila Pacelly Brandão de Araújo 173 4.3.2 Deformação linear Agora que já entendemos que o campo de velocidades pode assumir valores distintos em cada ponto do escoamento, apre- sentando componentes u, v e w em franca variação de valores, podemos nos dedicar aos efeitos dessas variações. A partir de agora, vamos trabalhar essencialmente com os efeitos que essas diferenças nos valores da velocidade em pontos da partícula fluida podem causar sobre ela. A deformação linear de uma partícula fluida diz respeito à taxa de elongação da partícula fluida em cada direção (alonga- mento/compressão). Durante a deformação linear, não há nenhuma distorção do elemento, permanecendo retos os ângulos entre os lados do prisma que identifica a partícula. A Figura 79 ilustra essa situação para um plano x, y da partícula fluida. Figura 79 – Deformação linear pura de uma partícula fluida Fonte: adaptado de Duarte (1997) 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 174 Considere a elongação de um dado segmento de partícula fluida como a relação entre a variação de dimensão verificadaem relação ao tamanho original do segmento para ser: x t t t t tx x � Tomando a taxa de elongação, temos: x x t tt lim .0 Onde o valor �� só existe caso haja diferença entre os valores da velocidade de pontos diferentes da partícula fluida. Imagine dois pontos de uma mesma corda, distantes entre si de um valor igual ao comprimento �xt. Considere que ambos os pontos se movimentam a uma dada velocidade u1. Se, por qualquer razão, um dos pontos passar a se movimentar com uma velocidade maior (u2>u1), você concorda que ele tenderá a se distanciar do outro? Essa situação é ilustrada esquematicamente na Figura 80. É o que ocorre com a partícula fluida quando ela está sujeita a um campo de velocidades na qual a componente u adquire valores diferentes em diferentes pontos. Figura 80 – Diferenças de velocidade ao longo da direção x para uma partícula fluida Fonte: autoria própria Camila Pacelly Brandão de Araújo 175 A diferença entre as distâncias percorridas por cada ponto pode ser dada por: u u txt� �0 Na qual podemos entender a velocidade no ponto ∆xt como dada pela expansão em série de Taylor do valor conhecido na origem u0 . Assim: u u x t u x ∆∆ ∆ ∆ Substituindo: x t t t lim u ∆ ∆ x t x0 .∆∆∆ Verificamos que: � x u x � � � A taxa segundo esta se deforma é contabilizada consideran- do-se a taxa de deformação relativa sofrida por cada um destes lados, assim: � y v y � � � � z w z � � � 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 176 Para a totalidade da partícula fluida, podemos considerar uma taxa de dilatação volumétrica para ser dada pelo somatório das deformações lineares em cada direção, tal que: u x v y w . z V taxa dedilataçãovolumétrica Perceba que a expressão para a estimativa da taxa de dilata- ção volumétrica de uma partícula fluida é uma quantidade escalar cuja expressão muito se assemelha à equação da continuidade para escoamentos incompressíveis. Nestes, se verifica que a taxa de dilatação volumétrica é nula. 4.3.3 Rotação Uma partícula, ao mover-se em um escoamento, também pode, simultaneamente, rotacionar em torno de cada um dos eixos coordenados. Assim como a deformação linear, a rotação não altera qualquer característica dos ângulos internos da partícula fluida, permanecendo-os retos. A Figura 81 ilustra o processo para um elemento no plano x-y, que rotaciona em torno do eixo z. Figura 81 – Rotação pura da partícula fluida em torno do eixo z Fonte: adaptado de Duarte (1997) Camila Pacelly Brandão de Araújo 177 A rotação é provocada pelo fluido na vizinhança da partícula. É a componente tangencial desta ação que provoca a rotação do elemento, sendo medida pela velocidade angular. Essa grandeza é definida como uma grandeza vetorial que representa a taxa de rotação média de duas retas, perpendiculares entre si, que se interceptam em um ponto. Para cada plano considerado, esta velocidade é definida como a média das velocidades angulares de duas linhas mutuamente perpendiculares que identificam a partícula. Considere a partícula fluida apresentada na Figura 82, inicialmente descrita conforme a imagem da esquerda. Mediante sua rotação ao longo do eixo z, uma quantidade angular α é percorrida no sentido anti-horário pela reta o-a, sendo a quantidade Δη o seu correspondente em distância linear. Já para a reta o-b, o ângulo β é varrido, sendo a distância Δε o seu correspondente linear. Figura 82 – Rotação de uma partícula fluida em torno de z Fonte: autoria própria Percebemos, pela definição da velocidade angular, que: � � �z oa ob� �� � 1 2 Assim, devemos obter expressões para cada uma das retas ωoa e ωob . 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 178 Sendo a velocidade angular ωoa dada pelo ângulo varrido em um intervalo de tempo, podemos escrever: oa t ∆ ∆ Para ângulos pequenos tan x ∆ ∆ Assim, oa x t ∆ ∆ ∆ Perceba que a rotação do eixo o-a e a deflexão Δη são conse- quências da diferença de valores da componente v observada entre os pontos extremos deste eixo (o e a). A Figura 83 ilustra essa situação. Pode-se observar que, caso exista uma diferença de velocidades entre esses pontos, ela produzirá um momento resultante. Figura 83 – Variação de valores da componente v da velocidade Fonte: autoria própria Camila Pacelly Brandão de Araújo 179 Assim, a quantidade Δη representa a diferença entre os percursos na direção y dos pontos o e a que ocorreram durante o intervalo Δt. v v ta o∆ ∆ Sendo v v v x xa o ∆ Logo: oa x t v x x x t t v x ∆ ∆ ∆ ∆ ∆ ∆ ∆ O mesmo raciocínio pode ser aplicado para a reta o-b e, de maneira análoga, podemos calcular: ob t ∆ ∆ tan y ∆ ∆ E descrevermos ∆ε como decorrente das variações do com- ponente da velocidade. Porém, há de se notar que, nesse caso, a componente u da velocidade no ponto b, para promover uma rotação no sentido proposto pela Figura 82, deve apontar no sentido do eixo x negativo. Assim, 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 180 ∆ ∆u u tb 0 Sendo u u u y yb 0 ∆ Portanto, ob y t u y y y t t u y Δ Δ Δ Δ Δ Δ Δ De posse dessas duas informações, podemos substituir na definição de velocidade angular: � � �z oa ob� �� � 1 2 Para obter z v x u y 1 2 O mesmo procedimento pode ser realizado para avaliar a velocidade angular com respeito à rotação em torno do eixo x e y, para ser: x w y v z 1 2 Camila Pacelly Brandão de Araújo 181 E y u z w x 1 2 Logo, podemos descrever o vetor velocidade angular de uma partícula fluida para ser: � 1 2 w y v z i u z w x j v x u y k^^^ Essa equação estabelece a relação entre a intensidade de rota- ção de uma partícula e o rotacional do vetor velocidade. Podemos escrever que o vetor velocidade angular resulta do produto vetorial do operador del sobre o campo de velocidade, produzindo um vetor: � � �1 2 xV Nessa perspectiva, podemos entendê-lo como sendo calcu- lado a partir do determinante da seguinte matriz: uv� �1 2 1 2 xV i j k x y z w^ ^ ^ A existência do fenômeno de rotação das partículas é con- sequência da ação de esforços tangenciais. Desse modo, na condição de escoamento irrotacional, não se verificam tensões tangenciais que, por sua vez, implicam na ausência de deformação angular. A condição de escoamento não rotacional somente é verificada quando se trata de escoamento de fluido ideal ou não viscoso. Matematicamente, essa condição resume-se simplesmente à expressão: 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 182 xV � 0 Observe que a característica viscosa de um escoamento induz, necessariamente, a ocorrência de rotação das partículas fluidas. 4.3.4 Deformação angular Diferentemente dos modos anteriores de movimentação da partícula fluida, a deformação angular impõe mudanças nos ângulos originais da partícula fluida ou em linhas imaginárias dela. Se tomarmos novamente a partícula fluida infinitesimal representada na Figura 84, podemos perceber que a taxa segundo o elemento se deforma é determinada pela velocidade com que o ângulo γ entre as retas o-a e o-b varia. Este ângulo decresce de forma inversamente proporcional ao crescimento dos ângulos β e α, ou seja, na medida em que β e α aumentam, o ângulo γ formado entre elas diminui. � � � d dt d dt d dt � � � Figura 84 – Partícula fluida em deformação angular pura Fonte: autoria própria Camila Pacelly Brandão de Araújo 183 Similarmente ao desenvolvido no caso do movimento de rotação pura, a taxa de variação do ângulo α será dada por: d dt t x t ∆ ∆ ∆ ∆ ∆ O qual pode ser expresso por: d dt v x x x t t v x ∆ ∆ ∆ ∆ Para o ângulo β, realizando o mesmo desenvolvimento, podemos chegar em: d dt t y t ∆ ∆ ∆∆ ∆ Porém, diferentemente do caso da rotação, para que haja a deformação linear, a componente u da velocidade deve apontar para a direção do x positivo. Assim, u u tb 0 ∆∆ u u u y yb 0 ∆ 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 184 E, d dt y t u y y y t t u y ∆ ∆ ∆ ∆ ∆ ∆ ∆ Logo:� � � � � � � d dt v x u yxy � Nos demais planos, podemos obter também: � � � � � � � d dt u z w xxz � E � � � � � � � d dt w y v zyz � 4.4 Conservação do momento linear Sobreviveu até aqui? Ótimo! Já estamos quase acabando nossa análise diferencial do escoamento de f luidos! Lembra que, no início da disciplina, prometemos trabalhar fundamentalmente com as forças que atuam sobre uma partícula fluida e os efeitos dessas forças sobre seu movimento ou repouso? É o que faremos agora. Camila Pacelly Brandão de Araújo 185 Uma vez que já temos em mãos informações sobre como uma partícula fluida pode acelerar, então, podemos utilizar a Segunda Lei de Newton para modelar a relação entre a ação das forças e o movimento da partícula fluida. F m a dP dt Sistema = =. | Para uma partícula infinitesimal, podemos escrever: dF dm DV Dt = . Onde DV Dt representa a aceleração da partícula fluida, con- forme apresentamos na seção 3.1. Assim: dF dm V x u V y v V z w V t � � � � � Descrevendo a massa infinitesimal da partícula fluida em termos do volume do volume de controle infinitesimal e da massa específica do fluido, temos, portanto: dF dx dy dz V x u V y v V z w V t � � � � � . . . Esse já é um excelente começo! Resolvemos metade do nosso problema com bastante simplicidade, não foi mesmo? Vamos, agora, analisar a composição de forças que podem estar atuando sobre a partícula fluida? 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 186 Como dissemos no início da nossa conversa sobre Mecânica dos Fluidos, existem dois tipos de forças que podem estar atuando sobre uma massa qualquer de fluido: forças de campo (FB) e forças de superfície (Fs). Definimos as forças de superfície como aquelas que surgem da interação entre a partícula e o fluido na vizinhança dessa partícula, e as forças de campo como aquelas que surgem em decorrência da presença de campos – gravitacional, magnético ou outros – que agem sobre a massa f luida da partícula. Portanto: � � �F F Fpart B s � ���� � �� ��� Na maioria das situações aplicadas, o campo gravitacional configura-se no único campo que age sobre fluidos em escoa- mentos. Dessa forma: dF Bdm g dx dy dzB � ��� � � � � . . . .� Como essa é uma equação vetorial, podemos escrever uma para cada uma das componentes dos eixos coordenados. Conforme indicado na Figura 85, a aceleração pode apresentar componentes em mais de um eixo, a depender da orientação espacial da partícula fluida no campo de escoamento. Camila Pacelly Brandão de Araújo 187 Figura 85 – Decomposição da força de campo gravitacional para uma partícula fluida Fonte: adaptado de Çengel (2008) F g dx dy dzBx x � ��� � �� � . . . .� F g dx dy dzBy y � ��� � �� � . . . .� F g dx dy dzBz z � ��� ��� � . . . .� As forças de superfície, por sua vez, subdividem-se nas componentes normal e tangencial e, para contabilizá-las, nos uti- lizamos do tensor de tensões que foi descrito na primeira unidade. � � � � � � � � �xx xy xz yx yy yz zx zy zz� � � � � � � � ��� �� 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 188 Porém, como já vem se tornando praxe nos nossos desen- volvimentos, consideramos que, no centro da partícula fluida, possamos tomar os valores dessas tensões conforme o descrito pelo tensor, mas precisamos usar a expansão em série de Taylor (novamente, eu sei!) para avaliar os valores de cada uma delas em cada face da partícula fluida. Vamos fazer isso? Considere as tensões referentes à direção x mostradas na Figura 86. A expansão em série de Taylor dessas tensões para cada uma das faces (+dx/2 e –dx/2) está descrita na figura. Figura 86 – Tensões em cada uma das faces da partícula fluida para a direção X Fonte: adaptado de Çengel (2008) Somando todas as parcelas para a direção x, temos: (formula) A qual resulta em: Camila Pacelly Brandão de Araújo 189 dF x y z dxdydzsx xx yx zx Para as direções y e z, temos, realizando o mesmo procedimento: dF x y z dxdydzsy xy yy zy dF x y z dxdydzsz xz yz zz A Figura 87 ilustra a composição da equação da Segunda Lei de Newton, contabilizando todas essas parcelas para as três componentes. Figura 87 – Composição de forças de campo e superfície e suas componentes para uma partícula fluida Fonte: autoria própria Cancelando os termos referentes ao volume da partícula fluida e decompondo o termo de aceleração da partícula em suas componentes em cada uma das direções, podemos obter o ilustrado na Figura 88. 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 190 Figura 88 – Somatório de forças atuando sobre uma partícula fluida Fonte: autoria própria Esse conjunto de equações representa as equações de con- servação da quantidade de movimento no interior de fluidos que admitem a hipótese do contínuo. Para completá-las, no entanto, são necessárias equações que correlacionem as tensões normal e tangencial ao campo de velocidade, de modo a se obter equações diferenciais para u, v e w. Tais equações representam as relações entre o estado de deformação do fluido e o campo de tensões observado e denominam-se equações constitutivas. Uma equação desse tipo é bastante conhecida por nós e a utilizamos desde o começo do nosso estudo em Mecânica dos Fluidos. A Lei da Viscosidade de Newton relaciona a tensão cisalhante à taxa de deformação do fluido, a qual se expressa por meio da derivada do perfil de velocidades para um escoamento unidimensional, como: � �xy du dy � Camila Pacelly Brandão de Araújo 191 4.5 Equações de Navier-Stokes O conjunto de equações denominado Equações de Navier- Stokes representa as equações de conservação da quantidade de movimento para o escoamento de f luidos newtonianos e incompressíveis. Para um escoamento tridimensional, podemos relacionar as tensões cisalhantes com a taxa de deformação angular para ser: yx xy v x u y yz zy w y v z zx xz u z w z Para as tensões normais, a seguinte relação pode ser usada para relacioná-las com as componentes da velocidade: xx p V u x 2 3 2. yy p V v y 2 3 2. zz p V w z 2 3 2. 