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O CONTADOR E A ÉTICA PROFISSIONAL AULA 1 Profª Daiane Lolatto 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, será estudada a definição de ética, moral e direito, suas diferenças e semelhanças. Serão abordadas ainda a tomada de decisões na relação entre o legal e o moral, a formação moral de uma entidade corporativa, a entidade e a disseminação da cultura ética e a relação ética da entidade com os seus stakeholders. Mas, por que estudar ética na contabilidade? A ética é uma condição necessária para a sobrevivência em sociedade. Inúmeros são os casos noticiados pelos meios de comunicação de corrupção, fraudes, subornos, nepotismo. Essas práticas afetam a todos, a Administração Pública, a empresa privada e a sociedade em geral. Arruda, Whitaker e Ramos (2017, p. 3) mencionam que a falta de valores morais é o pior dos males que podem afetar uma sociedade. Segundo os autores, ela é como o câncer que se dissemina por um organismo. A ausência de moral destrói o clima de confiança que deve integrar o relacionamento social, tornando insustentável o convívio em sociedade. Matos (2017, p. 11) afirma que “Ser ético, no contexto atual, não é mais uma opção tanto para as pessoas quanto para as organizações, é questão de sobrevivência”. Assim, faz-se necessário compreender o comportamento ético nas relações empresariais e, principalmente, no caso, a ética profissional do contador. CONTEXTUALIZANDO Suponha-se que um profissional contábil realize consultoria na área de custos e esteja negociando uma prestação de serviços com um grande cliente. Durante a negociação, obteve informações sigilosas a respeito da estrutura de custos de produção do cliente. No entanto, o contrato não foi firmado, isto é, os serviços do profissional não foram contratados. Então, o profissional contábil considerou-se desobrigado de guardar sigilo das informações obtidas na negociação com o grande cliente e comentou a situação com um amigo que estava planejando empreender no mesmo ramo daquele cliente. Nesse contexto, a atitude do contador foi ética? Qual o seu impacto social? 3 Saiba mais • Sobre os desafios éticos do trabalho contábil, consulte Nunes et al. (2019). TEMA 1 – ÉTICA, MORAL E DIREITO: DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS A palavra ética significa a forma de ser de uma pessoa sem que esta prejudique outros indivíduos. A ética compreende o conjunto de valores morais e princípios que conduzem a conduta humana na sociedade e serve para equilibrar o relacionamento social. A ética acompanha as mudanças da sociedade, as transformações de cada época e varia de acordo com um grupo de indivíduos. Uma das transformações éticas notáveis foi decorrente da evolução tecnológica, pela qual o indivíduo passou a ter acesso mais rápido às informações e maior facilidade de divulgar aquilo que lhe interessa. Dessa forma, surge a necessidade de se estabelecer limites éticos para o uso da tecnologia, por exemplo, impondo-se restrições à divulgação de fake news. Assim como a ética envolve o caráter pessoal de um indivíduo, ela também está presente no meio corporativo. É por isso que as empresas elaboram códigos de ética, para que sua equipe possa trabalhar em harmonia. Logo, tem-se a ética empresarial. Santos (2019, p. 4) expõe que a ética corporativa ou empresarial “[...] varia conforme a empresa ou o ambiente em que uma empresa está inserida, pois é reflexo da sociedade, dos produtos que comercializa, da cultura interna e de outros fatores que compõem este ambiente”. Para determinada empresa, o uso do celular durante o horário de trabalho pode ser considerado uma conduta ética, enquanto para outra empresa a sua utilização pode ser proibida, em virtude de atrapalhar o andamento das atividades. Outra situação que envolve a ética empresarial é a prática do preço predatório, que se refere à redução do preço de venda de um produto ou serviço abaixo do preço de custo, utilizada pelas empresas que visam a eliminar os concorrentes ou conquistar mercado. Do ponto de vista da empresa que realiza essa operação, ela pode ser apenas uma estratégia de negócio, considerada ética. No entanto, diante dos concorrentes, a prática é lesiva, afeta seus negócios e, então, conclui-se que há na prática uma atitude antiética. 