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Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas São Luís - MA 2019 Créditos Coordenação do Projeto Ana Emilia Figueiredo de Oliveira Coordenação Geral da DTED/UNA-SUS/UFMA Ana Emilia Figueiredo de Oliveira Coordenação de Gestão de Projetos da UNA- -SUS/UFMA Deysianne Costa das Chagas Coordenação de Produção Pedagógica da UNA-SUS/UFMA Paola Trindade Garcia Coordenação de Ofertas Educacionais da UNA- -SUS/UFMA Elza Bernardes Monier Coordenação de Tecnologia da Informação da UNA-SUS/UFMA Mário Antonio Meireles Teixeira Coordenação de Comunicação e Design Gráfico Bruno Serviliano Santos Farias Professora-autora Sízera Ferreira dos Santos Validação Técnica Ministério da Saúde - Coordenação-Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência (CGSPD)/Departamento de Atenção Especializada e Temática (DAET)/Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (CGSPD/DAET/SAES) Ângelo Roberto Gonçalves – Coordenador-Geral Denise Maria Rodrigues Costa – Coordenadora- -Geral substituta Diogo do Vale de Aguiar – Colaborador técnico Flávia da Silva Tavares - Colaboradora técnica Patrícia Arantes Torres – Colaboradora técnica Coordenação - Geral de Ações estratégicas, Inovação e Avaliação da Educação em saúde/ Departamento de Gestão da educação em saúde/ Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na saúde (CGIED/DE- GES/SGTES/MS) Rosany Ferreira Rios Fonseca Carolina Vaccari Simaan Débora Dutra Emanuelle Carvalho Brasil de Albuquerque Janaina Nogueira da Silva Validadoras Pedagógicas Paola Trindade Garcia Deysianne Costa das Chagas Revisora Textual Mizraim Nunes Mesquita Designer Instrucional Cadidja Dayane Sousa do Carmo Designer Gráfico Victor Gabriel Mendonça Sousa Como citar este material: SANTOS, S. F. Marcos Regulatórios para estruturação da Rede de Atendimento às Pessoas com Deficiência Auditiva e Surdas. In: UNA-SUS/UFMA. Curso Comunicação efetiva com a pessoa com deficiência auditiva e surda na Atenção Primária à Saúde. Promovendo mudanças: comunicação inclusiva nos serviços de Atenção Primária à Saúde. São Luís: UNA-SUS/UFMA, 2020. http://lattes.cnpq.br/5767658067485112 http://lattes.cnpq.br/5767658067485112 http://lattes.cnpq.br/7600882185941353 http://lattes.cnpq.br/7600882185941353 http://lattes.cnpq.br/8513290455922124 http://lattes.cnpq.br/3034477335930315 http://lattes.cnpq.br/9943003955628885 http://lattes.cnpq.br/4483482439913996 http://lattes.cnpq.br/8512130086054911 http://lattes.cnpq.br/3976494747721222 http://lattes.cnpq.br/8213134257372189 http://lattes.cnpq.br/5701574543357640 http://lattes.cnpq.br/1353277767012355 http://lattes.cnpq.br/2030480271587281 http://lattes.cnpq.br/4711238601467961 http://lattes.cnpq.br/6237438248937781 http://lattes.cnpq.br/8513290455922124 http://lattes.cnpq.br/8083507083253990 http://lattes.cnpq.br/9688410026685214 http://lattes.cnpq.br/9788921426240891 Professora-autora Sízera Ferreira dos Santos Possui graduação em Fonoaudiologia pela Universidade Federal da Bahia (2007). Trabalhou como Técnica Administrativa fonoaudióloga na Universidade Federal de Sergipe - Campus Universitário Professor Antônio Garcia Filho. Atuou também como Fonoaudióloga do setor de triagem auditiva neonatal da Maternidade Dulcineia Moinho do Hospital Geral Roberto Santos. Atualmente é Analista Superior Fonoaudióloga do Conselho Federal de Fonoaudiologia em assessoria técnica de comissões e diretoria. 4 Olá, aluno(a)! A rede de cuidados à pessoa com deficiência, na qual a atenção à saúde auditiva está inserida, foi criada a partir da necessidade de ampliar, qualificar e diversificar as estratégias para a atenção às pessoas com deficiência. Você sabe como tudo isso começou para que tivéssemos a estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas? Para o melhor entendimento dessa estruturação, há necessidade de conhecermos os marcos legais considerados fundamentais para a constituição da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas. Vamos lá? Bons estudos! Apresentação OBJETIVO Conhecer os marcos regulatórios importantes para a estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas. 5 [...] a identificação de um enunciado de política não pode se limitar ao que é expresso no texto, mas aos sentidos, saberes e práticas históricas que dão sentido ao texto no tempo. Assim, os enunciados de uma política podem ser melhor compreendidos se reconhecemos as disputas históricas em torno dos conceitos, a quem evoca e quando se evoca uma proposta, pois todo enunciado de política tem uma história, uma trajetória; uma proposição política não aparece do nada e muitas vezes surge a partir da mediação entre os participantes de