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TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO

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LAPED 2020 
 
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/ 
HIPERATIVIDADE 
 
 
 O transtorno de déficit de 
atenção/hiperatividade (TDAH) é um transtorno do 
neurodesenvolvimento caracterizado por um padrão 
persistente ao longo do tempo de dificuldades na 
atenção e do controle motor e de traços de 
impulsividade. 
 O TDAH inicia-se na infância e frequentemente 
persiste na adolescência e idade adulta, aumentando o 
risco para diversos desfechos negativos ao longo do 
tempo. O diagnóstico desse transtorno é desafiador, 
devido à heterogeneidade clínica e etiológica. 
 
Quadro clínico 
 O TDAH é caracterizado por sintomas de 
desatenção, hiperatividade e impulsividade, que 
podem ocorrer em combinação ou isoladamente. 
 Os primeiros sinais podem ser detectados já na 
fase pré-escolar, como agitação, acidentes repetidos, 
dificuldade em permanecer atento a atividades, 
mesmo por períodos curtos, como ao ouvir uma 
história ou ao montar um quebra-cabeça. 
 Na idade escolar, os sintomas de desatenção 
manifestam-se principalmente como “sonhar 
acordado”, distratibilidade e dificuldade em manter o 
foco atencional em uma tarefa. Sintomas de 
hiperatividade e impulsividade manifestam-se como 
inquietude, parecer estar “a mil” ou “a todo vapor”, 
fala excessiva, dificuldade de esperar a vez, respostas 
precipitadas, entre outros. 
 Na adolescência e na idade adulta, as 
dificuldades atencionais podem permanecer, e os 
prejuízos na organização e no planejamento 
progressivamente tornam-se proeminentes, refletidos, 
por exemplo, em dificuldade de executar tarefas 
seguindo prazos, procrastinação, atrasos frequentes, 
desorganização e esquecimento de pertences. A 
hiperatividade pode ser expressa por dificuldade de 
relaxar e uma sensação incômoda de inquietude. 
Dificuldades de aguardar a vez e de controle de 
impulsos revelam-se em situações como filas, trânsito, 
em discussões com familiares e colegas de trabalho e, 
eventualmente, no comportamento alimentar 
impulsivo e no uso de substâncias. 
 
Sintomas 
 A apresentação dos sintomas e prejuízos 
associados ao transtorno variam de acordo com a 
etapa de desenvolvimento dos indivíduos. Os sintomas 
de hiperatividade e impulsividade tendem a ser mais 
evidentes nas fases precoces do desenvolvimento, 
enquanto a desatenção torna-se mais evidente na fase 
escolar e tende a permanecer mais estável ao longo do 
tempo, eventualmente piorando em períodos de maior 
demanda cognitiva. 
 Crianças em idade pré-escolar apresentam 
sintomas de hiperatividade e impulsividade mais 
pronunciados, os quais podem estar associados a 
agressividade, gerar perturbações no ambiente escolar 
e afetar as relações familiares e sociais. Os sintomas de 
desatenção geralmente tornam-se mais evidentes na 
fase escolar, sendo as dificuldades escolares e os 
problemas de relacionamento com pares e familiares 
frequentemente identificados como fonte de prejuízo. 
 Na adolescência, a hiperatividade tende a 
melhorar ou tornar-se menos evidente, enquanto a 
desatenção e a impulsividade podem ser 
proeminentes, levando a problemas como dificuldades 
acadêmicas, conflitos com pais e colegas e risco 
aumentando para uso de substâncias (álcool, tabaco e 
drogas ilícitas), principalmente nos casos em que o 
TDAH está associado a transtorno de conduta. Na fase 
adulta, são frequentes prejuízos como dificuldades 
acadêmicas e ocupacionais e problemas de 
relacionamento. 
 
Diagnóstico 
 O diagnóstico do TDAH é clínico e estabelecido 
a partir da história clínica, associada a informações 
coletadas com os pais e a escola e ao exame da criança. 
Recomenda-se também, se necessário, coletar 
informações de outros familiares próximos e de outros 
profissionais envolvidos no cuidado da criança. 
 
 Os critérios diagnósticos utilizados atualmente 
são os do DSM-5 e do CID-10. 
 
