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PRINCÍPIOS DOS CUIDADOS PALIATIVOS Karine Mendonça Rodrigues Cuidados paliativos no Brasil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar quando os cuidados paliativos começaram a despontar no Brasil. � Analisar a situação atual do Brasil em relação aos serviços de cuidados paliativos. � Relacionar a classificação dos países de acordo com nível de desen- volvimento em cuidados paliativos da Organização Mundial da Saúde. Introdução O interesse por entender e melhor atender os pacientes com doenças sem possibilidade de cura ou terminalidade se apresenta como um desafio e um paradigma importante para profissionais da saúde. Por essa razão, compreender como os cuidados paliativos se estabeleceram no Brasil, após seu surgimento na Inglaterra, é o ponto de partida para que profissionais da saúde brasileiros saibam como lidar e executar as melhores práticas assistenciais nessa área. Neste capítulo, você conhecerá a história dos cuidados paliativos no Brasil desde suas primeiras iniciativas até os dias atuais. Cuidados paliativos no Brasil: fatos cronológicos No Brasil, na década de 1970 os cuidados paliativos começaram a ser discutidos. Porém, apenas nos anos de 1990 é que surgiram os primeiros serviços organizados, embora ainda como projetos “piloto”. A referência nesse momento no Brasil foi o Professor Marco Túlio de Assis Figueiredo, que criou os primeiros cursos e atendimentos com a filosofia paliativista na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM). A primeira tentativa de reunião entre paliativistas brasileiros aconteceu em 1997, com a fundação da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP) pela psicóloga Ana Geórgia de Melo. Além da experiência na UNIFESP, outro serviço importante e pioneiro no Brasil foi do Instituto Nacional do Câncer (INCA), do Ministério da Saúde, que inaugurou, em 1998, o Hospital Unidade IV, exclusivamente dedicado aos cuidados paliativos. Contudo, atendimentos a pacientes com doenças ameaçadoras da vida já eram realizados no Brasil desde 1986. Em dezembro de 2002, o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE/SP) inaugurou uma enfermaria de cuidados paliativos, coorde- nada pela Dra. Maria Goretti Sales Maciel. O programa, no entanto, já existia há dois anos. Ainda em São Paulo, outro serviço pioneiro foi do Hospital do Servidor Público Municipal, coordenado pela Dra. Dalva Yukie Matsumoto, com início em 2001, mas inaugurado somente em junho de 2004. Em 2005, um grupo de médicos fundou a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Com a ANCP, avançou a regularização profissional, estabeleceram-se critérios de qualidade para os serviços de cuidados pa- liativos, realizaram-se definições precisas sobre que era ou não cuidados paliativos e levou-se a discussão para o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB). Em 2009, o Instituto Paliar começou a realizar cursos de capacitação e formação em cuidados paliativos, liderados pelas Dras. Dalva Yukie Matsu- moto e Maria Goretti Sales Maciel e pelo Dr. Ricardo Tavares de Carvalho. No mesmo ano, pela primeira vez na história da medicina no Brasil, o CFM incluiu, em seu novo Código de Ética Médica, os cuidados paliativos como princípio fundamental. Em 2010, a Medicina Paliativa foi reconhecida como área de atuação médica pelo CFM e pela AMB. O primeiro exame de proficiência foi realizado em julho de 2011. Também em 2011, o Hospital das Clínicas da Faculdade Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) consolidou o seu Grupo de Cuidados Paliativos, coordenado pelo Dr. Ricardo Tavares de Carvalho. Em outubro de 2012, a ANCP se tornou parceira oficial do World Hospice and Palliative Care Day (Dia Mundial de Cuidados Paliativos), celebrado anualmente. Cuidados paliativos no Brasil2 Em 2012, a ANCP lançou a segunda edição do Manual de Cuidados Paliativos ANCP, que você pode acessar no link a seguir. https://goo.gl/j795J2 Em 2013, foram oferecidas as primeiras vagas para residência em Medicina Paliativa no Brasil. Os serviços pioneiros foram o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE/SP), o Instituto de Medicina Integral