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1 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS 3 LIVRO TEXTO HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS 2 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Sumário 1. CONCEITOS E A IMPORTANCIA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO................................................................. 3 1.1 - O TERMO HISTÓRIA RECEBE DIFERENTES DEFINIÇÕES ................................................................. 4 2. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR ................................................................ 5 3. EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS E CLÁSSICAS DA ANTIGUIDADE (GRÉCIA E ROMA) ....... 8 3.1 - A GRÉCIA DE ESPARTA E ATENAS ................................................................................................. 12 3.2 - ROMA, DE RÔMULO E REMULO AO GRANDE IMPÉRIO .............................................................. 14 4. CARACTERISTICAS DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL ..................................................................................... 17 4.1 - A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO E A FORMAÇÃO DA IDADE MÉDIA ........................................ 18 5. PEDAGOGIA REFORMADA E ILUMINISTA ............................................................................................. 22 6. IDEIAS PEDAGÓGICAS DOS SÉCULOS XIX E XX ................................................................................... 33 6.1 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS LIBERAIS ........................................................................................... 33 6.1.1 - Tradicional ............................................................................................................................. 33 6.1.2 - Renovadora Progressiva ....................................................................................................... 33 6.1.3 - Renovadora Não Diretiva ..................................................................................................... 34 6.1.4 - Tecnicista ............................................................................................................................... 34 6.2 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS ............................................................................... 34 6.2.1 - Libertadora ............................................................................................................................ 34 6.2.2 - Libertária ............................................................................................................................... 35 6.2.3 - Crítico-Social dos Conteúdos ................................................................................................ 35 7. PROCESSO DE EDUCAÇÃO NO PERÍODO COLONIAL E IMPERIAL BRASILEIRO................................ 38 7.1 - OS JESUÍTAS .................................................................................................................................. 39 7.2 - A PRIMEIRA EDUCAÇÃO ............................................................................................................... 39 8. EDUCAÇÃO DA REPÚBLICA VELHA À TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA BRASILEIRA. .............................. 46 8.1 - A FUNÇÃO DISCIPLINAR DA ESCOLA NA PRIMEIRA REPÚBLICA ................................................. 47 8.2 - A ESCOLA PRIMÁRIA E A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DA NAÇÃO BRASILEIRA .................. 47 8.3 - EDUCAÇÃO ANTES DE 1964 (ERA VARGAS) ................................................................................. 48 9. PROCESSOS DE EDUCAÇÃO RIBEIRINHA E CABOCLA ........................................................................ 51 10. HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA E AFRO-BRASILEIRA .................................................................. 54 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................... 63 3 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS TEMA 01 PARTE 01 1. CONCEITOS E A IMPORTANCIA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Ao estudarmos sobre a História, deparamos-nos com diferentes conceitos sobre o termo. O termo “história” originou-se do grego e é oriunda do vocábulo “hístor”, que significa “aprendizado”. Sendo assim, faz referência ao conhecimento obtido a partir da investigação e do estudo, a manifestação do interesse acerca das questões que envolvem o estudo da História surgem interrogações como, O que é História? porque estudar História? Qual a origem do termo? Para resolução desses questionamentos vamos estudar a concepção do termo História para alguns importantes historiadores. Trabalhos de autores como: Saviani (1983), Cunha (1984), expressão preocupação com as formas delineadas em meio a este tema, bem como as teorias e metodologias que vem constituindo a própria História. A História, como ciência, se constrói atendendo uma imensa demanda de temáticas, organizadas sob diversas vertentes. 0 historiador Jacques Le Goff, pelo qual responderemos alguns questionamentos sobre o termo. Neste primeiro momento, de forma rudimentar, vamos trazer algumas reflexões que podem nos auxiliar na compreensão da concepção de História, de acordo com Neves (2005), fundamentada nos estudos de Le Goff, História é uma palavra de origem grega, cujo significado é entendido por procurar, investigar. Segundo os estudos de Lopes e Galvão (2001), cabe à História simplesmente narrar os fatos, tal como eles aconteceram, afirmativa a qual as historiadoras avaliam como uma ilusão positiva, pois o passado, nunca é completamente exposto. Le Goff (2003) por sua vez diz que, a História não deve ser apenas entendida como ciência do passado, mas como a “ciência da transformação e da explicação dessa mudança” (LE GOFF, 2003, p. 15). Nesse caso, o autor apresenta diferentes conceitos de História, como “o que os homens realizaram” “a História como uma procura das ações realizadas pelo homem; sendo o tema central ou objeto de procura; e a História como uma narração, verdadeira ou falsa, fundamentada na “realidade histórica” ou no imaginário. Le Goff (2003), apresenta também a história da seguinte forma: a história é uma ciência que explica o passado a questão do saber e poder; sobre a objetividade e manipulação do passado; e ainda, a questão do singular e universal, generalizações e singularidades da história, o autor faz 4 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS referência a discussão de tais conceitos como fundamentais para a definição de sua concepção de história, pois os explica de forma clara e detalhada. 1.1 - O TERMO HISTÓRIA RECEBE DIFERENTES DEFINIÇÕES De acordo com distintos historiadores, o historiador Marc Bloch, destaca que a História não estuda os acontecimentos do passado, mas é a ciência que estuda o homem e sua ação no tempo. Outros entendem como o estudo das transformações na sociedade humana ao longo do tempo. Sendo assim, de acordo com os teóricos exemplificados podemos definir a História como uma Ciência que estuda as ações do homem entre os tempos em suas mudanças e permanências, dentre esses e outros conceitos vale ressaltar que a História como Ciência que estuda as atividades humanas em sociedade tem sua origem na Grécia antiga e em seu pioneiro historiador Heródoto, considerado o pai da História. Em meio a muitos desdobramentos sobre o estudo da História da História surgem indagações que nos fazem refletir sobre o seu papel como ciência e até mesmo como disciplina, no entanto, vale ressaltar que o estudo da História tem sua importância fundamental na construção de uma sociedade mais reflexiva no que diz respeito a sua atuação social e educacional e na formação de profissionais críticos e capazes de criar e conceber pensamentos e ideias. 5 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS TEMA 01 PARTE 022. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR Quando falamos em educação, é bem possível que a primeira ideia ou imagem que venha à mente, seja de crianças indo à escola, carteiras enfileiradas, livros e um professor. Esta é uma ideia comum a todos nós que, a grosso modo, vivemos em um tempo e em uma sociedade específicos, que nos moldam e que nos levam a perceber as coisas a partir do modelo vigente nessa sociedade a qual estamos inseridos. Assim, tendemos a tomar o nosso modelo como parâmetro generalizador, isto é, temos a inclinação a perceber que os processos são os mesmos no tempo, isto é, ao longo da história, e também no espaço, espaço esse que pode ser geográfico e/ou cultural. Mas de fato não é assim que o processo acontece. A educação tem um significado e um sentido muito mais amplo e diverso, que o senso comum de nossa sociedade costumeiramente nos apresenta. Muitas vezes o conceito de educação pode ser apresentado e confundido, com o de “sistema educativo”, isto é, o processo de ensinar e aprender, e por mais que educação também englobe o sistema educativo, essa noção ainda é incompleta, educação é algo mais amplo e mais complexo. Poderíamos apresentar uma síntese do conceito de educação como sendo uma estrutura social, um processo de “reprodução cultural”, isto é, mecanismos pelos quais os diversos grupos humanos repassam as novas gerações, os conhecimentos adquiridos ao longo do tempo necessários à manutenção do grupo, seus costumes e tradições que formam a especificidade, a cosmovisão desse grupo humano, aquilo que faz com que o dado grupo humano seja do jeito que é. Mas se a educação é responsável pela reprodução cultural, uma pergunta deriva dessa assertiva: O que é cultura? Para responder essa pergunta recorreremos ao que lhe diz a respeito, a antropologia. A tradição antropológica tem trabalhado o conceito de cultura a partir de uma multiplicidade de fontes, históricas e etimológicas, isto é, da origem do significado da palavra. Segundo (Laraia, 2001, p. 14), “no final do século XVIII e no princípio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo.” Outra fonte 6 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS etimológica da palavra vem do latim colere e é cognata às palavras agricultura, cultivar, colher, culto (tanto o adjetivo quanto o substantivo), ou seja, tudo aquilo que requer esforço humano para transformar em oposição ao encontrado na natureza. Com a popularização do termo pela antropologia, surgiram outras nuances. O termo cultura é usado para referir a um grupo social. É nesse sentido que aparece no plural: culturas. É o caso de a cultura dos xavantes, a cultura japonesa ou a cultura ocidental. Nessa acepção, há uma idealização de uma cultura como pertencente a um grupo, idealmente com suas fronteiras e conteúdos definidos. Entretanto, essa concepção é mais uma abstração empregada no sentido lato que propriamente reflexo da realidade. Falar algo como cultura brasileira ou cultura paraguaia seria um tipo ideal. Internamente há outras facetas nessas culturas nacionais. Um dos pioneiros da antropologia, Edward Tylor (1832-1917) fez uma das primeiras propostas científicas de que cultura seria “em seu amplo sentido etnográfico, este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou quaisquer outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Em uma outra definição menos estática, outros pioneiros como Franz Boas e Bronislaw Malinowski propuseram que “cultura abrange todas as manifestações de hábitos sociais de uma comunidade, as reações do indivíduo afetado pelos hábitos do grupo em que vive e o produto das atividades humanas, como determinado por esses hábitos e que a cultura é uma unidade bem organizada dividido em dois aspectos fundamentais – um corpo de artefatos e um sistema de costumes. Esta apresentação panorâmica do conceito de cultura se faz necessária para a partir dela podermos construir links de relação com o conceito de educação e seus desdobramentos. Apresentamos educação como uma estrutura social, um mecanismo de reprodução cultural e apresentamos historicamente a cultura como o universo social e indenitário que caracterizam um determinado grupo humano. Assim, educação, no seu sentido mais amplo, é o processo de reprodução social, dos conhecimentos e dos costume e tradições históricas das diversas sociedade humanas. É a estrutura pela qual as sociedades constroem seus indivíduos para a vida social. A educação, portanto, tem um papel central no desenvolvimento humano e através do sentido histórico, social e cultural das diversas sociedades humanas, essa estrutura desenvolve diferentes estratégias para atingir seus objetivos. São diferentes formas e ferramentas desenvolvidas ao longo dos períodos históricos, cada um conforme a especificidade do seu tempo e das características das sociedades ao longo dos períodos da história. 