4 No meio empresarial, surge a figura do profissional contábil. As práticas empresariais éticas ou antiéticas se refletem no trabalho do contador, pois as operações realizadas serão escrituradas. Entretanto, esse não é o único tipo de envolvimento ético entre empresa e profissional contábil. Suponha que, na busca por melhores resultados, os empresários ou gestores solicitem ao contador que sejam feitos ajustes nos lançamentos contábeis, a fim de se reduzir a carga tributária da organização. Ao se reduzir a carga tributária de forma ilícita, manipulando-se as informações contábeis, há uma atitude antiética tanto por parte da empresa quanto por parte do contador. Consequentemente, a fraude tributária poderia resultar em um passivo para a empresa, levando-a à falência e até a um possível suicídio do empreendedor ou investidor. Saiba mais • Sobre o enfoque ético da busca por resultados, consulte Oliveira et al. (2012). A palavra ética tem origem grega: ethos, que significa a forma de um indivíduo ou um grupo agir. Com o desenvolvimento humano, o conceito de ética evoluiu, sendo ela considerada um conjunto de princípios e valores morais que guiam a conduta humana na sociedade. A moral compreende os costumes, regras, limites e convenções estabelecidos pela sociedade. Sendo assim, a moral é uma convenção social e a ética, a postura de um indivíduo. Nesse contexto, tem-se o direito como sistema de normas de conduta e princípios estabelecidos para regular as relações sociais. Isso quer dizer que a moral engloba a ética e o direito, conforme se observa na Figura 1. 5 Figura 1 – Relação entre ética, moral e direito A ética permite uma melhor vida em sociedade, pelo respeito mútuo dos indivíduos. Considerando que a ética se refere à forma como um indivíduo ou um grupo de indivíduos (em uma empresa, por exemplo) entende ser correto se posicionar e agir perante outros indivíduos e a sociedade como um todo. E, sabendo-se que uma organização é formada por indivíduos oriundos de diferentes contextos culturais e sociais, é fundamental estabelecer um padrão ético para o grupo social de uma empresa, demonstrando qual é a postura que se espera de todos os integrantes desse grupo (colaboradores, sócios etc.). Essa definição de conduta, em nível institucional, se dá por meio de políticas institucionais. Essas, por sua vez, são definidas por normativos, códigos de ética e códigos de conduta. Considerando os modelos de gestão contemporâneos e as boas práticas de governança recomendadas, segundo Santos (2019, p. 5), as políticas institucionais devem ser construídas levando em consideração as cinco dimensões da ética empresarial e de pesquisas: sustentabilidade, respeito à multicultura, aprendizado contínuo, inovação e governança corporativa. Nesse sentido, serão abordadas, na sequência, as dimensões éticas que norteiam a conduta humana, na sociedade. 1.1 Dimensões da ética empresarial Conforme mencionado por Santos (2019, p. 6), dentre as dimensões da ética empresarial consideradas na construção das políticas institucionais, a dimensão da sustentabilidade consiste em gerar condições para um processo ser executado ou para um indivíduo ou objeto existir. Sendo assim, para uma Moral Relativa aos costumes Ética Princípios e valores morais Direito Conforme a lei, o sistema de normas 6 empresa operar, basicamente, deve haver recursos humanos, bens de uso e consumo, matérias-primas e tecnologias, além de recursos econômicos e financeiros que propiciem a produção de produtose serviços. A sustentabilidade abrange os aspectos econômico, social e ambiental, o que é denominado de triple botton line (linha de três pilastras), conceito criado em 1990 pelo inglês John Elkington (1990, citado por Santos, 2019, p. 5). As intersecções entre esses aspectos são chamadas de socioeconômica, socioambiental e ecoeficiente, conforme se pode observar na Figura 2 a seguir. Figura 2 – Intersecções do triple botton