um debate (grifo nosso). Deve-se, portanto, buscar uma análise do contexto em que se insere uma proposta política para se buscar compreender como emerge e em resposta a quê. Breve histórico sobre a atenção à saúde auditiva no Brasil É muito provável que você conheça um ou mais serviços disponíveis na Rede de Cuidado à Saúde das Pessoas com Deficiência Auditiva e Surdas na rede pública, não é mesmo? Mas você já parou para pensar no contexto histórico que precedeu o estabelecimento e a organização desses serviços? Bem, antes de iniciarmos a leitura desse breve levantamento das políticas de atenção à saúde que precederam o estabelecimento da rede de atenção à saúde das pessoas com deficiência auditiva e surdas, é necessário compreendermos que essas políticas estão inseridas em construções históricas e realidades específicas. Vejamos o que dizem os autores Baptista e Mattos1 sobre a importância do contexto histórico no estabelecimento de políticas públicas: Ficou mais claro agora por que razão é importante conhecermos, mesmo que de forma breve, o histórico da atenção à saúde auditiva no Brasil? Vamos à leitura? Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 6 As políticas públicas de saúde passaram por mudanças intensas nas últimas décadas a partir da Constituição Federal de 1988. Além de garantir o direito universal à saúde, outros direitos básicos e essenciais direcionados às pessoas com deficiência foram garantidos, surgindo no contexto constitucional, como podemos ver a seguir: Promoção da integração à vida comunitária Acessibilidade Atendimento educacional especializado Proibição da discriminação Com a garantia desses direitos básicos e essenciais, foi possível observar avanços significativos nas políticas para pessoas com deficiência2. Isso porque, antes da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o atendimento às pessoas com deficiência estava sob responsabilidade de instituições filantrópicas e associações beneficentes, com o repasse de recursos públicos. As órteses e próteses eram concedidas de forma irregular em relação à qualidade e padronização, além de dissociadas do processo terapêutico3. No entanto, para que essa mudança na atenção à saúde da pessoa com deficiência fosse possível, houve um longo percurso histórico, protagonizado por ativistas e pessoas com deficiência, de forma que a deficiência passou a ser Esse processo teve início ainda na década de 60, com a politização do tema da deficiência. Além da luta pela garantia de direitos e por medidas antidiscriminatórias, um novo entendimento e mudanças conceituais sobre a deficiência foram levantados4. Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 7 Quais mudanças no entendimento sobre as pessoas com deficiência podem ter influenciado o cenário da atenção à saúde destinada a essas pessoas? Bem, a deficiência, antes encarada como resultado de algum impedimento físico ou mental a ser curado, passou a ser vista como uma característica da condição humana, como tantas outras que devem ser respeitadas. E, com esseraciocínio, entende-se que as barreiras físicas, organizacionais e atitudinais é que provocam a exclusão e são responsáveis por gerar as deficiências. Dessa forma, é preciso superar essas barreiras para uma inclusão social efetiva das pessoas com deficiência4. I N C L U S Ã O De fato, essa mudança conceitual surge no texto constitucional e, posteriormente, incorpora-se às políticas públicas, principalmente das questões relativas à autonomia, igualdade de condições e equiparação de oportunidades. Evidencia-se que, até então, não se observavam normativas tão próximas das reais demandas das pessoas com deficiência. As medidas meramente assistencialistas começaram a dar lugar ao protagonismo da pessoa com deficiência e tudo que lhe diz respeito na vida em sociedade. Entende-se que chegava o tempo em que os espaços públicos não poderiam mais ser excludentes; o transporte, a comunicação e o acesso à informação deveriam ser proporcionados a todos de forma igualitária4. Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 8 Você pode estar se perguntando: como as demandas de atenção à saúde das pessoas com deficiência auditiva e surdas foram atendidas? Em 2000, o Ministério da Saúde publicou a Portaria n.