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 192 Sendo o escoamento incompressível, vimos na seção 3.1 que a taxa de dilatação volumétrica da partícula fluida era nula . Assim, podemos escrever, substituindo, na equação da conservação do movimento, as relações das forças de superfície descritas ante- riormente, para a direção x: g p x x u x y v x u y zx 2 uu z w x Du Dt A qual pode ser reescrita para ser conforme descrito a seguir, quando separamos todos os termos derivativos isoladamente: g p x u x u x y v x u y u z z w x . 2 2 2 2 2 2 2 2 2 xx Du Dt Compreendendo que a ordem de derivação para uma função exata não impõe qualquer diferença, podemos escrever: g p x u x u y u z u x x v y x w x . 2 2 2 2 2 2 2 2 2 z Du Dt A qual podemos tornar: g p x u x u y u z x u x v y w zx 2 2 2 2 2 2 Du Dt Se nos recordarmos que o escoamento é incompressível, a equação da continuidade impõe que: � � � � � � � � � u x v y w z 0 E nos resta: g p x u x u y u z Du Dtx 2 2 2 2 2 2 Camila Pacelly Brandão de Araújo 193 ou g p x u x u y u z u t u x u u y vx 2 2 2 2 2 2 uu z w O mesmo pode ser feito para as direções y e z para obtermos: (formula) g p z w x w y w z w t w x u w y v wz 2 2 2 2 2 2 z w 4.6 Equação de Euler As equações de Euler resultam da consideração de que o fluido incompressível que escoa é também um fluido invíscido, ou seja, os efeitos viscosos podem ser desprezados. Dessa maneira, podemos simplificar as equações de Navier- Stokes para obtermos: g p x u t u x u u y v u z wx .� �� � � � � � � � � � � � � � � g p y v t v x u v y v v z wy� �� � � � � � � � � � � � � � � g p z w t w x u w y v w z wz� �� � � � � � � � � � � � � � � 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 194 Resumo Neste capítulo, utilizamos a equação de conservação damassa descrita na formulação integral para obter expressão equivalente em uma formulação diferencial. Além disso, foram avaliados os modos pelos quais uma partícula fluida pode se movimentar em um campo de escoamento; assim, descrevemos os fenômenos de translação, de rotação, de deformação linear e de deformação angular. Também exploramos ideias referentes a como determinar se um escoamento é incompressível usando o campo de velocidade e, dada uma componente da velocidade de um campo de escoamento incompressível e bidimensional, como deduzir as outras compo- nentes da velocidade. Em seguida, aplicamos esses conceitos para avaliar as forças atuantes sobre uma partícula de fluidos com uso da Segunda Lei de Newton, de tal modo que obtivemos as equações para conservação do momento linear diferencial. Aplicamos essa equação para um fluido incompressível e newtoniano e obtivemos as equações de Navier-Stokes. Consideramos, então, o caso invíscido para obtermos as expressões de Euler. Exercícios 1) Uma série de experimentos realizados num escoamento tridimensional e incompressível indicou que u = 6xy² e v = -4y²z. Entretanto, os dados relativos à velocidade na direção z apresentam conflitos. Um conjunto de dados experimentais indica que w = 4yz² e outro indica w = 4yz² - 6y²z. Qual dos dois conjuntos é o correto? Justifique sua resposta. 2) Os conjuntos de equações a seguir representam possíveis casos de escoamento incompressível? Camila Pacelly Brandão de Araújo 195 Vr Ucos Vr Ucos a r V Usen a r 2 2 3) A componente x da velocidade em um campo de escoa- mento permanente e incompressível, no plano xy, é u = A/x, onde A = 2m2/s e x é medido em metros. Determine a mais simples componente y da velocidade para esse campo de escoamento. 4) Uma aproximação grosseira para a componente x da velocidade em uma camada limite laminar e incompressível é uma variação linear de u = 0 na superfície (y = 0) até a velocidade de corrente livre, U, na borda da camada limite (y = δ). A equação do perfil é u = Uy/δ, onde δ = cx (1/2), sendo c uma constante. Mostre que a expressão mais simples para a componente y da velocidade é v = uy/4x. Avalie o valor máximo da razão v/U (que ocorre em y = δ) em um local onde x = 0,5 m e δ = 5 mm. 5) Uma aproximação útil para a componente x da velocidade em camada limite laminar e incompressível é uma variação para- bólica de u = 0 na superfície (y = 0) até a velocidade de corrente livre, U, na borda da camada limite (y = δ). A equação do perfil é u U y y � � � � � � � � � � � � � �2 2 � � , onde � � � �cx 1 2/ , sendo c uma constante. Mostre que a expressão mais simples para a componente y da velocidade é: v U x y y1 2 1 3 2 3 4 Análise diferencial doescoamento de fluidos 196 6) Considere o campo de velocidade no plano xy: � V A x x y i A xy x y jy4 2 4 36 4 4 3 2 ^^ ^ onde A = 0,25 m-3s-1 e as coordenadas são medidas em metros. Este é um possível campo de escoamento incompressível? Calcule a aceleração de uma partícula fluida no ponto (x, y)=(2,1). 7) Um escoamento é representado pelo campo de velocidade V xi y j k10 10 30 . O escoamento é uni, bi ou tridimensional? É incompressível? É rotacional? 8) Um fluido incompressível escoa entre duas placas para- lelas verticais (separadas pela distância “b”). A da esquerda está fixa e a outra move-se para cima com velocidade constante, V0. Considerando-se o fluido newtoniano (μ = cte) e o fluxo laminar, determine o perfil de velocidade e de tensão de cisalhamento para este escoamento (unidirecional e permanente). 9) Um amortecedor a gás na suspensão de um automóvel comporta-se como um dispositivo pistão-cilindro. No instante em que o pistão está afastado de uma distância L = 0,20m da extremidade fechada do cilindro, a massa específica do gás ρ = 19kg/m³ é uniforme e o pistão começa a se mover, afas- tando-se da extremidade fechada do cilindro com uma velocidade V = 15m/s. O movimento do gás é unidimensional e proporcional à distância em relação à extremidade fechada; varia linearmente de zero, na extremidade, a u = V no pistão. Avalie a taxa de variação da massa específica do gás nesse instante. Camila Pacelly Brandão de Araújo 197 10) Um líquido escoa para baixo sobre uma superfície plana inclinada em um filme laminar, permanente e completamente desenvolvido, de espessura l. Descreva esse escoamento a partir de simplificações das equações de Navier-Stokes para obter expressões para o perfil de velocidades no filme líquido, a distribuição de tensões de cisalhamento e a vazão volumétrica. 5 198 Análise dimensional 5 5 Análise dimensional 5.1 Introdução Olá, pessoal! Bem-vindos à nossa terceira e última unidade do curso de Mecânica dos Fluidos. Agora, nós vamos nos distan- ciar um pouco da nossa realidade puramente teórica para nos aproximarmos mais da experimentação em Mecânica dos Fluidos. É bem verdade que as ferramentas desenvolvidas na unidade anterior – análise integral e análise diferencial – são fundamen- tais para a compreensão dos fenômenos envolvidos em um dado escoamento fluido. Alguns processos, contudo, são complexos demais para prover uma solução analítica simples, ou o excesso de simplificação (para permitir chegar a uma solução analítica) pode ocasionar perda na compreensão dos fenômenos envolvidos. Veremos que a análise dimensional é uma ferramenta pode- rosa, que permitirá que estabeleçamos relações entre as variáveis de interesse do problema e façamos uma abordagem experimental mais racional e com menos custos do que faríamos na sua ausência. Além disso, veremos que, com o uso dessa ferramenta, seremos capazes de descartar naturalmente as variáveis que não são impor- tantes para o estudo de um dado processo e poderemos, também, aumentar ou diminuir a escala de um dado experimento. Finalmente, poderemos analisar os problemas de escoa- mentos mais complexos de maneira mais simples e completa, sem perda de fidelidade ao processo real, com o seu auxílio. Vamos trabalhar? 5 Análise dimensional 200 5.2 Homogeneidade dimensional Antes de começarmos a falar em análise dimensional e em como achar os grupos adimensionais que caracterizam um dado problema físico, é importante que reconheçamos duas coisas: a existência de dimensões – e que possamos identificá-las – e de grandezas de base que as representam. Devemos ter em mente os seguintes conceitos de maneira clara: Dimensão: é uma medida de uma quantidade física (sem valores numéricos); Unidade: é a forma de atribuir um número à dimensão. Assim, para a dimensão comprimento, por exemplo, pode- mos usar várias unidades (ft, km, cm, m, jardas etc.). A Figura 89 ilustra esse exemplo. Figura 89 – Dimensão versus unidade de medida Fonte: adaptado de Çengel (2008) Um sistema de unidades, como SI ou o sistema inglês, é formado por um conjunto de grandezas primárias ou básicas que não dependem de qualquer outra para serem definidas. Para o SI, por exemplo, temos a grandeza de comprimento sendo representada pela unidade padrão metros (m). Em um outro sistema de unidades, Camila Pacelly Brandão de Araújo 201 como o inglês, essa mesma grandeza é representada pela unidade padrão pés (ft). A Figura 90 apresenta as unidades que representam as sete grandezas primárias nas quais o SI se baseia. Figura 90 – SI e suas grandezas e unidades básicas Fonte: autoria própria Todas as dimensões não primárias podem ser formadas por alguma combinação dessas sete. A Segunda Lei de Newton, por exemplo, apresenta uma forma de relacionar a massa com o tempo e o comprimento para produzir uma dimensão ou grandeza secundária nesse sistema. Assim, no SI, a grandeza força é uma grandeza secundária obtida pela relação: � �F m a. Na qual podemos observar que há uma relação entre as dimensões M, L e t conforme: F M L t � � � � � � �. 2 Já no sistema inglês, que tem como grandezas de base força, comprimento e tempo (F, L e t), podemos observar quea Segunda Lei de Newton nos proporciona a massa como uma grandeza secundária: 5 Análise dimensional 202 F L t m 2 � � � � � � � É importante, também, lembrar que, em uma dada equação física, ambos os lados da igualdade devem apresentar a mesma dimensão física e que todo termo aditivo de uma equação deve apresentar as mesmas dimensões, para que ela seja homogênea dimensionalmente. Além disso, quando utilizamos uma equação qualquer, é fun- damental verificar se todos os termos também apresentam as mesmas unidades. Isso porque, se na Equação de Bernoulli apresentada a seguir, um termo estiver expresso em unidades de comprimento, como o metro, e outro resulte uma quantidade em centímetros, obviamente a adição desses termos resultará em um valor incorreto. Afinal, não podemos somar maçãs e melancias e achar que vai estar tudo certo no final. A Figura 91 ilustra essa situação. Figura 91 – Homogeneidade dimensional na soma de frutas Fonte: autoria própria v g p z v g p z1 1 1 2 2 22 2 ² ² Camila Pacelly Brandão de Araújo 203 5.3 Análise dimensional Agora que já podemos confortavelmente avaliar as dimensões de qualquer quantidade que tenhamos interesse, temos condições para começar a trabalhar na perspectiva de análise dimensional. Em engenharia, os projetos de Mecânica dos Fluidos con- sideram o uso de muitos resultados experimentais. Estes dados são frequentemente difíceis de apresentar num formato de fácil acesso e compreensão. Até mesmo os gráficos destes resultados são difíceis de interpretar. Imagine a situação em que se deseje estudar o escoamento de um fluido ao redor de um corpo rombudo – como uma bola, por exemplo. Evidentemente, esperamos que a força de arrasto dependa do tamanho da esfera (caracterizado pelo diâmetro D), da velocidade do fluido V e da sua viscosidade μ. Além disso, a massa específica do fluido, ρ, também pode ser importante. Representando a força de arrasto por F, podemos escrever a equação simbólica: F f D V� � �, , ,� � Um experimentador, então, poderia supor que o caminho para avaliar esse processo passaria por realizar um número de ensaios com o escoamento de diferentes fluidos (mudando a massa específica do fluido e mantendo a viscosidade, e vice-versa) ao redor da esfera (de diferentes diâmetros), conforme as Figuras 92 e 93 apresentam. 5 Análise dimensional 204 Figura 92 – Experimentação envolvida no estudo do escoamento ao redor de uma esfera Fonte: adaptado de Brunetti (2002) Figura 93 – Descrição dos experimentos e dados para o problema do escoamento ao redor da esfera Fonte: adaptado de Brunetti (2002) Poderíamos estabelecer um procedimento experimental para a determinação da dependência de F em relação a V, D, ρ e μ. Para verificar como o arrasto F é afetado pela velocidade V, colocaríamos a esfera em um túnel de vento e mediríamos F para uma faixa de valores de V. Em seguida, faríamos mais testes para explorar o efeito de D sobre F, utilizando esferas com diâmetros diferentes. Camila Pacelly Brandão de Araújo 205 Já estaríamos gerando uma grande quantidade de dados: se fizermos experimentos em um túnel de vento com 10 velocidades diferentes e 10 tamanhos de esferas diferentes, teríamos dados de 100 pontos experimentais. Poderíamos apresentar estes resultados sobre um gráfico (por exemplo, 10 curvas de F em função de V, uma para cada tamanho da esfera), mas um bom tempo seria consumido na obtenção dos dados se considerarmos que cada experimento consome 1/2 hora – já teríamos acumulado 50 horas de trabalho! E ainda não terminamos – em um tanque de água, deveríamos repetir todos esses experimentos para valores diferentes de ρ e de μ. Nesta etapa, talvez fosse necessário pesquisar meios de utilizar outros fluidos, de modo a criar condições de testes em uma faixa de valores de ρ e de μ (digamos, 10 valores de cada). Findos os testes (de fato, ao final de 2 anos e meio, com a semana de 40 horas!), teríamos realizado em torno de 104 testes experimentais. Em seguida, viria a etapa de tratamento de dados e análise de resultados: como traçaríamos gráficos de F em função de V, tendo D, ρ e μ como parâmetros? Essa seria uma tarefa gigantesca, mesmo sendo o fenômeno relativamente simples como o arrasto sobre uma esfera! Felizmente, não temos que fazer todo esse trabalho. A análise dimensional fornece uma estratégia para escolher dados relevantes e a forma de serem apresentados. Trata-se de uma técnica útil aplicada aos resultados experimentais de diferentes áreas de Engenharia, ou seja, não é exclusiva para a Mecânica dos Fluidos. Numa experiência, devem ser identificados os fatores envol- vidos na situação física para que a análise dimensional possa avaliar o relacionamento entre eles com o uso de parâmetros adimensio- nais. A análise dimensional é uma ferramenta que nos permite obter o máximo de informação com um mínimo de experiências. 