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1 CURRÍCULO E MÉTODOS NA EDUCAÇÃO DE TEMPO INTEGRAL 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA .......................................................................................... 2 1 – INTRODUÇÃO ........................................................................................... 4 2 - HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL ............................. 7 3- CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGRAL COMO AFIRMAÇÃO DO COMPROMISSO COM A SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES .......................... 11 4 - DEFINIÇÃO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL ................................................ 13 5 - EDUCAÇÃO INTEGRAL: UMA PROPOSTA CONTEMPORÂNEA, INCLUSIVA, SUSTENTÁVEL E FUNDAMENTAL PARA A SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES ................................................................................................... 15 6 - SABERES NECESSÁRIOS A ELABORAÇÃO DO CURRÍCULO ............ 17 6 - CURRÍCULO INTEGRADO ...................................................................... 20 7 - CAMPOS DE INTEGRAÇÃO CURRICULAR ........................................... 22 7.1 - FONTES DO CURRÍCULO ................................................................... 23 8 - AS DEZ COMPETÊNCIAS GERAIS DA BNCC ...................................... 24 9 - A EDUCAÇÃO INTEGRAL É UMA METODOLOGIA QUE BUSCA DESENVOLVER O ESTUDANTE EM DIVERSOS ASPECTOS .............................. 27 Mas, o que isso quer dizer na prática? ............................................... 28 Quer implementar a educação integral? ............................................ 28 10 - POR UMA PRÁXIS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL E INTEGRADA ......... 30 11- RELAÇÃO ESCOLA E COMUNIDADE ................................................... 38 12 - TEMPOS E ESPAÇOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL ............................. 43 12. 1 - AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INTEGRAL ......................................... 46 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 50 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 4 1 – INTRODUÇÃO Compreende-se que a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) pode se constituir como uma oportunidade para o debate curricular nas redes. No entanto, para que a Educação Integral possa de fato se converter em uma proposta estruturante dos currículos e das práticas pedagógicas e de gestão das escolas é fundamental que processos participativos sejam implementados e que condições de formação sejam garantidas. Assim, este material visa contribuir com a elaboração de subsídios para a matriz curricular a partir da BNCC, sugerindo processos participativos de construção curricular nas redes, oferecendo referências e instrumentos. Esta metodologia se propõe como ponto de partida que possa ser recriado, contextualizado e ampliado em cada rede. A política curricular em Educação Integral prevê um modelo de gestão integrada que garanta a unidade na rede municipal de educação ao mesmo tempo em que sustenta o exercício da autonomia de cada escola e sua relação com o território. Resumidamente, assim se define o papel de cada instância: Sabendo que a sociedade vem alcançando constantes mudanças e com isso enfrentando uma problemática de atendimento às necessidades populacionais, torna- se imprescindível a aplicação de formas diferenciadas que atendam as dificuldades existentes. Uma das formas é a discussão que se tem realizada sobre a implantação da Escola em Tempo Integral. A escola em tempo integral é uma possibilidade que a sociedade pode considerar como relevante no processo de combate à criminalidade, violência, drogas, entre outros, pois, evita que a criança fique em situação de risco, mantendo-se ocupada nas atividades oferecidas pela instituição de ensino. As famílias não têm tido suporte suficiente para superar as deficiências encontradas ao longo do crescimento dos filhos, uma vez que, necessitam estar no mercado de trabalho para manter as necessidades básicas, como saúde, alimentação, vestuário, moradia. Portanto, falar em escola de tempo integral é também oferecer subsídios que favoreçam a superação dos problemas já inseridos na sociedade. Uma das formas que poderá auxiliar nesse sentido, é uma organização positiva que busque atrair as crianças para uma educação integral, ou seja, aquela que vê a criança como um todo, integrado, cognitivamente, psicologicamente e socialmente, buscando por meio de atividades diversificadas, transformar atitudes, comportamentos, 5 pensamentos, na busca de formar cidadãos ativos e participantes na construção da sociedade, valorizando a criança e oferecendo a instrução adequada, pois assim dificilmente se evadirá do ambiente escolar para as ruas. Ao analisar o currículo, referimos à ideia de sociedade e de homem que temos atualmente, visualizando uma pedagogia que analisa e atua sobre a mesma, levando em conta o momento histórico. Portanto, a criança ao ser inserida em uma escola de tempo integral, será instruída em seu espaço e tempo, valores estes que constituem a tessitura social. Partindo desse pressuposto, abordamos a discussão dos direitos e deveres constituídos por lei e analisados sob o olhar do tipo de escola que tínhamos e a que temos hoje. Faz-se uma analogia que garante o espaço de conclusão do perfil do aluno. O aluno era passivo e o professor o transmissor dos conteúdos. Hoje, o aluno é ativo e o professor o mediador do conhecimento, buscando a interação de tal forma que venha desempenhar sua função e atingir o desenvolvimento das competências que o aluno poderá alcançar. A escola em tempo integral não é uma discussão nova. Desde 1962 já se discutia a possibilidade desse tipo de atendimento. A lei 9394/96, o ECA e PNE, trazem possibilidades assertivas de caráter optativo para o desenvolvimento de uma escola em tempo integral, assegurando a implantação de forma positiva. Os PCNs também trazem sua colaboração no que tange a temática, associando a realidade local e social onde se insere a criança. Além disso, os temas transversais são de possibilidades extraordinárias que possibilitam ao professor debater e transformar os conteúdos em aprendizagens significativas. Ainda, se discute a interdisciplinaridade como forma de assegurar o conteúdo a ser aprendido de forma significativa, utilizando-se de projetos como estratégia, o que irá facilitar a interatividade e o processo de assimilação. Lembramos ainda, dos quatro pilares da educação: Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver. A partir de uma escola em tempo integral, a probabilidade de percorrer o caminho rumo à meta dos pilares é muito maior. Sem dúvida é uma alternativa muito positiva e significativa do ponto devista social e humano. 6 Comungando com os pilares, temos Paulo Freire que defende uma educação problematizadora, onde o aluno é o sujeito da aprendizagem, parte principal de todo o processo de ensino. É uma aprendizagem significativa e problematizadora, ou seja, que vê o aluno como ser que pensa e age e deve ter a liberdade de se expressar e criar ideias a partir de suas vivências com o mundo ao seu redor, construindo sua aprendizagem. É notório então, o valor desse pensamento junto à escola de tempo integral, pois, oferece os ajustes ao indivíduo marginalizado pela sociedade e ainda o integra aos saberes sociais, sentindo-se parte integrante na construção e transformação da sociedade. Para tanto, é necessário que se faça uma avaliação contínua, que supere a passividade. Uma escola assim, se fará com professores diferentes, que percebem nos alunos possibilidades de aprendizagem e não apenas como meros agentes receptivos ausentes do processo. Ao mudar o olhar que se tem da aprendizagem e da avaliação, as atividades se tornarão mais facilitadoras do processo, no sentido de incluir e não excluir. Grandes projetos virão e se tornarão agentes reais de uma sociedade. Pensemos no quanto essas crianças que hoje estão nas ruas, têm a ganhar, quando implantada uma escola integral, que ofereça uma educação também integral, com profissionais capacitados, que investem seu tempo na busca da dignidade humana, que não vê dificuldades, mas possibilidades, que faz a diferença e não repete o que já está vigente e que vê no aluno alguém capaz de aprender, bem como transformar essa aprendizagem em prática diária de transformação. Enquanto limitarmos os alunos à mera transmissão de conteúdo, dificilmente construiremos uma escola de tempo integral capaz de desenvolver o cidadão como pessoa, sujeito da história. 