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Código Logístico 59523 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6668-1 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 6 8 1 História da Educação Karen Fernanda Bortoloti IESDE BRASIL 2020 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Marek Poplawski/ 4 PM production/ Matej Kastelic/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B748h Bortoloti, Karen Fernanda História da educação / Karen Fernanda Bortoloti. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 154 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6668-1 1. Educação - História. I. Título. 20-65765 CDD: 370.9 CDU: 37(09) Karen Fernanda Bortoloti Vídeo Pós-doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Mestra, Bacharela e Licenciada em História pela mesma instituição. Especialista em Educação a Distância pelo Instituto de Ensino Superior COC. Pesquisadora e professora no ensino superior nas áreas de história da educação e ensino de História. Atua na educação a distância como produtora de conteúdos e materiais instrucionais para graduação e pós-graduação. Gestora responsável pela estruturação e avaliação de cursos. Atua também como avaliadora no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e no Ministério da Educação (MEC). Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 A educação antes da escola 9 1.1 A educação nos primeiros agrupamentos humanos 10 1.2 A educação na Antiguidade Oriental: Egito e Mesopotâmia 12 1.3 Educação na Antiguidade Oriental: China, Índia e o povo hebreu 16 2 Educação na Antiguidade greco-romana 21 2.1 A educação grega na Antiguidade 22 2.2 Dois modelos de educação grega 25 2.3 A educação romana na Antiguidade 33 3 Idade Média: a educação mediada pela fé 38 3.1 As escolas cristãs 39 3.2 O imaginário cristão e a educação 46 3.3 Filosofia medieval e educação 50 4 Renascimento e educação 57 4.1 A importância da educação no Renascimento 58 4.2 Reformas religiosas e educação 65 4.3 O método e a educação 68 4.4 Brasil: colonização e catequese 71 5 Iluminismo e educação 79 5.1 Iluminismo e reflexão pedagógica 80 5.2 Jean-Jacques Rousseau 85 5.3 Brasil: as reformas pombalinas e a educação 90 6 Século XIX: a educação nacional 97 6.1 O ideário do século XIX 98 6.2 O pensamento pedagógico do século XIX 102 6.3 Brasil: de Colônia a Império 110 6.4 Reflexões pedagógicas no final do século XIX 119 6 História da Educação 7 A educação na contemporaneidade 123 7.1 Educação para a democracia 123 7.2 Brasil: como o século XX chega à República 128 7.3 Redemocratização e novo panorama educacional 144 7.4 Século XXI: desafios da educação 148 Nas últimas décadas, especialmente no Brasil, a educação e a escola têm sido pauta de diversas discussões. As práticas educativas e a estruturação da escola, assim como os métodos pedagógicos e a sua eficácia na preparação de crianças e de jovens para a sociedade, são frequentemente tratadas nos mais diferentes círculos, e não apenas no campo educacional. Mas para entendermos os pontos que permeiam essas discussões, bem como os objetivos constantemente repensados para a educação contemporânea, é imprescindível que saibamos quais argumentos são, de fato, novos e quais podem ser considerados apenas releituras, as quais muitas vezes são permeadas por interesses econômicos, políticos ou ideológicos. O posicionamento crítico somente será possível se conhecermos o que chamamos de história da educação. Essa disciplina, que também é um campo de pesquisa relativamente recente, oferece-nos um importante arcabouço para compreendermos disputas políticas e culturais, dinâmicas de conflitos presentes em diferentes sociedades, assim como os diferentes cenários educacionais atuais. Nesse sentido, a proposta desta obra, embasada em um quadro amplo da história da educação, é apresentar possibilidades de análises dos processos que culminaram no estabelecimento da educação formal no Brasil e em outros países. Para que esse objetivo seja alcançado, organizamos os temas e os períodos aqui abordados com base nas primeiras tentativas de elaboração da educação como algo necessário para a manutenção dos conhecimentos acumulados. Desse modo, no primeiro capítulo analisamos o processo educativo em comunidades não hierarquizadas. Nessas civilizações, embora ainda não tivessem uma instituição escolar, é possível notar a valorização e a preparação dos jovens. Também vamos verificar como as mudanças sociais e a elaboração de sistemas de escrita imediatamente impactaram a educação. Em seguida, no segundo capítulo, vamos discutir a educação na antiguidade greco-romana e conhecer as contribuições legadas pelas práticas educativas adotadas nessas civilizações, conhecidas por estruturarem a cultura ocidental. No terceiro capítulo, vamos compreender como a Igreja Católica influenciou a organização da educação durante a Idade Média, uma vez que esse longo período histórico proporcionou importantes reflexões sobre APRESENTAÇÃO 8 História da Educação a educação e assistiu o nascimento de uma nova e revolucionária camada social: a burguesia, grupo que influenciou diretamente na estruturação de uma educação não religiosa. No quarto capítulo, vamos verificar como o Renascimento Cultural lançou as sementes para a educação ser consolidada como um projeto de civilização em curso nas sociedades ocidentais a partir dos séculos XV e XVI, incluindo o território que hoje chamamos de Brasil, abordando também as práticas educativas que por aqui aportaram. Dando continuidade, no quinto capítulo buscaremos compreender a influência da filosofia e dos pensadores iluministas na educação e como seus ideários impactaram a educação brasileira. No sexto capítulo, vamos examinar como o desenvolvimento do capitalismo influenciou a educação, especialmente nos primeiros anos de escolarização dos indivíduos. Em relação ao Brasil, analisamos como a transferência da Família Real portuguesa foi significativa para a política, para a cultura e para a educação. Finalmente, no sétimo capítulo, verificamos como a educação e a escola tradicionais foram contrapostas, especialmente pela Escola Nova, colocando em discussão propostas que ainda estão em processo de consolidação. Bons estudos! A educação antes da escola 9 1 A educação antes da escola O desenvolvimento da agricultura, a organização do comércio e a estruturação do Estado oportunizaram a transformação dos agrupamentos humanos – até então nômades ou sedentários –, que sobreviviam basicamente da caça e da coleta. O aprimora- mento do trabalho foi responsável por uma vida mais estável, com mais segurança e sem tantas mudanças, como no nomadismo. O início da agricultura e a domesticação de animais proporcionaram condições para que as sociedades se tornassem mais complexas, organizadas e criativas. Da mesma forma que a filosofia, a arte e até mesmo a religião, a educação é um instrumento que homens e mulheres utilizam para compreender e modificar sua existência no mundo. Podemos até supor que a história da educação e de seus sujeitos é interessantee que, também, não é um simples desencadeamento de fatos, mas onde exatamente toda essa história começou? A prática educativa e a formação dos mais jovens começou an- tes mesmo da criação da escola. O que hoje chamamos de edu- cação formal surgiu quando os seres humanos se familiarizaram com fenômenos naturais, passaram a utilizar ossos e pedras como instrumentos para as atividades cotidianas, transformaram a na- tureza que os circundava e examinaram essa natureza e a si mes- mos. Nesse momento, o domínio do fogo talvez tenha sido o maior avanço técnico e social, porque fez com que esses indivíduos se agrupassem, tornando-os conscientes de sua comunidade Diante do exposto, antes de discutirmos a história da edu- cação ocidental, vamos analisar neste capítulo como era a educação antes da escola, isto é, nos primeiros agrupamentos humanos e nas civilizações orientais, as quais foram as respon- sáveis pela estruturação das primeiras sociedades hierárquicas de que temos conhecimento. 10 História da Educação 1.1 A educação nos primeiros agrupamentos humanos Vídeo Não é nada fácil historiarmos os primeiros tempos da educação, especialmente porque estamos diante de práticas realizadas por su- jeitos que desconheciam a escrita. O que sabemos hoje é que du- rante séculos homens e mulheres conviveram em pequenos grupos e pequenas comunidades nos quais não havia desigualdade entre as pessoas, tampouco propriedade exclusiva sobre as terras, as ferra- mentas e os conhecimentos, isto é, não havia nenhum tipo de privi- légio. Todos os bens eram coletivos e partilhados entre os membros da comunidade, existia apenas “o nosso”. O termo comunidade nos remete à existência de uma significativa cooperação entre todos os indivíduos. Porém, é importante ressaltar que para esses primeiros agrupamentos a antropologia associou o termo primitivo. Ao contrário do que nos leva a acreditar, a expressão comunidade primitiva não significa comunidade atrasada, mas apenas que eram sociedades menos complexas, não hierarquizadas e que re- presentavam outra forma de viver (PONCE, 1986). Essas comunidades, especialmente com o domínio de técnicas e a elaboração de outros instrumentos, também se modificaram de manei- ra diversa ao longo do tempo e nem todas se desenvolveram, ou, como preferem alguns, alcançaram a “civilização”, sendo um ótimo exemplo os povos encontrados na América no momento em que os europeus estiveram aqui pela primeira vez. Nessas primeiras sociedades, apesar da ausência da escrita e, consequentemente, de uma reflexão pedagógica e métodos educacionais sistematizados, existia uma maneira de ensinar os mais jovens. Essa educação “primitiva” objetivava, antes de tudo, ajustar as crianças e os jovens