Fernando Figueira (IMIP/PE) e o Hospital das Clínicas de Porto Alegre da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA/UFRGS). Em um panorama geral brasileiro, as atividades relacionadas aos cuidados paliativos ainda precisam ser regularizadas na forma de lei. Há desconheci- mento, tabus e paradigmas quanto aos cuidados paliativos, principalmente entre profissionais de saúde, gestores hospitalares e o poder judiciário. Ainda se confunde assistência paliativa com eutanásia e há um notório preconceito em relação ao uso de opioides e outras analgesias. Ainda há mais demanda de paciente em cuidados paliativos do que serviços que possam assumi-los. Esses serviços requerem modelos padronizados de atendimento que garantam sua eficácia e qualidade. Tem-se, também, uma lacuna na for- mação dos profissionais de saúde em cuidados paliativos, devido à ausência de disciplinas na graduação e à pouca oferta de cursos de especialização e pós-graduação na área. As equipes multiprofissionais de cuidados paliativos podem ajudar os pacientes e suas famílias no suporte integral à saúde, controlando os sintomas físicos e psíquicos, no âmbito social, espiritual e promovendo qualidade de vida. Situação atual do Brasil em relação aos serviços de cuidados paliativos Segundo a Worldwide Hospice Palliative Care Alliance, organização não governamental internacional que pesquisa sobre o desenvolvimento dos cuidados paliativos e hospices no mundo, em apenas 20 países os cuidados paliativos estão bem integrados ao sistema de saúde, e o Brasil não está entre eles (SITUAÇÃO..., 2018). 3Cuidados paliativos no Brasil Segundo um levantamento de 2017 realizado pela ANCP, no Brasil existem aproximadamente 150 equipes especializadas em cuidados paliativos. O que surpreende é que o país possui mais de 5 mil hospitais, a metade deles tendo mais de 50 leitos. Atualmente, a demanda por atendimento de cuidado paliativo é muito superior à oferta disponibilizada. De acordo com Classificação Internacional de Doenças (CIDs) e conforme estudo publicado em 2017 (ANCP) estima-se que de 24% a 68% dos óbitos registrados no Brasil teriam necessidades de cuidados paliativos. Em números absolutos, referentes aos 1.227.039 óbitos registrados no Brasil, no ano de 2014, entre 294.489 e 834.387 pessoas por ano teriam necessidades de cuidados paliativos no país (OS CUIDADOS..., 2018). O jornal Folha de São Paulo realizou uma matéria sobre panorama atual dos cuidados paliativos no Brasil, como você pode ler no link a seguir. https://goo.gl/CSE54W Classificação da Organização Mundial de Saúde De acordo com a Worldwide Palliative Care Alliance (2014), ainda que mais de 100 milhões de pessoas se beneficiem de cuidados paliativos anualmente (incluindo familiares e cuidadores), menos de 8% que precisam desse tipo de assistência têm seu acesso de fato garantido. Infelizmente, a formação em cuidados paliativos é raramente incluída no currículo educacional dos profissionais de saúde. Além disso, a disponibilidade de drogas para dor — o tópico mais básico quando se fala em minimizar sofrimento dos pacientes — é lamentavelmente inadequada na maior parte do mundo, muitas vezes, devido a preocupações relativas ao seu uso ilícito e ao tráfico de drogas (WORLDWIDE PALLIATIVE CARE ALLIANCE, 2014). O Economist Intelligence Unit, comissionado pela Lien Foundation — uma organização filantrópica de Singapura — elaborou um índice de qualidade de morte, posicionando cada país em relação à sua provisão de cuidados ao final Cuidados paliativos no Brasil4 da vida, a partir dos escores obtidos. O primeiro relatório foipublicado em 2010 e mediu o desenvolvimento atual da assistência prestada nos cuidados ao final da vida em 40 países. Foram incluídos aspectos quantitativos e qualitativos, procurando incluir aspectos éticos e sociais relacionados ao processo de morrer e envolvendo quatro categorias relacionadas aos cuidados no final da vida: � ambiente da assistência em saúde; � disponibilidade de cuidados; � custos; � qualidade. O Brasil ocupou a 38º posição em qualidade de morte. Vale ressaltar, entretanto, que a pesquisa incluiu um número limitado de países e que, pos- sivelmente, esses