7 2 - HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL Com suas origens ainda na década de 1930, com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, e mais tarde, na década de 1950, com a criação da Escola Carneiro Ribeiro e das Escolas-Parque/Escolas-Classe, por Anísio Teixeira, a proposta de ampliação de tempos, espaços, sujeitos e oportunidades educativas da escola começou a ganhar força e visibilidade. Anísio Teixeira defendia a escola de tempo integral, mas também o enriquecimento do programa curricular com atividades práticas, tornando a escola parte da comunidade e conectada à vida. A concepção de Teixeira de um projeto educacional 8 para o Brasil já considerava a necessária e indissociável relação escola-comunidade. Para ele, a educação não podia estar limitada ao espaço-tempo da escola, uma vez que a aprendizagem só é possível se contextualizada. Assim, aprendemos algo para executar uma ação, uma tarefa e/ou para compreender melhor o mundo em que vivemos e atuar na sua transformação. A educação centrada no conteúdo por si mesmo, apartado do contexto, carece de sentido e não mobiliza o interesse dos estudantes. Na década de 1980, inspirado no projeto das Escola-Parque de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro idealizou os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), durante sua gestão como secretário de Educação no Estado do Rio de Janeiro, no governo de Leonel Brizola. Ribeiro trouxe novamente para o centro do debate a necessidade de um programa de Educação Integral. Mesmo tendo como objetivo proporcionar educação, esporte, cultura, assistência social, segurança alimentar e saúde aos estudantes das escolas públicas, o programa ficou muito marcado pela ampliação de jornada e pela força do projeto arquitetônico, concebido por Oscar Niemeyer, o qual – muitos acreditavam – tinha primazia sobre o projeto pedagógico. Desde então, diversas iniciativas de Educação Integral foram implementadas no Brasil, mas foi em 2001 que o tema voltou ao debate nacional com a proposta dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), na cidade de São Paulo. Eles foram concebidos como um projeto Inter secretarial, integrando Educação, Esporte e Cultura, com forte articulação com a comunidade e gestão democrática e participativa. A Educação Integral se fortaleceu ainda mais quando, em 2007, o governo federal instituiu por meio de Portaria Interministerial, o Programa Mais Educação como estratégia de ampliação da jornada escolar e organização curricular na perspectiva da Educação Integral, inspirado no conceito de Bairro-Escola criado pela Associação Cidade Escola Aprendiz e aprofundado como política pública pelos municípios de Nova Iguaçu (RJ) e Belo Horizonte (MG). O Mais Educação, entendido como uma ação indutora de políticas municipais de Educação Integral, possibilitou a expansão da jornada e a diversificação das atividades, sem necessariamente ampliar o espaço físico das escolas ou o número de docentes. O programa passou a reconhecer que educadores populares e demais 9 agentes dos territórios podem criar uma rede capaz de atuar junto aos professores e funcionários das escolas. Assim, as unidades da rede foram estimuladas a estabelecer parcerias com espaços externos que poderiam oferecer uma prática educativa. Essa expansão do território educativo demandou, por sua vez, uma maior conexão entre a escola e o seu entorno, ao passo que também possibilitou que essas instituições se reconhecessem como parte de um sistema mais complexo, composto por organizações e agentes de educação formal, não formal e informal. A linha do tempo traz movimentos e marcos legais que afirmam paulatinamente no Brasil a concepção de educação para o desenvolvimento integral como perspectiva de garantia de direitos e superação de desigualdades a partir da escola e da articulação de um território educativo que a alargue e situe: o movimento escola novista, cujo marco é o manifesto dos pioneiros da educação de 1932; a proposta das escolas parque de Anísio Teixeira na Bahia; a proposta de educação popular e os círculos de leitura comunitários de Paulo Freire; a proposta dos CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública) propostos por Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro; a instituição do direito à educação para o pleno desenvolvimento proposto pela Constituição federal de 1988; o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, a Lei Orgânica da Assistência Social e a Lei de Diretrizes de Bases da Educação em 1996; A Política Nacional Mais Educação de indução da ampliação de ofertas curriculares socioeducativas em contra turno escolar; as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica de 2010; no Plano Nacional de Educação de 2015 (ampliando e aprofundando o PNE de 2001) e na Base Nacional Curricular Comum de 2017. 10 Isso significa que não estamos falando apenas da incorporação de novos equipamentos que passam a ser conectados à escola, mas também do surgimento de novos espaços de gestão e de pactuarão da política pública de educação. Assim, o Mais Educação, com seu caráter Inter setorial, estimulou a articulação das políticas socioeducativas existentes, provocando os gestores públicos e levando-os a reconhecer a possibilidade de estabelecer novos arranjos para programas de Educação Integral. Embora concebido como indutor de uma política de Educação Integral, o Programa Mais Educação não chegou a desenhar uma estratégia articulada para a implementação de uma política pública federal, tendo circunscrito seu alcance aos amplos debates e experimentações de novos arranjos e possibilidades. 11 3- CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INTEGRAL COMO AFIRMAÇÃO DO COMPROMISSO COM A SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES A partir da instalação do Estado Democrático de Direito no Brasil, conforme preconizado pelo Artigo 205 da Constituição Federal da República, a educação adquire significação enquanto fonte de equidade quando se coloca sob a égide dos direitos. O texto constitucionaldelega responsabilidade partilhada sobre a educação entre o Estado e a família, com a colaboração da sociedade, visando o pleno “desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Essa atribuição dialoga com o artigo 6º, identificando a educação como o primeiro dos direitos sociais, sendo a base para o pleno exercício dos direitos civis, políticos e econômicos. A educação, assim concebida, é condição para a dignidade humana e, portanto, um direito humano fundamental. 12 Quando o que se defende é a concepção de Educação Integral, a escola é concebida como espaço de produção de conhecimento, pesquisa, construção de valores, participação coletiva e desenvolvimento da autonomia de alunos e profissionais. Em um país tão diverso e desigual como o Brasil, as diferenças – étnico-raciais, sociais, de gênero – precisam ser trazidas da margem para o centro do currículo, na forma de reconhecimento das identidades e do conhecimento produzido por diferentes grupos sociais. Isso envolve a postura crítica de todos os professores ao questionar, pensar e problematizar seus objetos de conhecimento também a partir de perspectivas negras, indígenas, incluindo perspectivas femininas, além das tradicionais brancas, europeias e masculinas. Assim, a construção do currículo torna-se uma oportunidade de pensar “Quem somos? ” E como contamos as histórias sobre quem somos por meio de práticas de construção de conhecimento (de competências, de habilidades, de comportamentos e de valores). Em torno deste currículo que se interroga, passa a ser possível a consolidação de uma “comunidade entre diferentes”, em que o que é compartilhado não é fundamentalmente uma “identidade” dada como certa, pronta e acabada, mas uma possibilidade que se constrói coletivamente a partir da ação como sujeitos, em sua diversidade, pensando-se a partir de suas questões e da mediação do ensino das áreas do conhecimento (o mundo). 13 4 - DEFINIÇÃO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL A FORMAÇÃO HUMANA é um processo integral. Acontece o tempo inteiro, ao longo de toda a vida e em todos os espaços. É também trajetória social e trilha individual, em que valores, linhas de pensamento e formas de organização social se fundem com as escolhas, preferências e habilidades de cada um. A defesa da Educação Integral pressupõe garantir o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões: intelectual, física, afetiva, social e cultural. Para isso, pressupõe também a existência de um projeto coletivo, compartilhado por estudantes, famílias, educadores, gestores e comunidades locais. A Educação Integral vem sendo construída por um movimento brasileiro que ganhou força no final da década de 1990 como uma concepção que propõe a constituição de políticas e práticas educativas inclusivas e emancipatórias. Ao posicionar o estudante e seu desenvolvimento no centro do processo educativo, reconhecendo-o como sujeito social, histórico, competente e multidimensional, a Educação Integral tem contribuído para reconectar o sentido da escola e da educação com sua vida. 14 “O que se observa nas discussões de vários autores, especialmente os clássicos da pedagogia, é que, quando se fala em Educação Integral, fala-se de uma concepção de ser humano que transcende as concepções redutoras que hoje predominam na educação, por exemplo, as que enfatizam apenas o homem cognitivo ou o homem afetivo. A integralidade da pessoa humana abarca a intersecção dos aspectos biológico-corporais, do movimento humano, da sociabilidade, da cognição, do afeto, da moralidade, em um contexto tempo-espacial. Um processo educativo que se pretenda “integral” trabalharia com todos estes aspectos de modo integrado — ou seja — a educação visaria à formação e ao desenvolvimento humano global e não apenas ao acúmulo informacional. ” (GATTI apud GUARÁ, 2006, p. 16). Todo indivíduo é multidimensional e é necessária uma articulação de atores que apoiem e sustentem seu desenvolvimento integral no território. 