º 432 que criou o Programa de Saúde Auditiva. De acordo com Vieira5, apesar de apontar para um importante passo na atenção à saúde auditiva, esse programa previa apenas o credenciamento de serviços para distribuição de aparelhos auditivos, sem a previsão da adaptação dos dispositivos e acompanhamento dos usuários. No seu levantamento documental, Vieira5 identificou dois marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas: 2004 2012 Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA) Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência Ao instituir a PNASA, o Ministério da Saúde objetivou garantir uma assistência efetiva e integral às pessoas com deficiência auditiva e surdas. Salienta-se que, pela primeira vez na história do Brasil, a saúde pública tratou especificamente dessa população, visando a uma assistência integral aos usuários do SUS nos três níveis de Atenção à Saúde6. Vejamos, a seguir, cada um desses importantes marcos. Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 9 Período anterior à instituição da PNASA: Destacaram-se, nesse período, ações pontuais de concessão de Amplificação Sonora Individual (AASI) e cirurgias de Implante Coclear (IC). Apesar de importantes, essas ações estavam centradas no modelo biomédico e não garantiam integralidade no atendimento, tampouco constituíam uma rede de cuidados. Apesar das pequenas conquistas, foi um período de intensa luta social. Foram dados os primeiros passos na direção de uma política integral às pessoas com deficiência auditiva e surdas. Período de implementação da PNASA: A política propôs estruturar as redes de serviços de maneira regionalizada e hierarquizada, com atendimento universal, equitativo e integral, com estratégias direcionadas à promoção, prevenção, tratamento e reabilitação das pessoas com deficiência auditiva. Além disso, diferentes ações aconteciam paralelamente à implementação da PNASA, e diversas normas para a atenção à saúde de pessoas com deficiência foram implantadas. Período posterior à revogação da PNASA: O período atual, iniciado em 2011, redirecionou a maneira de se pensar a saúde das pessoas com deficiência auditiva. Todas as ações direcionadas às pessoas com deficiência foram inseridas em um único marco legal, contemplando todos esses indivíduos em “ações macro”. Período I 1976 - 2002 Período II 2004 - 2012 Período III 2012 - atual Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA) Antes de abordarmos maiores detalhes da Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA), é válido destacarmos a categorização de três períodos que vão desde os anos anteriores a essa política, até o posterior à sua revogação5. Vejamos a seguir: Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 10 PARA SABER MAIS! Recomendamos a leitura completa do levantamento documental realizado por Vieira (2013): Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva: o caso do município de São Paulo. 2013. 183 p. Dissertação (Programa de Pós Graduação em Saúde Pública - Mestrado em Ciências) — Universidade de São Paulo. Clique aqui e acesse o material. Considerando a PNASA um importante marco regulatório na estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência, quais as características dessa política que a tornaram tão distinta dos marcos legais antecessores? Para responder a essa pergunta, serão apresentados, a seguir, os seus componentes, objetivos e diretrizes. A PNASA constituiu-se com a finalidade de fortalecer a capacidade de resposta do sistema de saúde para a deficiência auditiva em todos os níveis de atenção do SUS, a partir da implantação de redes estaduais de atenção à saúde auditiva que contemplam ações de prevenção, diagnóstico e reabilitação7. Por isso, trata-se de um importante marco na estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência. Diante disso, no intuito de organizar a PNASA, a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) publicou a Portaria SAS/MS n.º 587 e a Portaria SAS/MS n.º 589 para normatizar, organizar e implantar as Redes Estaduais de Atenção à Saúde Auditiva e para operacionalizar os Serviços de Atenção à Saúde Auditiva, respectivamente. Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6135/tde-16122013-133238/pt-br.php 11 Assim, os componentes da política foram organizados nos níveis de atenção do SUS, com destaque aos princípios e diretrizes de universalidade, equidade, regionalização, hierarquização e integralidade da atenção à saúde8. Vejamos, a seguir, como a PNASA passou a organizar os serviços das Redes Estaduais de Atenção à Saúde Auditiva: AÇÕES DE SAÚDE AUDITIVA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE (APS): competências de promoção à saúde auditiva, prevenção e identificação precoce das alterações auditivas, além do papel do desenvolvimento de ações educativas e de orientação familiar nos diversos segmentos: gestantes, recém-nascidos, pré-escolares, escolares, jovens, trabalhadores e idosos. Além disso, coube à APS realizar encaminhamentos, quando necessário, para o Serviço de Atenção à Saúde Auditiva na Média Complexidade9. SERVIÇOS DE ATENÇÃO À SAÚDE AUDITIVA NA ALTA