países estão em posições mais favoráveis se comparados a seus pares. Em 2015, o The Economist publicou um segundo relatório, mais atualizado, incluindo 80 países, e o Brasil passou a ocupar a 42º posição. Reino Unido e Austrália configuram os países com melhor índice de qualidade de morte em ambos os relatórios. Lima (2009 apud GOMES; OTHERO, 2016) ressalta que os programas de cuidados paliativos variam internacionalmente. Cada país tem adotado dife- rentes modelos, devido a diferenças em sua situação socioeconômica, políticas de saúde e necessidades de pacientes e seus familiares. Segundo a autora, nos pacientes em desenvolvimento, os programas ainda são pouco conectados com as políticas locais de saúde, e a assistência é centrada nos cuidados de final de vida. Limitações econômicas e pouca formação de recursos humanos são as duas principais razões apontadas em seu estudo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica os países em quatro grupos, de acordo com seu nível de desenvolvimento em cuidados paliativos. Segundo os dados de 2014, o Brasil está incluído no nível 3a, juntamente com Rússia, México, países do Sudeste Asiático, entre outros (WORLDWIDE PALLIATIVE CARE ALLIANCE, 2014). Os níveis de classificação são: � Nível 1 — nenhuma atividade detectada. � Nível 2 — em capacitação. � Nível 3a — provisão isolada. � Nível 3b — provisão generalizada. � Nível 4a — integração preliminar. � Nível 4b — integração avançada. 5Cuidados paliativos no Brasil Os serviços de cuidados paliativos podem ser providos em diferentes modelos: hospitais exclusivos (tradução em português para o termo hospice), enfermarias em hospitais gerais, equipe interconsultora, ambulatório, assis- tência domiciliar, hospedarias e hospital-dia. Galriça Neto (2010) recomenda que não há um modelo único e ideal para a prestação dos cuidados, devendo ser determinado com base nas necessidades e recursos locais. Entretanto, a existência de equipes de referência e de equipes de apoio ou suporte é fun- damental, bem como a necessidade de formação de todos os profissionais de saúde para prestar medidas paliativas básicas, denominadas ações paliativas. Assista aos vídeos disponíveis nos links a seguir para mais informações sobre as unidades de cuidados paliativos. https://goo.gl/EUBwZd https://goo.gl/MJeXVN GALRIÇA NETO, I. (Coord.). Cuidados paliativos: testemunhos. Lisboa: Alêtheia, 2010. 220 p. GOMES, A. L. Z.; OTHERO, M. B. Cuidados Paliativos. Estudos Avançados, São Paulo, v. 30, n. 88, p. 155-166, 2016. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/ view/124275>. Acesso em: 2 nov. 2018. OS CUIDADOS paliativos no Brasil. Portal Hospitais Brasil, São Paulo, 17 jan. 2018. Dis- ponível em: <http://portalhospitaisbrasil.com.br/os-cuidados-paliativos-no-brasil/>. Acesso em: 2 nov. 2018. SITUAÇÃO dos cuidados paliativos no Brasil. Snif Doctor, São Paulo, 17 jan. 2018. Disponível em: <http://www.snifdoctor.com.br/noticias.php?id=8444>. Acesso em: 2 nov. 2018. WORLDWIDE PALLIATIVE CARE ALLIANCE. Global atlas of palliative care at the end of life. London: Worldwide Palliative Care Alliance, 2014. 111 p. Disponível em: <http://www. thewhpca.org/resources/global-atlas-on-end-of-life-care>. Acesso em: 2 nov. 2018. Cuidados paliativos no Brasil6 Leituras recomendadas ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS. Panorama dos cuidados paliativos no Brasil. São Paulo: out. 2018. Disponível em: <https://paliativo.org.br/wp-content/ uploads/2018/10/Panorama-dos-Cuidados-Paliativos-no-Brasil-2018.pdf>. Acesso em: 2 nov. 2018. CAMPBELL, M. L. Cuidados paliativos em enfermagem: nurse to nurse. Porto Alegre: AMGH; Artmed, 2011. 296 p. CARVALHO, R. T. et al. (Ed.). Manual da residência de cuidados paliativos: abordagem multidisciplinar. Barueri: Manole, 2018. 1056 p. CARVALHO, R. T.; PARSONS, H. A. (Orgs.). Manual de cuidados paliativos ANCP: ampliado e atualizado. 2. ed. 2012. Rio de Janeiro: ANCP, 2012. Disponível em: <http://biblioteca. cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/Manual-de-cuidados-paliativos-ANCP.pdf>. Acesso em: 24 out. 2018. DEL RÍO, M. I.; PALMA, A. 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