15 5 - EDUCAÇÃO INTEGRAL: UMA PROPOSTA CONTEMPORÂNEA, INCLUSIVA, SUSTENTÁVEL E FUNDAMENTAL PARA A SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES A Educação Integral enquanto concepção educacional se sustenta por quatro princípios: equidade, inclusão, contemporaneidade e sustentabilidade. A Educação Integral promove a equidade ao reconhecer o direito de todos e todas de aprender e acessar oportunidades educativas diferenciadas e diversificadas a partir da interação com múltiplas linguagens, recursos, espaços, saberes e agentes, condição fundamental para o enfrentamento das desigualdades educacionais. 16 A Educação Integral é inclusiva porque reconhece a singularidade dos sujeitos, suas múltiplas identidades e se sustenta na construção da pertinência do projeto educativo para todos e todas; A Educação Integral é uma proposta contemporânea porque, alinhada às demandas do século XXI, tem como foco a formação de sujeitos críticos, autônomos e responsáveis consigo mesmos e com o mundo. A Educação Integral é uma proposta alinhada com a noção de sustentabilidade porque se compromete com processos educativos contextualizados, sustentáveis no tempo e no espaço, com a integração permanente entre o que se aprende e o que se pratica. A Lei n° 9.394/96 (LDB), em seus arts. 34 e 87, prevê o aumento progressivo da jornada escolar para a jornada em tempo integral, conforme segue: Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola. [...] § 2º O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino. […] Art. 87 § 5º Serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral. O Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005/2014, garante a oferta de Educação Integral em seus Objetivos e Metas: Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) da escola pública, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica. Estratégia 6.1: promover, com o apoio da União, a oferta de educação básica pública em tempo integral, por meio de atividades de acompanhamento pedagógico e multidisciplinares, inclusive culturais e esportivas, de forma que o tempo de permanência dos (as) alunos (as) na escola, ou sob sua responsabilidade, passe a ser igual ou superior a 7 (sete) horas diárias durante todo o ano letivo, com a ampliação progressiva da jornada de professores em uma única escola. 17 6 - SABERES NECESSÁRIOS A ELABORAÇÃO DO CURRÍCULO Façamos então, uma reflexão sobre currículo! A primeira delas é inserir o ato de ensinar. O ensino não se encarrega apenas de transmitir conhecimentos, mas de intervir na maneira de pensar e de agir. Assim sendo, o saber vai sendo acumulado na construção da sociedade, exigindo ser atualizado. Mas afinal, o que é currículo? A palavra currículo vem do latim que significa percurso, assim faz-se necessária a reflexão de um currículo que atenda a necessidade vigente. Ao citar currículo necessário é pensar sobre o tipo de sociedade e de homem, bem como as concepções filosóficas que irão compor esse mesmo currículo. 18 Partindo do currículo tradicional, que refletia uma listagem de matérias e disciplinas com seus devidos conhecimentos organizadas de forma lógica e precisa, que não considerava o indivíduo como sujeito da aprendizagem, mas como se passivo, é notável que os resultados dos dias atuais são decorrentes de uma pedagogia a ser superada. No decorrerdos anos alguns fatos fizeram com que o currículo fosse revisto, atendendo as necessidades da sociedade considerando o momento histórico. Portanto, o currículo deve partir da análise e reflexão do conceito de sociedade, de homem e de educação que forma uma sociedade. Assim, a escola poderá introduzir projetos e atividades que venha a atender as situações de forma proveitosa e real valorizando assim a atitude de ensinar. O que é ensinar? Para esta análise Paulo Freire faz menção de uma educação bancária em seu livro Pedagogia do Oprimido: A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos a uma memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente se “encher” tanto melhores educandos serão. Desta maneira a educação se torna um ato de “depositar”, em que os educandos ser tornam depositários e o educador depositante. (FREIRE, p.33). Aqui Freire ataca o currículo tradicional que reflete ações distanciadas do contexto do educando, bem como, não considera suas individualidades, sua realidade, seu modo de pensar e agir. Uma educação de reprodução e passividade. Nesse tipo de educação não há o diálogo. A comunicação torna-se unilateral. Como forma inversa a esse tipo de educação Freire defende um currículo que seja a expressão de uma educação problematizadora. Segundo FREIRE (1967 P. 44) “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação - reflexão. ” Assim, ele concretiza o conhecimento pela atitude de dialogar e exprimir palavras, não como privilégio de poucos, mas como direito de todos. Portanto é um ato de reflexão, de criação para libertação. À medida que o indivíduo dialoga, interage, torna-se participante ativo. Esse será o diferencial para a construção do conhecimento que liberta e não aprisiona. Que vê o mundo como um universo a ser descoberto e transformado. Assim para compreender melhor o mundo é preciso amor. Para Freire 19 (1967 p. 45), “Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há, amor que a infunda”. Partindo dessa concepção de que é possível educar com amor e ter a visão do educando como sujeito que ao participar aprende e compartilha, transforma, refletimos sobre o currículo que propomos ao pensar em uma escola em tempo integral. Assim Freire (1967 p. 49) faz o apontamento: Será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da situação ou da ação política, acrescentemos. O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta não só no risível intelectual, mas no nível de ação. (FREIRE, 1967m p.49). Assim, ao refletirmos esse apontamento nos deparamos com uma educação voltada para os interesses dos educandos. Que não oferece o conhecimento como algo pronto e definido por poucos, mas que busca em sua população os temas a serem trabalhados, denominados por ele como “Temas Geradores”. Os temas seriam abordados a partir da realidade vivencial dos educandos, discutindo e refletindo se aprenderiam os conteúdos. É assim que o educando não só aprende, mas reflete sobre o que se está aprendendo, com termos do cotidiano e com perspectivas de transformação. Ao propor uma escola em tempo integral faz-se necessário partir do pressuposto de que a educação leva a transformação. Transformação do ser como pessoa e do ambiente em que vive. Aumenta as possibilidades de extensão dos valores já esquecidos por uma sociedade individualista e desigual. Nesse sentido, se faz necessário apresentar como acontece a construção do currículo no interior da escola, para que possamos compreender que uma escola em tempo integral não poderá ser fragmentada, mas integrada de sentidos. Ao pensar em currículo como projeto, partimos do seu significado, que quer dizer lançar para adiante, assim planejamos o que temos a intenção de fazer, de alcançar em uma trajetória denominada educação. Ao proferir o significado de projeto político pedagógico Gadotti apud Ilma Passos A. Veiga (1995) ressalta: Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período 20 de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores. (VEIGA, 1994, p. 579). É de se considerar que ao fazermos uma analogia entre o projeto e currículo temos o que precisamos para a escola em tempo integral. Uma escola que atenda às necessidades de ações e não de passividade. Não mais um cumprimento de tarefas que se esgotam em “pacotes “de atividades elaboradas para serem cumpridas. A escola deverá atender as necessidades e problemas que surgem, não por uma política educacional planejada, mas pela realidade que se expressa atualmente. 