5 Análise dimensional 206 Os parâmetros adimensionais obtidos podem, também, ser usados para correlacionar os dados para apresentação sucinta, usando o número mínimo possível de gráficos. O resultado da análise dimensional sobre um problema é uma equação relacionando a forma como os fatores físicos interagem 5.4 Teorema dos π’s de Buckingham O Teorema dos grupos π adimensionais de Buckingham proporciona um algoritmo para determinar os parâmetros adi- mensionais relacionados com uma dada situação física que se deseje analisar. Assim como qualquer algoritmo, ele envolve uma sequência de etapas que precisam ser vencidas na ordem proposta, para que a resposta seja alcançada. Sabemos que uma equação dimensionalmente homogênea que envolve k variáveis pode ser reduzida a uma relação de k-j produtos adimensionais independentes, onde j é o número mínimo de dimensões de referência necessário para descrever as variáveis. Portanto, o procedimento proposto envolve expressar ini- cialmente a relação funcional entre as variáveis que se relacionam com um dado problema físico na forma: x f x x x xn� �� �1 2 3, , , . Como f x x x x xn, , ..1 2 3 Camila Pacelly Brandão de Araújo 207 Sendo a dimensão do lado direito da equação igual à dimen- são do lado esquerdo (para que a homogeneidade dimensional seja mantida), podemos escrever esse conjunto dimensional na forma de menos parâmetros adimensionais, tal que: , , Sendo essa quantidade k de parâmetros adimensionais menor que o número inicialmente considerado n. A diferença entre o número necessário de parâmetros adi- mensionais П (k) e o número de variáveis original (n) é igual a j, sendo j o número mínimo de dimensões de referência utilizado para descrever todas as variáveis originais da equação. Tipicamente j = 3 = MLT ou FLT, mas essa não é uma regra! Algoritmo: a) Listar os parâmetros do problema e contar seu número total n Nessa etapa, deve-se incluir qualquer quantidade (incluindo constantes dimensionais e adimensionais) que se considere impor- tante para o fenômeno investigado. Geralmente, nos problemas de mecânica dos fluidos, devemos incluir variáveis: • Geométricas • De propriedades dos fluidos • Efeitos externos b) Listar as dimensões primárias dos n parâmetros identificados no item a Nessa etapa, é importante escrever cada um dos parâmetros do item a em termos de suas dimensões primárias (usando qualquer um dos sistemas: FLT ou MLT). 5 Análise dimensional 208 c) Definir a redução j como o número de dimensões primárias do problema. Nessa etapa, deve-se contar o número de dimensões primá- rias que caracterizam os parâmetros que você identificou. d) Calcular k, o número esperado de parâmetros adimensionais π's k = n-j e) Escolher os j parâmetros repetidos A escolha dos parâmetros repetidos é crucial para o sucesso do processo. Algumas regras gerais devem ser obedecidas e outras ferramentas para uma escolha interessante surgem da prática e do exercício. Há de se considerar, por exemplo, que: • Os parâmetros repetidos devem poderformar, ao serem combinados com cada uma das restantes, um termo adimensional; • Os parâmetros repetidos devem conter todas as dimensões de referência que foram listadas no item b; • Os parâmetros repetidos não podem formar, por si sós, um grupo adimensional; • É interessante escolher pelo menos um parâmetro que caracterize cada um dos grandes grupos de variáveis presentes nos problemas de Mecânica dos Fluidos: propriedades dos fluidos, efeitos externos e geometria. f) Determinar os k Пs e manipulá-los g) Escrever a relação funcional final e checar os cálculos Camila Pacelly Brandão de Araújo 209 5.5 Semelhança entre modelos Agora que já sabemos como determinar que grupos adimen- sionais são relevantes para um dado fenômeno físico, podemos usar essa informação para fazer aumentos (ou diminuição) de escala. Retomando a ideia do escoamento sobre uma esfera, rea- lizando-se a análise dimensional daquele processo poderíamos verificar que a força de arrasto observada depende fundamental- mente do número de Reynolds, e essa relação pode ser expressa graficamente conforme a Figura 94. Assim, a mudança de qualquer variável do processo (D, ρ , μ, V) resultaria, igualmente, em mudar o número de Reynolds que caracteriza o regime de escoamento, de tal maneira que não faria mais sentido usar milhares de fluidos diferentes para avaliar o processo, mas sim, formas quaisquer de se modificar o parâmetro adimensional como um todo. Figura 94 – Relação entre arrasto e número de Reynolds para o escoamento sobre uma esfera Fonte: adaptado de Fox (2008) Essa racionalização da experimentação é um dos grandes pontos positivos da ferramenta de análise dimensional. Outro ponto positivo é o que estudaremos agora. 5 Análise dimensional 210 De posse dos parâmetros adimensionais que são pertinentes ao fenômeno físico, podemos transpor os resultados obtidos em ensaios com modelos em escala para as condições de operação do protótipo (real). Nós nos valemos dos critérios de semelhança para que esse processo seja realizado de maneira segura. Semelhança é o estudo da previsão das condições de um protótipo a partir das observações de modelos. O princípio da similaridade dá confiança ao engenheiro com relação ao aumento de escala do seu processo ou projeto. O uso de modelos facilita nos casos em que os protótipos são muito grandes e pequenos também. É necessário desenvolver os meios pelos quais uma quantidade medida no modelo possa ser usada para prever as quantidades associadas no protótipo. Similaridade geométrica: Todas as dimensões características do problema devem, em escala apropriada, ser mantidas, ou seja, existe um fator de escala que relaciona as dimensões geométricas de um modelo com as dimensões do protótipo. A Figura 95 ilustra isso para uma casa modelo (15m) (escala de 1:100) com relação à casa protótipo (15cm). � � �fator deescala Dmodelo D protótipo � � � � Figura 95 – Critério de similaridade geométrica Fonte: autoria própria Camila Pacelly Brandão de Araújo 211 Similaridade cinemática: A velocidade em determinado ponto do escoamento do modelo deve ser proporcional à velocidade no ponto correspondente de escoamento do protótipo. A Figura 96 ilustra isso para um carro de Fórmula 1 modelo (280km/h) com relação ao carro protótipo (100km/h). Lembrando que velocidade é uma quantidade vetorial; essa condição de similaridade impõe tanto a proporcionalidade para o módulo da velocidade quanto a obrigatoriedade da mesma direção. Assim, essa condição representa que a razão de velocidades seja constante entre todos os pontos correspondentes dos escoamentos. � � �fator deescala Vmodelo Vprotótipo � � � Figura 96 – Critério de similaridade cinemática Fonte: autoria própria Similaridade dinâmica: Todas as forças de escoamento atuando no modelo devem ser proporcionais, por um fator de escala constante, às forças de escoamento atuantes no protótipo. É quando as forças que agem em massas correspondentes no escoamento do modelo e no escoamento do protótipo estão na mesma razão em toda a extensão do escoamento. Essa condição é ilustrada na Figura 97, na qual se observa a ação de uma força 5 Análise dimensional 212 Fp no protótipo (magnitude indicada pelo comprimento da seta) em relação à força Fm correspondente, no modelo (magnitude diminuída, e indicada pela seta). Figura 97 – Critério de similaridade dinâmica Fonte: autoria própria “Para garantir a similaridade completa, o modelo e o protótipo devem ser geometricamente similares e todos os grupos П independentes devem coincidir no modelo e no protótipo.” (ÇENGEL, 2007, p. 239). 5.6 Grupos adimensionais importantes Durante o desenvolvimento da Mecânica dos Fluidos e de outras ciências, vários grupos adimensionais importantes para a engenharia foram identificados. Alguns desses grupos são tão fundamentais e ocorrem com tanta frequência que é importante que lhe dediquemos algum tempo para compreensão de suas definições e suas aplicações. O entendi- mento do significado físico desses grupos permite que possamos compreender mais amplamente os fenômenos que estudamos. Camila Pacelly Brandão de Araújo 213 As forças encontradas nos fluidos em escoamento incluem as de inércia, de viscosidade, de pressão, de gravidade, de tensão superficial e de compressibilidade. A razão entre duas forças quais- quer será adimensional. Podemos demonstrar que a força de inércia pode ser expressa: Outras forças podem também ser descritas de maneira similar, tais como: 5 Análise dimensional 214 Podemos, agora, comparar as intensidades relativas das várias forças fluidas em relação às forças de inércia, conforme a Tabela 2: Fviscosa /Finércia � � � � VL LV LV2 2 2 � Fpressão /Finércia pL LV p V 2 2 2 2 Fgravidade /Finércia � � gL LV gL V 3 2 2 2 � Ftensão superficial /Finércia � � � � L LV LV2 2 2 � Fcompressibilidade /Finércia E L LV E V v v 2 2 2 2� � � Tabela 2 – Relações entre forças importantes da Mecânica dos Fluidos Fonte: autoria própria A Tabela 3 apresenta alguns desses números adimensionais, os quais são obtidos a partir de pequenas alterações (geralmente tomando-se o inverso, ou adicionando alguma constante multipli- cativa) das relações há pouco apresentadas. Camila Pacelly Brandão de Araújo 215 Tabela 3 – Grupos adimensionais e aplicações em Mecânica dos Fluidos Fonte: adaptado de Fox (2008) Número de Reynolds: É provavelmente o número adimen- sional mais famoso da Mecânica dos Fluidos, sendo responsável pela descrição do regime de escoamento de um dado fluido. Como o número de Reynolds surge da razão entre forças inerciais e viscosas para produzir Re VD , valores elevados de Reynolds implicam uma predominância dos efeitos inerciais sobre os efeitos viscosos, caracterizando o escoamento como turbulento. Já valores pequenos de Reynolds indicam a predominância dos efeitos viscosos, caracterizando, assim, um escoamento ordenado e de característica laminar. Equação Nome Aplicação Relação de forças VD Reynolds, Re Determinação de regimes de escoamento Inércia/Pressão V gL Froude, Fr Escoamentos com superfície livre Inércia/ Gravitacional P V 2 Euler, Eu Problemas com pressão ou gradientes de pressão importantes (Cavitação em bombas, p.ex.) Pressão/Inércia V c Mach, Ma Avaliação dos efeitos de compressibilidade em escoamentos de gases Inércia/ Compressibilidade σ V L2 Weber, We Problemas com necessidade de avaliação da importância da tensão superficial Inércia/Tensão superficial 5 Análise dimensional 216 Número de Mach: Análises e experimentos têm mostrado que o número de Mach é um parâmetro chave que caracteriza os efeitos de compressibilidade em um escoamento. O número de Mach pode ser escrito como M V c V dp d V Ev � � � � � ou M V Ev 2 2 � � O qual pode ser interpretado como uma razão entre forças de inércia e forças de compressibilidade. Para um escoamento verdadeiramente incompressível(e note que, sob algumas con- dições, mesmo os líquidos são bastante compressíveis), c = ∞, de modo que M = 0. Número de Euler: O número de Euler é a razão entre forças de pressão e de inércia. Eu p∆ V1 2 2 Em testes de modelos aerodinâmicos e outros, é conveniente modificar o segundo parâmetro, Δp/ρV2, inserindo um fator de 1/2 para fazer o denominador representar a pressão dinâmica (o fator, evidentemente, não afeta as dimensões e atribui um valor físico ao denominador). Camila Pacelly Brandão de Araújo 217 Essa razão é usada de forma que Δp é a pressão local menos a pressão da corrente livre, e ρ e V são propriedades do escoamento na corrente livre: Ca P P V v� � 1 2 2� No estudo dos fenômenos de cavitação, a diferença de pressão, Δp, é tomada como Δp = p − pυ, em que p é a pressão na corrente líquida e pυ é a pressão de vapor do líquido na tempe- ratura de teste. Mediante esse uso, se obtém o número ou índice de cavitação, que é um fenômeno físico que conheceremos mais à fundo nas próximas aulas. Resumo Neste capítulo, descrevemos as dimensões fundamentais e os princípios básicos de homogeneidade dimensional. Em seguida, enunciamos o teorema dos grupos π de Buckingham e o utilizamos para determinar parâmetros adimensionais dependentes e inde- pendentes que caracterizavam uma dada situação física de estudo. Apresentamos os principais números adimensionais usados na Mecânica dos Fluidos, tais como número de Reynolds, de Mach e de cavitação. O significado físico desses números adimensionais foi discutido, bem como as situações em que se aplicam. Exercícios 1) A análise dimensional, juntamente com a homogeneidade dimensional, permitem uma avaliação da consistência física de uma dada equação. A equação abaixo é dimensionalmente homogênea. 5 Análise dimensional 218 Se A representa vazão mássica, B é pressão, C é o raio de uma circunferência, E é a viscosidade absoluta de um fluido, F é um comprimento e H é área, determine as unidades de D e G no sistema internacional de unidades (SI). A BC D EF DGH� � 4 2) Um aluno de ensino médio sabe que a pressão representa a atuação de uma força em uma dada área. Você aprendeu no segundo capítulo que a medida da variação de pressão de um fluido hidrostático depende da massa específica dele, da aceleração local da gravidade e da profundidade em questão. Ambas as pressões são representadas pela mesma dimensão? Explique justificando seu raciocínio. 3) A ferramenta de homogeneidade dimensional permite verificar, além de vários outros aspectos, se todos os termos de uma equação estão sendo usados de maneira adequada e com unidades coerentes. Na equação abaixo, A representa força, B é densidade relativa, C é aceleração, F é velocidade, D é volume e E é viscosidade. A equação é homogênea dimensionalmente? A BCD DEF� �3 4) Os critérios de semelhança são fundamentais para que o engenheiro tenha segurança durante a realização de uma proposta de condições de experimentação referentes a um problema físico qualquer. Descreva os critérios de semelhança principais. Os fatores que relacionam as características de protótipo e de modelo devem ser iguais em todos os critérios? Explique e justifique. Camila Pacelly Brandão de Araújo 219 5) Uma placa fina e retangular está imersa num escoamento uniforme com velocidade ao longe igual a V. A placa apresenta largura e altura respectivamente iguais a w e h, e está montada perpendicularmente ao escoamento principal. Admita que o arrasto na placa FD é função de l e h, da massa específica do fluido, da viscosidade dinâmica e da velocidade do escoamento ao longe. Determine o conjunto de termos pi adequado para o estudo expe- rimental deste problema. 6) Uma ponte está sujeita à ação da formação de vórtices ao longo de um componente estrutural, conforme a figura. O desenvolvimento desses vórtices na parte posterior do corpo ocorre de maneira regular e com frequência definida quando o vento escoa em torno desse corpo. Como esse fenômeno pode ocasio- nar o surgimento de forças periódicas que atuam na estrutura, é importante determinar a frequência com que eles são emitidos. 5 Análise dimensional 220 Para a estrutura mostrada na figura, D = 0,5m e H = 0,8m e a velocidade do vento é de 60km/h. Admita que as condições do ar são as normais (ρ = 1,23 kg/m³ e µ = 1,79. 10-5kg/m.s). A frequência de emissão dos vórtices deve ser determinada com a utilização de um pequeno modelo (Dm = 70mm) para ser testado em um túnel de água a 20°C (ρ = 998 kg/m³ e µ = 10-3 kg/m.s). Realize a análise dimensional deste problema, mostrando a obtenção dos parâmetros π que o caracterizam. Se a frequência do desprendimento de vórtices ωm no modelo for igual a 60Hz, qual será a frequência de desprendimento de vórtices ωp no protótipo? 