7 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Em todas as sociedades humanas ninguém escapa da educação. Na nossa por exemplo, em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Para mundos diversos, a educação existe em modos diferente e com diferentes estratégias: em pequenas sociedades tribais de povos caçadores, agricultores ou pastores nômades; em sociedades camponesas, em países desenvolvidos e industrializados; em mundos sociais sem classes, de classes, com este ou aquele tipo de conflito entre as suas classes; em tipos de sociedades e culturas sem Estado, com um Estado em formação ou com ele consolidado entre e sobre as pessoas. No entanto, a educação, existe nas sociedades livremente, pode ser uma das formas em que se criam para tornar comum, o saber, a ideia, a crença e tudo aquilo que é comum entre a sociedade como bens, meio de produção ou como vida. Pode existir por um sistema centralizado de dominação política ou social, que usa o saber como controle sobre a sociedade de modo geral, o saber como armas que sustentam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos. 8 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS TEMA 02 PARTE 01 3. EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS E CLÁSSICAS DA ANTIGUIDADE (GRÉCIA E ROMA) Na era primitiva o hominídeo mais moderno o homo sapiens, que somos nós, possui linguagem, elabora múltiplas técnicas, educa os seus “filhotes”, vive da caça, é nômade, é “artista” (arte naturalista e animalista), está impregnado de cultura mágica, dotado de cultos e crenças, e vive dentro da “mentalidade primitiva” marcada pela participação mística dos seres e pelo raciocínio concreto, ligado a conceitos-imagens e pré-lógico, intuitivo e não-argumentativo. A educação dos jovens, nesta fase, torna-se o instrumento central para a sobrevivência do grupo e a atividade fundamental para a realização da transmissão e o desenvolvimento da cultura. No filhote dos animais superiores já existe uma disposição para acolher esta transmissão, fixada biologicamente e marcada pelo jogo-imitação. Todos os filhotes brincam com os adultos e nessa relação se realiza um adestramento, se aprendem técnicas de defesa e de ataque, de controle do território, de ritualização dos instintos. Isso ocorre em nível enormemente mais complexo – também com o homem primitivo, que através da imitação, ensina ou aprende o uso das armas, a caça e a colheita, o uso da linguagem, o culto dos mortos, as técnicas de transformação e domínio do meio ambiente. Depoisdesta fase, entra-se (cerca de 8 ou 10 mil anos atrás) na época do Neolítico, na qual se assiste a uma verdadeira revolução cultural. Nascem as primeiras civilizações agrícolas: os grupos humanos se tornam sedentários, cultivos campos e criam animais, aperfeiçoam e enriquecem as técnicas (para fabricar vasos, para tecer, para arar), cria-se uma divisão do trabalho cada vez mais nítida entre homem e mulher e um domínio sobre a mulher por parte do homem, depois de uma fase que exalta a feminilidade no culto da Grande Mãe, uma espécie de panteísmo rústico. A revolução neolítica é também uma revolução educativa: fixa uma divisão educativa paralela à divisão do trabalho (entre homem e mulher, entre especialistas do sagrado e da defesa e grupos de produtores); fixa o papel-chave da família na reprodução das infra estruturas culturais: 9 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS papel sexual, papéis sociais, competências elementares, introjeção da autoridade; produz o incremento dos locais de aprendizagem e de adestramento específicos nas diversas oficinas artesanais ou algo semelhante; nos campos; no adestramento; nos rituais; na arte, que, embora ocorram sempre por imitação e segundo processos de participação ativa no exercício de uma atividade, tendem depois a especializar-se, dando vida a momentos ou locais cada vez mais específicos para a aprendizagem. A educação existe desde quando o homem rompeu a barreira do estado de natureza e passou ao estado de natureza e cultura. A educação existe onde não há a escola e por toda parte podem haver redes e estruturas sociais de transferência de saber de uma geração a outra, onde ainda não foi sequer criada a sombra de algum modelo de ensino formal e centralizado. Porque a educação aprende com o homem a continuar o trabalho da vida. A vida que transporta de uma espécie para a outra, dentro da história da natureza, e de uma geração a outra de viventes, dentro da história da espécie, os princípios através dos quais a própria vida aprende e ensina a sobreviver e a evoluir em cada tipo de ser. Quando um povo alcança um estágio complexo de organização da sua sociedade e de sua cultura; quando ele enfrenta, por exemplo, a questão da divisão social do trabalho e, portanto, do poder, é que ele começa a viver e a pensar como problema as formas e os processos de transmissão do saber. É a partir de entã, que a questão da educação emerge à consciência e o trabalho de educar acrescenta à sociedade, passo a passo, os espaços, sistemas, tempos, regras de prática, tipos de profissionais e categorias de educandos envolvidos nos exercícios de maneiras cada vez menos corriqueiras e menos comunitárias do ato, afinal tão simples, de ensinar-e-aprender. Entre o fim do século XIX e início do século XX, antropólogos saíram pelo mundo pesquisando as ditas "culturas primitivas" de sociedades tribais das Américas, da Ásia, da África e da Oceania, eles aprenderam a descrever com rigor praticamente todos os recantos da vida destas sociedades e culturas. No entanto, quase nenhum deles usa a palavra educação, embora quase todos, de uma forma ou de outra, descrevam relações cotidianas ou cerimônias rituais em que crianças aprendem e jovens são solenemente admitidos no mundo dos adultos. De vez em quando, aparece o conceito de educação, como quando Radcliffe-Brown - um antropólogo inglês que participa da criação da moderna Antropologia Social - lembra que, entre os andamaneses, um grupo tribal de ilhéus entre Burma e Sumatra, para ajustar a criança à sua comunidade é preciso que ela seja educada. Parte deste processo consiste em a criança e o adolescente aprenderem aos poucos a caçar, a fabricar o arco e flecha e assim por diante. Outra 10 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS parte envolve a aquisição de sentimentos e disposições emocionais que regulam a conduta dos membros da tribo e constituem o corpo de suas regras sociais de moralidade. Quando os antropólogos pouco falam em educação, eles pouco querem falar de processos formalizados de ensino. Porque, onde os andamaneses, os maori, os apaches ou os xavantes praticam, e os antropólogos identificam processos sociais de aprendizagem, não existe ainda nenhuma situação propriamente escolar de transferência do saber tribal que vai do fabrico do arco e flecha à recitação das rezas sagradas aos deuses da tribo. Ali, a sabedoria acumulada do grupo social não "dá aulas" e os alunos, que são todos os que aprendem, "não aprendem na escola". Mas todo esse processo por mais que os antropólogos não chamem sistematicamente de educação por razões práticas, esse processo é a educação no seu sentido mais amplo. Nas aldeias dos grupos tribais mais simples, todas as relações entre a criança e a natureza, guiadas de mais longe ou mais perto pela presença de adultos conhecedores, são situações de aprendizagem. A criança vê, entende, imita e aprende com a sabedoria que existe no próprio gesto de fazer a coisa. São também situações de aprendizagem aquelas em que as pessoas do grupo trocam bens materiais entre si ou trocam serviços e significados: na turma de caçada, no barco de pesca, no canto da cozinha da palhoça, na lavoura familiar ou comunitária de mandioca, nos grupos de brincadeiras de meninos e meninas, nas cerimônias religiosas. O saber da comunidade, aquilo que todos conhecem de algum modo; o saber próprio dos homens e das mulheres, de crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos; o saber de guerreiros e esposas; o saber que faz o artesão, o sacerdote, o feiticeiro, o navegador e outros tantos especialistas, envolve portanto situações pedagógicas interpessoais, familiares e comunitárias, onde ainda não surgiram técnicas pedagógicas escolares, acompanhadas de seus profissionais de aplicação exclusiva, isto é, professores tais quais os conhecemos. Os que sabem: fazem, ensinam, vigiam, incentivam, demonstram, corrigem, punem e premiam. Os que não sabem espiam, na vida que há no cotidiano, o saber que ali existe, veem fazer e imitam, são instruídos com o exemplo, incentivados, treinados, corrigidos, punidos, premiados e, enfim, aos poucos aceitos entre os que sabem fazer e ensinar, com o próprio exercício vivo do fazer. Espalhadas pelos cantos da vida cotidiana, todas as situações entre as pessoas, e entre as pessoas e a natureza são sempre mediadas pelas regras, símbolos e valores da cultura do grupo - tem, em menor ou maior escala a sua dimensão pedagógica. Ali, todos os que convivem aprendem da sabedoria do grupo social e da força da norma dos costumes da tribo, o saber que torna todos e 11 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS cada um, pessoalmente aptos e socialmente reconhecidos e legitimados para a convivência social, o trabalho, as artes da guerra e os ofícios do amor. Então, a partir do exposto, podemos concluir que nas sociedades da era primitiva e naquelas que por alguma razão do desenvolvimento histórico “optaram” por não seguir o caminho de desenvolvimento típico das sociedades ditas modernas ocidentais ou ocidentalizadas pelo processo de colonização por exemplo, não tem em sua estrutura social mecanismo de educação tal qual as das nossas sociedades, como a escolarização e todo o instrumental que lhe típico e característico. Isso, não obstante, não significa que tais sociedades não tenham educação, ou processos educativos eficientes para suas necessidade e peculiaridades. Quando em algumas sociedades primitivas o trabalho produz bens e quando os poderes que reproduzem a ordem são divididos e começam a gerar desigualmente na distribuição dos bens produzidos, essa distribuição passar a servir ao uso político e reforçar a diferença no lugar de um saber anterior, que afirmava a comunidade. Então, é o começo de quando a sociedade separa e aos poucos opõe: o que faz, o que se sabe com o que se faz e o que se faz com o que se sabe.Logo, é quando surge a categoria das especialidades sociais, aparecem as de saber e de ensinar a saber. Este é o começo do momento em que a educação vira o ensino, que inventa a pedagogia, reduz a aldeia à escola e transforma o “todo” como mecanismo de reprodução cultural, no educador especializado, o professor. Uma divisão social do saber e dos agentes e usuários do saber como essa existe mesmo em sociedades muito simples. Em seu primeiro plano de separação - o mais universal - numa idade sempre próxima à da adolescência, meninos e meninas são isolados do resto da tribo. Em alguns casos convivem entre iguais e com adultos por períodos de reclusão e aprendizagem que envolvem situações de ensino forçado e duras provas de iniciação. Todo o trabalho pedagógico da formação destes jovens é conduzido por categorias de educadores escolhidos entre todos para este tipo de ofício, de que os meninos saem jovens-adultos e guerreiros, por exemplo, e as meninas, moças prontas para a posse de um homem, uma casa e alguns filhos. Nas grandes sociedades civilizadas do passado (clássico) - como na Grécia e em Roma, já vamos encontrar um sistema pedagógico controlado por um poder externo a ele, atribuído de fora para dentro a uma hierarquia de especialistas do ensino, e destinado a reproduzir a desigualdade através da oferta desigual do saber, é uma conquista tardia na história da cultura. Assim, em nome do poder (Estado, por exemplo) quem os constitui educadores, estes especialistas do ensino aos poucos tomam a seu cargo a tarefa de assumir, controlar e recodificar 12 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS domínios, sistemas, modos e usos do saber e das situações coletivas de distribuição do saber. Onde quer que apareça e em nome de quem venha, todo o corpo profissional de especialistas do ensino tende a dividir e a legitimar divisões do conhecimento comunitário, reservando para o seu próprio domínio tanto alguns tipos e graus do saber da cultura, quanto algumas formas e recursos próprios de sua difusão. A origem da educação tal qual existe entre nós, surge na Grécia e vai para Roma, ao longo de muitos séculos da história de espartanos, atenienses e romanos. Deles deriva todo o nosso sistema de ensino e, sobre a educação que havia em Atenas, até mesmo as sociedades capitalistas mais tecnologicamente avançadas têm feito poucas inovações. Talvez estejam ainda, portanto, entre os seus inventos e escolas, algumas das respostas às nossas demandas educacionais. 