ao meio físico e social em que conviviam. Nessas sociedades, os conhecimentos acumulados e necessários para a manutenção do grupo eram transmitidos por meio da imitação. As crianças e os jovens participavam das atividades dos adultos, aprendendo, pouco a pouco, as diversas ocupações. A preparação dos mais jovens por meio da imitação era irrestrita, abrangendo todo o saber do grupo, bem como o saber universal, pois todos tinham acesso aos saberes (ARANHA, 2006). Para entender mais a respeito dos primeiros agrupamentos humanos, indicamos o filme A Guerra do Fogo. A obra mostra como era a convi- vência entre os primeiros hominídeos e como o fogo foi importante para o processo de sedentari- zação, ou seja, a fixação em um lugar. Direção: Jean-Jacques Annaud. França; Canadá; Estados Unidos: Lume Filmes, 1981. Filme A educação antes da escola 11 Nesse contexto, a formação dos mais novos era um instrumen- to de sobrevivência dessas comunidades, uma vez que era respon- sável pela transmissão dos conhecimentos até então acumulados pelo grupo e para o desenvolvimento cultural. Portanto, a educação – mesmo que sem uma reflexão, por meio do jogo-imitação e “para a vida e por meio da vida” (ARANHA, 2006, p. 35) – transformou-se em algo fundamental para a manutenção e o aprimoramento cultural desses grupos, pois os mais novos aprendiam o uso das armas, a caça, a colheita, o pastoreio ou a agricultura, o uso da linguagem, o culto aos mortos e as técnicas de domínio do meio ambiente. Tanto nas tribos nômades quanto naquelas que já se sedentarizavam, os pequenos aprendiam imitando os gestos dos adultos nas atividades diárias e nos rituais. Para alguns historiadores da educação, além da imitação, os rituais de iniciação devem ser compreendidos como uma forma de educação por se tratar de uma prática de incorporação ou aceitação do mais novo em um outro patamar: daquele que conhece o necessário para contribuir com o grupo. Segundo Clastres (1978), as leis transmitidas pelos rituais representam a não aceitação da sociedade primitiva em correr o risco da separação e o risco de um poder afastado dela mes- ma. A lei primitiva, friamente ensinada, é uma defesa à desigualdade de que todos lembrarão. Apesar da relevância da formação dos mais jovens, notamos, po- rém, a falta de uma figura expressiva do processo de ensino e apren- dizagem: o mestre. O traço ritualístico e iniciático de grande parte das sociedades primitivas era diretamente expresso na figura dos mais ve- lhos, dos feiticeiros, xamãs ou homens que consultavam os espíritos, que, por exemplo, transmitiam explicações e ensinamentos durante as cerimônias, sendo assim, considerados os primeiros professores. Cabe enfatizar que comunidades com essas características são ain- da existentes, por exemplo, em regiões da Amazônia brasileira e da África. Mesmo sendo diferentes entre si em termos de complexidade material e cultural, essas comunidades possuem em comum com os povos neolíticos da Europa, do Oriente Médio e do norte da África uma economia pautada em atividades de subsistência e estatutos de orga- nização social relativamente simples. A organização dos modos de vida dessas comunidades nos oferece um vislumbre de como era a educa- ção nas primeiras sociedades. “Coletividade pequena, assenta- da sobre a propriedade comum da terra e unida por laços de sangue, os seus membros eram indivíduos livres, com direitos iguais, que ajustaram suas vidas às resoluções de um conselho formado democraticamente por todos os adultos, homens e mulheres da tribo” (PONCE, 1986, p. 17). Com base na afirmação feita nesse excerto, discorra sobre como ocorria a educação nas sociedades denominadas primitivas. Atividade 1 12 História da Educação 1.2 A educação na Antiguidade Oriental: Egito e Mesopotâmia Vídeo Com o crescimento populacional dentro de algumas comunidades primitivas, as necessidades, assim como o que fazer com o excedente de produção, foram aumentando e exigindo adaptação por parte dos habitantes dessas comunidades. Para solucionar o “problema” dos pro- dutos excedentes e complementar o que não era produzido por razões climáticas ou por desconhecimento de técnicas, essas comunidades começaram a trocar o que tinham de bom e em excesso, dando os pri- meiros passos do que hoje denominamos de comércio. Para muitos desses agrupamentos, metais raros e bonitos, como o ouro, a prata e até o cobre, eram muito valiosos. Assim, os proto co- merciantes passaram a desejar receber e pagar com pedaços de metais preciosos. Essas partes valiosas que todos aceitavam era o que conhe- cemos como dinheiro. O dinheiro foi idealizado exatamente para pro- mover o comércio; com ele, era possível comprar qualquer mercadoria. Procurando sanar as necessidades que surgiram com o aumento da população, começaram a ser organizadas construções de templos religiosos, aberturas de estradas, escavações de canais de irrigação e construções de cercas e muros para defesa territorial – as comunidades, antes governadas por homens ligados pelos laços de parentesco, preci- saram de líderes para comandar e organizar o trabalho de centenas e até milhares de pessoas. Como esquematizar e controlar as pessoas que administravamas obras e arranjar efetivo para fazê-las? Como conseguir comida para esses trabalhadores? Gradualmente, em muitas sociedades foi surgindo um tipo de instituição que cumpria todas essas tarefas de administração das obras públicas e, também, de controle da população. Surgia o que posteriormente foi chamado de Estado. Esse novo modo de organização da comunidade passa a ser for- mado por grupos de pessoas que tinham, ao longo do tempo, se es- pecializado em tarefas muito importantes, como a sistematização e administração de obras públicas. Além de administrar, essa nova ins- tituição tinha como incumbência cobrar impostos para financiar todas as suas atividades e controlar um exército que tinha a dupla função de defender o território e conter a população. A educação antes da escola 13 Com a organização do Estado, verificamos também o isolamento dos núcleos familiares, uma vez que o grupo não era mais chefiado por um líder. Aos poucos, as famílias que prosperavam não desejavam mais partilhar suas riquezas com as outras famílias, originando, assim, a pro- priedade privada (PONCE, 1986). O que antes era partilhado passou a pertencer a uma única família, separando ainda mais as pessoas umas das outras. O resultado mais nítido da estruturação da propriedade pri- vada foi o aparecimento das diferenças, pois como a propriedade era hereditária, os pais passaram suas riquezas para seus filhos, e os filhos dos menos abastados herdavam o trabalho duro, a fome e o cansaço. Ainda que historiografia tenha enfatizado por muito tempo uma abor- dagem ocidentalizante, as primeiras civilizações com Estado organizado surgiram na região do Oriente Próximo 1 . Esses Estados construíram ci- dades com infraestrutura complexa, intricadas formas de organização econômica, do trabalho e da sociedade, além de governos com institui- ções bem determinadas. As leis que disciplinavam as relações sociais e os interesses elaboraram importantes obras artísticas e desenvolveram a escrita. Esses povos que viveram no Oriente Próximo, Oriente Médio e Extremo Oriente (África e Ásia) construíram sociedades mais complexas e deram mais atenção à formação de seus homens, especialmente os ligados ao governo. Assim, a instrução que antes era destinada a todos agora estava restrita com base na função do sujeito na sociedade, originando o dualis- mo escolar, ou seja, uma educação para a elite e outra para os demais. Apesar da preocupação com a formação dos homens, o que nos leva a considerar essas como sendo as primeiras tentativas de organização do ensino, não havia exatamente um pensamento pedagógico e a ins- titucionalização do ensino. As orientações sobre o fazer educativo eram retiradas dos livros sagrados de cada uma dessas sociedades e o ato de educar ocorria, na maior parte delas, no templo religioso. Essas civilizações apresentaram alguns pontos convergentes, como a elaboração da escrita; a substituição da organização genética da sociedade por uma organização política e/ou religiosa; a especiali- zação e divisão do trabalho; e a consciência do seu passado com base no domínio da escrita. Com relação à educação, houve o predomínio do que denominamos de tradicionalismo, uma vez que as mudanças eram lentas ou inexistentes. O Oriente Próximo – também chamado de Oriente Antigo – compreende a região da Ásia próxima ao mar Mediterrâneo e a oeste do rio Eufrates. Síria, Líbano, Israel, Palestina e Iraque são os países que compõem esta região. 