line na sustentabilidade organizacional O aspecto ambiental envolve ações que diminuem o impacto ambiental como forma de garantir o bem-estar social. Por exemplo, uma indústria que produz papel e celulose deveria analisar seu consumo de insumos utilizados na produção e que impactam negativamente o meio ambiente e, assim, tomar medidas de recuperação ambiental. Outra preocupação que as empresas deveriam ter, com a finalidade de garantir o bem-estar da comunidade, seria com buscar melhorias no processo de produção, evitando desperdícios, como na produção de garrafas plásticas em que as sobras pudessem ser reaproveitadas na produção de copos. Assim, é necessário desenvolver métodos para calcular o impacto causado no meio ambiente, com o objetivo de compensar o dano provocado, por exemplo: uma empresa que é altamente poluidora precisa medir o nível de emissão de poluentes para compensar isso com reflorestamento de algumas áreas. A empresa precisa elaborar políticas institucionais éticas, orientando os Ambiental SocialEconômica Socioambiental Socioeconômica Ecoeficiente 7 colaboradores com propostas preventivas ou corretivas do seu processo de produção. Quanto ao aspecto econômico, uma empresa não existe ou sobrevive sem ele, por isso ele é um dos tripés da sustentabilidade. Há dois erros críticos que podem ocorrer: o primeiro seria o de focar exclusivamente no aspecto econômico e desprezar os demais; e o segundo seria o de a empresa não se atentar a esse aspecto e desperdiçar insumos, por exemplo. Diferentemente do desperdício de insumos mencionado no aspecto ambiental, que envolve o dano causado ao meio ambiente, no sentido econômico tem-se o desperdício como fator de prejuízo econômico-financeiro. O aspecto social compreende as relações internas (de colaboradores, gestores etc.) e externas (com clientes, fornecedores, investidores etc.) da empresa, ou seja, a empresa deve manter relações morais com os interessados no negócio. Por exemplo, quando uma empresa é sustentável, sua relação com o cliente tende a ser favorável com aquele que está preocupado com o meio ambiente e isso ainda melhora sua reputação no mercado, pois estará beneficiando a sociedade como um todo. Atitudes antiéticas relacionadas ao aspecto social envolvem suborno na venda de mercadorias, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, entre outras. Nesse sentido, os aspectos social, ambiental e econômico estão interligados, como demonstrado na Figura 2, socioeconômica, socioambientalmente e em termos de ecoeficiência. O aspecto socioeconômico, nas políticas institucionais, tem como objetivo garantir que o interesse social não se sobreponha ao interesse econômico ou vice-versa – é o caso do aumento da capacidade produtiva que beneficiaria tanto a empresa quanto a sociedade que consome o produto. Quanto ao aspecto socioambiental, tem-se o caso do desperdício de insumos, que afeta a situação econômica e ambiental da empresa, devendo ser evitado. A ecoeficiência, por sua vez, visa fornecer bens e serviços por preços competitivos, sem impactar o meio ambiente. A dimensão da multicultura se refere ao respeito empresarial diante das diferenças individuais dos cidadãos que estão ligados à empresa. Segundo Santos (2019, p. 13), ao considerar essa dimensão nas suas políticas institucionais, a empresa estará oportunizando relações internas e externas mais 8 saudáveis, pois minimizará as diferenças culturais, religiosas, étnico-raciais e outras. A dimensão do aprendizado contínuo é de suma importância para o desenvolvimento ético, pois as mudanças sociais precisam ser acompanhadas, estudadas para criação de novas políticas institucionais. Isso quer dizer que as políticas institucionais demandam atualizações em virtude das transformações sociais. Por exemplo, as políticas institucionais criadas antes da existência da tecnologia podem não ser as mesmas após a evolução tecnológica, pois é necessário, sempre, se compreender um novo contexto social e adaptar as políticas então vigentes. A dimensão da inovação é consequência do aprendizado contínuo, ou seja, ela está presente no desenvolvimento