7) A potência W fornecida a uma bomba centrífuga é uma função da vazão volumétrica Q, do diâmetro do rotor D, da velocidade de rotação ω e da massa específica do fluido ρ, e da viscosidade µ do fluido que escoa. Um protótipo de uma bomba de água tem diâmetro de rotor de 61cm e é projetada para trabalhar a uma vazão de 0,34m³/s com rotação de 750rpm. Um modelo de bomba com diâmetro de rotor de 30,5cm é avaliado com ar (ρ = 1,24 kg/m³) com rotação de 1800 rpm. Desprezam-se os efeitos do número de Reynolds. Para condições similares, qual deve ser a vazão volumétrica do modelo? Se o modelo da bomba requer uma potência de 0,082HP para ser acionado, qual será a potência de acionamento do protótipo? 8) O número de Reynolds é o número adimensional mais utilizado em Mecânica dos Fluidos. Descreva sua importância, o seu uso e os limites para caracterização entre os regimes de escoamento. Camila Pacelly Brandão de Araújo 221 9) Escoamentos hipersônicos são caracterizados por números de Mach maiores do que 1. Obtenha a expressão usual do número de Mach a partir das forças às quais ele se refere. 10) Ao realizar um estudo de análise dimensional de um processo, um engenheiro pediu para que seu colega conferisse as etapas realizadas para validação. Nessa verificação, o colega optou por usar força, comprimento e tempo como dimensões fundamentais, ao invés de comprimento, massa e tempo, que o primeiro tinha utilizado. Você acha que a verificação produzirá o mesmo resultado? Explique. 6 222 Escoamento viscoso 6 6 Escoamento viscoso6 Escoamento viscoso 6.1 Introdução Olá, pessoal! Agora que nós já dominamos a análise dimen- sional, vamos usar essa ferramenta para facilitar nossa análise de casos complexos de escoamento de fluidos? Quando trabalhamos com as equações de conservação da quantidade de movimento na perspectiva diferencial, tivemos a oportunidade de observar a necessidade de se descrever as tensões cisalhantes para avaliar as forças que atuavam sobre a partícula fluida. Vimos, também, que os problemas eram exponencialmente simplificados quando essas podiam ser desprezadas. Foi o que aconteceu quando usamos a Equação de Euler e a Equação de Bernoulli, que se aplicam aos escoamentos invíscidos. Iniciamos, neste capítulo, o estudo dos escoamentos viscosos, ou seja, aqueles nos quais os efeitos promovidos pela ação do atrito interno entre as partículas de fluido são importantes. Isso quer dizer que consideraremos todos os termos referentes à ação do atrito e às características viscosas para explicar o escoamento de fluidos. Vamos trabalhar? 6 Escoamento viscoso 224 6.2 Uma breve retomada Até agora, em nossos estudos de Mecânica dos Fluidos, fizemos algumas considerações acerca da natureza viscosa dos fluidos e dos escoamentos. Primeiramente, dissemos que a propriedade viscosidade dizia respeito à tendência de um fluido a resistir ao movimento, sendo associada à resistência que um fluido oferece à deformação por cisalhamento. E entendemos, naquela ocasião, que a viscosidade se relacionava com o atrito interno nos fluidos devido às interações intermoleculares, sendo, geralmente, umafunção da temperatura. A Lei da Viscosidade de Newton nos mostrava que, para os fluidos que a obedeciam, a tensão cisalhante aplicada e a taxa de deformação sofrida pelo fluido eram diretamente proporcionais, sendo a constante de proporcionalidade a viscosidade do fluido. � �xy du dy � � � Nesse sentido, podíamos idealizar o escoamento do fluido entre duas placas ocorrendo de modo que a tensão cisalhante fosse transferida camada por camada do fluido, como ilustrado na Figura 98: Figura 98 – Característica viscosa dos fluidos newtonianos em um escoamento laminar entre placas planas Fonte: adaptado de Fox (2008) Camila Pacelly Brandão de Araújo 225 Em seguida, para os escoamentos viscosos, avaliamos que o grupo adimensional número de Reynolds apresentava a importância relativa dos efeitos viscosos em relação aos efeitos inerciais. Com base nesse critério, tínhamos estipulado dois regimes de escoamento distintos. F F LV viscosa inércia Re VD� � � No regime laminar, os efeitos viscosos eram tão pronun- ciados que o fluido escoava em camadas, sendo a quantidade de movimento transferida sucessivamente de uma camada para a próxima. Dessa maneira, conseguíamos resolver as equações de conservação do momento linear analiticamente. Já no regime turbulento, se verificam as interações entre as camadas sucessivas de fluido, havendo mistura entre elas. Assim, os efeitos inerciais sobrepunham-se aos efeitos viscosos resultando em elevado número de Reynolds. Esse movimento aleatório de partículas apresentava, entretanto, uma orientação global de esco- amento. A Figura 99 ilustra os regimes de escoamento segundo esse critério. 6 Escoamento viscoso 226 Figura 99 – Experimento de Reynolds e regimes de escoamento para tubos Fonte: adaptado de Fox (2008) Uma pergunta, porém, ainda precisava ser respondida com relação aos efeitos viscosos e ao papel da viscosidade no escoamento: como a informação da existência de um contorno sólido, percebida inicialmente pela porção de fluido imediatamente em contato com o mesmo, se propaga pelas outras regiões do fluido? É o que trataremos de responder agora. 6.3 Camada-limite Dissemos, no começo do nosso curso, que o f luido era solidário ao contorno sólido com o qual estava em contato. No caso do escoamento entre duas placas planas em que uma delas se movia a uma dada velocidade u, o fluido em contato com a placa em movimento adquiria a sua velocidade, enquanto o fluido em contato com a placa parada adquiria velocidade zero. Esse comportamento foi chamado de condição de não deslizamento. Camila Pacelly Brandão de Araújo 227 Nosso olhar agora se volta para a avaliação de como a infor- mação da existência deste contorno, percebida inicialmente pela porção de fluido imediatamente em contato com o mesmo, se propaga por meio das outras regiões do fluido. A forma mais simples de lidar com essa avaliação é aplican- do-a para o escoamento laminar de fluido incompressível sobre uma placa plana estacionária, considerando que o fluido se aproxime dessa com um perfil de velocidade uniforme caracterizado pela velocidade U∞, conforme a Figura 100. Podemos imaginar essa situação simplesmente como escoamento de ar, forçado por um ventilador ou soprador, por sobre uma mesa parada, por exemplo. Figura 100 – Desenvolvimento de camada-limite sobre uma placa plana Fonte: adaptado de Alé (2011) O fluido, inicialmente escoando à velocidade U∞, ao se deparar com o contorno sólido estacionário, adere-se à superfície deste, adquirindo a sua velocidade nessa interface, qual seja, u = 0. À medida que o fluido escoa sobre a mesma superfície a partir da borda de ataque, ou ponto de estagnação, a informação de que ali existe uma superfície estacionária é transferida à camada fluida imediatamente superior. A viscosidade é o agente envolvido nesta transmissão, que tende a desacelerar o fluido, o qual antes se des- locava com velocidade U∞. 6 Escoamento viscoso 228 A cada nova posição posterior na direção do escoamento x, mais e mais fluido passa ser perturbado pela presença da placa, permanecendo, porém, sempre uma região afastada dela e que ainda não foi afetada pela sua presença, na qual o fluido ainda escoa com velocidade U∞. Nessa região, o fluido pode ser tratado como ideal e as equações desenvolvidas nos primórdios da hidro- dinâmica servem para sua formulação. Por outro lado, a região do escoamento entre a superfície e esta posição limite y é fortemente influenciada pelo contorno por meio da força viscosa. Prandtl foi o primeiro a sugerir a existência de uma camada- limite. Ela seria uma camada imaginária que limita a região do escoamento próxima à interface entre o fluido que escoa e um outro corpo, nas quais os efeitos viscosos determinam a configuração do escoamento. No interior da camada-limite, a velocidade do fluido varia desde o valor nulo (em contato com a placa estacionária) até a velocidade de escoamento não perturbado. Perceba que a camada-limite não para de crescer. Enquanto houver placa (ou cotas na direção x do escoamento), haverá cres- cimento da camada-limite, pois mais e mais fluidos passarão a ser perturbados pela presença do contorno sólido. Apesar desta apresentação do conceito de camada-limite ter considerado, por hipótese, o escoamento como laminar, ele continua válido também para casos em que fenômenos associados à turbulência (tais como vórtices e redemoinhos) são percebidos. 6.4 Escoamento viscoso interno Agora que já sabemos como a informação da existência de um contorno sólido é transferida pelas camadas de fluido para uma Camila Pacelly Brandão de Araújo 229 placa plana, podemos analisar esse fenômeno em um escoamento interno e seus efeitos sobre as variáveis do nosso interesse. Você deve se recordar que escoamentos internos são aqueles nos quais o fluido encontra-se completamente restrito por paredes sólidas, sejam elas de tubos, de dutos, de restrições, de difusores etc. Assim, o fluido deverá entrar em contato com esses contornos sólidos e uma camada-limite também deverá surgir. 6.4.1 Aspectos qualitativos Imaginemos uma tubulação através da qual deve escoar um fluido, conforme ilustrado na Figura 101. Se o tubo estivesse imerso em um reservatório (ou na saída de um reservatório), a velocidade na sua entrada poderia ser considerada uniforme em toda a seção. Figura 101 – Aspectos qualitativos do escoamento interno viscoso Fonte: adaptado de Munson, Young e Okiishi (2005) 6 Escoamento viscoso 230 A partir da região de entrada, à medida que o fluido se depara com o contorno sólido da tubulação os efeitos viscosos provocam aderência do fluido às paredes do tubo, em consequ- ência da condição de não deslizamento. Da mesma maneira que observamos para o caso da placa plana, também nas paredes da tubulação se verificará o desenvolvimento de uma camada-limite. O desenvolvimento da camada-limite ocorre tal qual na placa plana; verificamos uma região próxima às paredes da tubulação nas quais os efeitos viscosos são pronunciados e uma região na qual esses efeitos ainda não são percebidos. Na região do núcleo ainda não atingida pela camada-limite, os efeitos viscosos são desprezíveis e essa região é denominada região invíscida. A existência da camada-limite provoca uma mudança no perfil de velocidades do escoamento, para que a equação da continuidade permaneça válida. Assim, o perfil de velocidades muda a cada nova seção na direção do escoamento e ao longo da direção radial: u u r x� � �, A extensão de tubulação na qual se verifica essa situação denomina-se região de entrada. Na medida em que avança para o interior do tubo, a camada-limite cresce, restando, a cada nova seção posterior na direção do escoamento, uma porção cada vez menor de fluido não perturbado pela presença da tubulação. Em determinada posição x, a porção do fluido atingida pelos efeitos viscosos corresponde à totalidade da seção transversal. Em outras palavras, emdeterminada posição x da tubulação, a camada -limite cresce ao ponto de atingir a linha central da tubulação. A Camila Pacelly Brandão de Araújo 231 partir desse ponto, o perfil de velocidade não se altera mais de uma posição x para outra e dizemos que o escoamento atingiu seu completo desenvolvimento. u u r somente� � � Chamamos de comprimento de entrada (Le) a distância da seção de entrada até o local no qual a camada-limite atinge a linha central (de simetria) do tubo. A partir deste ponto, o perfil de velocidade é plenamente desenvolvido, significando que seu formato não varia mais na direção de x. Evidentemente, o comprimento de entrada para um dado escoamento depende do regime de escoamento, uma vez que esse parâmetro terá influência direta no crescimento da camada-limite. Como, no regime turbulento, se tem mistura entre as camadas de fluido, a camada-limite se desenvolve mais rapidamente que no caso laminar. Logo, modelos empíricos estimam o comprimento de entrada em função do regime de escoamento para ser: L D Re escoamentoe 0 06 laminar E L D Re escoamentote 4 4 1 6 uurbulento Substituindo os limites de cada regime de escoamento, podemos ver que, para o escoamento laminar, o comprimento de entrada ocorre a aproximadamente 140D, enquanto que, para o escoamento em regime turbulento, esse comprimento está na ordem de 40D. 6 Escoamento viscoso 232 6.4.2 Aspectos quantitativos Embora não sejam comuns, na prática, como forma de simplificação, muitos escoamentos podem ser considerados com- pletamente desenvolvidos, permanentes e laminares. Considere o elemento infinitesimal de fluido conforme indicado na Figura 102: Figura 102 – Elemento infinitesimal para análise do escoamento viscoso incompressível Fonte: adaptado Alé (2011) Pelo Teorema do Transporte de Reynolds, para uma pro- priedade genérica do escoamento: dN dt t d V dA Sistema VC sc Para a conservação do momento linear, temos: dP dt t dA F F Sistema VC sc Sx Bx Camila Pacelly Brandão de Araújo 233 Considerando: 1) Escoamento completamente desenvolvido� � � �u u r somente 2) Em regime permanente � � � � t 0 3) De um fluido incompressível � �� cte 4) Em um tubo horizontal � � FBx 0 Assim, vemos que: FSx � ��� = 0 Por análise das forças atuantes sobre o volume de controle, conforme indicado na Figura 103, podemos avaliar que: Figura 103 – Elemento infinitesimal e forças atuantes sobre o V.C. Fonte: adaptado Alé (2011) Considerando que a pressão tenha um valor definido p no centro da partícula fluida infinitesimal, podemos ver que, usando expansão em série de Taylor, essa tem os seguintes valores nas faces esquerda e direita, respectivamente: p p x dx 2 p p x dx 2 6 Escoamento viscoso 234 Considerando a ação da tensão cisalhante atuante em decor- rência dos efeitos viscosos, na superfície do elemento cilíndrico, temos que o somatório das forças de superfície pode ser expresso por: p p x dx p x dx r rdxrx2 2 2 0. p x r rx .2 Se os efeitos gravitacionais são desprezados, a pressão é constante em qualquer seção transversal do tubo, mas varia de uma seção para outra: rx p x r 2 Podemos, então, verificar que a tensão de cisalhamento no fluido varia linearmente na direção transversal ao tubo, de zero na linha de centro até um máximo na parede. Se desejarmos saber a tensão de cisalhamento na parede da tubulação, temos r=R e A Figura 104 apresenta a distribuição de tensão de cisalha- mento em uma dada seção do escoamento e o correspondente perfil de velocidades. É interessante perceber que a tensão é máxima na parede, onde a condição de não escorregamento impõe um valor nulo para a velocidade do fluido, e é mínima na linha de centro da tubulação, onde também se verifica o máximo valor de velocidade do fluido. Camila Pacelly Brandão de Araújo 235 Figura 104 – Distribuição de tensão de cisalhamento e perfil de velocidades em uma seção do escoamento Fonte: adaptado Alé (2011) Há de se notar, também, que o termo (∂p/∂x) diz respeito à variação de pressão entre duas seções do escoamento. Assim: p x p p p∆ L cte 2 1 Onde podemos observar que ∆p representa a queda de pressão de uma seção 1 até uma seção 2. A Figura 105 ilustra a diferença entre a variação da pressão e a queda da pressão entre uma seção e outra. Figura 105 – Diferenças de pressão ao longo do escoamento em uma tubulação Fonte: adaptado Alé (2011) 6 Escoamento viscoso 236 Assim, podemos escrever, finalmente: w p∆ L R 2 Perceba que, nesse nosso desenvolvimento, não estabe- lecemos qualquer dependência com o regime de escoamento. Veremos que a consideração acerca do regime de escoamento impõe várias condicionantes na modelagem do processo e que, no regime laminar, podemos chegar a uma solução puramente analítica, enquanto no escoamento turbulento, teremos que nos apoiar na ferramenta de análise dimensional e em dados empíricos para formular uma modelagem. 