3.1 - A GRÉCIA DE ESPARTA E ATENAS A cidade-estado grega (pólis) é onde começa e acaba a vida do cidadão livre e educado. Esta educação grega é por tanto dupla, e carrega dentro dela a oposição que até hoje a nossa educação não resolveu. Ali estão normas de trabalho que, quando reproduzidas como um saber que se ensina para que se faça, os gregos acabaram chamando de tecne e que, nas suas formas mais rústicas e menos enobrecidas, ficam relegadas aos trabalhadores manuais, livres ou escravos. Ali estão normas de vida que, quando reproduzidas como um saber que se ensina para que se viva e seja um tipo de homem livre e, se possível, nobre, os gregos acabaram chamando de teoria. Este saber que busca no homem livre o seu mais pleno desenvolvimento e uma plena participação na vida da polis é o próprio ideal da cultura grega e é o que ali se tinha em mente quando se pensava na educação. De tudo o que pode ser feito e/ou transformado, nada é para o grego uma obra de arte tão perfeita quanto o homem educado. A primeira educação que houve em Atenas e Esparta foi praticada entre todos, nos exercícios coletivos da vida, em todos os cantos onde as pessoas conviviam na comunidade. Quando a riqueza da polis grega criou na sociedade estruturas de oposição entre livres e escravos, entre nobres e plebeus, aos meninos nobres da elite guerreira e, mais tarde, da elite togada é que a educação foi dirigida. Por alguns séculos, mesmo para eles, nesse período da formação da cidade-estado, ainda não haviam escolas. São das relações familiares diretas até a convivência entre jovens, ou entre grupos de meninos educandos e um velho educador, que se desenvolveu entre os gregos a ideia de que todo o saber que se transfere pela educação circula através de trocas interpessoais, de relações física e simbolicamente afetivas entre as pessoas. Assim, a pederastia acaba sendo considerada em Esparta 13 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS como a forma mais pura e mais completa de educação entre homens livres e iguais. Em toda a Grécia a formação do nobre guerreiro apenas desenrola ao longo dos anos uma sequência de trocas entre um mestre e seus discípulos. Aquilo que a cultura grega chama com pleno efeito de educação - Paideia - dando à palavra o sentido de formação harmônica do homem para a vida da polis, através do desenvolvimento de todo o corpo e toda a consciência, começa de fato fora de casa, depois dos sete anos. Até lá a criança convive com a sua criação, convivendo com a mãe e escravos domésticos. Para além ainda do que entre os sete e os catorze anos aprende com o mestre-escola, a verdadeira educação do jovem aristocrata é o fruto do lento trabalho de um ou de poucos mestres que acompanham o educando por muitos anos. Este era o modelo Espartano. Mais tarde em Atenas, por volta do VI século A.C., a educação deixa de ser uma prática coletiva, de estilo militar destinada apenas à formação do cidadão nobre (Eupátridas). Até então, mesmo no apogeu da democracia grega, a propriedade é restritamente comunal; pertence aos cidadãos ativos do Estado. O poder pertence aos estratos mais nobres destes cidadãos ativos, e a vida e o trabalho colocam de um lado os homens livres, senhores e, de outro, os escravos ou outros tipos de trabalhadores manuais expulsos do direito do saber que existe na Paideia. Durante vários séculos os "pobres"(não eupátridas) da Grécia aprenderam desde criança fora das escolas: nas oficinas e nos campos de lavoura e pastoreio. Os meninos "ricos" inicialmente aprenderam também fora da escola, em acampamentos ou ao redor de velhos mestres. Além das agências estatais de educação, como a “Efebia” de Esparta, que educava o jovem nobre-guerreiro, toda a educação fora do lar e da oficina é uma empresa particular, mesmo quando não é paga. Particular e restrita a poucas pessoas. Nos primeiros tempos, mais do que filósofos ou matemáticos, os gregos foram guerreiros, músicos e ginastas. Assim, mais do que jurídica ou científica, a educação do cidadão livre era ética e artística (no pleno sentido que estas duas palavras possuíam na paideia grega), dentro de uma cultura pouco acostumada a separar a verdade da beleza. Mais tarde, sob a influência de Sócrates e Epicuro (um sujeito feio e outro doentio) é que a educação começa a ser pensada como formadora do espírito. Por muitos e muitos séculos ela aponta para a harmonia que existe na beleza do corpo (e a destreza para a luta) ao lado da clareza da mente (e a fidelidade à polis dos cidadãos livres). Mesmo no nível da cultura letrada dos nobres, a civilização clássica não conservou sempre um único modelo ou estilo de saber, logo, de educação. Ela oscilou entre duas formas de algum modo antagônicas: a 14 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS filosófica, cujo tipo dominante pode ser Platão, e a oratória (retórica), cujo tipo dominante pode ser remetido a Sócrates. Uma síntese possível de fazer dos princípios que orientaram toda a educação clássica criada pelos gregos, seria dizer que ela foi sempre entendida como um longo processo pelo qual a cultura da cidade é incorporada à pessoa do cidadão. Uma trajetória de· amadurecimento e formação, como a obra de arte que aos poucos se modela, cujo produto final é o adulto educado, um sujeito perfeito segundo um modelo idealizado de homem livre e sábio, mas ainda sempre aperfeiçoável.Assim, a educação grega não é dirigida à criança no sentido cada vez mais dado a ela hoje em dia. De algum modo, é uma educação contra a criança, que não leva em conta o que ela é, mas olha para o modelo do que pode ser, e que anseia torná-la depressa o jovem perfeito, o guerreiro, o atleta, o artista de seu próprio corpo-e-mente e o adulto educado o cidadão político a serviço da polis. Por fim, podemos dizer que os gregos ensinam o que hoje esquecemos. A educação do homem existe por toda parte e, muito mais do que a escola, é o resultado da ação de todo o meio sociocultural sobre os seus participantes. E o exercício de viver e conviver o que educa. E a escola de qualquer tipo é apenas um lugar e um momento provisórios onde isto pode acontecer. Portanto, é a comunidade quem responde pelo trabalho de fazer com que tudo o que pode ser vivido e aprendido da cultura seja ensinado com a vida e também com a aula - ao educando. 3.2 - ROMA, DE RÔMULO E REMULO AO GRANDE IMPÉRIO A origem de Roma está ligada aos primeiros latinos, que foram camponeses aos poucos enriquecidos e que se tornaram nobres na Península Itálica. Ali aconteceu como em tantas outras partes do mundo, classes sociais que com o tempo chegaram a ser "privilegiadas" e separaram a direção do trabalho do próprio exercício do trabalho, separando com isso as forças produtivas mentais das físicas, desempenharam antes funções úteis. Primeiro, entre os romanos, o trabalho é entre todos e o saber é de todos. Os primeiros reis de Roma punham com os súditos as mãos no arado e lavravam a terra. No início da história do poder de Roma, ela foi uma lenta iniciação da criança e do adolescente nas tradições consagrada pelo tempo e pela cultura e servia à consagração da tradição, uma veneração ao modo camponês de vida, simples e austero. A criança começava a aprender em casa, com os mais velhos, e quase tudo o que aprendia era para saber e preservar os valores do mundo dos "mais velhos", dos seus antepassados. 15 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS A educação doméstica buscava a formação da consciência moral. O adulto educado que ela queria criar é o homem capaz de renúncia de si próprio, voltando sua pessoa à comunidade. São as virtudes da vida agrícola de todos os tempos e lugares o que guia a primitiva educação de Roma, que exalta em verso e prosa a austeridade, a vida simples, o amor ao trabalho como supremo bem do homem, e o horror ao luxo e à ociosidade. Ao contrário do que aconteceu cedo em Atenas, em Roma não há de início qualquer tipo de cuidado com a pura formação física e intelectual do cidadão ocioso, ocupado com pensar, governar e guerrear. A educação de uma comunidade dedicada ao trabalho com a terra foi durante séculos uma formação do homem para o trabalho e a vida, para a cidadania da comunidade igualada pelo trabalho. Quando esse mundo romano de camponeses enriquece, com os excedentes da terra e das pilhagens de outros povos, quando cria classes sociais e inventa o Estado, ele ainda defende a criança de ser entregue cedo a alguma forma de educação estatal, militarizada, fora do lar. Entre os romanos os primeiros educadores de pobres e nobres são o pai e a mãe. Mesmo os mais ricos, senhores de escravos, não entregam a um servo pedagogo ou a uma governanta o cuidado dos filhos. Quando o menino completa, aos 7 anos, o aprendizado cheio de afeição que recebe da mãe, ele passa para o pai, que não divide sequer com o mestre-escola o direito de educá-lo, ou seja, de formar a sua consciência segundo os preceitos das crenças e valores da classe e da sociedade. Em Roma, em um primeiro momento, portanto, a família prolonga o poder de socializar o cidadão e, através dela, a sociedade civil estende o alcance do seu modelo em toda uma primeira educação da criança. Isso o oposto do que acontecia no modelo grego, principalmente o espartano, onde a partir de Homero, no alvorecer da história grega, o ideal da Paideia é o herói da polis. Já na educação romana o modelo ideal é o ancestral da família, depois o da comunidade. Assim, mais tarde, quando uma nobreza romana, enriquecida com a agricultura e o saque abandona o trabalho da terra pelo da política, e cria as regras do Império de que se serve, aquele primitivo saber comunitário divide-se e força a separação de tipos, níveis e agências de educação. Quando há livres e escravos, senhores e servos, começa a haver um modelo de educação para cada um, e limites entre um modelo e outro. Então, com essas transformações, aos poucos a educação romana deixa de ser o ensino que forma o pastor, o artífice ou o lavrador e, nas suas formas mais elaboradas, prepara o futuro guerreiro, o funcionário imperial e os dirigentes do Império. O sistema comunitário de base pedagógica familiar compete com outros. Aos poucos aparece a oposição entre o ensino familiar 16 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS dos pais, dos mestres-pedagogos que convivem com os educandos e os acompanham, prolongando com eles o saber que forma a consciência e que é a sabedoria; e o ensino de instruir, do mestre- escola que monta no mercado a loja de ensino e vende o saber de ler-e-contar como uma mercadoria. O ensino elementar das primeiras letras apareceu em Roma antes do século IV a.C. Um tipo de ensino que poderíamos comparar com o secundário surgiu na metade do século III A.C. e o ensino que hoje em dia chamaríamos de superior, universitário, apareceu pelo século I A.C. Mas, durante quase toda a sua história, o Estado Romano não toma a seu cargo a tarefa de educar, que ficou deixada à iniciativa particular, mas já não mais comunitária, como ao tempo em que os reis aravam a terra. Só depois do advento do Cristianismo, por volta do século IV D.C., é que surge e se espalha por todo o Império a escola pública, mantida pelos cofres dos municípios. Esta educação da escola, que os romanos criam em Roma, copiando a forma e alguma coisa do espírito dos gregos, espalham primeiro pela Península Itálica e depois por todo o mundo que conquistam na Europa, na Ásia e no Norte da África. Do mesmo modo como o sacerdote, o educador caminha atrás dos passos do general. A educação do conquistador invade, com armas mais poderosas do que a espada, a vida e a cultura dos conquistados. A educação que serve, longe da Pátria, aos filhos dos soldados e funcionários romanos sediados entre os povos vencidos, serve também para impor sobre eles a vontade e a visão de mundo do dominador. Plutarco descreveu como Roma usou a educação para "domar" os espanhóis dominados: "As armas não tinham conseguido submetê-los a não ser parcialmente; foi a educação que os domou." 