de novas tecnologias e processos. A inovação precisa ser realizada de forma organizada, a fim de atender às necessidades da instituição e da sociedade. Por exemplo, visando inovar de forma ética, a empresa pode desenvolver carros autônomos voltados a reduzir os acidentes causados em rodovias. A empresa que desenvolve ou produz esses veículos precisa incluir na sua programação uma série de situações decisórias. Outro exemplo de ética na inovação está na garantia de sigilo no acesso a informações pessoais pelas empresas que desenvolvem redes sociais. Por fim, a dimensão da governança corporativa, conforme o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC, 2015, p. 20-21) envolve transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa nas ações organizacionais. Transparência tem relação com a confiança interna e externa da organização e com ela fornecer informações aos stakeholders além das que já são uma obrigação legal. A transparência proporciona maior confiança entre a empresa e os stakeholders, pois, com todos tendo acesso às informações econômico-financeiras da organização, a tomada de decisões tende a ser mais assertiva. Quando a empresa oculta informações como perdas com créditos de liquidação duvidosa, os investidores acabam mantendo relação com a empresa sem saber que os recursos investidos podem ser perdidos. Equidade refere-se ao equilíbrio de interesses de diferentes stakeholders. Ou seja, as informações disponibilizadas para tomadas de decisão devem colocar os stakeholders no mesmo patamar, isto é, os usuários internos não devem se valer de informações privilegiadas em relação às informações 9 prestadas aos usuários externos. Nesse caso, os investidores precisam ter acesso às informações da empresa para que consigam analisar o retorno dos seus investimentos. Se a empresa restringir esse acesso, não estará sendo ética com os investidores, que podem vir a tomar decisões equivocadas. Prestação de contas refere-se a responsabilidades e deveres do gestor do negócio: em caso de ocorrer uma fraude ou qualquer situação ilegal ou de má conduta, se responsabilizará diretamente quem está na gestão do negócio. Por isso, se faz necessária a prestação de contas de todos os atos e decisões tomadas em nome da empresa. Responsabilidade corporativa está relacionada à perenidade do negócio e considera aspectos de ordem ambiental e social. O meio ambiente tem sido preocupação constante para a maioria dos cidadãos e, quando a empresa desempenha um bom papel na preservação ambiental, ela está demonstrando sua responsabilidade corporativa. TEMA 2 – TOMADA DE DECISÕES: RELAÇÕES ENTRE O LEGAL E O MORAL A palavra moral tem origem no latim mor, moris, que significa usos e costumes. Há diversos conceitos para moral, mas, em suma, ela compreende o respeito do indivíduo às regras morais estabelecidas na sociedade. Logo, a moral é uma espécie de limite da conduta dos indivíduos. Mesmo sem o indivíduo conhecer as regras, ele se sente bem ao realizar ações morais. Embora envolva o direito e a ética, a moral é uma norma estabelecida pela sociedade por consentimento de um grupo de pessoas. Há a preocupação do indivíduo personificada na sociedade em geral. O conceito de moral muitasvezes se confunde com o de legalidade. A legalidade é constituída mediante lei. Uma ação pode ser moral e ilegal ao mesmo tempo, como é o caso de se ultrapassar o sinal vermelho após a meia- noite, que, apesar de ser ilegal, é uma atitude moral, pois evita assalto ou qualquer risco oriundo da espera pelo sinal verde. Uma ação pode ser, ainda, legal, mas imoral, como é o caso do uso de determinados pesticidas. E a ação pode ser legal e moral quando por exemplo uma empresa produz materiais biodegradáveis. Sendo assim, é necessário refletir: o que afeta o meio externo? Quais os efeitos negativos gerados por uma atitude tomada? Quem é beneficiado e quem será prejudicado por essa atitude? 