6 - CURRÍCULO INTEGRADO A palavra “currículo” teve diferentes significados ao longo da história da Educação. Numa perspectiva mais tradicional, significa a lista dos conteúdos a serem ensinados. Em outras visões como a da Escola Nova, por exemplo, refere-se ao conjunto das experiências vividas pelo estudante sob a orientação da escola. No contexto do tecnicismo, reporta-se aos arranjos necessários para compatibilizar os objetivos com 21 os conteúdos e as atividades do processo de escolarização. Esses significados não são simplesmente substituídos uns pelos outros, mas permanecem no imaginário dos educadores, até de forma inconsciente - o que leva à necessidade de refletir sobre suas influências na prática pedagógica. As ideias mais atuais consideram o currículo não como algo feito, mas que se faz ao longo do tempo e é essa concepção que, aqui, adotaremos: o currículo como um processo que envolve escolhas, conflitos e acordos, que ocorrem em determinados contextos. Na perspectiva do Projeto Pedagógico para as Escolas de Ensino Fundamental de Minas Gerais, o currículo integrado é aquele que pode e deve ser praticado por todos os atores educativos da comunidade escolar, sejam eles gestores, pedagogos, professores da Educação Básica, educadores sociais e outros que atuem na escola com os professores e os estudantes, desde que este currículo seja amplamente discutido e construído com a participação dos jovens. Conceitualmente, Santomé (1998) explica que a denominação “currículo integrado” tem sido utilizada visando contemplar uma compreensão global do conhecimento e promover ações interdisciplinares na sua construção. A integração ressaltaria a unidade que deve existir entre as diferentes disciplinas e as formas de conhecimento nas instituições escolares. Bernstein (1996) afirma que a integração coloca as disciplinas e cursos isolados numa perspectiva relacional, de tal modo que o abrandamento dos enquadramentos e das classificações do conhecimento escolar promova maior iniciativa de professores e estudantes, maior integração dos saberes escolares aos saberes cotidianos dos jovens, combatendo a visão hierárquica e dogmática do conhecimento. Em síntese, o autor aposta na possibilidade de os códigos integrados garantirem uma forma de socialização apropriada do conhecimento, capaz de atender às mudanças em curso no mundo. Portanto,organizar uma proposta na perspectiva do Currículo Integrado significa muito mais que acrescentar novas disciplinas ou ofertar oficinas no contra turno diante da ampliação da jornada. Significa construir uma nova postura pedagógica, que rompa com a estrutura fragmentada do currículo, adotando uma abordagem integradora, que traga os estudantes para o centro do processo de formação e que conecte a sua experiência escolar à experiência social. 22 7 - CAMPOS DE INTEGRAÇÃO CURRICULAR Um campo de Integração Curricular se configura em uma ação curricular ou em um conjunto de atividades pedagógicas e coletivas, realizadas com grupos de estudantes em que se desenvolvem de forma integrada os conhecimentos e saberes, relacionando-os com os conceitos e conteúdos trabalhados nos componentes curriculares da base comum, explorando os tempos e o mais variados espaços da escola e do território, e construindo com os sujeitos envolvidos as ações de aprendizagem. Constitui-se como um catálogo de possibilidades de aprendizagens e de desenvolvimento de habilidades, a partir do qual se torna possível superar a fragmentação curricular e articular os saberes. Nesse sentido, o currículo construído em todas as suas dimensões e ações deve ser elaborado de forma a garantir a flexibilização, o protagonismo dos estudantes, o 23 desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes por meio de ações e atividades que contemplem a abordagem de conhecimentos, as experiências e atitudes que se materializam na formação humana integral, gerando reflexão crítica, criatividade, e ampliando o letramento social com autonomia. Um campo de integração curricular permite pensar para além da sala de aula teórica e reconhecer práticas e aprendizagens que podem ser realizadas em outros espaços que não apenas espaços convencionais de ensino e que traz aos estudantes, possibilidades de desenvolver competências e habilidades que os fortalecem enquanto sujeitos que buscam aprender, conhecer e ser feliz , e que também oferecem aos estudantes , condições de experimentar diferentes aprendizagens que os ajudarão na composição de seus projetos de vida. 7.1 - FONTES DO CURRÍCULO As fontes do currículo estruturam-se considerando as dimensões epistemológica, filosófica, socioantropológica e sociopsicopedagógica. • A base epistemológica: refere-se à compreensão do modo de produção do conhecimento, que se dá pela relação entre sujeito e objeto em circunstâncias históricas determinadas; em decorrência desta relação, o homem é produto das circunstâncias, ao mesmo tempo em que as transforma. Não há aprendizagem sem protagonismo do estudante, que constrói significados pela ação. • A base filosófica: a escola será compreendida e respeitada em suas especificidades temporais e espaciais, ou seja, históricas; o currículo será organizado para atender as características das fases do desenvolvimento humano, os aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores do (a) estudante e o trabalho pedagógico será flexível para assegurar o sucesso escolar. • A base socioantropológica: fundamenta um currículo que considera os significados socioculturais da cada prática, no conjunto das condições de existência em que ocorrem, que envolvem o estudante e sua comunidade; esta dimensão fornece os sistemas simbólicos que articulam as relações entre o sujeito que aprende e os objetos de aprendizagem. • A base sociopsicopedagógica: firma um currículo que considera a relação entre desenvolvimento e aprendizagem; promove o desenvolvimento intelectual na relação com o mundo; compreende a escola como espaço de trabalho cooperativo e coletivo 24 Essas dimensões têm por base a relação da escola, de seus diferentes interlocutores com o local onde se encontra, assim, a Proposta Pedagógica da Escola é construída a partir da pesquisa socioantropológica, da articulação com as instituições e atores sociais locais que tenham vínculos com as comunidades do entorno da escola e das discussões feitas nos quatro segmentos que compõem a comunidade escolar, para contemplar a diversidade em seus aspectos sociais, culturais, políticos, econômicos, éticos, estéticos, gênero e étnico. 8 - AS DEZ COMPETÊNCIAS GERAIS DA BNCC 25 O conjunto das dez competências que orientam a BNCC afirma uma concepção de Educação Integral e a importância do conhecimento em uso, no lugar do acúmulo de informações. Com essas competências, a Base retoma uma visão de educação para a vida que requer como princípios pedagógicos uma visão integrada da aprendizagem e do desenvolvimento humano, a contextualização na construção do conhecimento escolar e a participação ativa dos sujeitos envolvidos nos processos educativos, a começar pelos estudantes. A BNCC define competência segundo a concepção adotada nos últimos anos em vários documentos do Ministério da Educação e em instituições educacionais internacionais, como a ONU e a UNICEF, que explicita a relevância dos saberes em uso: “Competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. Ao definir essas dez competências, a BNCC reconhece que a educação deve afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a preservação da natureza, mostrando-se alinhada à Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU)14.” (BRASIL, 2017, p.8) As 10 dimensões das competências gerais propostas na BNCC como articuladoras das áreas do conhecimento e de todo percurso formativo na educação básica brasileira. As competências propriamente ditas são as ações ou a mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores nestas dimensões e nas áreas do conhecimento. ① Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social e cultural para entender e explicar a realidade (fatos, informações, fenômenos e processos linguísticos, culturais, sociais, econômicos, científicos, tecnológicos e naturais), colaborando para a construção de uma sociedade solidária. ② Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, 26 para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e inventar soluções com base nos conhecimentos das diferentes áreas. ③ Desenvolver o senso estético para reconhecer, valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também para participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. ④ Utilizar conhecimentos das linguagens verbal (oral e escrita) e/ ou verbo-visual (como Libras), corporal, multimodal, artística, matemática, científica, tecnológica e digital para expressar-se e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e, com eles, produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. ⑤ Utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas do cotidiano (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos e resolver problemas. ⑥ Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais para apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao seu projeto de vida pessoal, profissional e social, com liberdade, autonomia,consciência crítica e responsabilidade. ⑦ Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos e a consciência socioambiental em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. ⑧ Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas e com a pressão do grupo. ⑨ Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação para fazer- se respeitar e promover o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer. ⑩ Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, 27 resiliência e determinação para tomar decisões, com base nos conhecimentos construídos na escola, segundo princípios éticos democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. 