1 Para conhecer mais a respeito de diversos aspectos das primeiras civilizações, sugerimos a leitura da obra de Jaime Pinsky, As primeiras civilizações. Nessa obra, o autor discorre desde as civilizações primitivas, Egito e Mesopotâmia até os hebreus. PINSKY, J. 25. ed. São Paulo: Contexto, 2001. Livro Verificamos que na Antiguidade Oriental, especialmente com o desenvolvimento da escrita, estruturou-se uma necessidade de preservar obras e informações, dando origem ao que atualmente chamaríamos de biblioteca. Em sua comunidade existe alguma biblioteca? Em caso positivo, você a frequenta? Pense na importância dessa preservação. Desafio 14 História da Educação Dentre as civilizações orientais, a que mais desperta o interesse de historiadores e arqueólogos e a curiosidade do público em geral é a egípcia. O celebrado Egito deixou para os historiadores alguns elemen- tos importantes para a compreensão de sua educação. Nessa civiliza- ção, os conhecimentos eram passados sem questionamentos e sem uma preocupação com questões teóricas e princípios científicos. Por existir um Estado teocrático e centralizador, o ensino era restrito a pou- cos, aos sacerdotes. Esses sacerdotes eram os representantes da elite intelectual de uma sociedade estratificada (ARANHA, 2006). As escolas no Egito funcionavam em templos e em casas e eram frequentadas por uma média de 15 alunos. O mestre agrupava os es- tudantes ao seu redor e os ensinamentos eram transmitidos, e cabia ao aluno a repetição até a memorização completa, sob pena de severo castigo físico (CAMBI, 1999). A atenção desses mestres também era voltada para as atividades físicas e preparação do corpo, especialmente para nobres e guerreiros. Essa forma de ensino pode parecer, em um primeiro momento, descontraída, mas era severa, autoritária e buscava apenas a obediência do aluno e a preparação de seu corpo. Em resumo, percebemos que a educação egípcia estava organizada segundo a divisão de classes e especiali- zada para a formação do intelectual do sacerdote e “desenvolvida em torno da aprendizagem escrita” (CAMBI, 1999, p. 68). Nas camadas sociais menos abastadas, as crianças acompanhavam os pais nas mais diversas tarefas. Os filhos dos agricultores, por exemplo, ficavam com seus pais no campo, os filhos dos artesãos circulavam pelas oficinas, até mesmo os soberanos viviam rodeados pelos filhos, o que nos remete a uma forte valorização da educação familiar. Os pais ou familia- res, como ocorria nas sociedades menos complexas, ensinavam aos filhos por meio da observação para depois reproduzir o processo ou processos observados (MANACORDA, 1992). Além de não frequentarem os locais destinados ao ensino, grande parte dos jovens egípcios era excluída da ginástica e da música, reservadas apenas aos guerreiros e consideradas uma espécie de adestramento para a guerra (CAMBI, 1999). Assim como a civilização egípcia, as civilizações que compuseram a Mesopotâmia também se estabeleceram em margens alagáveis, entre os rios Tigre e Eufrates em uma região de planícies no Oriente Médio (atual Iraque). Para facilitar a permanência nessa localidade, os grupos Figura 1 O Escriba sentado, de artista desconhecido (2600-2300 a.C.) O escriba foi uma figura muito importante na civilização egípcia, especialmente porque nos legaram informações para a escrita da história da educação. Museu do Louvre/Wikimedia Commons A educação antes da escola 15 que se fixaram na região desenvolveram diversas obras hidráulicas, como diques e canais de irrigação. Da mesma forma que o Egito, na Mesopotâmia o Estado era teocrático, ou seja, a política era atrelada à religião, que era politeísta. Os curas eram funcionários do Estado e os templos zelavam também pela administração e cobrança de impostos das famílias que trabalhavam nas terras. Os povos que compuseram a região – sumérios, semitas, assírios e babilônios – se revezaram no comando do território. Infelizmente, esses povos nos legaram poucas informações sobre a educação e seus métodos, mas podemos afirmar com certo grau de certeza que, dada a importância da religião, a função social dos sacerdotes e também de sua formação escolar. Inicialmente, esses grupos promoveram uma educação doméstica, posteriormente foram criadas escolas públicas com a intenção de im- por os valores aos povos que eram conquistados e precisavam aceitar a cultura dos dominadores. Essa escola pública, com o tempo, deu ori- gem ao ensino superior, cujosindícios foram os primeiros identificados com a Universidade Palatina da Babilônia (ARANHA, 2006). Além da estruturação da educação superior, na Mesopotâmia foi desenvolvido o sistema de escrita que, com a cidade de Ur (aproxima- damente 3500 a.C.), foi adotado pelos povos da região. A escrita ela- borada pelos mesopotâmicos era cuneiforme, em forma de cunha (Figura 2). Com uma espécie de palitinho, a pessoa cunhava os símbo- los na argila macia (ARANHA, 2006). Al ek sa nd r S te zh ki n/ Sh ut te rs to ck Figura 2 Escrita cuneiforme A escrita cuneiforme é a primeira forma de escrita sistematizada de que temos registro. 16 História da Educação O Egito e a Mesopotâmia, guardadas as devidas proporções, forma- ram civilizações grandiosas em diversos aspetos, porém com a estratifi- cação social, surgiu também o dualismo escolar, com um acesso restrito à educação, algo que ainda hoje permeia nosso sistema de ensino. Elabore um quadro comparativo da educação da criança nas civilizações do Oriente Antigo. Atividade 2 Vídeo Usuário-pato/Wikimedia Commons Figura 3 Retrato de um jovem eru- dita indiano, de Mir Sayyid Ali (ca. 1550) Assim como no Egito e na Mesopotâmia, a educação na Índia era destinada a um grupo seleto. 1.3 Educação na Antiguidade Oriental: China, Índia e o povo hebreu Por volta de 2000 a.C., na região da Índia, prosperou uma civilização também às margens de rios – Indo e Ganges – com grandiosas cidades que superavam a Babilônia em desenvolvimento urbano, pavimenta- ção e higiene pública. Nas civilizações que estudamos anteriormente, a separação entre as ca- madas sociais era muito marcante. Na Índia, a divisão era ainda mais clara, pois a sociedade hindu sempre esteve repartida em castas cerradas com mínima ou nenhuma expectativa de mobilidade. Portanto, como acontecia no Egito e na Mesopotâmia, a educação também era discriminadora e des- tinada apenas à casta dos brâmanes, os sacerdotes do bramanismo. casta: qualquer grupo social, ou sistema rígido de estratificação social, de caráter hereditário. bramanismo: organização religiosa, política e social dos brâmanes. Glossário O ensino acontecia por meio da memorização dos textos sagrados com aulas ao ar livre. O mestre, que não lançava mão de castigos físicos, era reverenciado e respeitado em uma relação afetiva com o discípulo, ou seja, em relação aos demais povos da Antiguidade Oriental, foi na Índia que as crianças receberam melhor tratamento. Livres dos castigos físicos, as crianças recebiam atenção e afeto de familiares e mestres, que viam a importância dessas atitudes para o desenvolvimento saudável das futuras gerações (ARANHA, 2006). No vale do rio Hoangô, ou Rio Amarelo, desde o terceiro milênio A educação antes da escola 17 a.C., em função das características geográficas, cresceu uma civilização agrícola com características neolíticas. Essa sociedade estruturou uma das mais tradicionais culturas da história, a cultura chinesa, que man- tém alguns aspectos sem grandes mudanças até os dias atuais. Na China, a religião e o poder estatal favoreceram o afastamento entre a população, os governados e a educação. Esta, inevitavelmente, espelhava esse caráter dualista e conservador, voltada exclusivamente para a difusão do conhecimento exposto nos livros clássicos, que opu- nha cultura e trabalho (CAMBI, 1999). Contudo, não eram os religiosos os principais detentores do conhe- cimento e do processo educativo. Diferentemente do que ocorreu em grande parte das civilizações orientais, na China os mandarins eram os mais importantes funcionários do Estado e, por isso, tinham acesso às escolas especializadas, restando à maioria da população o acesso ape- nas às oficinas e ao campo. A principal metodologia utilizada na educação chinesa era a imitação. Primeiramente, o estudante deveria decorar os conteúdos que eram ensinados por meio da repetição em voz alta até a completa memorização. Após decorar o que foi transmitido, o estudante deveria repetir para o mestre na mesma ordem apresentada no livro ou lição, mesmo que ignorasse o significado do que repetia (ARANHA, 2006). Nas escolas, os aprendizes recebiam uma educação dogmática por meio do método mnemônico, com leituras e escrita. A primeira educa- ção, é possível afirmar, procurava ensinar o cálculo e a alfabetização, que era muito difícil e demorada devido à complexidade do sistema de escrita. A formação moral se baseava na transmissão dos valores dos ancestrais (ARANHA, 2006). Para o ingresso na educação superior, cujo objetivo era a formação dos mandatários do governo, existia um severo processo seletivo. Tudo era feito de maneira rigorosa e tradicional, com ênfase, como já desta- camos, nas técnicas de memorização. Na organização social chinesa, desde muito jovens as crianças – em virtude do relevante papel da família, sob a chefia austera do pai – eram ensinadas para corresponder ao amor paterno e duramente castigadas pelos mandarins caso desrespeitassem os pais, contudo, ainda assim, sem gerar uma relação amistosa entre mestre (mandarim) e discípulo. Para conhecer mais a respeito da civilização chinesa, acesse o portal Só História. Nesse site, você poderá encontrar informações a respeito da China antiga e dados a respeito das demais instituições abordadas neste capítulo. Disponível em: https://www. sohistoria.com.br/ef2/china/. Acesso em: 7 ago. 2020. Site 18 História da Educação Para finalizar a nossa análise dos primórdios da educação no Orien- te, vamos verificar o único povo monoteísta dentre os apresentados. Os hebreus, também chamados de judeus ou israelitas, descendem de um antigo povo semita que povoava a Arábia. Os hebreus estavam sempre se deslocando à procura de um lugar mais adequado para vi- verem. Por volta de 1800 a.C., saíram da Mesopotâmia para a região da Palestina, onde atualmente está o estado de Israel, e, em acirrada dis- puta, conquistaram as terras que historicamente denominam de terra dos judeus (CAMBI, 1999). A principal característica da civilização hebraica sempre foi a reli- gião. Para começar, eram monoteístas, ou seja, acreditavam em um único deus que tinha criado o mundo e todas as coisas. No Antigo Tes- tamento do livro bíblico estão os principais mandamentos da religião judaica e a história do povo hebreu. Para a educação dos mais jovens, os hebreus valorizavam expressi- vamente o papel do núcleo familiar. No seio da família, o pai educava com severidade os filhos, e na escola recebiam uma instrução religiosa, voltada