10 Saiba mais • Leia o artigo A ética aplicada para o sucesso nos negócios (Godinho; Cambaúva; Mak, 2006), para compreender melhor o assunto. TEMA 3 – FORMAÇÃO MORAL DE UMA ENTIDADE CORPORATIVA Impasses no comportamento moral ocorrem até nas situações mais simples da vida, assim como nas mais complexas e de extrema responsabilidade; ocorrem tanto nas relações sociais comuns como nas relações empresariais e profissionais (Camello; Ribeiro, 2019, p. 248). Na situação hipotética a seguir, observa-se um dilema no comportamento moral, em uma relação entre empresa e um de seus funcionários: • Pedro é contador na empresa Lunar há dez anos e dedica-se ao máximo para manter a confiança da empresa. A Lunar tem significativa representatividade no mercado de materiais de construção e busca por resultados cada vez mais desafiadores. Ainda assim, Pedro recebia um salário mediano e sustentava uma família de três filhos com dificuldade, pois se tratava da única renda dessa família; • Em determinado dia, ao final do expediente, Pedro foi chamado à sala da diretoria para receber a notícia de que seu salário iria aumentar, assim como receberia uma bolsa de estudos para os filhos, em razão do seu comprometimento com a empresa. Entretanto, o diretor financeiro apresentou uma condição. Pedro teria que superfaturar notas fiscais por motivos desconhecidos. Ele sabia que, se não fizesse o solicitado, seria desligado da empresa. Nesse contexto, qual o dilema moral? De um lado, Pedro perde o emprego ao não atender à solicitação do diretor e, de outro, teria que aceitar superfaturar as notas fiscais e contrariar o seu caráter e consciência. Então, surgem as seguintes inquietações: como sustentar a família? Como ficar com a consciência tranquila? Pedro está diante de um dilema moral comum, de extrema responsabilidade. Camello e Ribeiro (2019, p. 252) afirmam que “Em todas as situações sempre estará em jogo um valor moral a preservar ou a corromper para benefício pessoal ou do grupo”. A empresa em questão agiu de má-fé, de forma imoral; mas, o que forma a moral de uma entidade corporativa? Segundo Thiry-Cherques (2003, p. 31-50), 11 a responsabilidade moral das empresas limita-se ao direito, à obrigação de responder perante a lei. A empresa, por ser uma pessoa artificial, jurídica, não tem consciência, é amoral. As pessoas que formam a empresa constituem a sua moralidade, como o caso do diretor financeiro, no exemplo supracitado. Portanto, a responsabilidade moral pertence aos seres humanos. Se o contador é conivente com a proposta de superfaturar nota fiscal, ele também responderá pelo crime. O superfaturamento pode caracterizar lavagem de dinheiro, por exemplo. De acordo com o art. 172 do Código Penal, “emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado” gera pena de dois a quatro anos de prisão e multa (Brasil, 1940). No caso do contador, pode haver cassação do seu registro profissional. Para Thiry-Cherques (2003, p. 31-50), a dificuldade de agir de forma moral no plano empresarial é maior do que no plano individual, “pela quantidade de instâncias com as quais as pessoas têm deveres e pela contradição entre os interesses de umas e de outras”. O autor ainda questiona: “um dirigente é mais responsável perante os empregados ou perante os acionistas? Um empregado deve ser fiel aos colegas ou a sua família?”. Saiba mais • Para mais informações sobre a moral empresarial, leia em sua íntegra o artigo de Thiry-Cherques (2003), intitulado Responsabilidade moral e identidade empresarial. TEMA 4 – A ENTIDADE E A DISSEMINAÇÃO DA CULTURA ÉTICA As obrigações éticas são estabelecidas por meio do direito, que é um sistema de normas de conduta e princípios estabelecidos para regular as relações sociais. Com base no direito, são criados os códigos de ética. No entanto, o código de ética não é o único meio de instaurar a ética na empresa, ou seja, a empresa pode desenvolver outros meios de conscientização de valores morais especificados em diretrizes de ética. A ética empresarial ganhou notoriedade com escândalos mundiais que demonstraram comportamentos imorais praticados pela administração dos negócios. Muitos casos abalaram a sociedade civil e geraram também novas maneiras de gerir um negócio, em um mundo cada vez mais competitivo. 