9 - A EDUCAÇÃO INTEGRAL É UMA METODOLOGIA QUE BUSCA DESENVOLVER O ESTUDANTE EM DIVERSOS ASPECTOS Ao abordamos a temática educação integral qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça? Provavelmente é a ideia de que o tempo de permanência na escola se estende para dois períodos, ou seja, em vez das quatro horas habituais, os estudantes passam cerca de sete horas diárias na escola, em contato com aulas e atividades que estimulam suas formações. No entanto, esse é apenas um dos aspectos. Na verdade, a educação integral vai muito além da simples ideia de aumentar o tempo, pois consiste em repensar as aprendizagens oferecidas e estender os espaços onde elas acontecem. Nessa perspectiva, a escola teria o papel de propiciar um processo de ensino e 28 aprendizagem visando não apenas o desenvolvimento cognitivo, mas também o social, o físico e o afetivo do aluno e de todos os atores envolvidos na educação. Mas, o que isso quer dizer na prática? A iniciativa da educação integral busca conceber metodologias de ensino que vão além da ideia redutora de que somente o tempo de ensino ampliado é suficiente para que os estudantes possam aprender e desenvolver habilidades. Amplificando a compreensão, esse tipo de escola vem para reafirmar o direito de todas as crianças e todos os adolescentes à educação e ao acesso a diferentes conhecimentos. A base da educação integral é o diálogo entre educador e educando, para fomentar o interesse e participação desses estudantes em relação ao processo de construção de conhecimento. Ou seja, valorizar o ensino e reconhecer as necessidades do aluno, é uma forma de propiciar que eles se engajem cada vez mais a buscarem aprender coisas novas e aplicarem os conceitos conversados durante as aulas ou atividades relacionadas à educação. Inclusive, aumentar o leque de aprendizagens ajuda a reduzir as desigualdades entre os alunos do país. Outra premissa da educação integral que é muito importante no processo de ensino, é a repercussão de mais do que um tipo de conhecimento na educação dos estudantes. Por exemplo, é muito comum associarmos os métodos de ensino mais tradicionais à repercussão dos conhecimentos científicos e empíricos, o que na educação integral não corresponde à totalidade do processo. Nesse novo modelo, os educandos também aprendem os conceitos de formação básica, mas além disso são estimulados a exercitarem outras capacidades e inteligências, de modo a terem mais possibilidades de amadurecerem suas mentes. A educação integral pode ser aplicada em tempo integral, mas uma coisa não quer dizer necessariamente a outra. Entenda mais sobre as diferenças na tabela: Quer implementar a educação integral? Para contribuir com os educadores que desejam colocar em prática esse modelo de metodologia, elencamos um passo a passo que tornarão a compreensão dessa temática mais clara. Olha só: 29 O direito a uma educação de qualidade é a peça chave para a ampliação e a garantia dos demais direitos humanos e sociais. O objetivo final da educação integral é a promoção do desenvolvimento integral dos alunos, por meio dos aspectos intelectual, afetivo, social e físico. A educação deve promover articulações e convivências entre educadores, comunidade e famílias, programas e serviços públicos, entre governos e Organizações da Sociedade Civil, dentro e fora da escola. A escola faz parte de uma rede que possibilita a compreensão da sociedade, a construção de juízos de valor e do desenvolvimento integral do ser humano. Organizações e instituições da cidade precisam fortalecer a compreensão de que também são espaços educadores e podem agir como agentes educativos. Já a escola precisa fortalecer a compreensão de que não é o único espaço educador da cidade. O projeto político-pedagógico deve ser elaborado por toda a comunidade escolar refletindo a importância e a complementaridade dos saberes acadêmicos e comunitários. Ficar mais tempo na escola não é necessariamente sinônimo de educação integral; passar mais tempo em aprendizagens significativas, sim. 30 A escola funciona como um catalisador entre os espaços educativos e seu entorno e serve como local onde os demais espaços podem ser ressignificados e os demais projetos, articulados. Além de demandar a articulação de agentes, tempos e espaços, a educação integral se apoia na articulação de políticas (cultura, esporte, assistência social, meio ambiente, saúde e outras) e programas. 10 - POR UMA PRÁXIS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL E INTEGRADA Sob os liames de que a capacidade de conhecer e aprender se constroem a partir das trocas estabelecidas entre o sujeito e o meio, o espaço escolar deve ser pensado no dinamismo que é característico ao desenvolvimento do aprendente, não como objetos do processo de ensino/aprendizagem, não como passivas e nem meras 31 receptoras de informações que estão à sua volta, mas como sujeitos atuantes na captação, criação, maturação e desenvolvimento de saberes, conceitos e conhecimentos durante a aprendizagem. Se se busca compreender a escola como “negócio” – no sentido capitalista do termo – que interpreta uma educação de qualidade baseada principalmente em índices e resultados de avaliações externas, então se encaminhou ao fracasso o desenvolvimento do educando como cidadão crítico e emancipado (FREIRE, 2000), pois se alijou as oportunidades de desenvolvimento pleno do educando. Edgar Morin estabelece que: O homem da racionalidade é também o da afetividade, do mito e do delírio. O homem do trabalho é também o homem do jogo. O homem empírico é também o homem imaginário. O homem da economia é também o homem do consumismo (MORIN, 2001, p. 58). Ao homem plural, múltiplas realidades de aprendizado. Magda Soares, em “A Escolarização da Literatura Infantil”, definiu a escola como: Instituição em que o fluxo das tarefas e das ações é ordenado através de procedimentos formalizados de ensino e de organização dos alunos em categorias (idade, grau, série, tipo de problema, etc.), categorias que determinam um tratamento escolar específico (horários, natureza e volume de trabalho, lugares de trabalho, saberes a aprender, processos de avaliação e seleção, etc.). É a esse inevitável processo – ordenação de tarefas e ações, procedimentos formalizados de ensino, tratamento peculiar dos saberes pela seleção, e consequente exclusão, de conteúdo é a esse processo que se chama escolarização,processo inevitável, porque é da essência mesma da escola, é o processo que a institui e que a constitui (SOARES, 1999, p. 20- 21). A corporificação de saberes e conhecimentos, práticas e atividades, artes e expressões no que denominamos de escolarização é a finalidade da escola, criando- se contextos dialéticos entre os saberes escolares (formalizados em currículos e naquilo que lhes são inerentes: conteúdos, disciplinas, programas e metodologias) e os saberes comunitários em três pilares: currículo, conhecimento e cultura, formalizando o processo de ensino/aprendizagem em áreas de conhecimento escolar que concatenem esses saberes plurais em objetivos educacionais que reconheçam as necessidades do educando. 32 Nesse contexto de trocas materiais e culturais, de busca pela informação e posterior utilização desta para construção do conhecimento, a linguagem se inscreve como sistema mediador de todos os discursos. Em função dessa potencialidade de mediar nossa ação sobre o mundo (declarando e negociando), de levar outros a agir (persuadindo), de construir mundos possíveis (representando e avaliando), aumenta a necessidade e a relevância de novas práticas educacionais relativas ao uso de diferentes gêneros textuais e aos requisitos de um letramento adequado ao contexto atual (MEURER, 2002, p. 10). As práticas pedagógicas que se instauram na educação integral deverão estar de acordo com a constituição complexa e multifacetada do ser humano, de forma integralizada, condicionando as práticas pedagógicas da escola às diversas situações em que as dimensões de conhecimento plurais e caleidoscópicas se dão, instrumentalizando-se linguagens e saberes para atendê-las. A intervenção didática no processo de aprendizagem, tendo o professor o papel de mediador da aprendizagem, à proporção que se reconheça a escola como estação de conhecimento, deve seguir o caminho da mediação de saberes escolares e comunitários em vivências de ensino/aprendizagem que contextualizem conhecimentos, buscando-se a aplicabilidade destes em situações significativas de aprendizagem ao educando. Sobre o tema, escreveu Amália Simonetti: Entender a intervenção didática significa situar a sala de aula como microssistema visto de forma dinâmica e conectada com o planejamento, a ação e a avaliação do processo didático. A análise da prática educativa servirá de alicerce para o sucesso da intervenção pedagógica que vai mostrar a eficácia do ensino e da aprendizagem, sobretudo quando a professora assume o compromisso de realizar com competência seu oficio, visando atingir os objetivos didáticos e compreendendo como as aprendizagens se produzem (SIMONETTI, 2007, p.57). Essa integralização se dá, também, mediante a articulação da escola com outros espaços públicos de aprendizagens, governamentais ou não-governamentais, a fim de se destituir a imagem de nicho que é comum às escolas, através de projetos e programas que busquem o resgate histórico, cultural e social que integrem a escola, a comunidade e seu entorno. Erro deveras comum no ato de planejar de nossos educadores é ter o conteúdo como ponto de partida, elegendo-o como peça principal do ato de ensinar, quando, em 33 