6.4.3 Para o escoamento laminar a) Perfil de velocidades Conforme dissemos, o fato de um escoamento ocorrer em regime laminar não é o mais representativo da realidade: a maioria dos escoamentos é turbulento. O escoamento laminar, porém, nos permite relacionar as quantidades analiticamente. Usando a relação funcional entre a tensão cisalhante e a variação de pressão obtida anteriormente: p x r rx .2 E admitindo que o fluido que escoa é newtoniano: � �� du dr Camila Pacelly Brandão de Araújo 237 Podemos escrever: p x r du dr 2 Sabendo que p x cte em uma dada seção do escoamento, temos: p x du dr r 2 Rearranjando: du p x rdr1 2 Realizando a integração mediante as condições de contorno: r r u u r� � � � �� r R u condiçãodenãoescorregamento0 Temos: u u u r R r du p x rdr 0 1 2 O que nos fornece: u r p x r R� � � � � � �� �0 1 4 2 2 � 6 Escoamento viscoso 238 u r p∆ L R r1 4 2 2 u r p∆ L R 2 2 4 1 Esta equação representa o perfil de velocidades para esco- amento laminar em tubos. Você deve notar que é uma equação de segundo grau com dependência com a direção radial, caracte- rizando, assim, uma parábola. b) Velocidade máxima A velocidade máxima em uma seção do escoamento pode ser determinada entendendo-se que um ponto de máximo é um ponto de inflexão do perfil de velocidades e, portanto, neste ponto, a derivada primeira da função deve ser igual a zero: u d u r drmáx � � �� � � 0 d pR∆ l r R dr 2 2 4 1 0 p∆ l r 4 2 0 Desse modo, podemos verificar que o ponto de máximo ocorre quando a coordenada radial tiver valor zero, ou seja, na linha central da tubulação: Camila Pacelly Brandão de Araújo 239 u rmáx � � 0 Substituindo essa condição na equação do perfil de velo- cidades para determinar o valor da velocidade máxima, temos: u p∆ l Rmáx 4 2 c) Vazão volumétrica Definimos vazão volumétrica durante nosso estudo de conservação da massa na perspectiva integral para ser: Q u r dA� � �� Sendo o infinitesimal de área caracterizado pela área através da qual o fluido escoa, podemos ver que: dA rdr� 2� Assim, Q u r rdr� � �� 2� Substituindo a equação do perfil de velocidades: Q p∆ l R r rdr R 0 2 4 2² Q p∆ l R r rdr R 2 0 2 6 Escoamento viscoso 240 Realizando a integração, temos: Q p∆ l R 2 2 4 2 2 4 . Considerando a totalidade da seção de escoamento (r = R): Q R p l D p l 4 4 8 128 Essa equação recebe o nome de Equação de Hagen-Poiseuille e permite a estimativa da vazão de escoamento do fluido mediante informações da queda de pressão por unidade de comprimento da tubulação e do diâmetro dela, sendo de grande importância prática. d) Velocidade média Também durante nossos estudos de conservação da massa na perspectiva integral, estipulamos que a velocidade média de um dado escoamento era fornecida pela razão entre a vazão volumétrica e a área disponível para que o fluido escoasse: V Q Amédia � Dessa maneira, V R p l Rmédia 4 2 8 V R p lmédia 2 8 Camila Pacelly Brandão de Araújo 241Relacionando-a com a velocidade máxima do escoamento, podemos escrever: V umédia máx� 1 2 6.4.4 Para o escoamento turbulento Muitos escoamentos não podem ser considerados como laminares e as simplificações adotadas nas seções anteriores do texto podem gerar erros importantes nas análises dos escoamentos. Escoamentos turbulentos são muito comuns e desejáveis na prática, como, por exemplo, os processos de mistura ou de transferência de calor em resfriadores ou em trocadores de calor. Além disso, as velocidades necessárias aos escoamentos para atender os requeri- mentos de fornecimentos de produto, produção etc. em geral são muito acima do limite do escoamento laminar. No desenvolvimento que realizamos para o escoamento laminar, simplesmente nos valemos da relação entre a tensão cisalhante e o gradiente de pressão para, em seguida, usarmos a expressão da Lei da Viscosidade de Newton e obtermos todas as informações acima. Para o escoamento turbulento, porém, o comportamento da tensão cisalhante com relação ao perfil de velocidades não é tão direto como no caso laminar e, infelizmente, não existe uma equação equivalente da tensão para escoamento turbulento, de modo que não podemos repetir o procedimento anterior para esse tipo de escoamento. O escoamento turbulento é representado, em cada ponto, pela velocidade média temporal mais as componentes u’ e ν’ nas 6 Escoamento viscoso 242 direções x e y (para um escoamento bidimensional) da flutuação aleatória de velocidade (neste contexto, y representa a distância a partir da parede do tubo). A Figura 106 ilustra esse comportamento. Figura 106 – Comportamento da velocidade no escoamento turbulento Fonte: adaptado de Fox (2008) Essas flutuações aleatórias da velocidade continuamente transferem quantidade de movimento entre as camadas de fluido adjacentes, promovendo a mistura entre as partículas fluidas, o que tende a reduzir qualquer gradiente de velocidade presente. Esse efeito, que é o mesmo de uma tensão aparente, foi introduzido pela primeira vez por Osborne Reynolds, e denominado de tensões de Reynolds. Portanto, no escoamento turbulento, dizemos que o fluido está sujeito a uma tensão global que contabiliza as contribuições de uma parcela laminar (referente à velocidade média do escoamento) e uma parcela turbulenta (referente às flutuações de velocidade). A Figura 107 apresenta o comportamento das tensões cisa- lhantes no caso laminar e no caso turbulento. Camila Pacelly Brandão de Araújo 243 Figura 107 – Tensão cisalhante para o escoamento laminar (esquerda) e turbulento (direita) Fonte: Yokisih (2000) � � �� �laminar turbulenta � � �� � du dy u v' ' É interessante notar que podemos chegar a esse resultado a partir da definição de momento e da informação de que as flutuações de velocidade o transferem. De maneira simplificada, teríamos: P mV= . dP dt m dV dt F = =. � �� � � � � � � � � F A dV dt A 1 � � � dL dt V. � �� u v' ' 6 Escoamento viscoso 244 O sinal negativo surge devido ao fato de u’ e v’ estarem negativamente correlacionadas, tal que o termo -ρu'v' produz uma quantidade positiva, resultando em uma tensão efetivamente maior que a verificada para o escoamento laminar. Se formos analisar como se comporta a tensão cisalhante ao longo da seção transversal de um tubo, poderemos verificar que, próximo à parede, o termo referente à tensão turbulenta, ou às tensões de Reynolds, tendem a zero. Isso ocorre porque a condição de não deslizamento prevalece, de modo que não apenas a velocidade média tende a zero, mas também as flutuações de velocidade, uma vez que a parede tende a suprimir as flutuações. Assim, a tensão turbulenta se aproxima do valor nulo conforme nos aproximamos da parede, e vale zero na parede. Se a tensão de Reynolds é zero na parede, podemos esperar que a tensão de cisalhamento de parede seja dada somente por: w y du dy 0 Isso significa que, na região muito próxima à parede do tubo, ou seja, na camada de parede, o cisalhamento viscoso é dominante. Na região entre a camada de parede e a porção central do tubo, tanto o cisalhamento viscoso quanto o turbulento são importantes. Esse comportamento é ilustrado na Figura 108. Camila Pacelly Brandão de Araújo 245 Figura 108 –Distribuição da tensão cisalhante em uma seção transversal para o escoamento turbulento Fonte: adaptado de Munson (2004) Infelizmente, no escoamento turbulento, não dispomos de uma relação como a Lei da Viscosidade de Newton para relacionar diretamente a tensão cisalhante com o gradiente de velocidades. Por isso, perfis de velocidade empíricos são adotados. Em geral, uma lei de potência como É capaz de representar, com algum sucesso, esse tipo de escoamento. Note que essa relação não pode ser aplicada próxima à parede (R = 0), já que o gradiente de velocidade seria infinito. Porém, para regiões até o limite em que: y R sendo y R r0 004 podemos considerar a sua adequação ao comportamento da velocidade do escoamento. 6 Escoamento viscoso 246 O expoente n depende do número de Reynolds segundo: E pode ser determinado também, graficamente, de acordo com a Figura 109. De maneira geral, quanto maior o expoente n, mais achatado se torna o perfil de velocidades para o escoamento turbulento. A Figura 110 ilustra essa diferença de comportamento de maneira comparativa entre valores de n para o escoamento turbulento e com relação ao escoamento laminar. Figura 109 – Relação entre o número de Reynolds e o expoente n da lei de potência Fonte: adaptado de Alé (2011) Figura 110 – Efeito do número de Reynolds sobre o perfil de velocidades Fonte: adaptado de Duarte (1997) Camila Pacelly Brandão de Araújo 247 6.5 Considerações de energia no escoamento interno viscoso Quando tratamos da equação da conservação da energia na unidade 2, dissemos que poderíamos desprezar qualquer efeito de troca térmica ou variação da energia interna do fluido para chegarmos à Equação de Bernoulli. A Equação de Bernoulli, porém, trata do caso de escoamento de fluidos invíscidos. No nosso cenário atual, não podemos fazer mais esse tipo de consideração e os termos referentes ao atrito interno e à variação da energia interna do fluido deverão perma- necer na equação da conservação da energia. Devemos nos lembrar que o atrito é consumidor da energia disponível do fluido e que energia é um custo de operação impor- tante e impacta diretamente no custo, também, dos equipamentos necessários para se realizar uma dada operação (de bombeamento, de agitação ou de mistura de tanques). Desse modo, se tomarmos a equação de conservação de energia na perspectiva integral: Q W W W t e d u V gz pveixo cis outros VC sc 2 2 A E considerarmos: 1) Escoamento em regime permanente; 2) De um fluido incompressível; 3) Na ausência de qualquer outra forma de trabalho que não seja o de escoamento; 4) Uniformidade dos valores de pressão e energia interna em cada seção. 6 Escoamento viscoso 248 Podemos escrever: � �Q m u u m p p mg z z V V dA V A a2 1 2 1 2 2 2 2 2 12 11 2 1 12 V dA Para que seja possível trabalhar com essa equação sem necessitar do uso de integrais, e ainda mantê-la capaz de ser aplicada para escoamentos laminares e turbulentos, é definido um fator de correção da energia cinética, que nos permite usar uma velocidade média para computar a energia cinética em cada seção transversal. Fator decorreçãodaenergiacinética V dA mV ² 3 � O fator de energia cinética nada mais é do que uma pon- deração entre a energia cinética obtida por meio da integração do perfil de velocidades e o valor médio da energia cinética ao longo da seção. Quanto mais próximo de uma uniformidade ao longo da seção, mais próximo de 1 o fator de correção da energia cinética se torna, indicando que pouca ou nenhuma diferença faz se optar pela integração ao longo da seção ou não. Em geral, escoamentos turbulentos tendem a produzir perfis mais próximos da uniformidadeque escoamentos laminares, conforme ilustrado na Figura 110. Assim, α ≈ 1 para escoamentos turbulentos e se pode provar que α = 2 para escoamentos laminares. Dessa maneira, a equação da conservação da energia poderia ser reescrita para ser: Camila Pacelly Brandão de Araújo 249 Q m u u m p p mg z z mV m V � �� � � �� � � � � � � �� � � �2 1 2 1 2 1 2 2 2 1 2 1 2 2� � � � Se o escoamento estiver plenamente desenvolvido, o perfil de velocidades será o mesmo entre duas seções quaisquer e 2 1 Rearranjando: � � Q m u u p p g z z V V2 1 2 1 2 1 2 2 2 2 2 2 u u Q m p gz V p gz2 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 � � O termo da esquerda da igualdade representa a diferença em energia mecânica entre as duas seções e contabiliza, portanto, as perdas de energia mecânica sob a forma de calor e energia interna do fluido: p gz gz hlT1 1 2 2 2 2 2 2 Quando escrita dessa maneira, a conservação da energia para o escoamento viscoso tem dimensões de (L²/t²), que representa uma quantidade de energia por unidade de massa. Nessa configuração: p g z g p g z g h g HlT lT1 1 2 2 2 2 2 2 tem dimensão de L e pode ser interpretada como altura de uma coluna manométrica para cada termo da equação. Ambos os 6 Escoamento viscoso 250 termos HlT e hlT são denominados perda de carga indistintamente; portanto, o aluno deve ser capaz de distinguir qual é a equação adequada em cada caso. A variação da pressão num duto resulta da variação de elevação, de velocidade e do atrito. Se não houver perdas por atrito, a variação da pressão poderá ser determinada pelo uso da Equação de Bernoulli. Se o escoamento for viscoso, porém, há de se estimar a perda de carga. 