12 Arruda, Whitaker e Ramos (2017, p. 213) afirmam que, quando a administração adota princípios éticos, claramente definidos, “[...] os padrões morais são respeitados, as energias dos empregados se concentram e o resultado é um ganho de produtividade”. Quando a empresa não adota os princípios éticos, “as práticas pouco éticas são conhecidas e por vezes se tornam o modus operandi da organização. O ritmo dos negócios sofre um impacto negativo”. Segundo Santos (2019, p. 21), para desenvolver um código de ética ou de normas de conduta não há uma fórmula, porém alguns aspectos devem ser considerados: • Missão, valores e objetivos: devem ser éticos e se refletirem no código de ética. A missão, os valores e os objetivos compreendem um conjunto de ideais que ajudam a determinar as estratégias de negócio de uma empresa, ou seja, o passo a passo adotado pela empresa para atingir os resultados desejados; • Realidade e contexto empresarial: para a elaboração e implantação do código de ética, devem ser analisados o porte da empresa, a atividade desenvolvida, a política interna e inclusive os aspectos externos a ela. Por exemplo, se a empresa é de pequeno porte e não possui relação com investidores externos, não tem motivo para abordar, no seu código de ética, aspectos sobre sua relação com investidores; • Aspectos legais: o código de ética deve atender à legislação vigente no país; • Comunidade interna: a elaboração do código demanda a participação de todos os envolvidos com a empresa. Em casos de empresas de grande porte, deve-se avaliar o envolvimento de alguém que represente de fato a sociedade; • Comunidade externa: recomenda-se a participação da comunidade externa no desenvolvimento e revisão do código com a finalidade de aumentar a transparência. A participação pode ser pequena, mas será contributiva; • Multicultura, aspectos étnicos e religiosos: para proporcionar um ambiente ético e incentivar o progresso do grupo, é importante o respeito à multicultura, aos aspectos étnicos e religiosos de todos os envolvidos 13 com a empresa, como colaboradores, clientes, fornecedores, entre outros; • Tratamento equitativo de todos, considerando-se as desigualdades: as empresas devem tratar a todos de forma equitativa, buscando minimizar as desigualdades, ou seja: independentemente da cultura, etnia ou religião das pessoas ligadas à empresa, o tratamento dispensado a elas deve ser o mesmo, sem privilegiar ninguém. O código de ética é uma ferramenta de gestão educativa, pois estabelece regras a serem seguidas por aqueles que têm relação com a empresa. Assim, com ele é possível obter uma conduta adequada no desenvolvimento das atividades empresariais. Por outro lado, o código de ética, comoqualquer ferramenta de gestão educativa, deve estar em contínua renovação, com complemento de aprendizagens vindouras sobre as relações sociais, a busca de harmonia, pontos de afinidade e foco, elementos essenciais no meio empresarial (Matos, 2017, p. 177). De acordo com Matos (2017, p. 179), há três dimensões fundamentais a serem contempladas num código de ética: dimensões preventiva, corretiva e educativo‐saneadora. A dimensão preventiva expressa as normas éticas no sentido educativo, para prevenir situações críticas. Por exemplo, o código de ética pode determinar políticas de restrição de uso de computadores da empresa para atividades pessoais. Assim, a empresa pode coibir que suas informações sigilosas sejam repassadas a terceiros e, consequentemente, nenhuma sanção será aplicada aos colaboradores. A dimensão corretiva contempla as normas éticas no sentido educativo- diagnóstico de problemas detectados e para orientação e auxílio em prol de suas correções. Nesse caso, a empresa, em caso de ter infringido o Código de Defesa do Consumidor, mas houver estabelecido em seu código de ética que qualquer dano causado a terceiros deve ser reparado, isso pode estimular a troca de mercadorias danificadas como prática corretiva. A dimensão educativo-saneadora tem como objetivo garantir a qualidade e excelência, por meio de punições. Essa situação é mais grave e deve ser contemplada no código de ética para que as atitudes