17 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS TEMA 02 PARTE 02 4. CARACTERISTICAS DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL A pesar de ter sua origem na Grécia antiga, (paidagogia, que designava a função de acompanhamento do jovem educando nas atividades educacionais, o paidagogo era aquele “escravo” que acompanhava a criança tanto na didascoleia, quanto no gimnynásiun) a pedagogia moderna é conceituada e sistematizada na virada do XIX para o XX, conforme nos indica: (Ghiraldelli, 2006, p. 8), três tradições de estudos educacionais se responsabilizam pela sua configuração atual: a francesa, na linha da sociologia de Émile Durkheim (1858-1917), e as tradições alemã e americana, segundo as filosofias e psicologias de Johann Friedrich Herbart(1776-1841)e John Dewey(1859- 1952)”. Ainda, segundo Ghiraldelli (Idem, 2006, p. 8) “Entre o final do século XIX e o início do XX, Durkheim se empenha em conceituar "pedagogia", "educação" e "ciências da educação". A educação é definida como o fato social pelo qual uma sociedade transmite o seu patrimônio cultural e suas experiências de uma geração mais velha para uma mais nova, garantindo sua continuidade histórica. A pedagogia, por sua vez, é vista não propriamente comoteoria da educação, ou pelo menos não como teoria da educação vigente, mas como literatura de contestação da educação em vigor e, portanto, afeita ao pensamento utópico. Contrariamente, teorias da educação real e vigente deveriam seguir as ciências da educação. Essas seriam compostas, principalmente, pela sociologia e pela psicologia. À primeira, Durkheim incumbe de substituir a filosofia na tarefa de propor fins para a educação; à segunda caberia o trabalho de fornecer os meios e instrumentos para a didática. ” Assim, podemos esclarecer a confusão corriqueiramente feita, atribuindo à pedagogia o mesmo significado de educação, os quais mesmo tendo uma intensa e intrínseca relação e correlação, não dizem de fato a mesma coisa. Como demonstrado a cima por Ghiraldelli (2006), educação é a estrutura social pela qual as sociedades fazem a sua reprodução cultural. Já pedagogia por sua vez, significa a teorização sobre as estratégias, os instrumentais, métodos e objetivos desenvolvidos ao longo da história (da educação) para alcançar os objetivos propostas pelas 18 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS diversas sociedades. Assim, é possível construir uma abordagem histórica tanto da educação quanto da pedagogia. 4.1 - A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO E A FORMAÇÃO DA IDADE MÉDIA Aliada à espada, o império romano impunha, como forma de pacificação, sua cultura aos povos conquistados. No entanto, no século IV A.C. o imperador romano Constantino torna o cristianismo religião oficial do império. Com isso, a religião cristã foi levada juntos com as legiões romanas às mais diversas colônias do império, assim como outras características da cultura romana, o latim (Vulgata) por exemplo. Com esse processo deu-se as bases da formação da igreja católica, que mais tarde vai ter papel central no processo educacional e pedagógico no período que sucede o declínio do império romano do ocidente. Segregação é o termo que os historiadores utilizam para explicar a queda do Império Romano, que aconteceu em 476 d.C., quando o último imperador romano, Rômulo Augusto, foi destituído por Odoacro, rei do povo germânico hérulo. A parte ocidental do império foi ocupada pelos germânicos, e a parte oriental continuou existindo sob o nome de Império Bizantino. A crise do Império Romano iniciou-se a partir do século II-III d.C. Marcaram esse período a crise econômica, a corrupção, os sucessivos golpes e assassinatos realizados contra imperadores e, como elemento final, as invasões germânicas. O século III foi marcado por uma grande sucessão de imperadores, o que evidenciou a instabilidade desse período, pois, em um período aproximado de 50 anos, o Império Romano teve cerca de 16 imperadores, muitos deles mortos após conspirações. A chamada Idade Média começa então com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C., e se encerra com a tomada da capital do Império Bizantino, Constantinopla, pelos turcos- otomanos, em 1453. Esse período costuma ser dividido em dois: Alta e Baixa Idade Média. A Alta Idade Média estendeu-se do século V ao X. Foi a época de consolidação, na Europa Ocidental, do que ficou conhecido como, modo de produção feudal ou feudalismo, sistema socioeconômico predominante na era medieval, baseados nas na exploração da mão de obra servil e nas relações de suserania e vassalagem. A Baixa Idade Média vai do século XI até o fim do período medieval, no século XV. É quando o feudalismo chegou ao auge e entrou em decadência. Lentamente, ele começou a sofrer transformações que só se concluiriam na Idade Moderna, quando seria substituído, no campo político, pelas monarquias nacionais e, no econômico, pelo sistema mercantilista. Por séculos, a Idade Média foi tida como uma época de insignificante desenvolvimento científico, tecnológico e 19 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS artístico. Essa visão nasceu durante o Renascimento, no século XVI, quando o período medieval foi apelidado de Idade das Trevas. O período da Idade Média também foi responsável por importantes avanços, sobretudo no que diz respeito à produção agrícola: inventaram-se o moinho, a charrua (um arado mais eficiente) e técnicas de adubamento e rodízio de terras. Outra herança medieval são as universidades, que começaram a surgir na Europa no século XIII. Além disso, desenvolveram-se importantes movimentos artísticos, como o românico e o gótico; viveram influentes filósofos, como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino; e, graças ao trabalho dos monges, preservou-se a cultura greco-romana – o que possibilitaria, aliás, o surto de revalorização da Antiguidade Clássica ocorrido durante o Renascimento. No período medieval a educação era desenvolvida em estreita simbiose com a Igreja. A igreja católica, ao lado da nobreza feudal e da massa de sevos, foi uma das três estamentos que caracterizaram a estrutura social da sociedade feudal, coube a igreja o papel de implementar o sistema educacional. Com a fé cristã e com as instituições eclesiásticas que – enquanto acolhiam os oradores (os especialistas da palavra) eram as únicas delegadas a educar, a formar, a conformar. Foi da Igreja que partiram os modelos educativos e as práticas de formação, organizavam-se as instituições ad hoc e programavam-se as intervenções, como também nela se discutiam tanto as práticas como os modelos. Práticas e modelos para o povo, práticas e modelos para as classes altas, uma vez que era típico também da Idade Média o dualismo social das teorias e das práxis educativas, como tinha sido no mundo antigo. A escola como nós conhecemos, é um produto da Idade Média. A sua estrutura ligada à presença de um professor que ensina a muitos alunos de diversas procedências e que deve responder pela sua atividade à Igreja, que também senhor feudal, também detinha o poder secular e local. As suas práticas ligadas à lectio e aos auctores, a discussão, ao exercício, ao comentário, à arguição etc., as suas práticas disciplinares, baseadas em prêmios e castigos e avaliativas vêm daquela época e da organização dos estudos nas escolas monásticas e nas catedrais e, sobretudo nas universidades. Vêm de lá também alguns conteúdos culturais da escola moderna e até mesmo da contemporânea: o papel do latim; o ensino gramatical e retórico da língua; a imagem da filosofia, como lógica e metafísica. A pedagogia medieval foi dominada por um modelo que ficou conhecido por Escolástica. Refere-se à produção filosófica que aconteceu na Idade Média, principalmente na baixa Idade Média, entre os séculos IX e XIII d.C. Em comparação com a Patrística, vertente anterior 20 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS da filosofia medieval, a Escolástica está situada em um período de intensidade do domínio da igreja católica sobre a Europa. A escola medieval era dirigida por um cônego, ao qual se dava o nome de scholarius ou scholasticus. Os professores também clérigos de ordens menores e lecionavam as chamadas sete artes liberais: gramática, retórica, lógica, aritmética, geografia, astronomia e música, que mais tarde constituíram o currriculum de muitas universidades. Para acontecer o ensino precisava-se de uma autorização, essa era cedida pelos bispos e pelos diretores das escolas eclesiásticas que, com medo de perderem a influência, dificultavam ao máximo essa concessão. Reagindo contra essas limitações, professores e alunos organizaram-se em associações denominadas universitas, que mais tarde originou a palavra universidades. As universidades eram compostas por quatro divisões ou faculdades. A faculdade de Artes era o lugar onde a educação acontecia de forma mais geral, as faculdades de Direito, Medicina e Teologia trabalhavam o conhecimento de forma mais específica. Os diretores das faculdades eram chamados de decanos (mais antigo) e eleitos a universidade diretamente. O método de ensino baseava-se na leiturade textos e na exposição de ideias feitas pelos professores. As aulas muitas vezes eram animadas quando os debates entre mestres e alunos eram travados em público, discutiam sobre um tema determinado, essas aulas foram denominadas de scholastica disputattio. Esse processo de estudo foi muito usado por São Tomás De Aquino e foi chamado de escolástica. A escolástica teve seu apogeu no século XIII, o método proporcionou a criação de diversas Universidades por toda a Europa. A influência da teologia cristã (católica) na escolástica foi central, praticamente não havia um conhecimento secular. Além disso, a necessidade de formação em larga escala de sacerdotes e da forte implicação cultural e educacional pela igreja católica, criou escolas e universidades para ensinar e formar pensadores e novos sacerdotes. Por conta da valorização cultural e do ensino, além do resgate a Aristóteles, imperou durante a Escolástica uma intensa mobilização para o conhecimento das questões metafísicas e das ciências naturais. Nesse sentido, vários pensadores como Alberto Magno, Santo Anselmo e Tomás de Aquino defenderam que o combate às heresias, ao paganismo e à não aceitação de Deus ocorreria por meio da formulação de teorias racionais e do conhecimento científico. As invasões mouras, que levaram os árabes a disputarem o domínio de partes do atual território espanhol e português, ocorridas a partir do século VII, foram fundamentais para a construção do pensamento escolástico, pois os árabes levaram consigo os estudos mais profundos das obras de Aristóteles. 21 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Como exemplo, podemos destacar Averróis, filósofo árabe do século XII, que influenciou os pensadores escolásticos com seus comentários sobre Aristóteles. Tomás de Aquino, o mais importante nome da Escolástica, operou uma junção de sua interpretação de Aristóteles com ideias autorais, o que resultou no chamado tomismo aristotélico. https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/tomas-aquino.htm 22 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS TEMA 03 PARTE 01 5. PEDAGOGIA REFORMADA E ILUMINISTA Antes de tratarmos diretamente sobre educação na Idade Moderna, se faz necessário primeiro apresentarmos as pré-condições históricas, isto é, as transformações sociais que marcaram a passagem do período feudal ao período histórico então chamado de moderno e suas características. Outra questão que também importa ser tratada, é caracterizarmos o que vem a ser chamado período moderno e o que é comumente chamando de modernidade. Considerando que a pesar de serem conceitos que estão intimamente ligados e relacionados entre si, não correspondem necessariamente a mesma coisa. Crise do sistema feudal, Renascimento, surgimento do Estado moderno, da burguesia e do proletariado. Como sabemos, o modo de produção feudal era basicamente uma sociedade agrária fundada em uma estrutura social hierarquizada composta por três estamentos: nobreza, clero e servos (camponeses). “A sociedade feudal consistia dessas três classes sacerdotes guerreiros e trabalhadores, sendo que o homem que trabalhava produzia para ambas as outras classes, eclesiástica e militar. Isto era muito claro, pelo menos para uma pessoa que viveu naquela época, e que assim comentou o fato: "For the knight and eke the clerk Live by him who does the work.”