COMPLEXIDADE: referência para o diagnóstico, tratamento e reabilitação de crianças com perda auditiva até três anos e pacientes com afecções associadas (neurológicas, psicológicas, síndromes genéticas, cegueira, visão subnormal). A esses serviços atribui-se também a competência de atender às pessoas com perda auditiva unilateral e indivíduos com dificuldades na realização da avaliação audiológica em serviço de menor complexidade. Neste sentido, devem contar com equipamentos para realizar o diagnóstico diferencial das perdas auditivas8. SERVIÇOS DE ATENÇÃO À SAÚDE AUDITIVA NA MÉDIA COMPLEXIDADE: atribuições do diagnóstico e da terapia especializada, garantidas a referência e contra referência com as devidas condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos adequados ao atendimento às pessoas com risco ou suspeita para perda auditiva e pessoas com deficiência auditiva. Coube a esses serviços realizarem triagem e monitoramento da audição de neonatos, pré-escolares e escolares, bem como, diagnóstico, tratamento e reabilitação de crianças com perda auditiva a partir de três anos, de jovens, de adultos, incluindo os trabalhadores, e de idosos, respeitando as especificidades da avaliação e reabilitação exigidas para cada um desses segmentos9. Além dos importantesavanços nos enunciados da PNASA, quais foram os resultados concretos obtidos após a sua publicação? Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 12 Como importantes avanços na saúde auditiva no país após a implantação da PNASA, tivemos um crescimento expressivo no número de procedimentos de diagnóstico e dispensação de AASIs. Em acréscimo, observou-se um incremento no número de terapias, sugerindo uma reorganização dos serviços com a compreensão da relevância do processo terapêutico para a reabilitação auditiva10. Além disso, no período entre 2005 e 2010, houve um aumento significativo no credenciamento dos estabelecimentos de saúde auditiva no Brasil de média e alta complexidade. No entanto, houve nas regiões Norte e Centro-Oeste um número de serviços credenciados aquém do verificado nas demais regiões, o que reduz significativamente o acesso das pessoas com deficiência auditiva e surdas no país aos serviços especializados10. A PNASA e as Políticas de Assistência à Pessoa com Deficiência Física e de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual trouxeram propostas de práticas e ações específicas para as pessoas com deficiência, além de terem ampliado a visibilidade das demandas das pessoas com deficiência, que antes estavam à margem de normas mais gerais do SUS. Contudo, apesar dessas importantes conquistas, verificou-se uma fragmentação na atenção às pessoas com deficiência. De fato, o modelo vigente à época, mesmo com os avanços apontados, não conseguiu uma articulação consistente com os pontos e níveis de atenção à saúde do SUS. Ademais, demonstraram pouca eficácia na atenção às pessoas com deficiência11. Diante disso, considerando as políticas de atenção à pessoa com deficiência, vejamos a seguir o histórico da implementação da Rede de Atenção à Saúde da Pessoa com Deficiência: Reabilitação Saúde Auditiva Reabilitação para Pessoas Ostomizadas Deficiência Intelectual transferência de recursos e credenciamento pelos Estados Reabilitação Visual 2001 2002 2004 2008 2009 Vamos conhecer o modelo de Rede que passou a ser adotado para superar as limitações das políticas de atenção à saúde das pessoas com deficiência? Serão apresentadas, a seguir, as características básicas da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência e como a atenção à saúde auditiva passou a ser organizada. Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 13 É possível que você tenha concluído que esse contexto inspirou alterações na política de atenção às pessoas com deficiência. Então, como foram essas mudanças? Como a atenção à saúde auditiva foi alterada? Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do SUS A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU) foi legitimada e incorporada à legislação brasileira em 2008, com equivalência de emenda constitucional, o que firmou o compromisso do Estado brasileiro em garantir a equiparação de oportunidades entre pessoas com e sem deficiência em todo o território nacional11. Assim, o governo à época instituiu o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite, por meio do Decreto 7.612/2011, o que trouxe uma mudança no sentido da elaboração das políticas públicas destinadas às pessoas com deficiência, de forma interministerial e abrangendo demandas da sociedade civil11. Nesse sentido, o Ministério da Saúde instituiu a Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência em 2012, por meio da Portaria MS/GM n.