 Ambos os sistemas de classificação levam em 
conta a presença de sintomas de desatenção, 
hiperatividade e impulsividade, divididos em 
dimensões. 
➢ O CID-10 agrupa os sintomas em 3 dimensões: 
desatenção, hiperatividade e impulsividade. 
➢ O DSM-5 os agrupa em 2 dimensões: 
desatenção e hiperatividade/impulsividade. 
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 Para que se faça o diagnóstico de TDAH de 
acordo com a CID-10, é necessária a presença de 
sintomas em todas as dimensões. De acordo com o 
DSM-5, pode haver sintomas isolados de desatenção 
ou hiperatividade/impulsividade e o TDAH pode ser 
classificado em apresentações (predominantemente 
desatento, predominantemente hiperativo/impulsivo 
e combinado), em função do número de sintomas em 
cada uma das dimensões. 
 Para o diagnóstico em crianças, são exigidos o 
mínimo de 6 ou mais sintomas em cada uma das 
dimensões. 
 Para o diagnóstico em adultos, são exigidos o 
mínimo de 5 ou mais sintomas. 
 Para que o diagnóstico de TDAH seja 
estabelecido, também é exigido que os sintomas sejam 
persistentes por um período mínimo de 6 meses, 
estejam presentes antes dos 12 anos, provoquem 
prejuízo em dois ou mais contextos e que haja prejuízo 
significativo no funcionamento. 
 
 Existem escalas, como a SNAP-IV, que avaliam 
sintomas do TDAH aplicadas aos pais e à escola, que 
podem auxiliar no processo de avaliação diagnóstica e 
de acompanhamento de tratamento. Muitas vezes são 
utilizadas como instrumentos de triagem para 
identificar crianças que podem necessitar de avaliação 
especializada, embora suas propriedades 
psicométricas não sejam investigadas nesse contexto. 
 A SNAP-IV (Tabela 2) é baseada nos sintomas 
apresentados pelo DSM-IV (que não foram 
modificados no DSM-V), é de fácil preenchimento e 
pode ser aplicada a diferentes informantes. É 
apresentada uma lista de comportamentos 
relacionados aos sintomas de TDAH e o informante 
avalia a frequência com que esses comportamentos 
ocorrem. 
 
 Como parte da avaliação da criança com 
suspeita de TDAH, é também fundamental a 
investigação da presença de outros transtornos 
psiquiátricos comórbidos, por exemplo, transtornos 
ansiosos, transtornos do humor, transtorno de 
oposição e desafio, tiques e transtornos de 
aprendizagem, entre outros. 
 A presença de condições comórbidas pode 
alterar a decisão sobre intervenções terapêuticas e 
influenciar a resposta e a adesão ao tratamento. 
 Outras condições médicas devem ser 
investigadas, como alterações em capacidade auditiva, 
visual e sono, já que influenciam sobremaneira as 
funções cognitivas e o comportamento. 
 Avaliações complementares podem ser 
relevantes para o estabelecimento do diagnóstico e a 
exclusão de outras condições, entre elas a avaliação 
neurológica, psicopedagógica. 
 
Cabe ressaltar que exames de imagem ou 
eletroencefalografia não apresentam valores 
preditivos suficientes para serem necessários no 
processo diagnóstico do TDAH. 
 
Tratamento 
 A abordagem de primeira linha para o TDAH, 
independentemente da faixa etária, é multimodal, ou 
seja, além dos sintomas específicos, abrange todos os 
aspectos do transtorno, como prejuízos sociais, 
escolares, comorbidades, conflitos familiares. 
 A família, a escola e os profissionais de saúde 
envolvidos no cuidado da criança devem trabalhar em 
conjunto para garantir um plano de tratamento 
articulado. As modalidades de tratamento 
implementadas variam dependendo da faixa etária do 
paciente. 
 Para crianças em idade pré-escolar com 
sintomas leves ou prejuízo funcional restrito a um 
ambiente, é recomendada como primeira linha, por 
diversas diretrizes clínicas de tratamento, a terapia 
comportamental dirigida aos pais (treinamento 
parental) e/ou professores, seguida da prescrição de 
estimulante caso as intervenções comportamentais 
não produzam melhora e os sintomas continuem a 
causar prejuízo funcional. 
 Quando o tratamento comportamental não 
estiver disponível, devem ser pesados os riscos e os 
benefícios de se iniciar tratamentomedicamentoso 
nessa idade, considerando a importância de se 
diagnosticar e tratar o TDAH precocemente. 
 