tanto para a palavra quanto para os costumes do povo. A escola dos hebreus se organizava em torno da interpretação da lei dentro da sinagoga, que era também local de instrução religiosa e moral. Apenas no início da era cristã é que os judeus se interessaram pela escrita. O que distingue significativamente os hebreus das demais civilizações desse período em relação à educação é o fato desse povo ter dado importância à educação para o trabalho em virtude da neces- sidade de manutenção do povo (ARANHA, 2006). A prática de jogos e esportes era proibida, pois era tida como con- traria aos preceitos religiosos. Porém, engana-se quem pensa que as crianças eram proibidas de brincar e jogar, ou seja, desde que respei- tassem os preceitos religiosos, os locais públicos também eram desti- nados para brincadeiras. CONSIDERAÇÕES FINAIS Antes do processo de estrutura de sociedades mais complexas, obser- vamos que a educação, ou melhor, a preparação dos mais jovens, estava relacionada à manutenção do grupo e de todos os conhecimentos até então acumulados, sem restrições ou exclusão. semita: individuo dos semitas, família etnográfica que abrange hebreus, assírios, arameus e árabes. Glossário Realize uma síntese a respeito da relação intrínseca existente entre religião e educação na maioria das civilizações Orientais. Atividade 3 A educação antes da escola 19 Contudo, as primeiras civilizações se estruturaramàs margens férteis de grandes rios, o que favoreceu o desenvolvimento da agricultura, do comércio e o acúmulo de riquezas. Este permitiu a organização de gran- des exércitos, complexas hierarquias sacerdotais e governamentais, bem como a criação de manifestações artísticas elaboradas. Nesse sentido, o desenvolvimento e a propagação do conhecimento levaram à estratificação social e à especialização dos indivíduos. Os sabe- res passaram a ser mais específicos e repassados de maneira desigual. A educação, sem dúvida, desempenhou um papel importante nessa trajetória civilizacional. No caso da maior parte dos indivíduos, a primeira educação ocorria no núcleo familiar, já aos mais velhos cabia a função de apresentar às crianças os valores de obediência e respeito. A aprendiza- gem era religiosa e cultural, além de fornecer as instruções necessárias para a realização dos tipos de trabalho já exercidos pelos pais. Entre as civilizações do Oriente Antigo, observamos que a complexi- dade da escrita tornava seu aprendizado um processo lento, oneroso e restrito, com técnicas de ensino que exigiam especialmente capacidades mnemônicas do aluno, isto é, de memorizar. O desenvolvimento da es- crita, relevante para o progresso cultural dessas civilizações e a sistema- tização da educação, também favoreceu o dualismo escolar ao tornar o acesso limitado a um grupo seleto de indivíduos que normalmente esta- vam na liderança dos Estados. Entre as primeiras civilizações da África e da Ásia, portanto, observa- mos dinâmicas muito semelhantes: formalização do processo de ensino e aprendizagem; e incorporação do método mnemônico ao processo de ensino e aprendizagem. Além destes, existem ainda: a figura do educador como o principal detentor do conhecimento a ser transmitido; a sistema- tização da escrita; a elaboração do ensino superior; a formação centrada no ritual; a educação dedicada à defesa e a continuidade do sistema so- ciopolítico e dos valores vigentes. REFERÊNCIAS ARANHA, M. L. A. História da educação e da pedagogia: geral e do Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006. CAMBI, F. História da pedagogia. São Paulo: Unesp, 1999. CLASTRES, P. A sociedade contra o Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alces, 1978. MANACORDA, M. A. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1992. PONCE, A. Educação e luta de classes. 6. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1986. 20 História da Educação GABARITO 1. A educação era caracterizada principalmente pela imitação, e as crianças aprendiam todas as informações e técnicas acumuladas por meio da observação. O papel de mes- tre era assumido pelos pais, pelos mais velhos da tribo/grupo e pelos que exerciam a função de guia religioso. 2. Esta é uma resposta pessoal, contudo você deve elaborar um quadro e inserir as ca- racterísticas da educação ou a ausência dela nas civilizações do Antigo Oriente. 3. A educação na antiguidade oriental era, na maioria dos povos, religiosa ou identifica- da com a atividade religiosa. Nesse sentido, procurava-se adequar os indivíduos de acordo com as crenças religiosas, considerando, em muitas vezes, o desdobramento da função dos sacerdotes. Assim, o caráter ritualístico de muitas comunidades estava diretamente expresso na figura do religioso. Educação na Antiguidade greco-romana 21 2 Educação na Antiguidade greco-romana Nós, homens e mulheres brasileiros, fazemos parte de uma sociedade construída nos moldes da cultura ocidental, por isso, somos herdeiros das civilizações grega e romana. Não podemos rejeitar a ideia de que somos continuadores das realizações desses povos, pois eles impactaram a filosofia, a medicina, a his- tória, as artes, a literatura, a arquitetura, a ciência e a educação. É na Grécia, ou por meio dela, que surgiu a estruturação do que denominamos cultura ocidental e que encontramos as pri- meiras tentativas de pensar ou racionalizar o universo. Os gregos e romanos elaboraram concepções antropocêntricas, desenvol- veram a reflexão, a argumentação e a dialética, incorporaram ele- mentos dos povos orientais e espalharam esses conhecimentos por diversos lugares. Na Grécia, a despeito das diferenças existentes entre algumas cidades-Estados, a educação foi fundamental para a construção e manutenção das características que permanecem na tradição ocidental. Os gregos idealizaram um saber da educação que construiu teorias e modelos de educar, os quais, há séculos, for- mam os pontos de referência para as discussões no tocante à formação humana. Os romanos, apesar de influenciados por seus antecessores gregos, não foram uma cópia destes; eram mais práticos, mas não deixaram de lado a teoria, o teatro, a poesia e, claro, a educação. Mas como esses povos pensaram a educação? Como ocorria a educação na Grécia e em Roma? O que pode ser reconhecido como influência desse modelo educacional na conjuntura do en- sino contemporâneo? Essas e outras questões são respondidas neste capítulo. 22 História da Educação 2.1 A educação grega na Antiguidade Vídeo Antes de analisarmos especificamente como era a educação na Grécia Antiga, é importante compreendermos que, politicamente, esse territó- rio não constituía, como observamos nas civilizações orientais, um país com unidade política, capital e governo central. A sociedade grega tinha como base as cidades-Estados, também conhecidas como pólis. Essas eram fortificadas com pequenos países e independentes, com governo e legislações específicos. Os únicos fatores que aproximavam esses povos era a religião e o idioma grego, pois, apesar dessa separação política, os helenos tinham consciência de que pertenciam a uma cultura comum, mas as cidades-Estados raramente se uniam. Em consonância com o sentimento de que possuíam questões cul- turais em comum, para os gregos o objetivo da educação deveria ser a paideia. Trata-se da necessidade de garantir uma formação integral ao indivíduo, pois buscava-se a preparação deste em todas as suas esfe- ras, equilibrando corpo (físico) e espírito (intelectual). Segundo Cambi (1999, p. 87, grifos nossos), com a paideia surge a dimensão teórica da educação como saber independente, ordenado e rigoroso. Nasce a educação como “episteme, e não mais como éthos e como práxis apenas”. Essa virada, de acordo o autor, foi crucial para a cultura ocidental, pois permitiu a elaboração e o enfrentamento das questões educacionais em um processo de universalidade racional, co- locando em circulação a noção de paideia que amparou por séculos a reflexão educativa. Assim, foi nesse momento que teve início a história da educação com o significado que hoje a atribuímos, pois os gregos a colocaram como problema e estatuto de questão filosófica. O artigo A Paideia grega: aproximações teóricas sobre o ideal de formação do homem grego, de Rosane Wanderscheer Bortolini e César Nunes, publicado no periódico Filosofia e Educação, em 2018, discute de modo aprofundado a elaboração do conceito grego de paideia. Acesso em: 26 ago. 2020. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rfe/article/view/8651997/17695 Artigo episteme: conhecimento verda- deiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida. éthos: conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de determinada coletividade, época ou região. práxis: prática; ação concreta. Glossário https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rfe/article/view/8651997/17695 Educação na Antiguidade greco-romana 23 O homem grego apontado pela paideia seria aquele que se des- tacaria por suas perfeições intelectual, moral e física, o que refletia diretamente nos feitos atléticos e militares que o indivíduo se mos- traria capaz de realizar. Alcançar a areté nas competências físicas e intelectuais garantia a condição de “belo e bom”, ou kaloskagathos, status semelhanteà noção de gentleman que surgiria posteriormen- te (ARANHA, 2006). Esse ideal foi tão relevante e cultuado, especial- mente na cidade de Atenas, que hoje, por vivermos em busca de novos paradigmas educacionais, ressurge a ideia de superar a visão pragmática e utilitária da educação, voltada para a especialização do trabalho, na busca de uma formação mais equilibrada e abrangente. A visão antropocêntrica, isto é, centrada no ser humano, caracterizou a ideia de formação integral, pois a educação neces- sária não seria mais uma parte da religião, mas pautada na razão e não na mitologia. A valorização da capacidade humana de racio- nalizar permitiu o desenvolvimento da lógica de pensamento, da crítica e, especialmente, da filosofia. Apesar da valorização do ideal de formação integral indicado pela paideia, as autonomias política e territorial das cidades consequentemente levaram à estruturação de sociedades distintas entre si, diferenças que também podem ser observadas na organização educacional. O afastamento de uma mitologia dogmática e impositiva, como já destacamos, favoreceu as primeiras tentativas de racionalização do universo e de questionamento da realidade. Os gregos, de maneira geral, desenvolveram uma curiosidade intelectual, uma tendência à reflexão e à argumentação que os impelia a contrastar as ideias de cada indivíduo. Além disso, o contato com estrangeiros permitiu a incorporação de conhecimentos e técnicas de outras culturas. Os primeiros pensadores gregos, que ficaram conhecidos como pré-socráticos, tinham como objetivo a elaboração de uma cosmolo- gia, ou seja, um esclarecimento racional, completo e sistemático do universo que substituísse a antiga crença baseada nos mitos. Dessa maneira, tentaram encontrar, por meio da razão e não da mitologia, o elemento ou a substância primordial presente em todos os seres, não apenas os humanos. Os pré-socráticos desejavam, na realidade, achar a “matéria-prima”, a semente de tudo, inclusive dos indivíduos (MARCONDES, 2007). Defina com suas palavras o conceito de paideia. Atividade 1 24 História da Educação Eles, ao analisarem a realidade e indagarem a matéria, concluí- ram que o universo era constituído de uma substância básica, ou fundamental. Contudo, cada um desses pensadores escolheu uma substância como fundamental: água, fogo e ar tiveram um grande número de defensores. A cidade de Mileto – considerada por muitos o berço da ciência grega – abrigava pensadores como Tales, Anaximandro, Pitágoras, Heráclito, Parmênides, Empédocles e Demócrito. Esses, além de cunharem o termo filosofia e instaurarem a sua prática, foram res- ponsáveis pela elaboração da lógica, bem como pelo desenvolvi- mento da matemática, da astronomia, da química e da física. Nesse contexto, a educação representou o sentido de todo o esforço humano, era a justificativa da comunidade e individualida- de humanas. Foram os gregos que, pela primeira vez na história, apontaram a educação como um processo de construção gradual e consciente, esquematizando as primeiras linhas conscientes da ação pedagógica (JAEGER, 1986). Todavia, é importante entender que esse ideal de educação, que tanta influência exerceu no modelo ocidental, não foi elabo- rado de uma hora para outra; na verdade, foi um desenvolvimento lento e gradual. A educação helena passou por etapas e em cada uma delas é possível verificar o fortalecimento do ideal de forma- ção humana. Desde Homero, com seus poemas didáticos (Ilíada e Odisseia), passando pelos sofistas e pelos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles, observamos o alargamento de uma concepção de educação baseada nos ideais de homem de ação e de sabedoria. Nesse movimento ascensionário, foi dentre os helenos que apa- receu o termo paidagogos, cujo significado literal era “aquele que dirige a criança”, no caso, o escravo que acompanhava a criança nas atividades educativas (ARANHA, 2006). Com o tempo, a acepção da palavra foi ampliada para indicar toda teoria de educação. Em meio aos desenvolvimentos filosófico, cultural, social e polí- tico, duas cidades, Atenas e Esparta, foram as que mais se destaca- ram em razão dos poderes político e econômico, mas também por apresentarem características muito distintas. Enquanto a primeira valorizou o desenvolvimento do intelecto, a segunda priorizou as virtudes guerreiras (MELLO, 2006). Os espartanos idealizaram o ho- Para saber mais a respei- to da origem da palavra pedagogia, visite o Portal Etimologia. Disponível em: https://etimologia. com.br/pedagogia/. Acesso em: 26 ago. 2020. Saiba mais https://etimologia.com.br/pedagogia/ https://etimologia.com.br/pedagogia/ Educação na Antiguidade greco-romana 25 mem como o produto da supervalorização do corpo, forte, corajoso e diligente. Os atenienses acreditavam que a liberdade, a racionali- dade e a retórica deveriam ser os principais valores humanos. Apesar das diferenças na organização da educação, veremos que essas cidades-Estados tinham pontos em comum, especialmente porque apenas os membros da aristocracia tinham direito à edu- cação. Mulheres, estrangeiros e escravos não possuíam os direitos, de modo que não recebiam instrução formal (ARANHA, 2006). Além disso, a escola não era o único local em que ocorria o processo de ensino e aprendizagem: as atividades coletivas, como o teatro, os jogos, os banquetes e as reuniões públicas, eram vistas como mo- mentos de aprendizagem. Os gregos, podemos sintetizar, apoiados no antropocentrismo e no amor pelo conhecimento (a filosofia), valorizaram a ideia de que a educação é a preparação para a cidadania. Por meio do intelecto, o indivíduo constrói a sua personalidade, ou seja, encontra a sua natureza racional e o direito de produzir os seus próprios fins na vida (PILETTI; PILETTI, 2004). Finalmente, é importante destacar que não existia uma aten- ção específica para a instrução profissional, ou, como preferia Aristóteles, as atividades servis. Os conhecimentos inerentes aos diversos ofícios deveriam ser aprendidos na prática e eram des- tinados aos menos abastados, estrangeiros e escravos. Em ou- tras palavras, os gregos desconsideravam a formação profissional e o trabalho manual: “enquanto a técnica se achava associada à atividade servil, o cultivo desinteressado da forma física e a ati- vidade intelectual permaneceram privilégio das classes ocio- sas” (ARANHA, 2006, p. 77). 2.2 Dois modelos de educação grega Vídeo Como apontamos, mesmo com as variações regionais, uma vez que cada cidade-Estado constituía sua própria unidade política e or- ganizava seus assuntos, inclusive a educação, os gregos aderiram ao princípio da paideia. Na maioria das cidades-Estados, os meninos pertencentes à aristo- cracia iniciavam sua formação por volta dos 7 anos pelas mãos do pe- 26 História da Educação dagogo – escravo encarregado de guiar os jovens à escola. As meninas, excluídas do que chamaríamos hoje de educação formal, ficavam com as mulheres mais velhas reclusas no gineceu – espaço reservado a elas. Nesse local, de onde raramente saíam, aprendiam os rudimentos dos afazeres domésticos. Além do pedagogo – cuja função era acompanhar e conduzir as crian- ças, embora seu papel viesse posteriormente a englobar uma postura disciplinadora, servindo de parâmetro moral –, os meninos poderiam ser acompanhados por outros “especialistas” ao longo do processo educativo. Existiam os gramáticos, que transmitiam o conhecimento da escrita e dos poemas clássicos de Homero e Hesíodo, das fábulas de Esopo e das narrativas heroicas. Havia o instrutor de música, que apre- sentava aos alunos instrumentos como a cítara e a flauta. Atribuía-se também importância ao cálculo, ensinado por meio do uso do ábaco. A geometria e o desenho, por sua vez, passaram a fazer parte da educa- ção ateniense somente a partir do século IV a.C. (FERREIRA, 2003). Além disso, era imprescindível a frequência ao ginásio, onde a prática de es- portes visava condicionar os corpos(ARANHA, 2006). Com o crescimento da exigência de melhor formação intelectual, sem abandono das práticas esportivas e musicais, esboçaram-se três níveis de educação – elementar, secundário e superior –, especialmen- te nas cidades que seguiam um modelo semelhante ao ateniense. A educação superior existiu no modelo dos sofistas, que ofereciam seus serviços aos mais abastados, ensinando filosofia e retórica. Diversos filósofos, como Sócrates, Platão e Aristóteles, ofertaram esses serviços. Todavia, apesar desses pontos de intersecção, as cidades mais influentes da civilização grega, Atenas e Esparta, estruturaram dois ideais de educação: um com base no conformismo e no estatismo de uma perspectiva militar de preparação de cidadãos-guerreiros, ou- tro “na concepção de paideia, de formação humana livre e nutrida de experiências diversas, sociais mas também culturais e antropológicas” (CAMBI, 1999, p. 64). 