º 793 (Anexo VI da Portaria de Consolidação nº 3/GM/MS de 28 de setembro de 2017), que se estruturou com a finalidade de rever os conceitos e práticas do cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência11. A atual política integra todas as deficiências em apenas um marco normativo, induz a criação de grupos condutores estaduais e municipais para a gestão da rede de cuidados à pessoa com deficiência, os quais têm a atribuição de trabalhar com instrumentos de planejamento como o diagnóstico situacional, a conformação de planos e criação de indicadores de avaliação para a implementação da política. No âmbito da organização dos serviços, propõe a criação de linhas de cuidados integrais para as deficiências com ações nos três níveis de complexidade do sistema. Também se observa um financiamento não restrito apenas à produtividade dos serviços, havendo também a disponibilidade de verba de custeio, bem como incentivos financeiros para a aquisição de equipamentos e ações de educação permanente7. Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 14 Dessa forma, a Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência propõe implantar uma política pública para atender, de forma ampliada e articulada, às demandas das pessoas com deficiência nos diferentes níveis de atenção. Na busca do cuidado integral, essa política normatiza uma rede que perpassa os diversos serviços de saúde12. Como pontua Dubow, Garcia e Krug12 o cuidado às pessoas com deficiência está articulado em Rede de Atenção à Saúde (RAS). Para tanto, as necessidades da população, as demandas regionais e os arranjos territoriais devem ser considerados. Dessa forma, a atenção em saúde centralizada no território possibilita a concepção dos projetos terapêuticos singulares, para ampliar as possibilidades de equidade e de cuidado integral mais efetivamente. Diante disso, a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência é formada pelos seguintes componentes: Atenção Primária Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência Atenção Especializada em Reabilitação Auditiva, Física, Intelectual, Visual, Ostomia e em Múltiplas Deficiências Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas A estimulação em formatos de Redes também teve influência da RAS, a Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, que estabelece diretrizes para organização das Redes de Atenção à Saúde (RAS), no âmbito do SUS no qual consta a seguinte conceituação das RAS: “São arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado13." 15 IMPORTANTE Os referidos componentes da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência devem estar articulados entre si, com garantia do cuidado integral e do acesso regulado a cada ponto de atenção e/ou aos serviços de apoio. Nessa perspectiva, e para garantir o cuidado e acesso equânime, os componentes devem atender às seguintes especificidades: acessibilidade; comunicação; manejo clínico; medidas de prevenção da perda funcional, de redução do ritmo da perda funcional e/ou da melhora ou recuperação da função; além de medidas da compensação da função perdida e da manutenção da função atual. São diretrizes da Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência: Promoção da autonomia e da inclusão das pessoas com deficiência; Garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; Desenvolvimento de atividades no território que favoreçam a inclusão social, com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania; Organização dos serviços em Rede de Atenção à Saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado; Enfrentamento de estigmas e preconceitos, promovendo o respeito pela diferença e a participação efetiva das pessoas com deficiência nos diversos campos sociais; Atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas; Ênfase em serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle social dos usuários e de seus familiares; Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas comdeficiência auditiva e surdas 16 Desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com deficiência física, auditiva, intelectual, visual, ostomia e múltiplas deficiências, tendo como eixo central a construção do projeto terapêutico singular; Desenvolvimento de ações intersetoriais de promoção e prevenção à saúde em parceria com organizações governamentais e da sociedade civil; Organização das demandas e dos fluxos assistenciais da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência. Garantia de acesso à reabilitação, visando à reinserção das pessoas com deficiência no campo do trabalho, da educação e da vida social; Produção de oferta de informações sobre direitos das pessoas, medidas de prevenção e de cuidado, bem como sobre os serviços disponíveis na rede, por meio de cadernos, cartilhas e diretrizes de cuidado à pessoa com deficiência; Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas IMPORTANTE A portaria nº 2.776, de 18 de dezembro de 2014- cuidado hospitalar de Alta Complexidade, aprova diretrizes gerais, amplia e incorpora procedimentos para a Atenção Especializada às Pessoas com Deficiência Auditiva no Sistema Único de Saúde (SUS). 