antiéticas sejam 14 punidas. Por exemplo, quando um colaborador desvia recursos da empresa, deve haver uma abordagem prevista para que tal prática não se repita. Sendo assim, observa-se a amplitude e importância do código de ética para o mundo corporativo. TEMA 5 – A RELAÇÃO ÉTICA DA ENTIDADE COM OS SEUS STAKEHOLDERS Os stakeholders são os interessados na empresa. Eles podem ser pessoas físicas ou jurídicas, representantes da sociedade, concorrentes, investidores, governos, entre outros. As relações da empresa com os stakeholders podem ser visualizadas na Figura 3 a seguir. Figura 3 – Empresa e seus stakeholders As empresas, muitas vezes, estão mais focadas na obtenção de lucros do que no impacto que causam no meio ambiente, privilegiando, nesse caso, os investidores e não a comunidade em geral. A questão ética da entidade com todos os stakeholders precisa ser estudada para não prejudicar nenhum dos envolvidos. O papel da empresa é buscar o ponto ideal entre os custos implícitos e explícitos e os benefícios implícitos e explícitos das ações tomadas e informações disponibilizadas. A questão implícita ocorre quando há um jogo de interesses éticos nas atividades da empresa. Por exemplo, quando a empresa investe na prevenção de impacto ambiental, mas não com o interesse de garantir que o meio ambiente Empresa Clientes Fornecedores Concorrentes ComunidadeInvestidores Parceiros Governos 15 não seja degradado e sim com o interesse de captar novos investidores que tenham como premissa garantir o desenvolvimento sustentável. Quanto aos custos e benefícios explícitos, há o conhecimento de o que se quer com a adoção de determinada prática. Pode-se observar essa situação quando a empresa expõe aos colaboradores os resultados alcançados e distribui a eles parte dos lucros, a fim de motivar a equipe. Atender aos interesses econômico, social e ambiental dos diversos stakeholders requer da gestão habilidade e prudência, pois não se deve atender a um grupo específico, em detrimento de outro. Os gestores são intermediadores da relação entre acionistas e stakeholders. O conhecimento amplo da empresa direciona à dimensão moral o que os gestores devem considerar em suas tomadas de decisão (Arruda; Whitaker; Ramos, 2017, p. 215). Silva et al. (2017, p. 21) fizeram uma revisão bibliográfica a fim de apresentar um método de como identificar e classificar os stakeholders, demonstrando o tipo de influência que cada um exerce sobre a empresa, e chegaram à conclusão de que os funcionários e os clientes são os mais importantes stakeholders e os menos influentes são os fornecedores e a comunidade. Para os autores, a atenção dada à comunidade é entendida como algo que pode atrasar os projetos. Nesse sentido, presume-se que haja um conflito de interesses significativo entre o que a empresa quer e o que a comunidade deseja. Por exemplo, pode acontecer de a empresa desenvolver projetos de educação na comunidade, esporadicamente, e a comunidade demandar constantemente esse tipo de investimento. A empresa tende a estar mais interessada no retorno que esse investimento gerará do que especificadamente no desenvolvimento do cidadão. Dessa forma, pode-se dizer que algumas relações entre empresa e stakeholders realmente são mais intensas que outras. Saiba mais • A respeito da relação entre stakeholders e empresa, não deixe de consultar o artigo de Silva et al. (2017). Enfim, o profissional contábil precisa compreender as relações sociais da empresa para nela atuar de forma ética; e deve conhecer o seu código de Conduta, para não ser conivente com operações fraudulentas, por exemplo. 