6.6 Perda de carga A perda de carga hlT, contabiliza toda a perda de energia mecânica entre duas seções do escoamento. Podemos, didatica- mente, dividir essa perda em duas grandes porções: aquelas causa- das somente pelos efeitos de atrito no escoamento completamente desenvolvido em tubos de seção constante, e aquelas causadas pela presença de elementos que alteram as características do escoamento, como entradas, acessórios, regiões de variações de área e outras. Dizemos, portanto, que a perda de carga total é dada pela soma das contribuições da perda de carga principal hL(ou maior) com a perda de carga secundária hac (ou menor). h h hLT L ac� � A nomenclatura maior ou menor não é a mais adequada, pois as perdas secundárias podem, por vezes, causar maior perda de energia mecânica entre duas seções do que as perdas principais. Dese modo, usaremos os termos principal e secundária na maioria dos casos. Camila Pacelly Brandão de Araújo 251 a) Perda de carga principal O termo de perda de carga principal refere-se somente ao atrito no escoamento plenamente desenvolvido entre pontos da tubulação com área constante. Consideremos um escoamento ple- namente desenvolvido numa tubulação horizontal de comprimento L com área de seção transversal constante. Então, podemos escrever: Onde a variação de cotas foi desprezada pelo fato de a tubu- lação ser horizontal, e a velocidade ser a mesma entre duas seções de mesma área. Assim, vemos que: H p p g p gL ( )1 2 h p p pL ( )1 2 Esse resultado nos informa que a perda de carga principal independe da orientação da tubulação, ou sua inclinação. De fato, podemos ponderar que o atrito entre o fluido e a tubulação não faz, realmente, distinção acerca da sua disposição geométrica. • Perda de carga principal no escoamento laminar: Na seção precedente, quando trabalhamos com variáveis de interesse para o escoamento laminar, vimos que: 6 Escoamento viscoso 252 V R p l 2 8 A qual poderia ser expressa em termos do diâmetro da tubulação para ser: V D p l 2 32 Isolando a variação de pressão: p VL D 32 2 Dividindo por: H p g VL gDL 32 2 Retomando a definição do número de Reynolds, podemos escrever: VD Re H VD Re VL gD V Re L D gL 32 32 1 2 2 H Re L D V gL � 64 2 2 Similarmente, h Re L D V L � 64 2 2 Ou Camila Pacelly Brandão de Araújo 253 Assim, para o escoamento laminar, a perda de carga pode ser calculada a partir de dados da tubulação (diâmetro, comprimento e velocidade do escoamento) e do número de Reynolds. • Perda de carga principal no escoamento turbulento: Para o escoamento turbulento, como dito anteriormente, a queda de pressão não pode ser avaliada analiticamente, de modo que não dispomos de uma equação relacionando a velocidade média, por exemplo. Para contornar essa situação, usaremos da ferramenta de análise dimensional do problema, em conjunto com experimentação. É observado que a queda de pressão causada pelos efeitos de atrito em tubulações horizontais de diâmetro constante em escoamento turbulento depende do diâmetro da tubulação D, do comprimento do tubo L, da velocidade média do escoamento V, da massa específica do fluido que escoa ρ e da sua viscosidade µ, além da rugosidade da parede da tubulação (e). p p D L V e, , , Pelo procedimento de análise dimensional, podemos verifi- car que são sete (n = 7) as variáveis de importância para o processo, e que elas podem ser descritas por um conjunto de três dimensões fundamentais (M, L e t), tal que j = 3, de tal forma que 4 grupos adimensionais podem ser formados pelo algoritmo de Buckingham. Escolhendo como variáveis repetidas ρ, V e D, podemos escrever a seguinte relação entre os adimensionais: p∆ V f VD e D L D2 , , 6 Escoamento viscoso 254 Ou p∆ V e e D L D2 , , Os experimentos mostram que a perda de carga é diretamente proporcional a L/D. Assim, podemos representar o processo por: h V L D f Re e D L 2 � � � � � � �, Como f permanece indeterminada, é permitido introduzir uma constante no lado direito da relação. A constante ½ é adi- cionada para que o termo do lado esquerdo represente a razão entre a perda de carga principal e a energia cinética por unidade de massa do escoamento. h V L D f Re e D L 1 2 2 � � � � � � �, Essa função denominamos de fator de atrito de Darcy (f), e podemos escrever: h f L D V L = 2 2 Ou H f L D V gL = . 2 2 Dedicaremos o próximo tópico para a avaliação do com- portamento do fator de atrito. Camila Pacelly Brandão de Araújo 255 b) Fator de atrito O fator de atrito, conforme indicado, é expresso por uma relação funcional do regime de escoamento e das características da tubulação. f f Re e D � � � � � � �, Para determinar o fator de atrito, utiliza-se o Diagrama de Moody. Para tal, deve-se ter o valor do número de Reynolds e a rugosidade relativa e = ε/D. A rugosidade absoluta depende do tipo de material da tubulação e do seu acabamento e representa o valor médio das alturas da rugosidade da parede interna da tubulação. A Figura 111 ilustra esse fenômeno. Figura 111 – Rugosidades em uma tubulação Fonte: adaptado de Alé (2011) O diagrama de Moody apresenta a relação entre a rugosidade relativa de uma tubulação e o regime de escoamento para um esco- amento completamente desenvolvido sob condições conhecidas. 6 Escoamento viscoso 256 Conhecendo-se o número de Reynolds e avaliando-se a rugosidade relativa da tubulação, é possível avaliar o fator de atrito para uma dada condição. A Figura 112 apresenta as regiões de comportamento descritas no diagrama de Moody. Figura 112 – Representação do Diagrama de Moody Fonte: adaptado de Alé (2011) Vários aspectos da Figura 112 merecem discussão. É possível observar que o diagrama de Moody apresenta uma zona laminar (Re < 2000), uma zona crítica (Re de 2000 e 4000), uma zona de transição e uma zona inteiramente rugosa. Nestas zonas, o fator de atrito f apresenta diferentes dependências em relação ao número de Reynolds (Re) e em relação a rugosidade relativa. I) Na zona laminar, o fator de atrito f é independente da rugosidade relativa e inversamente proporcional ao número de Reynolds. Podemos verificar que, nessa situação: f Re = 64 Camila Pacelly Brandão de Araújo 257 II) Na zonacrítica, o fator de atrito apresenta aumentos bruscos. Essa zona crítica para o fator de atrito coincide com a região de transição entre os regimes de escoamento laminar e turbulento. III) Na zona de transição para o fator de atrito (não para os regimes de escoamento!), se pode observar que, para um deter- minado Re, o fator de atrito f diminui conforme a rugosidade relativa diminui. Alternativamente, podemos verificar que, para uma determinada rugosidade relativa, o fator de atrito f diminui ao aumentar o Re até alcançar a zona inteiramente rugosa. IV) Dentro da zona inteiramente rugosa, indicada no diagrama da Figura 112 pela linha tracejada, para uma determinada rugosidade relativa, o fator de atrito f se mantém praticamente como um valor constante, independente do Re. Resumindo a discussão precedente, vimos que o fator de atrito decresce com o aumento do número de Reynolds enquanto o escoamento permanecer laminar. Na transição, f aumenta brus- camente. No regime de escoamento turbulento, o fator de atrito decresce gradualmente e, por fim, nivela-se em um valor constante para grandes números de Reynolds. Assim, concluímos que a perda de carga sempre aumenta com a vazão mássica, e mais rapidamente quando o escoamento é turbulento. Para evitar a necessidade do uso de métodos gráficos na obtenção de f para escoamentos turbulentos, diversas expressões matemáticas foram criadas por ajuste de dados experimentais. A expressão mais usual para o fator de atrito é a de Colebrook: 1 2 3 7 2 51 0 5 0 5f log e D Re . f. .. . 6 Escoamento viscoso 258 Essa equação é implícita em f, mas, atualmente, a maior parte das calculadoras científicas possui programas para resolver equações que podem ser prontamente utilizadas na determinação de f, para uma dada razão de rugosidade e/D e um dado número de Reynolds. Usando um simples processo interativo com algumas inte- rações, é possível alcançar a convergência. Iniciamos com um valor estimado para f no lado direito e, depois de muito poucas iterações, teremos um valor convergido para f com três algarismos significativos. Observando o diagrama de Moody, podemos ver que, para escoamentos turbulentos, f < 0,1; logo, um chute inicial de f = 0,1 poderia ser um bom valor. c) Perda de carga secundária A perda de carga secundária surge devido ao escoamento através de acessórios como válvulas, joelhos, registros e em porções do sistema de área variável, tais como saídas de reservatórios, bocais convergentes e divergentes. Essas perdas serão, em geral, menores que a perda de carga principal e concentradas nas regiões de aces- sórios do escoamento. A depender do equipamento e dos dados disponíveis, duas formas podem ser utilizadas para o cálculo das perdas de carga secundárias. O método dos coeficientes de perda K estabelece o valor desse coeficiente experimentalmente para cada acessório do escoamento: h K Vac = 2 2 Onde K é o coeficiente de perda de carga e V a velocidade média. O coeficiente de perda de carga será maior quanto mais abrupto for o elemento originando zonas de recirculação de fluxo e altos níveis de turbulência, aumentando, dessa forma, a energia dissipada. A tabela 4 mostra o coeficiente de perda e carga de diversos elementos. Camila Pacelly Brandão de Araújo 259 Acessório K Ampliação gradual 0,20 Bocais 2,75 Comporta aberta 1,00 Controlador de vazão 2,50 Cotovelo 90º 0,90 Cotovelo 45º 0,40 Crivo 0,75 Curva 90 0,40 Curva 0,20 Curva 22,5 0,10 Entrada normal 0,50 Entrada de borda 1,00 Existência de derivação 0,03 Junção 0,40 Medidor Venturi 2,50 Redução gradual 0,15 Registro de ângulo aberto 5,0 Registro de gaveta aberto 0,20 Registro de globo aberto 10,00 Saída de canalização 1,00 Tê passagem direta 0,60 Tê saída de lado 1,30 Tê saída bilateral 1,80 Válvula de pé 1,75 Válvula de retenção 2,05 Velocidade 1,00 Tabela 4 – Coeficiente de perda de carga para alguns acessórios comuns Fonte: adaptado de Alé (2011) 6 Escoamento viscoso 260 Já o método dos comprimentos equivalentes, ilustrado na Figura 113, avalia a perda de carga causada pelo elemento em comparação com aquela que o escoamento experimentaria caso o elemento fosse substituído por um dado comprimento de tubulação nas mesmas condições de fluxo. O comprimento equivalente em metros de canalização retilí- nea (Leq) é tabelado segundo o tipo de acessório, o material utilizado e o diâmetro da tubulação. Se substituirmos certo acessório por uma tubulação retilínea com o comprimento igual ao comprimento equivalente (com igual material e diâmetro), ambos originariam a mesma perda de carga. A tabela 5 a seguir mostra o comprimento equivalente adimensional (Leq/D) de diversos acessórios: Figura 113 – Método dos comprimentos equivalentes Fonte: adaptado de Alé (2011) Acessório Leq/D Válvula de globo aberta 340 Válvula de gaveta aberta 8 Válvula de gaveta 3/4 aberta 35 Válvula gaveta 1/2 aberta 160 Válvula gaveta 1/4 aberta 900 Válvula borboleta aberta 45 Válvula esfera aberta 3 Válvula retenção globo 660 Válvula retenção em ângulo 55 Camila Pacelly Brandão de Araújo 261 Acessório Leq/D Válvula de pé com crivo, de disco móvel 75 Cotovelo padronizado 90º 30 Cotovelo padronizado 45º 16 Tê padronizado fluxo direto 20 Tê padronizado fluxo ramal 60 Tabela 5 – Coeficiente de perda de carga para alguns acessórios comuns Fonte: adaptado de Alé (2011) 6.7 Bombas Como dissemos no início das nossas considerações energé- ticas, no fluido viscoso se verifica significativa perda de energia mecânica, entre uma seção e outra no escoamento, em decorrência do atrito e das suas interações com os acidentes presentes na tubulação. Os equipamentos de bombeamento, como bombas e ventiladores ou sopradores servem, também, ao propósito de manu- tenção do fluxo fluido, apesar das perdas durante o escoamento. A força motriz para manter o escoamento contra o atrito é fornecida por uma bomba (para líquidos) ou por um ventilador ou soprador (para gases). Aqui, vamos considerar as bombas, embora todos os resultados sejam igualmente aplicáveis a ventiladores ou a sopradores. Se desconsiderarmos a transferência de calor e as variações na energia interna do fluido (vamos incorporá-las mais tarde, juntamente com a definição de eficiência da bomba), a primeira lei da termodinâmica aplicada através da bomba é 6 Escoamento viscoso 262 Produzindo: Em muitos casos, os diâmetros das tubulações de entrada e de saída são iguais, o que impõe, pela conservação da massa, que as velocidades nas seções de entrada e saída sejam as mesmas (Ventrada = Vsaída), e não se observam variações significativas de elevação ao longo do equipamento de bombeio. Assim: bomba saída entrada ���� Em se tratando de um fluido incompressível: p∆ bomba bomba Podemos expressar esse resultado, também, como: h∆ W m p∆ bomba bomba bomba . . E verificar que o bombeamento proporciona um ganho de energia do fluido na forma de pressão (e não de energia cinética do fluido). Essa constatação advém do fato de a carga cinética, repre- sentada pela velocidade média na seção, permanecer inalterada, em virtude de a seção da tubulação não mudar desde a entrada até a saída da bomba. Camila Pacelly Brandão de Araújo 263 A ideia é que, em um sistema bomba-tubulação, a altura de carga produzida pela bomba (Δhbomba) é usada para superar a perda de carga de toda a tubulação. Portanto, a vazão em tal sistema depende das características da bomba e das perdas de carga maiores e menores da tubulação. Lembrando que a bomba é um equipamento que fornece energia ao fluido e, portanto, deve ser acionada para funcionar. Podemos expressar a sua eficiência de funcionamento relacio- nando a potência por ela desenvolvida (e transferida ao fluido) e o requerimento para o seu funcionamento: bomba bomba entrando W W . . Notamos que, na aplicação da equação da energia a um sistema de tubos, podemos, algumas vezes, escolher os pontos 1 e 2 de modo a incluiruma bomba no sistema. Para esses casos, podemos simplesmente incluir a altura de carga da bomba como uma perda negativa, uma vez que a bomba adiciona energia ao fluido. p gz gz h hLT bomba1 1 2 2 2 2 2 2 6.7.1 Cavitação Uma propriedade dos fluidos de grande importância para a operação de bombeamento é a pressão de vapor ou de saturação do fluido na temperatura da operação. Estamos acostumados a imaginar a mudança de fases de líquido para vapor ocorrendo sempre por um processo de 6 Escoamento viscoso 264 fornecimento de calor ao líquido, até que este ganhe energia sufi- ciente para mudar de fase a uma dada temperatura. A Figura 114, porém, nos mostra que a mudança de fases L-V pode também ocorrer de outra maneira. A Figura 114 representa um diagrama P-v-T para uma substância pura. Nesse diagrama, a porção mais à direita do domo representa a fase de vapor, enquanto a porção mais à esquerda representa a região da fase líquida. Podemos observar que um líquido a uma dada temperatura pode ser par- cialmente vaporizado mediante uma diminuição da pressão do escoamento. Quando, ao diminuir a pressão, o ponto de trabalho cruza a curva de saturação do fluido, verifica-se que o fluido passa a ser uma mistura líquido-vapor. Figura 114 – Diagrama P-v-T para uma substância pura Fonte: adaptado de Moran et al (2018) Assim, se a Psistema < Pvapor em algum ponto do escoamento, são geradas bolhas de vapor ou bolhas de cavitação. Tipicamente, esse é Camila Pacelly Brandão de Araújo 265 um potencial problema que envolve as operações de bombeamento, devido ao fato de se verificar, no interior dos equipamentos, regiões de baixa pressão (necessárias para que o fluido seja succionado). Se a pressão nessas regiões ficar em um valor abaixo do valor de saturação do fluido à temperatura de escoamento, surgirão as bolhas de vapor, as quais implodem na medida que atingem zonas de alta pressão novamente (dentro do próprio equipamento) e criam ondas de choques dentro do fluido. O fenômeno de cavitação é causa comum para a queda de desempenho e até mesmo para a erosão de pás de hélices, de turbinas e de bombas e deve ser evitada porque reduz a eficiência da operação, gera vibrações e ruídos e causa severas avarias. Um critério simples para evitar a ocorrência de cavitação é o de que a carga líquida de pressão disponível na sucção (NPSH – Net Pressure Suction Head) da bomba seja superior a um valor mínimo, o qual está relacionado com a pressão de saturação do fluido. NPSH NPSHdisponível requerido> 6.8 Escoamento viscoso externo Oba! Você chegou até aqui! Está muito orgulhoso de ter chegado ao nosso último tópico em Mecânica dos Fluidos? Eu estou! Agora, começaremos a tratar do escoamento viscoso quando ele ocorre por sobre algum elemento, ou seja, o escoamento externo viscoso! Os escoamentos externos são observados em diversas situações: • na análise do escoamento do ar em torno dos vários com- ponentes de uma aeronave; 6 Escoamento viscoso 266 • no escoamento de um