verdade, não é a ele que cabe esse papel. Pensar o processo de ensino/aprendizagem sem que antes se pondere acerca das reais necessidades que os educandos apresentem é desprovê-lo de sentido, de porquês. O conhecimento escolar é um conhecimento selecionado a partir de uma cultura social mais ampla, associado diretamente ao que se entende como conhecimento socialmente válido e legítimo. Porém, os processos de seleção e de legitimação desse conhecimento não são construídos a partir de critérios exclusivamente epistemológicos ou referenciados em princípios de ensino-aprendizagem, mas a partir de um conjunto de interesses que expressam relações de poder da sociedade como um todo em dado momento histórico. Dessa forma, atuam sobre o processo de seleção cultural da escola, em relações de poder desiguais, o conjunto de professores e professoras, aqueles que fazem parte do contexto de produção do conhecimento de uma área e a comunidade de especialistas em Educação (LOPES, 1998, p. 2-3). Como que em resposta às palavras de Lopes, a metodologia do Bairro-Escola (semente da Cidade Escola Aprendiz, pensado de forma a contextualizar saberes e conhecimentos escolares e comunitários) tem como fundação os pressupostos de que o ato de aprender é o ato de se conhecer e de intervir em seu meio e que “a educação deve acontecer por meio da gestão de parcerias, envolvendo escolas, famílias, poder público, empresas, organizações sociais, associações de bairro e indivíduos, capazes de administrar as potencialidades educativas da comunidade”. O Bairro-Escola se define como um novo modelo de gestão de potencialidades educativas, que busca transformar toda a comunidade em extensão da escola, trançando o processo de ensino-aprendizado à vida cotidiana. O espaço escolar deixa de se resumir à instituição e passa a ser todo o bairro. Como exemplo de sucesso, cite-se Nova Iguaçu e Vila Madalena, realidades que integralizaram a educação de seus aprendentes à vivência histórica, cultural e social do bairro, gerando cidadania, à proporção que currículo, conhecimento e cultura se tornaram ferramentas à transformação destes. Os pressupostos para tal ideia tem como base o fato que o ato de aprender é o ato de se conhecer e intervir em seu meio, alijando a concepção de que a educação se restringisse à escola em prol de uma construção alicerçada nos diálogos científicos, culturais, epistemológicos, sociais etc. da educação com todo o entorno da comunidade. 34 A cidade aprendiz, por conseguinte, é um desenvolvimento do Bairro-escola, surgido do processo de expansão do bairro. No entanto, para seu desenvolvimento, faz-se necessário que toda a estrutura e infraestrutura sejam empregadas para o bom desenvolvimento do aprendizado. Seguindo essa premissa, o Manual do Programa Mais Educação define que a educação integral deve se conectar com a vida do aprendente a fim de se erigir efetivamente o processo de ensino/aprendizagem: Essa estratégia promove a ampliação de tempos, espaços, oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes atores sociais, sob a coordenação da escola e dos professores. Isso porque a Educação Integral, associada ao processo de escolarização, pressupõe a aprendizagem conectada a vida e ao universo de interesses e de possibilidades das crianças, adolescentes e jovens. Conforme o Decreto n° 7.083/2010, os princípios da Educação Integral são traduzidos pela compreensão do direito de aprender como inerente ao direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária; e como condição para o próprio desenvolvimento de uma sociedade republicana e democrática. Por meio da Educação Integral, se reconhece as múltiplas dimensões do ser humano e a peculiaridade do desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens (BRASIL, 2011, p. 01). Sobre o tema, Paulo Roberto Padilha nos fala que: Se educamos sem dialogar com os saberes e experiências que os alunos trazem para a escola, estaremos contribuindo para dificultar as suas aprendizagens e para aumentar os índices de exclusão escolar. Portanto, inviabilizamos a inclusão educacional, cultural social e política, dificultamos a superação da desigualdade social, da violência que hoje ganha fôlego na sociedade mundial, e a manutenção e a conquista de novos direitos sociais, culturais, econômicos e políticos. E uma das maneiras de enfrentarmos esses desafios é investirmos mais tempo e energia, com rigor, seriedade e sempre com muita música e alegria, no que temos chamado de educação integral.Isso se faz tanto no cotidiano de nossas atividades escolares/comunitárias, como no âmbito de nossa participação e acompanhamento das diferentes políticas públicas em nossa sociedade (PADILHA, 2012, 361). O Programa Mais Educação, no desenvolvimento de suas atividades, organiza-se em macrocampos: Acompanhamento Pedagógico; Educação Ambiental; Esporte e 35 Lazer; Direitos Humanos em Educação; Cultura e Artes; Cultura Digital; Promoção da Saúde; Comunicação e uso de Mídias; Investigação no Campo das Ciências da Natureza e Educação Econômica. Estes, por sua vez, instrumentalizam experiências, vivências, competências, habilidades, conceitos, concepções e saberes, não ficando a prática pedagógica reduzida à transmissão de um conhecimento pronto, mas na operacionalização de pesquisas, análises, desenvolvimentos de hipóteses, observação, criação, questionamentos e descobertas. Um observador mais incauto poderia questionar o porquê de uma atividade como o Taekwondo, pertencente ao macrocampo Esporte e Lazer, fazer parte do rol de atividades do tempo integral, por uma visão imediatista de que isso não se refletirá em seu rendimento escolar. A esse observador, para suas próprias inferências, pergunte-se: a concentração e a disciplina necessárias ao Taekwondo não são também necessárias ao exercício da matemática? As noções de espaço, lateralidade e equilíbrio comuns a essa prática não são necessárias ao desenvolvimento psicomotor do educando? O conhecimento de uma nova cultura não propiciará ao aprendente a curiosidade da história e geografia de outros povos? Insista-se: Ao homem plural, múltiplas realidades de aprendizado. Nessa dimensão de integralização, a prática do Taekwondo ou de quaisquer outras atividades concernentes aos macrocampos não podem mais ser vistas como atividades extraclasses, pois pelo seu princípio, objetivo e método, observando-se competências e habilidades, todas as atividades ali realizadas são educativas, no sentido lato do termo, na contextualização e socialização efetivada na prática de ensino/aprendizagem. Tempos e espaços convergem a novas oportunidades de realização da aprendizagem. Igualmente, família, comunidade e sociedade, além do poder público, devem fazer parte da promoção de um ambiente educativo amplo e seguro para o aprendente. A proposta do Bairro-Escola, por exemplo, trabalhava com trilhas educativas, que consistiam em percursos educacionais que iam além da sala de aula, em direção à rua, a praças, a ateliês, a museus e aos teatros, etc. a fim de tornar concreto o que era abstrato, a fim de tornar prático o que era excessivamente teórico... A fim de, in loco, tornar acessível o que era distante. A educação integral de hoje para ser real precisa desenvolver-se em territórios mais amplos e em múltiplos espaços e lugares: na escola e também nas praças, nas ruas, nas bibliotecas, nos museus e nos teatros; mais além: na horta, na construção e no 36 galinheiro da vizinhança. De tal forma que locais com potencial educativo até hoje ignorados pela escola possam ser utilizados pelo grupo de aprendizes para suas explorações e descobertas, porque se esses locais e equipamentos fazem parte da vida social desses grupos, estão plenos de significados e valores para serem apreendidos (LIBLIK e BRANCO, 2009, p. 391). Abrir as portas da escola à comunidade é maximizar potencialidades educativas à proporção que se descortina a realidade ao aprendente numa miscelânea de aromas, cores, sabores, sons e sensações em filtros amatórios ao que era excessivamente técnico e fabril. Abrir as portas da escola à comunidade é, enfim, preencher de sentidos o que era distante, gerando identificação, reconhecimento e pertencimento para que os educandos possam tomar posse daquilo que a escola lhes oferece, em diálogos epistemológicos, científicos e emocionais, criando redes de aprendizagem que lhes permita acessar novos e distintos conteúdo, porque aquilo, agora, lhes pertence. Menosprezar reais situações de aprendizagem que se nos apresentam quando ponderamos acerca da cultura, do histórico e das experiências dos educandos, seu conhecimento de mundo e saberes, que passam a ser operacionalizados no exercício de construção significativa que empregue ampliações de tempos e espaços educacionais, é dizer “não” às construções significativas imanentes ao processo de ensino/aprendizagem. O significado daquilo que guardamos está em signos individuais (referentes à psique) e coletivos (referentes ao social e ao cultural) que, num constante jogo de porquês, manifesta na estruturação da memória, de maneira muito precisa, o arcabouço de escolhas forjadas na mentalidade. Assim, cunha-se na memória do aprendente a relação entre significantes e significados que