2.2.1 Atenas O contraponto da educação espartana sem dúvida foi exercido em sua principal rival, Atenas. Essa foi fundada pelo povo jônio que habi- tava a região da Ática, península banhada pelo Mar Egeu, onde ficava A música Mulheres de Atenas, de Chico Buarque de Holanda, canta o cotidiano de grande parte das mulheres gregas. Você pode conferir a letra e escutar a melodia no link a seguir. Disponível em: https://youtu.be/ MabbVn0Rlv4. Acesso em: 26 ago. 2020. Música A cítara é um instrumento de cordas dedilhadas ou tocado com plectro, derivado da lira, que atravessou os séculos com muitas variantes, mantendo, no entanto, a característica de que as cordas atravessam toda a caixa de ressonância; timpanão. Curiosidade http:////youtu.be/MabbVn0Rlv4 http:////youtu.be/MabbVn0Rlv4 Educação na Antiguidade greco-romana 27 o porto do Pireu, o qual servia à cidade-Estado. Por volta de 509 a.C., em virtude da expansão econômica e consolidação política, foram ado- tadas reformas que acabaram com os privilégios políticos da aristocra- cia. Com isso, todos os cidadãos atenienses, o que não significa todos os moradores, passaram a participar das decisões nas assembleias (CAMBI, 1999). O regime político adotado na cidade de Atenas foi chamado de democracia, o governo do povo. Porém, era um governo para pou- cos, pois apenas os cidadãos atenienses, filhos de pai e mãe atenien- ses, podiam participar. Os escravos, as mulheres e os metecos, isto é, “estrangeiros”, homens livres que não eram nascidos em Atenas, não participavam das assembleias e votações. A democracia ate- niense era direta, os cidadãos compareciam às assembleias e vo- tavam pessoalmente as questões discutidas, e não representativa, como ocorre atualmente no Brasil. Os ideais estruturantes da paideia prevaleciam e, ao lado da edu- cação física, a formação intelectual assumiu grande relevância na for- mação do cidadão. Os sábios (sophos), que discutiam filosofia, retórica, arte, arquitetura, poesia e ciência, transformaram Atenas em um centro irradiador de cultura. Foi aqui que a educação grega ganhou as formas que foram transmitidas à civilização ocidental (MARCONDES, 2007). Mesmo Atenas tendo sido praticamente o nascedouro da paideia, com a elaboração das primeiras preocupações com a formação intelectual do cidadão, a educação na cidade não era obrigatória nem gratuita, mas, sim, restrita e excludente. Apenas aqueles que pudessem se dedicar às reflexões, abandonando toda e qualquer atividade ma- nual, teriam acesso à educação ateniense. Aos demais restava a prática manual, a qual era muito desprezada. A educação das crianças durante os primeiros anos ficava nas mãos de amas e escravos, que se incumbiam de instruir os filhos nessa fase. Após os sete anos, as meninas permaneciam sob os cuidados mater- nos e se dedicavam aos afazeres domésticos – as mulheres eram pouco valorizadas e deveriam ficar reclusas – e os meninos iniciavam a forma- ção intelectual e física. Em muitas cidades gregas e em Atenas, os meninos aristocratas eram iniciados no universo educacional sempre acompanhados de um escravo, o pedagogo, que os orientava em suas primeiras atividades 28 História da Educação escolares. A partir dos 13 anos eram encaminhados também aos giná- sios, onde recebiam uma formação musical e literária aliada à pratica das atividades físicas, com o objetivo de aprimorarem o corpo. Dos 16 aos 18 anos a educação do jovem tomava uma dimensão cívica de pre- paração militar, mas nada comparada à realizada pelos espartanos. A educação superior apareceu posteriormente com os sofistas e os filó- sofos, estes últimos representados por figuras como Sócrates, Platão e Aristóteles, cujas reflexões analisamos logo mais (ARANHA, 2006). Porém, antes de refletirmos a respeito das contribuições desses nomes para a educação, é importante conhecermos os sofistas. Tam- bém chamados de mestres da argumentação, como indicam alguns au- tores, surgiram como uma nova classe de professores que a sociedade necessitava, pois valorizavam a educação para a vida pública, a forma- ção do político e do orador. Os sofistas eram professores viajantes que, mediante pagamento, vendiam ensinamentos, davam aulas de eloquência, entre outros. En- sinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados e transmitiam, na verdade, todo um jogo de palavras, racio- cínios e concepções que poderia ser utilizado na arte de convencer o interlocutor, driblando as teses dos adversários. Sem dúvida, a influên- cia dos sofistas foi considerável na cultura e na educação do período, especialmente por destacarem a figura do professor. Obviamente, as críticas a eles foram constantes, principalmente por parte dos filósofos, não que os sofistas não o fossem. O pensador ateniense que se tornou um divisor de águas dentro da filosofia foi Sócrates, um dos principais críticos dos sofistas. Sócrates participou do movimento de renovação cultural ini- ciado pelos sofistas. Entretanto, usava em seus diálogos com os cidadãos um método bastante diferente do utilizado pe- los sofistas. Esse método parte de uma dinâmica de diálogo, na qual ideias são colocadas em oposição, com o objetivo de desarticular ideias preconcebidas e elaborar novos entendi- mentos, em um processo chamado de maiêutica, “parir/dar à luz” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006). Com a sua filosofia moral, Sócrates buscou, pela educação dos jovens, determinar a essência do ser humano, respondendo à questão sobre a natureza ou realidade dos indivíduos. Para o Figura 1 Sócrates Museu do Louvre/Wikimedia Commons Educação na Antiguidade greco-romana 29 filósofo, a essência das pessoas é a sua psyché, a sua alma, entendendo por esta a consciência, a personalidade intelectual e moral. Em conso- nância com o que era praticado em sua cidade, acreditava que o corpo, na condição de receptáculo da alma, deveria ser preservado e cuidado (MARCONDES, 2007). O mais conhecido dentre os discípulos de Sócrates, Platão destacou a reflexão pedagógica associada à política ao idea- lizar uma sofocracia, o governo dos sábios, que criaria a cidade perfeita pelo domínio da razão. A sofocracia apre- sentada no livro A República seria mais efetiva que a demo- cracia, pois colocaria as decisões nas mãos de um grupo de filósofos em vez de deixá-las nas mãos dos cidadãos. Para justificar por que os filósofos, esses homens mais sá- bios, seriam os escolhidos para liderar os demais, Platão uti- liza o mito ou a alegoria da caverna. Essa narra a história de um grupo que vivia acorrentado ao fundo de uma caverna de onde via apenas reflexos do mundo real nas paredes. Para essas pessoas, as sombras eram tudo o que existia, era o mundo real. Quando um dos prisioneiros se livra das correntes e sai da caverna, consegue perceber a realidade, vê toda a beleza do mundo, com suas cores, suas formas e seus movimentos. Quando ele retorna para a caverna para libertar seus compa- nheiros, acaba morto, pois não o compreenderam. Segundo Platão, aqueles que escapavam das amarrassaíam da ilusão e deveriam guiar os demais, aqueles incapazes de sair da escuridão. Esses líde- res eram os filósofos, os quais teriam condições de atingir o pleno conhecimento da realidade. Platão indica que a educação necessária é aquela que conduz à formação de cidadãos integrais, os guardiões do Estado, que saibam ordenar e obedecer de acordo com a justiça. Assim, para a efetivação de sua concepção de educação, indicou dois tipos de paideia: uma ligada à formação da alma individual e outra mais política, correspon- dente aos papéis sociais do indivíduo, os quais podiam ser distintos em virtude das classes sociais existentes. O discípulo de Sócrates explicava sua ideia de educação com base na alegoria da caverna: os sábios, verdadeiros filósofos, devem dirigir os demais, e os homens comuns devem ser governados, pois Figura 2 Platão Apresentado por Platão, o mito ou a alegoria da caverna narra a história de um grupo que vivia acorrentado ao fundo de uma caverna de onde via apenas reflexos do mundo real nas paredes. Para essas pessoas, as sombras eram tudo o que existia, isto é, era o mundo real. Como podemos relacionar essa alegoria com uma perspectiva educacional? Atividade 2 Museus Capitolinos/Wikimedia Commons 30 História da Educação são intelectualmente inferiores. A educação, dessa forma, seria mi- nistrada de acordo com as diferenças intelectuais que existem en- tre as pessoas, a fim de estas ocuparem suas posições dentro da sociedade, e o Estado se responsabilizaria por essa formação. Os mais fortes seriam educados para se tornarem trabalhadores; os mais corajosos para se tornarem soldados; e os mais sábios para se tornarem “reis filósofos” (ARANHA, 2006). Um dos discípulos de Platão, Aristóteles, que organizou sua própria escola, o Liceu, também foi uma base importante para pen- sadores posteriores ao refletir segundo um modelo realista, com base na investigação lógica do mundo concreto. Segundo Aristóteles, a educação deveria ajudar as pessoas a alcançarem o seu melhor e a felicidade. O Estado deveria se preo- cupar com a formação para a cidadania, pois o ser humano é um animal político, que encontra sua plenitude na prática política. O processo educativo deve ser um dos meios pelo qual o aluno aprende a exercitar o pensamento teórico, colocando este a servi- ço da ação política. Assim como seu mestre, Aristóteles não acreditava em uma educação igual para todos os indivíduos, mas em uma formação de acordo com as capacidades individuais. O que chama a atenção na pedagogia aristotélica é a importância dada ao núcleo familiar e aos exercícios físicos, que deveriam ser praticados desde o primei- ro ano de vida para o fortalecimento do corpo. De maneira geral, a proposta educacional do filósofo está próxima do modelo platônico, todavia, mostra-se mais realista e pragmática, pois se fundamenta na investigação e observação em- píricas, com destaque para a dimensão psicológica desse processo. O programa de estudos deveria ser dividido em ciências naturais, ciências normativas e filosofia com o objetivo de formar e amoldar as faculdades irracionais, colocando-as sob o domínio daquela fa- culdade que é peculiar ao indivíduo, a razão (CAMBI, 1999). Aristóteles, como Sócrates e Platão, une à reflexão pedagógica grande atividade de ensino e recomenda cinco etapas para a edu- cação (ARANHA, 2006): Figura 3 Aristóteles Museo nazionale romano di palazzo Altemps/Wikimedia Commons Educação na Antiguidade greco-romana 31 1 a 5 anos: exercícios leves para o fortalecimento do corpo da criança. 5 a 7 anos: o Estado deve acompanhar a educação da criança. Até a puberdade: enfatizam-se os exercícios de ginástica, música, poesia. 14 a 18 anos: frequência compulsória a uma escola oficial do Estado. Nesta fase, o processo educativo deve garantir a formação do bom cidadão, a formação do caráter e a utilidade econômica. 18 a 21 anos: treinamento físico severo e serviço militar. lu tfy ha sa n/ Sh ut te rs to ck A cidade de Atenas não foi apenas influente politicamente ao estrutu- rar uma forma de governo que até hoje é discutida, adaptada e seguida, também nos legou importantes reflexões no campo da educação. Ao for- talecer e expandir o sentido de paideia, contribuiu definitivamente para a universalização do conhecimento por meio da pedagogia. 