( Huberman, 1981, p., 6) As características mais marcantes da sociedade feudal eram: a sua estática social, isto é, era um modelo de sociedade baseado não necessariamente na falta de transformações socias, mas sim em transformações que aconteciam em uma velocidade muito lenta, quase imperceptível para os grupos humanos e para os indivíduos do grupo, o que causava na sociedade feudal uma percepção que de que não haviam transformações sociais que alterassem sua estrutura social. E outra era, a quase total falta de possibilidade de mobilidade social. Quem nascia nobre, não se tornava camponês, e quem nascia camponês sabia que a possibilidade de sair de sua condição servil era muito pouco provável. Mesmo no clero essa estrutura se reproduzia, a regra era que Bispos e Cardeais eram de origem nobre, assim como padres 23 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS e outros postos eclesiásticos mais baixos tinham sua origem no estamento servil. Como nos é demonstrado na passagem de Ruberman: Os camponeses eram mais ou menos dependentes. Acreditavam os senhores que existiam para servi-los. Jamais se pensou em termos de igualdade entre senhor e servo. O servo trabalhava a terra e o senhor manejava o servo. E no que se relacionava ao senhor, este, pouca diferença fazia entre o servo e qualquer cabeça de gado de sua propriedade. Na verdade, no século XI, um camponês francês estava avaliado em 38 soldos, enquanto um cavalo valia 100 soldos! Da mesma forma que o senhor ficaria aborrecido com a perda de um boi, pois dele necessitava para o trabalho da terra, também o aborrecia a perda de qualquer de seus servos - gado humano necessário ao trabalho na terra.” ( Idem, p. 11) Mas as transformações aconteceram, elas sempre acontecem inevitavelmente, e lentamente, mas constante, elas foram paulatinamente imprimindo um acúmulo de forças históricas transformadoras foram solapando em uma crescente intensidade as estruturas do feudalismo. Há um consenso entre os estudiosos das sociedades humanas, que Guerras, Revoluções e epidemias, são eventos que tem enorme poder de transformação social. No período medieval eventos dessa natureza eram frequentes, mesmo que em intensidade menor. Mas entre os anos de 1340 e 1350 um evento catastrófico marcou a história da Europa e selou a sorte do sistema feudal. A Peste Negra se consolidou como uma das mais graves epidemias a atingir a população da Europa. Em pouco tempo, aproximadamente um terço dos europeus foram dizimados com os terríveis sintomas da doença. Como outra vez nos narra Leo Huberman: No ano de N. S. de 1348, ocorreu em Florença, a mais bela cidade de toda a Itália, uma peste terrível que, seja devido à influência dos planetas, ou seja como castigo de Deus aos nossos pecados, surgira alguns anos antes no Levante, e, depois de passar de um lugar para outro, provocando grandes danos em toda parte, atingiu depois o Ocidente. Aqui, a despeito de todos os meios que a arte e a previsão humana poderiam sugerir, como manter a cidade limpa, exclusão de todas as pessoas suspeitas de moléstia e publicação de copiosas instruções para a preservação da saúde e não obstante as múltiplas e humildes súplicas oferecidas a Deus em procissões e de outras formas, começou a se evidenciar na primavera do mencionado ano, de maneira triste e surpreendente. (Ibidem, p. 48-49) 24 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Ainda segundo autor, para a cura da doença, nem o conhecimento médico nem o poder das drogas tinha qualquer efeito. Qualquer que fosse a razão, poucos escaparam, e quase todos morriam no terceiro dia após o aparecimento dos sintomas. O que deu a essa peste maior virulência foi o fato de passar do doente para o são, aumentando diariamente, como o fogo em contato com grande massa de combustíveis. Essa, segundo me parece, a qualidade da peste, de passar não apenas de homem para homem, mas, o que era ainda mais estranho, qualquer coisa pertencente ao doente, se tocada por outra criatura, transmitia com certeza a doença, e a matava num curto espaço de tempo. Pude observar um exemplo disso: os trapos de um pobre que acabava de morrer foram lançados à rua; dois cães surgiram e, depois de brigarem por eles e sacudi-los na boca, em menos de uma hora caíam mortos." A peste provocou uma violenta retração na mão de obra disponível, tal quadro acabou sendo o grande responsável pelo recrudescimento das obrigações feudais. Nesse contexto de doenças e maior rigidez, as revoltas camponesas eclodiram em diferentespontos do Velho Mundo. Pelo visto, as antigas relações de trabalho não se mostravam eficazes para suprir a demanda alimentar, econômica e política da população. Assim, quando a peste cessou, uma nova dinamização social se impôs redirecionando a história europeia. Um novo período de novas ideias e de novos personagens começa a se iniciar. As mudanças ocorridas na Europa, como o desenvolvimento do comércio e das cidades e a expansão marítima, foram acompanhadas por um intenso movimento cultural. Essas transformações faziam os europeus acreditarem que viviam em um novo tempo, muito diferente daquele que imperou durante toda a Idade Média. Por isso, os europeus dos séculos XIV ao XVI acreditavam estar presenciando o verdadeiro Renascimento. Entre os séculos XIV e XVI, a produção artística e literária foi t]ao intensa e variada que esse período recebeu a denominação de Renascimento ou Renascença. Esse movimento teve início na península Itálica, onde se localizavam cidades de intensas atividades culturais, como Florença e Veneza. Assim, em grande parte da Europa, começaram a surgir escritores e artistas preocupados em expressar os valores daquela nova sociedade. Em grande parte, essas atividades culturais eram financiadas por ricos comerciantes e banqueiros O comércio com o Oriente permitiu que muitos comerciantes europeus, principalmente de cidades de Veneza e Florença, na península Itálica, acumulassem grandes fortunas. Enriquecidos, alguns desses comerciantes, bem como governantes e papas, passaram a financiar a produção artística de escultores, pintores, arquitetos, músicos, escritores, etc. Prática que ficou conhecida como mecenato. A intensificação das atividades 25 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS comerciais e depois manufatureiras teve como consequência aparecimento dos três personagens centrais da nova sociedade, a burguesia, o proletariado e o Estado moderno. Nobres suseranos concentraram tantas terras e poder que passaram a governar grandes áreas e fortalecendo o nascente espírito nacional. Mas em fins da Idade Média, no decorrer do século XV, tudo isso se modificou. Surgiram nações, as divisões nacionais se tornaram acentuadas, as literaturas nacionais fizeram seu aparecimento, e regulamentações nacionais para a indústria substituíram as regulamentações locais. Passaram a existir leis nacionais, línguas nacionais e até mesmo Igrejas nacionais. Os homens começaram a considerar-se não como cidadãos de Madri, de Kent ou de Paris, mas como da Espanha, Inglaterra ou França. Passaram a dever fidelidade não à sua cidade ou ao senhor feudal, mas ao rei, que é o monarca de toda uma nação. Como ocorreu essa evolução do Estado nacional? Foram muitas as razões políticas, religiosas, sociais, econômicas. Livros inteiros foram escritos sobre esse interessante assunto. Temos espaço para examinar apenas algumas causas principalmente econômicas. ( Ibidem, p. 66) Dos servos e vilãos que se tornaram homens livres e se dedicaram as atividades comerciais e manufatureiras como especialidades nasceram aos primeiros burgueses, assim como daqueles servos que perdendo o direito à terra passaram a oferecer sua mão de obra àqueles que precisavam sob a paga de um salário. Um dos maiores narradores e crítico desse período assim nos demonstram em passagem de uma de suas obras mais icônicas: A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das que existiram no passado. Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classes. A sociedade divide-se cada vez mais em dois campos opostos, em duas grandes classes em confronto direto: burguesia e o proletariado. Dos servos da Idade Média nasceram os moradores dos primeiro burgos; desta população municipal saíram os primeiros das burguesia.( Marx, 2005, p., 40) A burguesia nascente teve um papel central e decisivo na passagem do sistema feudal ao sistema capitalista. É a partir de sua ação que se configura a nova sociedade, novas ideias, novas estruturas sociais, progresso científico, desenvolvimento artístico, expansão marítima e colonizadora. A burguesia foi e é revolucionária, mas uma vez Marx (2005) diz: 26 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia destruiu as relações feudais, patriarcais e idílicas. Rasgou todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal a seus “superiores naturais”, para só deixar subsistir, de homem, o laço do frio interesse, as duras exigências do “pagamento à vista”. Afogou os fervores sagrados da exaltação religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta[...] A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas como dignas e encaradas com piedoso respeito. Fez do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio, seus servidores assalariados. [...] A burguesia revelou com a brutal manifestação de força na Idade Média, tão admirada pela reação, encontra seu papel natural na ociosidade mais completa. Foi a primeira a provar o que a atividade humana pode realizar: criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, que os Aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu expedições que empanaram mesmo as antigas invasões e as Cruzadas. A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção, e com isso, todas as relações sociais. (Idem, p., 42-43) Este é um pequeno cenário do período que vai do fim da Idade Média e os primeiros momentos que vão caracterizar a Idade Moderna. Mas ainda precisamos esclarecer uma confusão que as vezes aparece, definirmos o que é Idade Média e o que é Modernidade, suas congruências, similitudes e contradições. É comumente chamando de Idade Moderna o período histórico que compreende período específico da História do Ocidente que se inicia no final da Idade Média em 1453 d.C. e estende-se do final do século XV até à Idade das Revoluções no século XVIII; muitos historiadores assinalam o início desta idade na data de 29 de maio de 1453, quando ocorreu a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, incluindo assim o Renascimento e a Era dos Descobrimentos, incluindo as viagens de Colombo que começaram em 1492 e a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama em 1498, se encerrando com a Revolução Francesa no dia 14 de Julho de 1789. Já modernidade, corresponde a um período de tempo que se caracteriza pela realidade social, cultural e econômica vigente no mundo e que remete seu nascedouro ao mesmo período de surgimento do período histórico moderno, com a ascensão do modo de vida burguês, iluminista (e 27 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS pós-iluminista) e de rompimento com o pensamento escolástico, que tinha nos preceitos teocêntricos ligados a teologia católica. É o estabelecimento da razão como forma autônoma de construção de conhecimento, desligado dos mores religiosos. Tendo a intensa e incessantes transformações, (reflexividade, conforme Antony Giddens 1938-2004) sua característica mais marcante, uma auto destruição criadora. Ou como nos cita Marshall Berman: A experiencia ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx (2005) “tudoque é sólido desmancha no ar.