estruturará os aprendizados posteriores. O educando passa a reconhecer e distinguir os símbolos que compõem o código das diversas linguagens apresentadas pelo processo de ensino/aprendizagem, à proporção que esses se tornam significativos. Segundo Bourdieu (2009), o acúmulo de bens simbólicos (inscritos consciente ou inconscientemente na mentalidade do indivíduo, em suas estruturas de pensamento) é o elemento constitutivo do habitus, o conjunto de padrões sócio comportamentais, cognitivos e emocionais, ou seja, o molde da cultura e base da tradição (porque passa de indivíduo para indivíduo), como temas geradores de ação adaptados a um determinado espaço da vida social. Tomando como norte essa acepção, a educação 37 integral, à proporção que integre tempos, espaços e sujeitos à educação, emprega bens simbólicos para aperfeiçoar e influenciar o desenvolvimento social do aprendente. Rotinas e ritos, o humano e o divino, o comum e o extraordinário se alternam na vida das sociedades, onde se sucedem constantes transformações marcadas por um mosaico de símbolos e significados os mais vários, quer os de forma individual, quer os de forma coletiva, que fundam o espírito. A história individual, a biografia, se faz precisamente pela alternância de situações que foram esquecidas com situações que “guardamos” e denominamos “memória”. O que se guarda – só se guarda aquilo que é importante ao coração –, por sua vez, traduz-se pela escolha valorativa (consciente ou inconsciente) desse todo dialetal que é a vida (repita-se: “rotinas e ritos, o humano e o divino, o comum e o extraordinário”) embasada em existências simbólicas O aprendente, imerso em sociedades nas quais os bens simbólicos atuam em mais vários e específicos campos e que se tornam fatores indenitários e de agregação, participa do intercâmbio social que lhe suscitará os estímulos necessários à ação volitiva de querer dominar os códigos imanentes às relações de significante e significados. O manancial simbólico que emergirá desta, por sua vez, adquirirá significado maior quanto maiores forem suas oportunidades de utilização e emprego destes bens. Ampliar tempos e espaços de aprendizagem através da educação integral propicia aos aprendentes a aquisição de competências à conquista de conhecimentos e saberes, assim como a aquisição de uma visão social, à proporção que este se torne consciente do papel de sujeito que desempenhará no grupo, tendo ciência de direitos e deveres dada a condição de cidadania que lhe é apresentada. As práticas pedagógicas, desse modo, são repensadas de forma a responder às reais necessidades de aprendizagem do educando, obedecendo e se adequando às regras instituídas para tal fim. A produção de competências, em essência, não se refere apenas à apreensão de determinados conteúdo, mas à tessitura dialógica destes como bens simbólicos em vivências reais de aprendizagem. Os bens simbólicos, incorporados durante o processo de ensino/aprendizagem, adquirem seu caráter valorativo por preparem o indivíduo à pluralidade de vivências e atuações na multiplicidadede campos com os quais se relacionará. Se o sujeito, como ente sócio e historicamente constituído, vê-se imerso em realidades significativas de 38 mentalidade, então a forma como este tratará/investirá os bens simbólicos (como marcas de sua construção, de seu desenvolvimento e de suas ações e reações – consciente e/ou inconscientes) matizará seu aprendizado. O processo dialógico de aprendizagem desenvolvido através da educação integral durante a maturação de conhecimentos e saberes, que se realiza através de contexto social imerso em ideologias pré-estabelecidas pelo meio na qual se insere o sujeito, torna-se real à medida que se revivifica tradições e modernidades no ato discursivo que caracteriza esse processo de ensino/aprendizagem. 11- RELAÇÃO ESCOLA E COMUNIDADE À Escola antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as outras instituições sociais, se sucederá a escola moderna, aparelhada de todos os recursos para atender e fecundar a sua ação na solidariedade como meio social, em que então, e só então, se tornará capaz de influir, transformando-se num 39 centro poderoso de criação, atração e irradiação de todas as forças e atividades educativas. (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, 1932). O presente debate está implicado no exame acerca do papel e da função social que a escola pode desempenhar na vida, conforme os educadores brasileiros aprenderam a reconhecer, revisitando a história de longo prazo da educação, de modo particular, na leitura do Manifesto dos Pioneiros. Os signatários desse documento anteciparam que, ao longo dos anos, tanto a escola quanto as demais instituições sociais, a seu modo, assumiriam papéis focais – e, hoje reconhecemos, às vezes paralelos, nos processos educativos – sem a preocupação de desenvolver um projeto comum, onde cada uma consiga dialogar, compartilhar responsabilidades, inter-relacionar-se e transformar-se no encontro com o outro. Para desenvolver esse projeto comum, a escola e demais instituições sociais podem ser orientadas a se constituir como uma “comunidade de aprendizagem”, tal como define Torres (2003, p. 83): Uma comunidade de aprendizagem é uma comunidade humana organizada que constrói um projeto educativo e cultural próprio para educar a si própria, suas crianças, seus jovens e adultos, graças a um esforço endógeno, cooperativo e solidário, baseado em um diagnóstico não apenas de suas carências, mas, sobretudo, de suas forças para superar essas carências. Para que a escola funcione como uma comunidade de aprendizagem, constituída pela reunião de diferentes atores e saberes sociais, que constrói um projeto educativo e cultural próprio e como ponto de encontro e de legitimação de saberes oriundos de diferentes contextos, é necessário o estabelecimento de políticas socioculturais. Além de reconhecer as diferenças, é preciso promover a igualdade e estimular os ambientes de trocas, e, parafraseando Boaventura de Souza Santos (2002), pode-se dizer, em um projeto aberto, em que cada pessoa tem direito à igualdade, sempre que a diferença inferioriza e tem direito à diferença toda vez que a igualdade homogeneíza, para dar conta da complexidade do mundo contemporâneo. Tal projeto deve estar comprometido com a transformação da sociedade e com a formação de cidadãos e encontra, no diálogo, uma ferramenta eficaz. Na “disponibilidade para o diálogo”, no sentido usado por Freire (1996, p. 153), de “abertura respeitosa aos outros”, é possível potencializar todos os agentes educativos enquanto instituições formadoras. Dessa forma, a escola poderá ser afetada positivamente, pelas práticas 40 comunitárias, pela liberdade e autonomia presentes nos espaços de educação informal, pela concretude e pelo movimento da vida cotidiana. A reaproximação entre a escola e a vida representa um desafio enfrentado por muitos educadores em diferentes tempos e, pelo menos, desde o advento da institucionalização da escola obrigatória, laica, gratuita, universal e controlada pelo Estado, fortemente influenciado pelo desenvolvimento da ciência moderna. A perspectiva do deslocamento entre a escola e a vida se expressa na forma de socialização destacada por Moll (2000), em sua leitura de Ariès (1981), que aponta a escola como provocadora da ruptura do processo de sociabilidade e de aprendizagem no convívio com as comunidades, que acontecia até o final do século XVII: A escola substituiu a aprendizagem como meio de educação. Isto quer dizer que a criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente com eles. A despeito de muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio. Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres, das prostitutas) que se estenderia até nossos dias e ao qual se dá o nome de escolarização (p. 56). A tensão instituidora permanece: estar na escola até os dias de hoje pode representar a possibilidade de imbricar-se na estrutura societária e, ao mesmo tempo, na de homogeneização. Por isso mesmo, o papel da escola na proposição do projeto de Educação Integral deve se constituir a partir da luta por uma escola mais viva, de modo que se rompa, também, gradativamente, com a ideia de sacrifício, atrelada ao Ensino Formal e, por outro lado, de prazer a tudo que é proposto como alternativo ou informal em relação a esse sistema escolar. Romper a dicotomia, entre as aulas acadêmicas e as atividades educacionais complementares, exige a elaboração de um projeto político-pedagógico aberto à participação e à gestão compartilhada de ações convergentes à formação integral de crianças, de adolescentes e de jovens – do contrário, pode-se estar apenas capturando o seu tempo livre, com a pretensão de que, na escola, ficarão melhor cuidados ou de que aprenderão mais, permanecendo por mais tempo na escola, ou seja, oferecendo-lhes “mais do mesmo” – o que as experiências nessa direção têm demonstrado não melhorar o processo de aprendizagem. 