2.2.2 Esparta A exceção ao modelo de paideia foi a cidade-Estado de Esparta, uma pólis completamente voltada para o militarismo e a formação de um exército. Os jovens espartanos eram reunidos e educados com base em um sistema público, a agoge, que valorizava o aprimoramen- to de habilidades físicas e rejeitava ou colocava em segundo plano as competências predominantemente intelectuais (GONZÁLES, 2016). Mas quais as origens dessas diferenças? O povo dório conquistou a região do Peloponeso, dominando os Aqueus que ali viviam, e nela fundou Esparta. Na cidade-Estado as terras eram estatais, cabendo ao Estado a distribuição aos cidadãos designados para o cultivo. Como a presença de escravos advindos de diferentes regiões ameaçava a es- trutura política, desde o início da ocupação os espartanos tiveram que se preparar militarmente para preservar seus domínios. Essa atenção à militarização fez com que o foco da sociedade, ao con- trário do que ocorria em Atenas, não fosse a discussão e o debate, mas a Para conhecer mais a res- peito da agoge espartana leia a matéria Agoge: a infância brutal em Esparta, publicada no portal da revista Aventuras na História. Disponível em: https:// aventurasnahistoria.uol.com.br/ noticias/reportagem/historia- agoge-infancia-esparta.phtml. Acesso em: 26 ago. 2020. Site https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-agoge-infancia-esparta.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-agoge-infancia-esparta.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-agoge-infancia-esparta.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-agoge-infancia-esparta.phtml 32 História da Educação preparação física para as guerras. Havia em Esparta três estratos sociais: os esparcíatas ou espartanos, que detinham o poder, dedicando-se às atividades militares e aos negócios públicos; os periecos (homens livres), que cultivavam as terras e praticavam o comércio, mas não possuíam di- reitos políticos; e os hilotas (escravos), que serviam ao Estado e também nas terras dos esparciatas (CAMBI, 1999). O sistema político de Esparta tinha como características a gerontocracia, ou poder controlado pelos mais velhos, e a diarquia, governo de dois reis, os quais cuidavam dos negócios internos e externos. Além disso, existia a apela, uma assembleia que avaliava e validava as normativas elaboradas pelo Conselho dos Anciões, pela Gerúsia e pelo Éforo, este último composto por magistrados que fiscalizavam e exerciam o poder, mas que hierarquicamente eram submetidos aos gerontes. A rígida hierarquia e o militarismo refletiram diretamente na orga- nização da educação de crianças e jovens. A educação espartana tinha como principal ideal pedagógico formar cidadãos-soldados, dotados de perfeição física, coragem e hábito de obediência às leis, assegurando a superioridade militar da cidade-Estado. Os espartanos valorizavam muito as atividades militares e a prática de exercícios físicos, com o objetivo de preparar o corpo para as mais variadas situações de guerra. Para garantir essa militarização, a educação ofertada era pública e obrigatória, o que a tornou menos dualista. Os espartanos desenvolviam o rigor físico e as habilidades guerreiras por meio da ginástica, prática na qual eram rigorosamente disciplinados e controlados pelos éforos, cinco magistrados que exerciam poder absoluto para essa prática. A preparação do corpo era tão importante que começava antes mesmo do nascimento, com uma rígida política de eugenia e de pre- paração das mães, as quais deveriamter o corpo forte para gerarem filhos robustos e sadios. Ao nascerem, as crianças passavam por uma espécie de vistoria por parte do Estado e aquelas que apresentassem imperfeições físicas ou que fossem frágeis eram sacrificadas, pois não seriam capazes de atingir a perfeição necessária (ARANHA, 2006). Até os sete anos de idade as crianças permaneciam sob os cuidados diretos de sua mãe, de quem já recebiam um treino rigoroso (PILETTI; PILETTI, 2004). Aos sete anos, a educação passava a ser responsabili- dade da cidade-Estado, que as recolhia, incluindo as meninas em uma espécie de caserna pública, onde estudavam, de maneira lúdica, mas Para entender mais a relevância do militarismo espartano que contribuiu para o fortalecimento da cidade-Estado e a expan- são de seu poder, assista ao filme 300. Observe, também, a questão da preservação dos mais for- tes desde o nascimento. Direção: Zack Snyder. Estados Unidos: Warner Bros Pictures, 2007. Filme Educação na Antiguidade greco-romana 33 sem atenção aos debates ou às longas discussões, música, canto e dan- ça até os 12 anos, quando começavam a receber um treinamento mais específico para a guerra. Nessa etapa da educação, os jovens espartanos eram preparados em uma espécie de comunidade para suportar a fome, a dor e o des- conforto. Essa preparação, além de física, era moral, para fortalecer os vínculos de amizade e o respeito aos mais velhos. A partir dos 18 anos os espartanos se dedicavam ao estudo das armas e manobras militares, e entre os 20 e 30 anos seu treino era na guerra (PILETTI; PILETTI, 2004). Apesar dessa escolarização pública desde os 7 anos, de maneira am- pla, a formação intelectual praticamente inexistia e poucos sabiam ler e contar. Um exemplo que ilustra bem esse desapego é o termo laconismo, o qual designa a forma breve e sucinta de se expressar, que “deriva de Lacônia, região onde viviam os espartanos” (ARANHA, 2006, p. 64). Assim, diferente do que observamos em Atenas, não encontramos em Esparta os chamados teóricos da educação. De toda a Grécia, eram nas cidades-Estados da Lacônia que as mu- lheres foram mais respeitadas e recebiam um pouco mais do que a educação para as tarefas domésticas. Conforme Aranha (2006), em Es- parta, elas eram vistas com mais importância, pois geravam aqueles que seriam os futuros guerreiros e participavam, desde muito jovens, dos exercícios de salto, lançamento de disco, corrida e dança. 2.3 A educação romana na Antiguidade Vídeo Há algumas lendas sobre a fundação da cidade de Roma, sendo a mais conhecida a versão que atribui essa empreitada aos gêmeos Rômulo e Remo, filhos do deus Marte e da princesa Rea Silvia. O que importa destacar é que essa cidade passou a dominar a estreita passagem pela qual os mercadores cruzavam o rio Tigre ao trans- portar o sal do litoral até a Etrúria e, ao contrário do que ocorreu na Grécia, desde o início fortaleceu a noção de império (PINSKY, 1997). Política e culturalmente foi durante o Império – momento em que Roma manteve contato direto com outros povos e deles assimilou muito do que nos foi transmitido com a denominação de cultura greco-romana – que a educação ganhou mais relevância, com a estruturação de escolas públicas e o desenvolvimento do ensino superior (CAMBI, 1999). 34 História da Educação As classes sociais se estruturaram por meio da posse da terra, sendo os patrícios os grandes proprietários, detentores também dos direitos políticos. Os pequenos proprietários, artesãos e estrangeiros formavam a plebe. Assim como em Esparta, a saúde perfeita era indispensável para que a criança pudesse em sua vida futura seguir os passos do pai, no caso dos meninos, ou conseguir um bom casamento, no caso das me- ninas, garantindo, portanto, a presença de homens e mulheres capazes de preservar e expandir os territórios romanos (PILETTI; PILETTI, 2004). Porém, apesar de parecer contraditório, a família tinha muita rele- vância na formação da criança romana, que até os 7 anos permanecia com a mãe. Após esse período, o pai se encarregava pessoalmente da educação dos meninos e as meninas eram educadas e preparadas para os trabalhos domésticos. Segundo Cambi (1999, p. 107), “as crianças romanas, através de sua educação familiar, entram em contato com os valores e os princípios da vida civil, incorporando-os como valores comuns e modelos de comportamento”. Os romanos também desenvolveram uma concepção de cultura fundamental, a humanitas, no sentido literal de humanidade, de edu- cação e de algo próximo à paideia dos gregos. Do mesmo modo que a areté grega, a virtus romana, origem da palavra virtude, era um princípio central do processo educativo (MARCONDES, 2007). A educação romana era elitista e objetivava preparar o indivíduo capaz de pensar de modo correto e expressar-se de maneira clara, direta e con- vincente. Por isso, o estudo da retórica era mais relevante do que o da filo- sofia. Os romanos adotavam uma postura mais pragmática, voltada para as atividades cotidianas e para a ação política. A pedagogia também esta- va direcionada às questões práticas, mas desencadeou reflexões muito importantes para a história da educação e que merecem nossa atenção. Quintiliano foi um dos pensadores romanos que mais atenção dedicou à educação, incentivando a formação do perfeito orador por meio da valorização dos aspectos técnicos da educação e do afasta- mento da filosofia. Sua principal contribuição foi a aproximação da re- creação e dos exercícios físicos ao estudo com a finalidade de tornar menos árdua a atividade escolar para o estudantes. Outra inovação proposta por ele foi a instrução simultânea em diversas matérias, e não em separado, como era costume (ARANHA, 2006). Figura 4 Quintiliano Vanzanten/Wikimedia Commons Educação na Antiguidade greco-romana 35 Figura 5 Cícero Figura 6 Sêneca Cícero, que se destaca entre os pensadores romanos, foi o res- ponsável pela elaboração do primeiro e mais importante escrito sobre a educação na tradição romana. O conteúdo do processo educativo apresentado em Sobre o Orador visava, em última instância, à vida pú- blica. O instrumento para a realização desse objetivo e ideal seria a habilidade no falar, ou seja, a