( Berman, 1986, p. 15) A educação na Idade Moderna Na Europa Ocidental, durante a Idade Média, após as invasões bárbaras e a subsequente reconstrução cultural sob o domínio do clero, a Educação estava sob o domínio da Igreja Católica. Formaram-se escolas nos monastérios, nas paróquias e nas catedrais. A partir dessas escolas das catedrais, surgiram - por volta do século XII - as Universidades. A Educação assim configurada refletia o teocentrismo da cosmovisão prevalecente. No entanto, durante a Idade Moderna, uma série de fatores conjugaram-se para, primeiramente, gerarem o abandono da fundamentação religiosa da Educação e, progressivamente, a retirada da função educacional das mãos da Igreja e a institucionalização da Educação. Dentre os fatores que mudaram definitivamente a face da Educação, podemos apresentar: a) O Renascimento Cultural dos séculos XV e XVI; b) A Reforma Protestante sob influência do pensamento humanista, a partir de 1517; c) A formação do Estado moderno; d) A revolução científica do século XVII; e) O movimento iluminista de inspiração liberal; f) O fortalecimento e ascensão da classe burguesa; g) O desenvolvimento do sistema econômico capitalista em sua fase mercantilista. Esse último fator de transformação da educação acompanhou o conjunto de mudanças de natureza ideológica, social, política e cultural que nós relacionamos acima e dele se alimentou. Na realidade, todo esse processo tendeu a solapar os fundamentos da civilização ocidental; a religião, a tradição filosófica e a autoridade política, gerando uma “ruptura fundante”, ou seja, uma mudança na estrutura mental do homem, que na realidade, todo esse processo tendeu a solapar os 28 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS fundamentos da civilização ocidental; a religião, a tradição filosófica e a autoridade política, gerando uma “ruptura fundante”, ou seja, uma mudança na estrutura mental do homem que deu origem a uma nova ordem mundial, a qual se caracterizou pelo ideal de progresso e a exaltação da razão e da ciência como instâncias de explicação da realidade. Implícito a todo esse processo está a compreensão do que seja modernidade. A modernidade pressupõe uma ruptura com as tradições, sobretudo a religiosa, apresentada como o passado obscurantista. Espera-se o triunfo da razão em oposição às trevas da irracionalidade das crenças. No decorrer da história moderna aconteceu esse longo processo de transformação da Civilização Ocidental, durante o qual a escola assumiu as suas principais características, que prevalecem até hoje. A importância da Reforma Protestante foi outro evento marcante para os rumos da configuração da educação. Muitos estudiosos se dedicaram e ainda se dedicam ao estudo das condições históricas que levaram ao surgimento da moderna sociedade capitalista e da sociedade moderna. Para Max Weber (1864 – 1920), em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1905), é fato reconhecido que a Reforma Protestante desempenhou um papel decisivo na formação da mentalidade moderna. Em alguns aspectos, a Reforma Protestante se identifica bastante com a mentalidade humanista renascentista e em outros, opõe-se veementemente. O caso do princípio da liberdade de consciência, que encontrou nos próprios reformadores consideráveis limitações, a partir do momento que submeteram a religião e a educação à tutela do Estado. Isso porque, Martinho Lutero reconhecia a origem divina do poder político e também porque foi devido ao apoio dos príncipes alemães que esse reformador pôde escapar do fim trágico de outros reformadores e expandir seu movimento. Pode-se considerar que a mais importante contribuição de Martinho Lutero para a educação tenha sido a defesa do princípio da obrigatoriedade da frequência escolar. Este princípio se tornaria viável em função do compromisso das autoridades civis de estabelecer e sustentar escolas, o que resultaria no controle estatal da educação. No entanto, é bom lembrar que o “Estado” ao qual Martinho Lutero deseja submeter o controle da educação não é o Estado Nacional, leigo e secularizado da modernidade ocidental. Mas, numa época em que o “ser cristão” se constituía no principal princípio de identidade, as pessoas ainda não tinham consciência histórica de pertencer a uma nacionalidade. Martinho Lutero se refere aos principados alemães com estrutura ainda feudal e que, debaixo da influência pessoal de nobres germânicos, apesar de fazerem parte do chamado Sacro Império Romano 29 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Germânico sob a Coroa dos Habsburgos, não possuíam unidade política. Nesse sentido, é interessante mencionar que por ocasião da celebração da Paz de Augsburgo, entre Católicos e Luteranos, em 1555, estabeleceu-se que os príncipes tinham o direito de impor sua escolha religiosa a seus súditos. Assim, a Reforma Protestante contribuiu para que a instrução passasse para o para o controle das “autoridades laicas”, e também para a crescente configuração de uma fisionomia nacional da educação nos diversos países. A burguesia desenvolveu seus ideais liberais, ao longo dos séculos XVII e XVIII, em sua luta contra a aristocracia e em oposição à aliança entre o Trono e o Altar, passando este a ser apresentado como representante dos ideais da totalidade da sociedade. Na escala de valores liberais, a Educação ocupa um lugar tão importante quanto o dinheiro. Relembrando a conhecida tese de Max Weber segundo a qual a Reforma Protestante contribuiu para o liberalismo porque valorizou o trabalho secular e profissional, contribuindo como um elemento cultural de desenvolvimento do capitalismo do tipo moderno e ocidental. Assim, a ideia de “vocação”, que irá nortear a concepção liberal de educação, provém da Reforma Protestante. Na realidade, essa ideia ocupa uma posição central no ideal liberal de educação, na medida em que ela desempenha o papel de confirmação dos processos culturais mais favoráveis à manutenção da organização social e do sistema de produção. No pensamento liberal é a partir dos talentos de cada indivíduo, ou da vocação individual, que são despertados e desenvolvidos pela escola, que as pessoas ocuparão o seu lugar na sociedade. Ou seja, a posição de cada um na sociedade não será mais determinada por nenhum privilégio de nascimento ou de classe, mas dependerá do desenvolvimento de sua capacidade inata por meio da escola. Assim, o liberalismo acaba defendendo uma exacerbação do individualismo e introduzindo os princípios do capitalismo na educação na medida em que as posições sociais serão conquistadas numa luta na qual obterão sucesso os mais aptos, ou vocacionados, numa espécie de “darwinismo social”. Ou seja, o objetivo da educação liberal é hierarquizar a sociedade com base no mérito pessoal, ao contrário das sociedades tradicionais que hierarquizavam em função da origem social dos indivíduos. O Iluminismo foi um movimento cultural que incorporou o ideário liberal, principalmente no século XVIII. O interesse de todo o proceder iluminista converge para o homem, uma perspectiva antropocêntrica em contra ponto ao teocentrismo medieval, a educação desempenha um papel proeminente. A rejeição à tradição determinará novo enfoque curricular, centrado na predominância das ciências exatas e no consequente desenvolvimento técnico. No plano político, o 30 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS iluminismo traduziu-se em duas formas de governo: a democracia, na França, Inglaterra e Estados Unidos e o despotismo esclarecido, da Europa à leste do Reno. Segundo o racionalismo iluminista: do mesmo modo que há leis naturais que governam o mundo físico, era necessário descobrir e aplicar as leis que governam a ordem moral e o mundo social, assim, a arte de governo deveria fundamentar-se na ciência exata e todos os negócios humanos deveriam obedecera essas leis, sendo os governantes, tanto nas democracias, quanto nas burocracias esclarecidas, encarregados de racionalmente pôr ordem na vida social e econômica. Em função dessas ideias, justificou-se a nacionalização da educação. Os primeiros educadores dos tempos modernos, inspirados no indutivismo de Francis Bacon e na sistematização do método científico desenvolvida por Issac Newton (1643 – 1727), apoiavam- se num princípio educacional chamado de realismo pedagógico, segundo o qual a natureza é a fonte de conhecimentos e critério de verdade. A partir de Jean Jacques Rousseau (1712 – 1778), uma nova abordagem passou a influenciar a educação. Considerado o principal pensador educacional do Iluminismo, Rousseau defendia que, ao contrário de um princípio externo de verdade, se deve buscar no interior de cada ser humano o princípio de realidade. Assim, segundo essa perspectiva, a vida em sociedade é a responsável pela degradação humana, Rousseau propõe a educação natural como melhor método educacional, ou seja, deve-se seguir o “método da natureza”. Em função disso, assume sentido a ênfase que Rousseau dá à infância em sua obra pedagógica. Ele mesmo afirma que “uma criança suportará mudanças que um homem não suportaria; as fibras da primeira, moles e flexíveis, tomam facilmente a forma que lhe damos...” (ROUSSEAU, 1999, p., 23). Desde Comênio, que os educadores modernos se preocupavam com a criança, desenvolvendo a noção moderna de infância. Foi durante a Idade Moderna que a escola tornou-se uma instituição especializada operando em função do isolamento da criança da sociedade, preparando-a para a vida adulta. Por trás disso, está a ideia de que o mundo infantil constitui um universo à parte do mundo dos adultos. Outro personagem que trouxe novas contribuições para a constituição das características da educação foi o educador suíço Johann Heinrch Pestalozzi (1746-1827). Pestalozzi foi o formulador de um tipo de pedagogia-modelo para a escola elementar secular moderna, porém, não deixou de utilizar o princípio religioso como guia de suas proposições: a educação ética e religiosa (do coração) deve preceder à educação intelectual (da cabeça) e das artes ou indústria (mão), ou seja, para 31 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Pestalozzi a vida moral do homem deve ter ascendência sobre a existência intelectual e física e motora. As aplicações de Pestalozzi foram utilizadas para o desenvolvimento cognitivo, principalmente na educação elementar. A ele pode-se atribuir o difundido “método de coisas” ou “lição de coisas”, cuja fundamentação é a valorização da experiência direta a partir da percepção sensorial. Porém, a grande inovação pestalozziana em consonância com a modernidade foi a estreita união entre estudo e trabalho, um método fundamentado na ação, especialmente na educação agrícola. Depois de Pestalozzi, outros acrescentaram o trabalho manual na imprensa, alfaiataria, fabricação de calçados, marcenaria, cerâmica e “artes” mecânicas. Para as meninas, ficaram as prendas domésticas. Como percebemos, até agora, a instituição escolar, da forma como a conhecemos, emergiu na Europa Ocidental concomitantemente com o Estado moderno, e sujeita aos interesses desse modelo de Estado, trabalhando para implantar a disciplina individual e social, criando assim condições para que o Estado se tornasse uma estrutura dominante na sociedade. Ou seja, desenvolveram-se as funções integrativa e coercitiva da escola moderna. Durante esse período, estabeleceram-se os grandes objetivos da educação moderna: o aperfeiçoamento do gênero humano, mediante a formação de pessoas amadurecidas, guiadas pela razão. Com isso, além de sua tarefa tradicional de reproduzir os conteúdos culturais acumulados durante a experiência histórica da humanidade, a escola também se viu com o objetivo de preparar o cidadão para a sociedade moderna; como alguém consciente de seus direitos e deveres, cumpridor das leis em função da autonomia moral adquirida pelo exercício da virtude durante o processo de socialização desenvolvido na escola, isso em tese. A formação dessas duas instituições modernas também contribuiu para a transferência da tutela da educação da religião para o estado. Os processos históricos apresentados acima, dede a crise do feudalismo, colaboraram fortemente para que a instrução se tornasse pública, obrigatória ou de frequência compulsória, gratuita e laica, ou seja, submetido à tutela do Estado nacional moderno. Ora, sob controle estatal, ocorreu uma difusão geográfica sem precedentes da Educação. Além disso, a maioria dos países, após a nacionalização e/ou laicização do ensino, procuraram estabelecer sistemas escolares concomitantemente a uma revisão de seus programas educacionais, seguindo orientação de pressupostos liberais da educação. De outro lado, o movimento histórico estabelecido com a sucessão de acontecimentos marcantes na Idade Moderna, tais como a revolução científica do século XVII, o Iluminismo do século 32 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS XVIII e a cosmovisão mecanicista e deísta que decretaram a ciência como