16 TROCANDO IDEIAS Um contador com mais de 20 anos de experiência foi convidado a emitir um parecer a respeito da situação econômico-financeira de uma empresa, aos seus proprietários. Depois de analisar as demonstrações contábeis, o contador verificou que a empresa apresentava significativos indícios de descontinuidade. Entretanto, por conhecer a empresa e ter vínculo de amizade com os gestores, atestou, em seu parecer, que a empresa irá continuar em operação por tempo indeterminado. Com base nessas informações, para você, o contador agiu de forma correta? NA PRÁTICA Um profissional contábil, ao prestar serviços de assessoria para a recuperação de uma empresa, obteve informações sigilosas sobre o processo de fabricação de um produto com baixa rentabilidade. Um investidor, especialista no produto, que tem plano de instalar uma nova indústria, o questionou sobre o segredo do processo de fabricação. O profissional contábil se opôs a repassar as informações solicitadas sobre o produto, ao investidor. No entanto, comentou com os amigos sobre o investidor e sobre o produto. Nessa situação, o contador agiu de forma moral e ética? Resposta esperada: o contador, perante a empresa, agiu de forma imoral e antiética, pois, mesmo com a informação sendo sigilosa, ela foi repassada pelo contador para os seus amigos. FINALIZANDO Existe uma forte relação entre ética, moral e direito. Enquanto a ética estuda os valores morais que fundamentam o comportamento humano em sociedade, a moral está relacionada aos costumes, regras, limites e convenções estabelecidas por cada sociedade. O direito, por sua vez, é aquele que normatiza as atitudes éticas, seja numa empresa, seja na sociedade ou de forma pessoal. Um indivíduo pode enfrentar dilemas éticos na sua tomada de decisões. Manter em sigilo uma informação para não prejudicar uma empresa pode ser ético, porém pode ser imoral num caso de fraude. Cada situação deve ser analisada individualmente. 17 As pessoas que formam a empresa constituem a sua moralidade; elas constroem a ética empresarial, fundamentada no direito, nas leis. É imprescindível que cada profissão mantenha uma conduta ética, que cumpra o seu código de conduta, visto que ele possibilita uma harmonia social. 18 REFERÊNCIAS ARRUDA, M. C. C. de; WHITAKER, M. do C.; RAMOS, J. M. R. Fundamentos de ética empresarial e econômica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2017. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, p. 2.391, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 abr. 2020. CAMELLO, M.; RIBEIRO, O. M. Ética na contabilidade. São Paulo: Saraiva Educação,2019. GODINHO, H. D.; CAMBAÚVA, G. F.; MAK, A. P. A ética aplicada para o sucesso nos negócios. In: SEMINÁRIOS EM ADMINISTRAÇÃO, 9., 2006, São Paulo. Anais... São Paulo: FEA-USP, 2006. Disponível em: <http://sistema.semead.com.br/9semead/resultado_semead/trabalhosPDF/436. pdf>. Acesso em: 10 abr. 2020. IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores práticas de governança corporativa. 5. ed. São Paulo, 2015. Disponível em: <https://conhecimento.ibgc.org.br/Paginas/Publicacao.aspx?PubId=21138>. Acesso em: 10 abr. 2020. MATOS, F. G. de. Ética na gestão empresarial: da conscientização à ação. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. NUNES, V. L. D. et al. Desafios éticos no exercício da profissão contábil: uma análise da percepção dos profissionais de contabilidade. Id on Line: Revista Multidisciplinar e de Psicologia, v. 13, n. 46, 2019. Disponível em: <https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/view/1898>. Acesso em: 10 abr. 2020. OLIVEIRA, M. C. de et al. O enfoque ético no gerenciamento de resultados. Revista Contemporânea de Contabilidade, v. 9, n. 18, p. 119-136, 2012. Disponível em: <http://www.spell.org.br/documentos/ver/35451/o-enfoque-etico- no-gerenciamento-de-resultados/i/pt-br>. Acesso em: 10 abr. 2020. SANTOS, F. de A. Ética empresarial. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2019. SILVA, L. G. da et al. Stakeholders organizacionais: Identificação, classificação e um modelo estratégico de tomadas de decisões. Revista Espacios, v. 38, n. 19 17, 2017. Disponível em: <https://www.revistaespacios.com/a17v38n17/a17v38n17p21.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2020. THIRY-CHERQUES, H. R. Responsabilidade moral e identidade empresarial. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 7, p. 31-50, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415- 65552003000500003>. Acesso em: 10 abr. 2020. https://www.revistaespacios.com/a17v38n17/a17v38n17p21.pdf
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