retórica. Para o autor, a educação deveria priorizar a formação do bom orador, capaz de persuadir, o que reque- ria conhecimentos de retórica, filosofia, direito e, até mesmo, habilida- des teatrais (ARANHA, 2006). Manfred Werner/Wikimedia Commons Ca lid iu s/ W iki m ed ia C om m on s Tomisti/Wikimedia Commons Figura 7 Plutarco Outro representante da pedagogia ro- mana foi Sêneca, mentor de Nero. Para ele, a educação deveria ser prática e orientada principalmente pelo exemplo, por isso dá mais atenção à formação moral do que à retórica. O pensador “ocupou-se também com a psicologia como instrumento para a preservação da individualidade” (ARANHA, 2006, p. 93). A integração entre a cultura grega e a romana ficou a cargo de Plu- tarco, professor e escritor de origem grega que pensava a educação com base na família, na música e na beleza, sem esquecer a sólida for- mação moral. Os pais, segundo o autor, deveriam educar seus filhos com base em modelos para que a educação alcançasse êxito; eles pre- cisavam dar a seus filhos o exemplo de comedimento e do fiel cumpri- mento dos deveres. É interessante observar que mesmo sendo cosmopolita, com ra- mificações em províncias do Império, essa educação não era igualitá- ria, mas, sim, aristocrática, voltada para as atividades intelectuais que afastavam todo o tipo de trabalho manual realizado pelos escravos. Enquanto os homens da elite eram educados por preceptores, muitas vezes de origem grega, as crianças plebeias estudavam no ludus, uma escola simples que funcionava em cômodos residenciais ou em espa- ços públicos em que um professor ensinava por uma taxa. 36 História da Educação Com o desenvolvimento do cristianismo, a partir do século II, sur- giram, paralelamente àsescolas já existentes, as escolas cristãs que objetivavam a formação de seus futuros sacerdotes. Nesses espaços, que já prenunciavam mudanças, o foco era a formação da inteligência da fé por meio do estudo da filosofia, geometria e aritmética (CAMBI, 1999). Os romanos eram um povo prático, que não apreciava a teoria pura, por isso, não deram contribuição notável para as ciências nem para a matemática, em compensação, eram bons poetas e dramaturgos. É evidente que exerceram um papel fundamental na difusão e preserva- ção das ideias gregas que chegaram até nós, mas também deixaram sua própria marca. Em alguns campos, os romanos foram realmente originais, por exemplo, na arquitetura, construindo ótimas estradas pa- vimentadas e aquedutos. Edificar e utilizar grandes estádios também foi invenção deles. A originalidade romana se mostra nas táticas e estratégias militares. Não foi à toa que mantiveram uma invencibilidade bélica por séculos. Eles foram criativos na administração pública, sendo que muito do que os governos utilizam hoje em dia foi copiado deles. O direito romano é célebre. As leis, a maneira de fazê-las, as ideias jurídicas, tudo o que caracteriza a ciência do Direito nasceu com os romanos. Além de tudo, os romanos foram os primeiros a unificar a Europa. Segundo Aranha (2006), o idioma deles – o latim – é a base de várias lín- guas europeias; mesmo idiomas não latinos, como o inglês e o alemão, possuem palavras de origem latina. CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi na Grécia que teve início o que hoje denominamos história da educação, pois foram os gregos que colocaram, pela primeira vez, a educa- ção como um problema, ocorrência que se deve à visão antropocêntrica e universal. Contudo, foi por volta do século V a. C., com os sofistas e depois com a tríade Sócrates, Platão e Aristóteles, que o conceito de educação alcançou o estatuto de questão filosófica. Se os primeiros mestres profissionais foram os sofistas, o primeiro grande educador foi Sócrates. Platão foi o fundador da teoria da educa- ção e da pedagogia, sem abandonar as reflexões políticas de Atenas. E Aristóteles uniu à reflexão pedagógica uma intensa atividade educacional. Em Roma predominou uma educação de caráter prático, familiar e ci- vil, cujo principal objetivo era a formação do orador, sujeito ideal que agre- Quintiliano foi um dos estudiosos romanos que mais se dedicou à educação. Nesse sen- tido, quais foram as inovações educacionais propostas por esse pensador? Atividade 3 Educação na Antiguidade greco-romana 37 ga a capacidade da palavra, riqueza de cultura e habilidade de participar da vida social e política. A herança educacional greco-romana se revelaria basilar para os pen- sadores dos períodos posteriores, que utilizariam essa soma de conheci- mentos como alicerce. REFERÊNCIAS ARANHA, M. L. A. História da Educação e da Pedagogia: geral e do Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006. CAMBI, F. História da Pedagogia. São Paulo: Unesp, 1999. FERREIRA, O. L. Visita à Grécia Antiga. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2003. GONZÁLES, R. J. Militarizing culture: essays on the warfare state. Nova Iorque: Routledge, 2016. JAEGER, W. Paideia: A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1986. JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. MARCONDES, D. Introdução à história da filosofia. 10. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. MELLO, L. S. Educação na Antiguidade. In: SOUZA, N. M. M. (org.) História da educação. São Paulo: Avercamp, 2006. PILETTI, C.; PILETTI, N. Filosofia e História da educação. São Paulo: Ática, 2004. PINSKY, J. As primeiras civilizações. São Paulo: Atual, 1997. GABARITO 1. O conceito de paideia está relacionado com o ideal grego de formação geral, que tem como objetivo o desenvolvimento da pessoa como indivíduo e como cidadão, procu- rando formá-lo em todas as suas potencialidades de tal maneira que pudesse ser um melhor cidadão. 2. O mito ou a alegoria da caverna de Platão narra a história de um grupo que vivia preso ao fundo de uma caverna desde o nascimento, de onde conseguia enxergar apenas reflexos do mundo real projetados nas paredes do cárcere. Para esses indivíduos, de acordo com Platão, as sombras eram tudo o que existia, eram o mundo real. En- tretanto, quando um dos prisioneiros se liberta da caverna, consegue ver toda a be- leza e toda a imensidão do mundo, com cores, formas e movimentos. Ao retornar às trevas, é morto por seus companheiros que não o compreenderam. Aqueles que quebrassem as amarras e alcançassem a luz da realidade seriam libertados da ilu- são. Mas, acostumados a viver nas sombras e na ilusão, teriam que ir pouco a pouco habituando-se à realidade. Para Platão, somente os filósofos teriam condições de atin- gir o pleno conhecimento da realidade, cabendo aos demais a submissão. Portanto, nem todos deveriam ter acesso ao mesmo nível de instrução, pois não estariam pre- parados para tal. 3. O romano Quintiliano valorizava a formação do orador e, afastando-se da filosofia, priorizava aspectos técnicos da educação desde a primeira infância, com a junção da recreação e dos exercícios físicos ao estudo com a intenção de tornar menos árdua a atividade escolar para os pequenos. Apresentava, também, a proposta de instrução simultânea em diversas matérias, e não em separado, como era costume. 38 História da Educação 3 Idade Média: a educação mediada pela fé Antes de iniciarmos a reflexão sobre a educação no período que se convencionou chamar de Idade Média, é importante entender que esse não foi um período de trevas – como nos quiseram fazer acreditar os pensadores renascentistas –, tampouco um período que demonstra uma posição intermediária entre dois momentos relevantes da História: o mundo antigo e o mundo moderno. As inúmeras diferenças em relação ao mundo antigo, assim como da posterior Idade Moderna, não desqualificam esse momento como um tempo/espaço de produção de saberes, experiências e modos de convivência. A Igreja católica foi a principal, mas não a única instituição educa- tiva e cultural da Idade Média. Apesar do predomínio da concepção teocêntrica, ela trouxe para a educação novos sujeitos e concep- ções, aproximou – sem extinguir o dualismo escolar – a educação do trabalho, algo, inclusive, que não existia anteriormente. Esse momento – para além da institucionalização da Igreja ca- tólica – representou o período de organização das universidades; foi a época de gestação das nações e línguas modernas, bem como do surgimento daquilo que posteriormente seria o capitalismo. No Oriente, houve um grande progresso técnico e cultural; este se espalhou pelo Ocidente, e o mundo foi pontilhado por relevantes descobertas, como os algarismos, o astrolábio, a pólvora, o pa- pel, os diferentes medicamentos, o aço, a bússola e muito mais. Gradativamente, todas essas inovações proporcionaram novas possibilidades materiais. Idade Média: a educação mediada pela fé 39 3.1 As escolas cristãs Vídeo Para entendermos a estruturação e a expansão das escolas cristãs ao final do Império Romano e início do que se convencionou denomi- nar Idade Média, é importante entendermos que, como em outros pe- ríodos da história, as mudanças não ocorreram da noite para o dia, mas foram resultado de um processo complexo e gradual. As escolas cristãs surgiram ainda durante o Império e estavam fo- cadas na formação dos quadros religiosos da Igreja católica, ou seja, coexistiram com as escolas pagãs da mesma forma que a sociedade, posteriormente chamada medieval, coexistia com aspectos da socieda- de romana. Apesar das dificuldades e das perseguições, o movimento cristão, inicialmente compreendido como uma seita do judaísmo, desenvolveu- -se nos ambientes populares, conquistando partidários entre os despo- jados. Porém, o apoio de pessoas ricas e consideradas cultas foi bem mais lento: apenas no século IV foi aceito como um movimento legal e declarado religião oficial (KONDER,
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