 Para crianças em idade escolar (6 a 11 anos) e 
adolescentes (12 a 18 anos), recomenda-se tratamento 
medicamentoso e/ou tratamento comportamental, 
preferencialmente as duas opções em combinação, 
sobretudo na presença de múltiplas comorbidades. 
 A terapia comportamental tem o objetivo de 
modificar o ambiente físico e social a fim de modificar 
o comportamento. A terapia dirigida aos pais (ou 
treinamento parental) visa a desenvolver as 
habilidades dos pais de modificar o comportamento da 
criança e de melhorar a capacidade de a criança regular 
o seu próprio comportamento. O treinamento envolve 
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técnicas como: utilização adequada de reforços 
positivos (ou recompensas) quando o comportamento 
desejado é atingido, utilização apropriada de punições 
quando o objetivo não é atingido, e aprendizado de 
que alguns comportamentos podem ser reduzidos se 
ignorados. 
 Estratégias comportamentais também podem 
ser aplicadas na escola e incluem: assento preferencial, 
atividades e testes modificados e reforço extraclasse. 
 Os medicamentos de primeira escolha para o 
tratamento do TDAH são os estimulantes, bastante 
estudados e já utilizados há várias décadas. Os 
estimulantes são medicações estruturalmente 
semelhantes às catecolaminas e potencializam a 
transmissão dopaminérgica e noradrenérgica. 
 As medicações estimulantes disponíveis no 
Brasil são o metilfenidato e a lisdexanfetamina, cuja 
eficácia já foi demonstrada em inúmeros ensaios 
clínicos e metanálises. Os efeitos adversos mais 
comuns são redução do apetite, alterações do sono, 
dor abdominal, cefaleia e alterações de humor. 
 
Prognóstico 
 A presença do TDAH implica maior risco de 
prejuízos acadêmicos e de relacionamentos familiares, 
menor nível de formação acadêmica, pior colocação no 
mercado de trabalho, acidentes, maiores taxas de 
gestação na adolescência e não planejadas e menores 
rendimentos. 
 Recentemente, um estudo que acompanhou 
mais de 1,9 milhões de pessoas por até 30 anos na 
Dinamarca demonstrou que a presença do diagnóstico 
de TDAH aumenta o risco de morte precoce em até 
2,07 vezes em relação aos indivíduos sem o transtorno, 
sendo acidentes a principal causa. 
 O TDAH também está frequentemente 
associado a transtornos psiquiátricos comórbidos, o 
que se relaciona a um pior prognóstico, incluindo 
maiores prejuízos sociais, emocionais e psicológicos. 
Os transtornos em comorbidade podem ser 
contemporâneos ao TDAH ou podem surgir ao longo do 
desenvolvimento. 
 Os transtornos psiquiátricos mais comumente 
associados ao TDAH são: transtorno de oposição e 
desafio, transtorno de conduta, transtornos de 
aprendizagem, transtornos de ansiedade, transtornos 
de humor e transtornos por uso de substâncias. 
Embora menos frequentes, são também significativos 
os transtornos de tiques e a enurese. 
 Em relação à persistência do diagnóstico ao 
longo do desenvolvimento, estima-se que cerca de 15% 
dos indivíduos com TDAH na infância apresentam o 
diagnóstico na idade adulta conforme critérios 
estabelecidos na infância, e que aproximadamente 
65% dos indivíduos que receberam o diagnóstico na 
infância apresentam sintomas e prejuízo funcional na 
idade adulta, sem o diagnóstico pleno. Esses resultados 
sugerem que o TDAH é um transtorno crônico e que há 
uma redução de sintomas com a idade. No entanto, 
podem ainda indicar a falta de adequação dos critérios 
diagnósticos atualmente utilizados na infância para a 
população adulta. 
 
Desafios 
 O TDAH é um transtorno do desenvolvimento 
de início precoce e apresentação crônica, que pode 
levar a importantes prejuízos funcionais ao longo do 
desenvolvimento e a diversas consequências 
negativas, inclusive aumento de mortalidade. 
 Existem evidências apontando para a eficácia 
das estratégias terapêuticas na redução dos sintomas 
e dos prejuízos funcionais, melhora da qualidade de 
vida e sugerindo a prevenção de prejuízos futuros. 
 Portanto, é essencial a identificação e o 
tratamento precoce do TDAH e, para isso, o pediatra 
desempenha um papel fundamental. Nesse sentido, é 
importante que o pediatra reconheça o transtorno e as 
principais comorbidades, compreenda as modalidades 
de tratamento e as implemente em colaboração com 
os demais profissionais envolvidos no cuidado de 
crianças e adolescentes. 
 
 
Retirado de: 
- TRATADO DE SOCIEDADE BRASILEIRA DE 
PEDIATRIA 4a EDIÇÃO

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