17 Considerações finais Com esta leitura, conhecemos os marcos legais considerados fundamentais para a constituição da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas. Nesse cenário, destacaram-se a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA) e a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do SUS. O percurso histórico composto por essas importantes políticas foi muito importante para que pessoas com deficiência passassem a ser vistas com um outro olhar e tivessem a garantia de direitos básicos e essenciais à sua saúde. Até a próxima! Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 18 [1] BAPTISTA, T. W. F.; MATTOS, R. A. Sobre política - (ou o que achamos pertinente refletir para analisar políticas). In: MATTOS, R. A. de; BAPTISTA, T. W. de F. (org.). Caminhos para Análise das Políticas de Saúde. Série Interlocuções. Práticas, experiências e pesquisas em saúde. 1. ed. cap. 2, p. 83 – 129. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2015. Disponível em: <http://editora.redeunida.org. br/project/caminhos- para-analise-das-politicas-de-saude/>. [2] BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – Versão Comentada. Brasília, 2008. [3] BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Tecnologia Assistiva. Comitê de Ajudas Técnicas, Brasília, 2009. [4] BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Avanços das Políticas Públicas para as Pessoas com Deficiência: Uma análise a partir das Conferências Nacionais. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – Versão Comentada, Brasília, p. 1 – 2, 2008. [5] VIEIRA, G. I. Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva: o caso do município de São Paulo. 2013. 183 p. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública - Mestrado em Ciências) — Universidade de São Paulo. Disponível em: <https:www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6135/tde-16122013-133238/ publico/Gislene.pdf >. [6] ANDRADE, C. L. et al. Programa Nacional de Atenção à Saúde Auditiva: avanços e entraves da saúde auditiva no Brasil. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, Salvador, v. 12, n. 4, p. 404 – 410, Dezembro, 2013. Disponível em: <https:// portalseer.ufba.br/index.php/cmbio/article/view/9181/6749>. Referências Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 19 [7] PEIXOTO, M. V. S.; CHAVES, S. C. L. Análise da implantação da política nacional de atenção à saúde auditiva. 2013. Dissertação (Mestrado) — Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Saúde Coletiva, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Saúde Comunitária. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/11562/1/DISS%20 MARCUS%20VALERIUS.%202013.pdf>. [8] BRASIL. Portaria nº 2.073 de 28 de setembro de 2004. Institui a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Diário Oficial da União, Ministério da Saúde, 2004. Disponível em: <http: //bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2004/ prt2073_28_09_2004.html>. [9] BRASIL. Portaria nº 587 de 07 de outubro de 2004. Diário Oficial da União. Ministério da Saúde, 2004. Disponível em: <http: //bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/sas/2004/prt0587_07_10_2004.html>. [10] BEVILACQUA, M. C. et al. Contribuições para análise da política de saúde auditiva no Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, v. 16, n. 3, p. 252 – 259, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsbf/v16n3/04.pdf>. [11] Brasil. Ministério da Saúde. Diálogo (bio) político sobre alguns desafios da construção da Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência do SUS. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. [12] DUBOW, C.; GARCIA, E. L.; KRUG, S. B. F. Percepções sobre a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência em uma Região de Saúde. Saúde Debate, Rio de Janeiro,v. 42, n. 117, p. 455 – 467, Abril-Junho 2018. [13] BRASIL. MInistério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). 2010. Disponível em: https:// bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html Marcos regulatórios para estruturação da rede de atendimento às pessoas com deficiência auditiva e surdas 20
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