fluido em torno das pás de turbinas; • em torno de automóveis, em edificações, em estádios esportivos, em pilares de pontes; • no projeto das chaminés industriais e nas gotículas de pulverização; • no projeto de submarinos, na previsão da sedimentação de rios, em glóbulos vermelhos do sangue etc. No início deste capítulo, tratamos do caso simples do desen- volvimento de camada-limite em uma placa plana. Esse é o caso de análise mais simples para o escoamento externo. Nessa situação, o fluido tem sua inércia consumida apenas por efeitos viscosos, sendo a velocidade e a quantidade de movimento do fluido determinadas apenas por esses dois parâmetros. A pressão, que normalmente é o principal agente do escoamento, foi admitida como constante para efeito didático na apresentação da camada-limite. Quer retomar um pouco da nossa discussão? Volte para a seção 3.0 para refrescar a memória! Agora trataremos do caso em que existem gradientes de pressão no escoamento externo. A Figura 115 apresenta o esco- amento por sobre um elemento cilíndrico submerso quando os efeitos viscosos são desprezados (a) e considerados (b). Camila Pacelly Brandão de Araújo 267 Figura 115 – Escoamento por sobre um objeto cilíndrico submerso Fonte: adaptado de Fox (2008) Ao contrário do caso de placa plana, a seção disponível para o escoamento do fluido é reduzida pela disposição do cilindro, a qual força o fluido a se desviar dele, mesmo para o escoamento de fluido ideal (a). É possível observar que as linhas de corrente se aproximam na medida que o fluido se desvia do tubo. Como vimos anteriormente, quando isso ocorre, inferimos o aumento da velocidade do escoamento, já que as linhas de corrente são sempre tangentes ao vetor velocidade e, por definição, não há escoamento por meio delas. Na perspectiva da equação de Bernoulli, para o escoamento invíscido entre dois pontos ao longo de uma linha de corrente, um aumento da velocidade corresponde sempre a um decréscimo da pressão no escoamento de fluido ideal. Para o escoamento em análise, a pressão apresenta um valor máximo no ponto A da Figura 115a e decresce até atingir o menor valor, quando a velocidade é máxima, no ponto B. A pressão volta a crescer entre os pontos B e C, retornando o valor máximo do ponto A e o escoamento torna-se simétrico em relação aos eixos x e y. 6 Escoamento viscoso 268 Muito embora a relação entre a pressão e a velocidade não seja descrita pela mesma equação, qualitativamente observa-se o mesmo comportamento da pressão em torno do cilindro sob a carga do fluido real da Figura 115b. A pressão também cresce entre os pontos B e D, mas não atinge o valor máximo verificado no ponto de estagnação A. Essa diferença de pressão entre as faces anterior e posterior do corpo submerso que faz surgir uma força que tende a arrastar o cilindro na direção do escoamento é conhecida como força de arrasto. A consideração da natureza viscosa do escoamento também impõe ao processo a formação de uma camada-limite a partir do ponto de estagnação A. Essa camada-limite, inicialmente laminar, cresce, similarmente ao observado para o caso da placa plana, até se tornar instável em determinado ponto onde qualquer perturbação (ruído, vibração ou transferência de calor) pode concorrer para sua transição para o regime turbulento. Este fenômeno é identificado pelo ponto B na Figura 115b e esse ponto é denominado de ponto de transição. A camada-limite turbulenta mantém-se desenvolvendo até que ocorre o fenômeno do descolamento em algum ponto posterior (D). O descolamento da camada-limite pode ser analisado consi- derando-se uma partícula fluida no interior da camada-limite entre os pontos A e D. Entre A e B, a partícula com uma certa quantidade de movimento é impulsionada pela diferença favorável de pressão entre estes pontos para vencer a resistência viscosa ao seu escoamento. Entre os pontos B e D, no entanto, ambas a diferença de pressão e a força de atrito viscoso reúnem-se para impedir que a partícula escoe entre esses pontos. Como a partícula já não dispõe de inércia suficiente para vencer este duplo campo contrário ao movimento, a partícula é desacelerada até o repouso e passa a deslocar-se segundo a orientação D-B, caracterizando o descolamento designado pelo ponto B na ilustração. Camila Pacelly Brandão de Araújo 269 Após o descolamento, o escoamento torna-se completamente desordenado e ocorre a formação da esteira de vórtices, que perdura até que a turbulência seja amortecida por efeitos viscosos. 6.9 Escoamento Fluido em torno de corpos submersos Agora que já entendemos como ocorre a formação de uma camada-limite sobre um objeto submerso, vamos analisar as forças que sobre ele irão atuar em decorrência desse escoamento? Inicialmente, devemos ter em mente que, sempre que houver movimento relativo entre um corpo sólido e o fluido viscoso que o circunda, o corpo experimentará uma força resultante.O módulo dessa força poderá depender de muitos fatores – certamente da velocidade relativa, mas também da forma e do tamanho do corpo, e das propriedades do fluido (ρ, μ etc.). Conforme o fluido escoa em torno do corpo, ele gerará tensões superficiais sobre cada elemento da superfície, e é isso que fará aparecer a força resultante. Suponha a ação de uma força resultante conforme ilustrado na Figura 116, atuando sobre um objeto de forma qualquer sub- merso em um fluido viscoso que escoa. Essa força resultante pode ser decomposta em duas com- ponentes: uma na direção do movimento (FD – Força de arrasto) e uma na direção perpendicular (FL – Força de sustentação) ao movimento do fluido. � F F FR D L� � 6 Escoamento viscoso 270 Da geometria do processo, podemos inferir que: F F cosD R� � �� E F FL R� � �� � Figura 116 – Força resultante no escoamento externo viscoso Fonte: adaptado de Çengel (2008) Tendo em vista que as tensões superficiais atuantes sobre o objeto submerso são compostas de tensões tangenciais (devido à ação viscosa) e de tensões normais (devido à pressão local), podemos escrever: dF PdAcoscos da senD � � � �� � �� � �� � � dF PdA dacosL � � � �� � �� � �� � Camila Pacelly Brandão de Araújo 271 Se imaginarmos uma placa plana horizontal, como a descrita na Figura 117, podemos observar que a força de arrasto será depen- dente somente da contribuição dos efeitos cisalhantes (θ = 90°). F dF PdAcoscos da senD D dA� � � � �� � �� � � � �� � � Se, ao contrário, a placa plana tem orientação vertical, a força de arrasto será dependente exclusivamente da componente relativa às tensões normais (P) (θ = 0°). Figura 117 – Avaliação da força de arrasto sobre uma placa plana horizontal e vertical Fonte: adaptado de Çengel (2008) Dividimos, portanto, a força de arrasto em duas compo- nentes: o arrasto de atrito e o arrasto de pressão. F F FD D atrito D pressão� �,� ,� 6 Escoamento viscoso 272 Resumo Neste capítulo, utilizamos a equação de conservação do momento linear e a Lei da Viscosidade de Newton para descrever o escoamento viscoso laminar em termos quantitativos e descrevê-lo completamente. Para o escoamento turbulento, por não haver uma expressão tal como a de Newton, utilizamos a ferramenta de análise dimensional para descrever a perda de energia mecânica em um escoamento viscoso. Em seguida, relacionamos a perda de carga ao fator de atrito e apresentamos formas de estimá-lo: por meio do diagrama de Moody e de correlações empíricas. Aplicamos a equação de conservação para um escoamento viscoso para descrevermos o comportamento de bombas e fizemos análise similar para o escoamento externo viscoso; descrevemos as forças de arrasto e de sustentação que surgem nesse tipo de escoamento. Também descrevemos o arrasto de atrito e de pressão e os calculamos. Exercícios 1) Em um conjunto cilindro-pistão, uma região de alta pressão é criada. O diâmetro do pistão é 8mm e ele penetra 50mm no cilindro. A folga radial entre o pistão e o cilindro é de 0,3mm. O óleo SAE 10W a 350°C (viscosidade absoluta = 0,04 N.s/m²) é utilizado como fluido de lubrificação nessa folga. Considere que o escoamento de óleo nessas condições é laminar e despreze deformações elásticas do pistão e do cilindro causadas pela pres- são. Estime a vazão por unidade de largura para uma pressão no cilindro de 500 MPa. Camila Pacelly Brandão de Araújo 273 2) Um mancal de deslizamento selado é formado por cilin- dros concêntricos. Os raios interno e externo são 25 e 26mm, respectivamente, o comprimento do cilindro interno é 100mm e ele tem velocidade angular de 2800 rpm. A folga radial é preenchida com óleo em movimento laminar. Considerando que o perfil de velocidade é linear através da folga e que o torque necessário para girar o cilindro interno é 0,03 N.m., estime a viscosidade do óleo. 3) Um medicamento líquido, com a viscosidade e a massa específica da água, deve ser administrado através de uma agulha hipodérmica. O diâmetro interno da agulha é de 0,25mm e o seu comprimento é de 50mm. Sabendo que, em valores de Reynolds até o valor de 2100, o escoamento é laminar, determine: (a) A máxima vazão em volume para o qual o escoamento será laminar; (b) A queda de pressão requerida para fornecer a vazão máxima. 4) Perda de carga pode ser definida como sendo a perda de energia que o fluido sofre durante o escoamento viscoso. Representa a perda de energia mecânica em um escoamento viscoso devido ao atrito entre o fluido e a tubulação e pode ter sua magnitude variável em função de características geométricas do escoamento, das propriedades do fluido e das condições de fluxo de fluido. A respeito disso, julgue os seguintes itens como verdadeiros ou falsos. Justifique suas escolhas. ( ) A perda de carga da válvula de retenção é igual à perda de carga da válvula de gaveta. ( ) Para duas tubulações de mesmo material, de mesmo comprimento e de mesmo diâmetro, a perda de carga é maior no tubo em que se observa a menor vazão. 6 Escoamento viscoso 274 ( ) O regime de escoamento (laminar ou turbulento) não influencia na perda de carga que ocorre no escoamento de um fluido através de uma tubulação. ( ) A perda de carga ao longo de um tubo de uma insta- lação predial depende do comprimento, do diâmetro interno, da espessura e da rugosidade da superfície interna do tubo. ( ) A perda de carga de um fluido ao longo de uma tubulação é proporcional ao quadrado da sua vazão. 5) Osborne Reynolds, por meio de experimentos, verificou que fluidos reais (viscosos) escoam em regimes caracterizados como laminar ou turbulento. Sabendo que o fluido escoa em regime laminar, sendo a massa específica do fluido de 1800kg/m³, viscosi- dade de 0,20kg/m.s, ao longo de 10m da tubulação com diâmetro de 2cm e o regime de escoamento obedece a função de velocidade para qualquer valor do raio do tubo v (r) = 8 (1 - (r/R)²), determine o número de Reynolds e a vazão volumétrica em m³/h. Calcule o comprimento de entrada e esquematize abaixo a camada -limite de uma tubulação e a região onde o escoamento se apresenta com o regime plenamente em desenvolvimento. Determine a tensão de cisalhamento na parede da tubulação. 6) O petróleo bruto recém-extraído do pré-sal apresenta peso específico de 8500N/m³ e viscosidade dinâmica de 4.10-3 Pa.s. Esse óleo deve escoar em um oleoduto de 1,2m de diâmetro em uma tubulação rugosa (ε = 0,091mm). Determine a tensão de cisalhamento na parede da tubulação de 300 metros de compri- mento, onde o fluido escoa a uma velocidade média igual a 3,0 m/s. A velocidade para r = R/2,5. Camila Pacelly Brandão de Araújo 275 7) Numa certa instalação de ar-condicionado, é requerida uma vazão de 35m³/min de ar nas condições padrão. Um duto quadrado fabricado em chapa de aço fina (e = 0,045mm), com 0,3m de lado, deve ser usado. Determine a queda de pressão para um trecho de 30m de um duto horizontal. Considere a massa específica do ar sendo 1,23kg/m³ e sua viscosidade dinâmica de 1,45.10-5Pa.s. 8) Em um campo de exploração, água para resfriamento de perfuratrizes de rocha é bombeada em uma tubulação de alumínio com rugosidade de 1,5.10-6m de um reservatório para o local da perfuração, conforme a figura abaixo. A vazão deve ser de 40L/s e a água (ρ = 1000kg/m³ e υ = 8.10-7m²/s) deve deixar o tubo com uma velocidade de 37m/s. a) Calcule o número de Reynolds e determine o fator de atrito usando a Equação de Colebrook e pelo gráfico de Moody; b) calcule a perda de carga distribuída e a perda de carga localizada e, c) determine a potência de acionamento da bomba com um rendimento de 80%. 6 Escoamento viscoso 276 9) A esfera mostrada na figura abaixo apresenta diâmetro e massa iguais a 51mm e 64g. Observe que a esfera está sendo sustentada por um jato de ar. O coeficiente de arrasto da esfera vale 0,5. Determine a pressão indicada no manômetro, considerando que os efeitos gravitacionais e os devidosao atrito são desprezíveis no escoamento entre a seção onde está instalado o manômetro e a seção de descarga do bocal. 