41 Ao se enfrentar a distância que hoje caracteriza as relações entre escola e comunidade é que se pode ampliar a dimensão das experiências educadoras na vida dos estudantes, promovendo a qualificação da educação pública brasileira. Para isso, as diversas experiências comunitárias precisam estar articuladas aos principais desafios enfrentados por estudantes e professores. Quando a escola compartilha a sua responsabilidade pela educação, ela não perde seu papel de protagonista, porque sua ação é necessária e insubstituível, porém não é suficiente para dar conta da tarefa da Educação Integral. Toda escola está situada em uma comunidade com especificidades culturais, saberes, valores, práticas e crenças – o desafio é reconhecer a legitimidade das condições culturais da comunidade para estimular o diálogo constante com outras culturas. A educação é um dos ambientes da cultura marcada pela reconstrução de conhecimentos, tecnologias, saberes e práticas. Não importa a área de formação dos professores, seus trabalhos se realizam em territórios culturais nos quais os estudantes estão situados. Segundo Charlot (2000) essa perspectiva desafia os professores a olhar seus alunos de outra maneira, para inscrevê-los simbolicamente no espaço de sala de aula, como sujeitos produtores de significados. A escola desempenha um papel fundamental no processo de construção e de difusão do conhecimento e está situada como local do diálogo entre os diferentes saberes, as experiências comunitárias e os saberes sistematizados historicamente pela sociedade em campos de conhecimentoe, nessa posição, pode elaborar novas abordagens e selecionar conteúdo. Assim, o desenvolvimento integral dos estudantes não pode ser considerado como responsabilidade exclusiva das escolas, mas também de suas comunidades, uma vez que, somente juntas podem resignificar suas práticas e saberes. Desse modo, a instituição escolar é desafiada a reconhecer os saberes da comunidade, além daqueles trabalhados nos seus currículos, e com eles promover uma constante e fértil transformação tanto dos conteúdos escolares quanto da vida social. A relação escola e comunidade pode ser marcada pela experiência de diálogo, de trocas, de construção de saberes e pela possibilidade de juntas, constituírem-se em uma comunidade de aprendizagem, de modo que a interação entre as pessoas que atuam na escola e as que vivem na comunidade pode auxiliar a superação de preconceitos, muitos deles calcados em estereótipos de classe, raça/etnia, gênero, orientação sexual, geração, dentre outros. 42 Estudos recentes, como os de Abramovay (2004), têm apontado que tanto as “dificuldades de aprendizagem” quanto o “bom desempenho escolar” não se relacionam exclusivamente às condições cognitivas dos alunos, mas, principalmente, à (in) adequação do sistema escolar, à distância/aproximação cultural entre escola e seu público, e ao (des) respeito que alunos e educadores sofrem no ambiente escolar. Há inúmeras evidências de que os agentes da educação – gestores, professores, orientadores pedagógicos, entre outros – reproduzem, muitas vezes, em suas práticas, as diversas formas de preconceitos e discriminações ainda existentes em nossa sociedade. Essas evidências estão configuradas nas cenas do cotidiano escolar, por meio das situações nas quais os meninos e meninas, muitas vezes, são inscritos simbolicamente como lentos, imaturos, dispersivos, desorganizados, com dificuldade de aprendizagem e indisciplinados. Na perspectiva do sucesso escolar, é preciso reconfigurar essas cenas, considerando os sentidos do aprender, tal como enfatiza Moll (2004, p. 107): Aprender significa estar com os outros, implica acolhida, implica presença física e simbólica, implica ser chamado pelo nome, implica sentir-se parte do grupo, implica processos de colaboração, implica ser olhado. Aquele que é desprezado pelo olhar da professora também o será, de alguma forma, pelos colegas. A partir daí produz- se uma intrincada rede de preconceitos que se dissemina nos conselhos de classe, nas reuniões de professores, nas conversas do recreio, nos encontros com os pais. Pouco a pouco, determinados alunos, que são numerosos no conjunto das escolas, vão ficando de fora, vão sendo rotulados com marcas invisíveis, vão sendo considerados inaptos, incapazes, inoportunos... Se usássemos a metáfora de um trem para pensar a escola, esses seriam aqueles que viajam sentados nos últimos vagões, que, aos poucos, vão descarrilhando. Os estudos de Abramovay (2004), já citados anteriormente, demonstram, ainda, que os sentimentos de não-pertencimento e de exclusão social, vividos pelos alunos, podem estar associados tanto à violência fora da escola, quanto à violência na escola e contra a escola. A fragilidade do diálogo entre escola e comunidade pode ser apontada como uma das principais causas de fenômenos como a rebeldia frente às normas escolares; os altos índices de fracasso escolar; pichações e depredações de prédios escolares; atitudes desrespeitosas no convívio escolar e a apatia dos alunos. A dimensão propositiva que anima o debate acerca da Educação Integral pretende 43 instigar para o reencantamento dos fazeres escolares em seu cotidiano e para a reinvenção do olhar em relação a todos e a cada um dos estudantes. 12 - TEMPOS E ESPAÇOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL A promoção do projeto de Educação Integral, enraizado no projeto político pedagógico da escola, pressupõe o diálogo com a comunidade, de modo a favorecer a complementaridade entre os diferentes agentes e espaços educativos e, no sentido dessa lógica, há pelo menos duas posições, à primeira vista díspares, mas que podem, inclusive, complementarem-se. Historicamente, o projeto de Educação Integral está enraizado na instituição escolar, o que a pressupõe como espaço privilegiado da formação completa do aluno sem, no entanto, considerar-se como o único espaço dessa formação. Em outras palavras, a escola – por meio de planejamento, projetos integrados e também de seu projeto pedagógico – pode proporcionar experiências, fora de seu espaço formal, que estão vinculadas a esses seus projetos institucionais, elaborados pela comunidade escolar. Encontram-se, nesse caso, por exemplo, as visitas a museus, parques e idas a outros 44 espaços socioculturais, sempre acompanhadas por profissionais que, intencionalmente, constroem essas possibilidades educativas em outros espaços educativos que se consolidam no projeto maior – o do espaço formal de aprendizagens. Todavia, a discussão sobre os princípios da Educação Integral, pode, também, seguir outros caminhos. Cesar Coll (1999) ao tratar do tema na perspectiva do movimento das Cidades Educadoras, incita a abertura de um processo de reflexão e de debate público que conduza ao estabelecimento de um novo contrato social na educação, um contrato que estabeleça claramente as obrigações e responsabilidades dos diferentes agentes sociais que atuam, de fato, como agentes educativos. Nessa perspectiva, entende-se que não se trata de afirmar a centralidade da escola em termos de sediar, exclusivamente, as ações e atividades que envolvem a Educação Integral. Essa reflexão remete novamente a Torres, quando afirma que, em uma comunidade de aprendizagem, todos os espaços são educadores – toda a comunidade e a cidade com seus museus, igrejas, monumentos, locais como ruas e praças, lojas e diferentes locações – cabendo à escola articular projetos comuns para sua utilização e fruição considerando espaços, tempos, sujeitos e objetos do conhecimento. Nesse processo de aprender, o tempo assume grande importância, pois a aprendizagem requer elaboração, requer realização de múltiplas experiências, requer poder errar no caminho das tentativas e buscas, enfim, requer considerar os diferentes tempos dos sujeitos da aprendizagem. Também requer considerar o tempo de cada um dos parceiros da comunidade: o tempo da escola, que está preso a um calendário e o da comunidade, que flui e é mais abrangente, que envolve mais experiências que podem ajudar a otimizar e direcionar melhor o tempo da escola. A esse respeito, podemos dizer que a ampliação do tempo na Educação Integral tem sido alvo de debates sobre a maior permanência das crianças e jovens, seja no espaço escolar, seja na perspectiva da cidade como espaço educativo. Nas experiências de Educação Integral conhecidas, podemos perceber que as concepções que orientam as ações e espaços são muito variadas em relação aos objetivos, à organização, ao tipo de atividade proposta, assim como às próprias 45 denominações contra turno, turno inverso, turno contrário, ampliação de jornada, turno complementar, atividades extras, entre outros. Nesse contexto, é importante ressaltar que o aumento do tempo escolar necessário à Educação Integral que propomos não objetiva dar conta apenas dos problemas que os alunos enfrentam devido ao baixo desempenho nos diversos sistemas de avaliação, pois o que se pode constatar, em alguns casos, é que o aumento da jornada de trabalho escolar dos alunos em disciplinas específicas, como Matemática ou Língua Portuguesa, tem gerado processos de hiperescolarização, que não apresentam os resultados desejados. A ampliação da jornada, na perspectiva da Educação Integral, auxilia as instituições educacionais a repensar suas práticas e procedimentos, a construir novas organizações curriculares voltadas para concepções
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