10) Um caminhão, com massa total igual a 22,7 toneladas, perde o freio e desce a ladeira de concreto indicada na figura abaixo. A velocidade terminal do caminhão, V, é determinada pelo equilíbrio das forças peso, pela resistência ao rolamento e pelo arrasto aerodinâmico. Admita que a resistência ao rolamento é igual a 1,2% do peso do caminhão e que o coeficiente de arrasto é 0,96 quando o defletor de ar montado na cabine não está presente e 0,70 quando o defletor está presente. Determine a velocidade terminal do caminhão nestas duas situações. Lista de figuras Figura 1 – Escopo da Mecânica dos Fluidos...................................................8 Figura 2 – Estados físicos da matéria e forças intermoleculares................9 Figura 3 – Alguns tipos de esforços mecânicos aplicados a um material...9 Figura 4 – Comportamento de sólidos e fluidos frente a um esforço cisalhante................................................................................................10 Figura 5 – Métodos de descrição do escoamento de fluidos........................13 Figura 6 – A hipótese do contínuo e a determinação da massa específica...14 Figura 7 – Sala de aula hipotética e regiões de massa específica distintas no domínio...........................................................................................................16 Figura 8 – Forças atuantes sobre um meio contínuo..................................19 Figura 9 – Componentes da força e das tensões sobre o elemento de área orientado conforme os eixos coordenados x, y, z........................................20 Figura 10 – Estado de tensões de uma partícula fluida e tensor de tensões....20 Figura 11 – Escoamento de um fluido entre duas placas planas paralelas...21 Figura 12 – Comportamento reológico de fluidos newtonianos e não newtoniano...................................................................................................25 Figura 13 – Comportamento da viscosidade de fluidos em função da temperatura..................................................................................26 Figura 14 – Alguns exemplos de efeitos da tensão superficial.................27 Figura 15 – Forças não balanceadas na superfície de um líquido...........28 Figura 16 – Ângulo de contato para avaliação da molhabilidade de um fluido sobre uma superfície..............................................................................28 Figura 17 – Estimativa da altura de um menisco de um dado fluido....29 Figura 18 – Efeito capilar para água e para o mercúrio.............................29 Figura 19 – Dependência do campo de velocidades e classificação com respeito às coordenadas espaciais...................................................................32 Figura 20 – Regimes de escoamento interno de fluidos............................33 Figura 21 – Trajetórias de partículas em escoamentos laminar e turbulento unidimensionais.................................................................................................................34 Figura 22 – Razão de pesos específicos inicial e final com respeito ao Ma....34 Figura 23 – Configurações espaciais do escoamento......................................35 Figura 24 – Linhas de tempo como forma de visualização de um escoamento.....36 Figura 25 – Linhas de trajetória..................................................................................36 Figura 26 – Linhas de emissão....................................................................................37 Figura 27 – Linhas de corrente desenhadas para uma região de um escoamento..37 Figura 28 – Ilustração de uma linha de corrente e sua relação com os compo- nentes do campo de velocidades..............................................................................38 Figura 29 – Elemento prismático triangular e forças sobre ele atuantes...........43 Figura 30 – Aplicação do Princípio de Pascal em um elevador mecânico........45 Figura 31 – Elemento fluido infinitesimal em um sistema de coordenadas cartesianas.............................................................................................................45 Figura 32 – Princípio de Stevin..................................................................................48 Figura 33 – Considerações na obtenção da equação geral da estática........49 Figura 34 – Variação de pressão no interior de uma massa fluida......................50 Figura 35 – Relação linear da pressão com a profundidade em uma massa de fluido incompressível........................................................................................51 Figura 36 – Variação de temperatura com a altitude na atmosfera-padrão nos Estados Unidos...........................................................................................................53 Figura 37 – Níveis de pressão....................................................................................54 Figura 38 – Barômetro................................................................................................55 Figura 39 – Tubo piezométrico...............................................................................56 Figura 40 – Tubo em U.............................................................................................57 Figura 41 – Medição de diferenças de pressão usando um tubo em U...........58 Figura 42 – Manômetro de tubo inclinado...............................................................59 Figura 43 – Manômetro de Bourdon.........................................................................60 Figura 44 – Transdutor de pressão.........................................................................61 Figura 45 – Distribuição da pressão em uma superfície horizontal plana.....63 Figura 46 – Distribuição da carga de pressão hidrostática em uma superfície plana vertical.............................................................................................................63 Figura 47 – Superfície plana inclinada e a composição de força..................64 Figura 48 – Determinação do centro geométrico de uma superfície.................65 Figura 49 – Coordenadas do centro geométrico e o momento de inércia de algumas figuras.........................................................................................................68 Figura 50 – Determinação da força hidrostática em superfícies curvas submersas...........................................................................................................69 Figura 51 – Determinação da força hidrostática em superfície está acima do líquido...............................................................................................................70 Figura 52 – Exemplos de situação em que o empuxo pode ser verificado.......70 Figura 53 – Empuxo sofrido por um elemento submerso.........................71 Figura 54 – Estabilidade de embarcações......................................................73 Figura 55 – Abordagem por sistemas versus abordagem por volume de controle............................................................................................................................79 Figura 56 – Representação do volume de controles e superfície de controle em uma tubulação...................................................................................................79 Figura 57 – Convenção de sinais para a Primeira Lei da Termodinâmica.........82 Figura 58 – Porção de fluido em escoamento nos instantes t0 (a) e t0 + ∆t (b).......85 Figura 59 – Vista ampliada da sub-região III.......................................................87 Figura 60 – Avaliação do produto escalar..................................................................88 Figura 61 – Representação da conservação da massa para um V.C...........91 Figura 62 – Volume de controle fixo.....................................................................94Figura 63 – Volume de controle em movimento uniforme...............................95 Figura 64 – Trabalho realizado sobre o volume do controle.................................97 Figura 65 – Regiões de escoamento viscoso e não viscoso de um escoamento sobre um aerofólio....................................................................................................102 Figura 66 – Funcionamento de um dispositivo Tubo de Pitot para medição de velocidades..........................................................................................................104 Figura 67 – Análise integral para um V.C..........................................................109 Figura 68 – Análise diferencial................................................................................109 Figura 69 – Transformação das equações integrais para a formulação diferencial.........................................................................................................................111 Figura 70 – Elemento infinitesimal e respectivas componentes da velocidade e valores de massa específica e pressão....................................................................111 Figura 71 – Expansão em série de Taylor para o produto componente da velocidade em cada direção...................................................................................112 Figura 72 – Manipulação matemática para conservação da massa diferencial...................................................................................................................113 Figura 73 – Volume de controle infinitesimal em coordenadas cilíndricas..115 Figura 74 – Conservação da massa em coordenadas cilíndricas - avaliação de termos.......................................................................................................................115 Figura 75 – Componentes do movimento de uma partícula fluida........116 Figura 76 – Translação de uma partícula fluida.....................................................117 Figura 77 – Aceleração da partícula fluida.......................................................118 Figura 78 – Aceleração convectiva em um escoamento em regime permanente..119 Figura 79 – Deformação linear pura de uma partícula fluida........................120 Figura 80 – Diferenças de velocidade ao longo da direção x para uma partícula fluida.....................................................................................................................121 Figura 81 – Rotação pura da partícula fluida em torno do eixo z....................122 Figura 82 – Rotação de uma partícula fluida em torno de z........................123 Figura 83 – Variação de valores da componente v da velocidade.....................124 Figura 84 – Partícula fluida em deformação angular pura...........................126 Figura 85 – Decomposição da força de campo gravitacional para uma partícula fluida........................................................................................................129 Figura 86 – Tensões em cada uma das faces da partícula fluida para a direção X...............................................................................................................130 Figura 87 – Composição de forças de campo e superfície e suas componentes para uma partícula fluida.....................................................................................131 Figura 88 – Somatório de Forças atuando sobre uma partícula fluida......132 Figura 89 – Dimensão versus unidade de medida......................................139 Figura 90 – SI e suas grandezas e unidades básicas.............................................140 Figura 91 – Homogeneidade dimensional na soma de frutas.............................141 Figura 92 – Experimentação envolvida no estudo do escoamento ao redor de uma esfera..........................................................................................................142 Figura 93 – Descrição dos experimentos e dados para o problema do esco- amento ao redor da esfera.....................................................................................142 Figura 94 – Relação entre arrasto e nº de Reynolds para o escoamento sobre uma esfera..................................................................................................146 Figura 95 – Critério de similaridade geométrica................................................147 Figura 96 – Critério de similaridade cinemática.................................................147 Figura 97 – Critério de similaridade dinâmica.....................................................148 Figura 98 – Característica viscosa dos fluidos newtonianos em um escoa- mento laminar entre placas planas.......................................................................156 Figura 99 – Experimento de Reynolds e regimes de escoamento para tubos....157 Figura 100 – Desenvolvimento de camada-limite sobre uma placa plana...158 Figura 101 – Aspectos qualitativos do escoamento interno viscoso......160 Figura 102 – Elemento infinitesimal para análise do escoamento viscoso incompressível......................................................................................................162 Figura 103 – Elemento infinitesimal e forças atuantes sobre o V.C...............163 Figura 104 – Distribuição de tensão de cisalhamento e perfil de velocidades em uma seção do escoamento...............................................................................164 Figura 105 – Diferenças de pressão ao longo do escoamento em uma tubulação...164 Figura 106 – Comportamento da velocidade no escoamento turbulento......169 Figura 107 – Tensão cisalhante para o escoamento laminar (esquerda) e turbulento (direita)................................................................................................169 Figura 108 – Distribuição da tensão cisalhante em uma seção transversal para o escoamento turbulento...............................................................................171 Figura 109 – Relação entre o número de Reynolds e o expoente n da lei de potência.......................................................................................................172 Figura 110 – Efeito do número de Reynolds sobre o perfil de velocidades......172 Figura 111 – Rugosidades em uma tubulação..................................................178 Figura 112 – Representação do Diagrama de Moody.......................................179 Figura 113 – Método dos comprimentos equivalentes..................................181 Figura 114 – Diagrama P-v-T para uma substância pura...............................184 Figura 115 – Escoamento por sobre um objeto cilíndrico submerso.............186 Figura 116 – Força resultante no escoamento externo viscoso.........................188 Figura 117 – Avaliação da força de arrasto sobre uma placa plana horizontal e vertical...............................................................................................................189 Lista de símbolos ρ – massa específica (kg/m³) σ – tensão normal (N/m²) τ – tensão cisalhante (N/m²) η – viscosidade aparente μ – viscosidade absoluta (Pa.s) ω – velocidade angular (rad/s) δ – espessura da camada limite ν – viscosidade cinemática (m²/s²) – Campo de velocidade ∀∀ - Volume (m³) SG – Densidade relativa d – Densidade absoluta γ – peso específico (N/m³) v – volume específico (m³/kg) Fs – Forças de superfície (N) FB – Forças de campo (N) – Taxa de realização de trabalho (W) eixo – Taxa de realização de trabalho de eixo (W) normal – Taxa de realização de trabalho pelas tensões normais (W) cisalhamento – Taxa de realização de trabalho pelas tensões cisalhantes (W) outros – Taxa de realização de trabalho por outras fontes (W) Referências ALÉ, Jorge A. Villar. MECÂNICA DOS FLUIDOS, Curso Básico, Porto Alegre, 2011. 209p. BRUNETTI, Franco. Mecânica dos fluidos. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008, 431p. ÇENGEL, Yunus A. et al. Mecânica dos fluidos: fundamentos e aplicações.São Paulo: McGraw-Hill, 2007, 816p. ISBN: 9788586804588. DERIVADA. In: WIKIPEDIA, 2021. Disponível em <https:// pt.wikipedia.org/wiki/Derivada> Acesso em: 20 mar. 2020. DUARTE, Raimundo N. C. Mecânica dos Fluidos Aplicada – Volume A - Caderno de texto. Campina Grande: 1997. FOX, Robert W.; MCDONALD, Alan T.; PRITCHARD, Philip J. Introdução à mecânica dos fluidos. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora LTDA., 2011. 710p. ISBN: 9788521617570. MAGALHÃES, C. O Sistema Internacional de Unidades (SI), Rev. Ciência Elem., V9(01):003. doi.org/10.24927/rce2021.003, 2021. MORAN, Michael J., SHAPIRO, Princípios de termodinâmica para engenharia. 6ª. ed. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora LTDA., 2009, 800p. 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Atualmente, é Professora Adjunta do Magistério Superior na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), atuando na disciplina de Mecânica dos Fluidos para a Escola de Ciência e Tecnologia e na linha de pesquisa de Fluidodinâmica Computacional aplicada à escoamentos hiper- sônicos para a área de Engenharia Aeroespacial e com Processos Químicos e Catálise, com ênfase em Reatores Heterogêneos para o Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química da UFRN.