única instância reconhecida de descrição da realidade fizeram com que uma ciência de cunho materialista se tornasse a determinante dos conteúdos, dos métodos e objetivos da educação. E quais seriam as consequências últimas desse processo? Poderíamos dizer que a principal consequência foi que a educação assumiu, na sociedade moderna, e porque não contemporânea também, uma função meramente funcionalista e instrumental. Ou seja, ao contrário de seu ideal propagado de formação do cidadão, a escola acabou apenas preparando o indivíduo para o desempenho de uma função econômica dentro do sistema de produção capitalista. Além disso, a racionalidade científica que tomou conta da escola determinou a fragmentação do conhecimento em disciplinas isoladas, o predomínio quase exclusivo da lógica dedutiva e o distanciamento dos conteúdos da vida cotidiana dos estudantes. A evolução histórica ocidental nos mostra que a formação da escola moderna da forma como ela é, ainda. É um processo com muitos aspectos inter-relacionados. Diversos fatores operaram concomitantemente, a exemplo do Estado Moderno e da própria difusão da cultura dos impressos. Obviamente, é claro, não foi abordado todos os aspectos desta experiência histórica, mas construiu- se um panorama, uma paisagem vertical, para entender melhor como e porque a escola veio a ocupar a posição privilegiada de principal responsável pela socialização secundária das pessoas nas sociedades ocidentais. Além disto, considerando que a escola é uma instituição que também ainda traz em si um caráter conservador, mesmo após o transcorrer de todo o século XX, ainda é possível identificar no modus operandi atual desta instituição as mesmas características dos tempos modernos. Além dos elementos que já foram acima apresentados, podemos mencionar: a predominância da sala de aula como lócus para o processo ensino-aprendizagem; a compreensão da criança como “aluno”; uma maior valorização do raciocínio lógico e das linguagens formais em detrimento de áreas menos objetivas como as humanidades; separação entre teoria e prática; dualismo educacional, ou seja, uma escola para a elite e outra para as classes subalternas. Tudo isso são questões que ainda pautam os debates pedagógicos atuais em todas as esferas, de gestores aos pais e alunos nas salas de aula. 33 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS TEMA 03 PARTE 02 6. IDEIAS PEDAGÓGICAS DOS SÉCULOS XIX E XX Tudo que rodeia a educação institucionalizada é fruto da própria história das sociedades em suas mais variadas ramificações (política, econômica, etc.). As concepções sobre a educação também fazem parte dos caminhos tomados pelas sociedades humanas em sua incansável procura de cultura e conhecimento.Descreveremos a seguir os aspectos principais das duas teorias educacionais correntes na contemporaneidade. Buscando construir um quadro a partir de seus troncos paradigmáticos, suas principais características e ramificações. 6.1 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS LIBERAIS A pedagogia liberal é herdeira da escola moderna, traz consigo os valores da sociedade burguesa. É uma escola prepara o indivíduo para a sociedade, no entanto possui uma forma de organização baseada na propriedade privada dos meios de produção, denominada sociedade de classes. 6.1.1 - Tradicional Nesta tendência o papel da escola é a preparação intelectual e moral dos alunos para perpetuar a divisão de classes sociais. Os conteúdos não estão relacionados com as experiências do aluno. Os métodos são exposição e demonstração verbal da matéria. O discente aprende por meio de seu próprio esforço. O docente é a autoridade maior, não existe relação professor-aluno e o aluno não questiona. A aprendizagem é receptiva e mecânica 6.1.2 - Renovadora Progressiva Nesta vertente o papel da escola é se organizar de forma a retratar, o quanto possível, a vida. Os conteúdos de ensino são construídos diante das experiências, descobertas, convivências, em fim por meio da motivação e estimulação de problemas. Os métodos são por meio de experiências, pesquisas, solução de problemas, aprender fazendo. O professor atua como auxiliar no desenvolvimento do aluno. A aprendizagem ocorre por meio da motivação e estimulação de problemas. A escola propõe a auto aprendizagem. 34 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS 6.1.3 - Renovadora Não Diretiva Propõe-se como uma corrente pedagógica em que o papel da escola é a formação de atitudes, há uma desvalorização do ensino e supervalorização dos problemas psicológicos. Os conteúdos de ensino baseiam-se em facilitar aos alunos os meios para buscarem por si mesmos os conhecimentos. Os métodos usuais são dispensados, o educador passa a ser um facilitador onde pesquisa os meios para que a aprendizagem ocorra. A educação é centralizada no aluno. Quanto a aprendizagem, entende-se que aprender é modificar as percepções da realidade. 6.1.4 - Tecnicista O papel da escola na tendência tecnicista objetiva em modelar o comportamento humano, a fim de produzir pessoas hábeis para o mercado de trabalho. Os conteúdos de ensino são informações ordenadas numa sequência lógica e psicológica, decorrem da ciência objetiva. Nos métodos de ensino há uma harmonia entre as necessidades dos alunos e os valores sociais. O professor administra o conteúdo, é um técnico que garante a eficiência do ensino e o aluno recebe as informações passadas. As relações afetivas entre o professor e aluno são desnecessárias. Aprendizagem é baseada no desempenho. 6.2 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS Segundo Libâneo (1994), a pedagogia progressista designa as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação. 6.2.1 - Libertadora Paulo Freire é o principal autor dessa tendência. Esta pedagogia propõe uma educação crítica a serviço da transformação social. Nessa corrente, o papel da escola está baseado na formação da consciência política do discente para agir e modificar a realidade. Os conteúdos são extraídos por meio de Temas geradores retirados da problematização do cotidiano dos educandos. Os métodos de ensino são baseados em grupos de discussão e deve promover a vivência de relações efetivas. O professor e aluno são sujeitos do ato do conhecimento, a relação é de igual para igual. A aprendizagem ocorre por meio da troca de experiência em torno da prática social 35 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS 6.2.2 - Libertária A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e de auto gestão. Os conteúdos são apresentados, mas não exigidos. Os métodos são baseados na vivência grupal na forma de autogestão. Professor e aluno são livres, uma relação baseada na autogestão. O professor é um orientador. A aprendizagem grupal é valorizada e a repressão é inibida. 6.2.3 - Crítico-Social dos Conteúdos A Pedagogia de tendência progressista crítico-social dos conteúdos, é entendida como uma tendência diferente das demais. A escola tem como função essencial a transmissão de conteúdos culturais e universais ligados a realidade social. Os métodos estão relacionados a prática vivida pelos alunos com os conteúdos propostos pelo professor. O educador é um mediador entre o saber e o aluno, os dois são sujeitos ativos. A aprendizagem ocorre pelo esforço do aluno. No quadro 1 estão os demonstrativos das escolas pedagógicas, suas características e seus principais teóricos e expoentes: Quadro 1 – Escolas pedagógicas, características, principais autores. Tendência pedagógica Papel da escola Conteúdos Métodos Professor X Aluno Aprendizage m Manifestaç ões Tendência Liberal Tradicional Preparação intelectual e moral dos alunos para assumir seu papel na sociedade. São conheciment os e valores sociais acumulados através dos tempos e repassados aos alunos como verdades absolutas. Exposição e demonstraç ão verbal da matéria e /ou por meio de modelos. Autoridade do professor que exige atitude receptiva do aluno. A aprendizag em é receptiva e mecânica, sem se considerar as característi cas próprias de cada idade. Nas escolas que adotam filosofias humanista s clássicas ou científicas. 36 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Tendência Liberal Renovada Progressivi sta A escola deve adequar as necessidades individuais ao meio social. Os conteúdos são estabelecidos a partir das experiências vividas pelos alunos frente às situações problema. Por meio de experiência s, pesquisas e método de solução de problemas. O professor é auxiliador no desenvolvime nto livre da criança. É baseada na motivação e na estimulaçã o de problemas. O aluno aprende fazendo. Montessor i, Decroly, Dewey, Piaget, Cousinet, Lauro de Oliveira Lima. Tendência Liberal Renovada Não Diretiva (Escola Nova) Formação de atitudes. Baseia-se na busca dos conheciment os pelos próprios alunos. Método baseado na facilitação da aprendizage m. Educação centralizada no aluno; o professor deve garantir um clima de relacionamen to pessoal e autêntico, baseado no respeito. Aprender é modificar as percepções da realidade. Carl Rogers, "Sumerhill ", escola de A. Neill. Tendência Liberal Tecnicista É modeladora do comportame nto humano através de técnicas específicas. São informações ordenadas numa sequência lógica e psicológica. Procedimen tos e técnicas para a transmissão e recepção de informaçõe s Relação objetiva em que o professor transmite informações e o aluno deve fixá-las. Aprendizag em baseada no desempenh o. Skinner, Gagné, Bloon, Mager. Leis 5.540/68 e 5.692/71. Tendência Progressivi sta Libertador a Não atua em escolas, porém visa levar professores e alunos a atingir um nível de consciência da realidade em que vivem na busca da Temas geradores retirados da problematiza ção do cotidiano dos educandos. Grupos de discussão. A relação é de igual para igual, horizontalme nte. Valorização da experiência vivida como base da relação educativa. Codificação - decodificaç ão. Resolução da situação problema. Paulo Freire. 37 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS transformaç ão social. Tendência Progressivi sta Libertária Transformaç ão da personalidad e num sentido libertário e auto- gestionário. As matérias são colocadas, mas não exigidas. Vivência grupal na forma de autogestão. É não diretiva, o professor é orientadore os alunos livres. Também prima pela valorização da vivência cotidiana. Aprendizag em informal via grupo. Lobrot, C. Freinet, Miguel Gonzales, Vasquez, Oury, Maurício Tragtenber g, Ferrer y Guardia. Tendência Progressivi sta "Crítico- social dos conteúdos ou histórico- crítica" Difusão dos conteúdos. Conteúdos culturais universais que são incorporados pela humanidade frente à realidade social. O método parte de uma relação direta da experiência do aluno confrontada com o saber sistematiza do. Papel do aluno como participador e do professor como mediador entre o saber e o aluno. Baseadas nas estruturas cognitivas já estruturada s nos alunos. Makarenk o, B. Charlot, Suchodols ki, Manacord a, G. Snyders Demerval Saviani. 38 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS TEMA 04 PARTE 01 7. PROCESSO DE EDUCAÇÃO NO PERÍODO COLONIAL E IMPERIAL BRASILEIRO. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA HISTÓRIA DA ED Os estudos sobre a História da Educação no Brasil, se iniciam logo no seu “descobrimento” com os eventos históricos desse período século XV. E como principal exemplo de tais eventos destacamos as Grandes Navegações europeias e a chega dos portugueses em terras hoje conhecida como Brasil, no tocante ao trabalho dos jesuítas na catequização dos índios podemos destacar ainda os adventos das revoluções do séculos XVI, VXII e XVIII, como as Revoluções inglesas e francesa, o iluminismo e as reformas religiosas e a crise do catolicismo em 1517, e a contrarreforma da igreja católica que influenciaram a educação no Brasil Colonial e imperial, nesse contexto histórico, não fazia sentido mais uma educação baseada na religiosidade, como nas escolas confessionais, nem aos interesses de uma classe social dominante, como queria a aristocracia. A educação teria que ser laica e livre, ou seja, não religiosa e independente de privilégios de classe. Estudaremos a educação no Brasil Colonial. O tempo que vai de 1500 a 1808 no Brasil é definido genericamente como período colonial, o qual se distingue da época do Brasil-Império (1808-1889) e Brasil-República (1889 até nossos dias). As datas, na verdade, mais do que indicar uma rígida separação de épocas, são marcos de movimentos que começam bem antes e terminam depois delas. Os jesuítas no Brasil: a educação foi introduza no Brasil com o objetivo de expansão do catolicismo trazida pelos europeus durante as Grandes Navegações, encabeçada pelos portugueses, os jesuítas chegam ao Brasil em 1549 e passam a consolidar o ensino público na colônia, a educação colonial, a partir então da companhia de jesus. Entre os índios que viviam no Brasil à época da chegada dos primeiros europeus, o conhecimento era ensinado na vida prática do dia-a-dia pelo conjunto da tribo. Os mais velhos ensinavam aos mais novos as regras de convívio social, os rituais, o trabalho e a guerra, entre outras atividades. De acordo com o exposto e comparando-se com o que ocorreu nos tempos posteriores, podemos afirmar que além desse tipo de educação, identificado como informal, existe também um 39 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS outro, denominado formal. A educação formal, aquela que ocorre no âmbito das instituições escolares, distingue-se da informal em razão de sua sistematização. Falar de educação na sociedade colonial brasileira é falar de como os homens se educavam, os valores e virtudes a serem favorecidos, os vícios a serem evitados, os saberes considerados fundamentais para o exercício da vida comum ou da vida letrada, tudo isso em meio a um contexto em que o Brasil, enquanto nação, não existia ainda, pois predominavam a política, a economia, a cultura portuguesa. 7.1 - OS JESUÍTAS A educação no período colonial esteve a cargo, não de forma exclusiva, mas hegemônica, dos padres e irmãos da Companhia de Jesus, durante os anos de 1549 a 1759, ou seja, desde o ano da chegada dos primeiros jesuítas no Brasil até sua expulsão pelo Marquês de Pombal. A Companhia de Jesus, ou Sociedade de Jesus, surgiu em 1534, por iniciativa de Inácio de Loyola (1491-1556). Ele e outros seis religiosos reuniram-se em uma capela em Paris e fizeram o juramento de fundar uma nova ordem religiosa. Foram elaborados, experimentados e aperfeiçoados vários planos gerais de estudo até que, em 1599, foi publicado oficialmente o Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu, ou simplesmente Ratio Studiorum: um conjunto de 467 regras com objetivo de orientar tanto o conteúdo educativo como todas as funções inerentes ao funcionamento dos colégios, ou seja, um plano, uma organização dos estudos. O Ratio Studiorum, que versa sobre a formação nos colégios jesuíticos e, portanto, não se refere ao período de alfabet. O Ratio Studiorum regulamentava rigorosamente os estudos nos colégios jesuíticos, cujo fim principal era a formação do futuro jesuíta. No entanto, não se tratava de uma sistematização tão hermética que não permitisse contemplar especificidades de regiões, nas quais não se poderiam aplicar totalmente as regras e nem oferecer todos os cursos. É o caso do Brasil no período colonial. 7.2 - A PRIMEIRA EDUCAÇÃO Os primeiros jesuítas que, em 1549, chegaram às terras brasileiras na frota de Tomé de Souza eram chefiados pelo padre Manoel da Nóbrega (1517-1570). Catequização das crianças, prevê três graus do ensino: um elementar, chamado de curso de Humanidades; outro de formação superior, o de Filosofia ou Artes; e, por fim, o de formação profissional dos futuros padres, o curso de Teologia. Na base da formação estavam o latim e o grego, línguas clássicas que deviam auxiliar a retórica, a rigorosa disciplina e a emulação, ou seja, a competição entre os estudantes e entre as 40 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS turmas, que era estimulada, inclusive, com sessões solenes de entrega de prêmios aos melhores. As primeiras tarefas dos jesuítas foram a conversão e a catequese dos gentios, ou seja, dos índios; a catequese e o ensino das primeiras letras às crianças brancas; o pastoreio das antigas ovelhas, dos cristãos brancos que viviam no Brasil. Dessas atividades, aquelas que talvez tenham mais ocupado a atenção e a ação dos “filhos” de Inácio foram a conversão e a catequese dos nativos da terra. Para Nóbrega (1988) e outros jesuítas, educar os índios, ou seja, catequizá-los, convertê-los, era como escrever em um papel em branco, porque eles não tinham nenhuma religião, não acreditavam em deuses, enfim, não tinham uma racionalidade religiosa anterior que dificultasse a absorção da novidade cristã. A evangelização dos gentios encontrava, todavia, muitos obstáculos, o que acarretava, não raras vezes, perdas de “almas” já convertidas. Dentre as resistências, algumas diziam respeito aos próprios índios, como o nomadismo, mas outras eram relativas aos portugueses. Os portugueses, na visão dos jesuítas, aproveitaram-se do relaxamento natural dos trópicos para adotar comportamentos condenáveis, como o concubinato com várias mulheres índias e a escravização de gentios, usando-os como serviçais. Outra prática instaurada pelos jesuítas, como resultado de avaliações do processo de catequese, foi privilegiar a educação das crianças índias, ou os curumins, para facilitar o processo de catequese dos curumins, os jesuítas solicitaram que o rei de Portugal enviasse para o Brasil alguns órfãos do rei, como eram conhecidas as crianças que ficavam sob os cuidados de instituições caridosas mantidas pela Coroa, para interagirem com as crianças índias, de forma a aprender sua língua e ensinar-lhes a língua do branco. A partir do final da década de 50 do século XVI, houve uma mudança na concepção jesuítica acerca da natureza indígena e das estratégias de conversão e catequese: a via amorosa foi substituída pela via da submissão, como explica Alcir Pécora(1999). Em síntese, a educação dada aos curumins restringia-se à catequese continuada e ao aprendizado do ler e escrever, ou, como se chamava antigamente, às escolas do “bê-á-bá”. As primeiras letras eram necessárias até o ponto em que seu aprendizado contribuísse para a própria catequese continuada. Paralelamente à educação do gentio pela catequese, os jesuítas desenvolveram a educação formal, escolar, no Brasil Colônia, destinada principalmente aos filhos dos portugueses e aos futuros membros da própria Companhia de Jesus. No século XVI, três foram os colégios fundados aqui, todos eles reais, ou seja, patrocinados pela Coroa, e todos a cargo dos padres jesuítas. Em 1556 foi fundado o Colégio da Bahia, cuja investidura real aconteceu em 1564; em 1567, o Colégio do Rio de Janeiro, transferido de São Paulo 41 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS de Piratininga; e em 1576, o Colégio de Pernambuco, em Olinda. Nos dois séculos seguintes, foram fundados mais seis colégios e quatro seminários, nele há de ordinário escola de ler, escrever algarismo, duas classes de humanidades. Leram-se já dois cursos de artes em que se fizeram alguns mestres de casa e de fora, e agora se acaba o terceiro. Há lição ordinária de casos de consciência, e, às vezes, duas de teologia, donde saíram já alguns mancebos pregadores, de que o Bispo se aproveita para sua Sé, e alguns curas para as freguesias. A este colégio estiveram subordinadas todas as casas das capitanias, até que houve outros colégios, e agora não são mais a ele subordinadas que as de Ilhéus e Porto Seguro (ANCHIETA, 1988, p. 334). Desde 1549, quando os primeiros jesuítas desembarcaram, algumas orações foram traduzidas para o tupi. Todavia, a ação mais incisiva neste sentido foi realizada pioneiramente pelo padre Anchieta, que em 1555 esboçou uma gramática tupi, utilizando como modelo a gramática latina. Lembremos da Revolta de Beckmam ocorrida no Maranhão, em 1684. Em 1680, influenciado, pela pressão exercida pelo padre Antônio Vieira (1608-1697), o príncipe regente D. Pedro decretou a liberdade dos índios do Maranhão. Insatisfeitos com a proibição de escravizar os índios, os colonos tentaram, junto ao rei, reverter a situação. A terceira forma de educação à qual nos referimos ocorreu fora dos colégios e das missões e sobretudo dentro dos engenhos nos dois primeiros séculos da colonização. Nesse contexto, o sermão – escrito para ser lido no púlpito – não era somente o gênero literário mais adequado ao meio social (CÂNDIDO, 1993), como também um poderoso veículo para a exposição das mais diferentes questões. Assim, os sermões eram utilizados como um instrumento da educação dos ouvintes, fossem os proprietários de escravos, fossem os próprios escravos. Marques de pombal, a mineração e a urbanização dizimaram rapidamente as populações nativas, a utilização da língua geral rapidamente desapareceu e o português tornou-se predominante. Além disso, para coibir os descaminhos, a Coroa proibiu que o clero regular permanecesse na região das minas, no receio de que a inviolabilidade dos mosteiros possibilitasse que eles viessem a favorecer o contrabando e a sonegação. A partir aproximadamente dos meados do século XVIII, tendo como polo irradiador a França, disseminou-se pela Europa um conjunto de ideias que combatiam o Antigo Regime, ou seja, a sociedade de ordens. Os iluministas tinham como princípios básicos a igualdade jurídica, o racionalismo e a crença no progresso. Com base nesses princípios, acreditavam que a sociedade deveria ser transformada e que um poderoso instrumento para essa transformação dos homens seria a educação. 42 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Portugal não estava alheio a esse processo de crítica ao Antigo Regime. Conhecidos como “estrangeirados”, os iluministas portugueses passaram a lutar por uma série de reformas, tanto no Reino quanto na Colônia. Entre tais reformas encontravam-se, obviamente, reformas no ensino, o qual era dominado pela Companhia de Jesus. Os desejos dos estrangeirados portugueses tornaram- se realidade – pelo menos em parte – quando, em 1750, D. José I assumiu o trono português e nomeou como ministro Sebastião José de Carvalho, futuro Marquês de Pombal (1699-1782). Após a tentativa de assassinato do rei – em que os jesuítas foram considerados implicados – e o episódio dos Sete Povos das Missões na região sul do Brasil, os padres da Companhia de Jesus foram expulsos tanto do Reino quanto do Brasil. A expulsão dos jesuítas e as reformas no ensino, especialmente da Universidade de Coimbra, a criação da Aula de Comercio (uma espécie de escola de administração), a Criação do Colégio dos Nobres em Portugal e a criação das Aulas Régias no Brasil são os aspectos mais visíveis das reformas educacionais pombalinas. Nesse panorama, foram realizadas várias reformas no campo da instrução. Entre elas, destacamos o decreto impedindo os jesuítas de exercerem o ensino nos domínios portugueses; a transferência do controle do ensino para o Estado; a instituição das aulas de Gramática Latina e Hebraica e de Retórica; a criação de uma Aula de Comércio em Lisboa (1755); a fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa (1761); a Reforma da Universidade de Coimbra (1772); a Reforma dos Estudos Menores (1772), que reestruturou as classes de estudos de humanidades, de filosofia, de retórica e de línguas latina e grega, estabelecendo oficialmente escolas de ler e escrever e instituindo a cobrança do Subsídio Literário, imposto especial para as Escolas Menores. Na Colônia brasileira, no campo do ensino, apenas foram estabelecidas as reformas relativas aos estudos menores. Os filhos das famílias abastadas teriam de completar a instrução de nível superior em Portugal, onde receberiam as influências da mentalidade predominante, reproduzindo os ideais da monarquia e da Igreja. Em 1759, a Coroa portuguesa, através do Alvará de 28 de junho, extinguiu todas as escolas reguladas pelo método jesuítico e estabeleceu um novo sistema que visava a recuperar os ideais da pedagogia humanista e inserir Portugal no rol das nações avançadas. Os jesuítas foram expulsos do território português e o ensino passou a ser responsabilidade do Estado, que passou a oferecer aulas régias (avulsas) de Primeiras Letras, Gramática Latina, Retórica e Filosofia. Muitos foram os obstáculos à difusão do ensino na Colônia brasileira no período aqui tratado. A tardia conquista de autonomia administrativa de muitas capitanias, o isolamento 43 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS geográfico, a ausência de estradas, meios de transporte e de comunicação precários e o escasso povoamento foram aspectos que cooperaram no adiamento da aplicação das medidas pombalinas de reforma da instrução, mas outros elementos também podem ser acrescentados a essa discussão. Você já se perguntou como e por que se comemora, em 15 de outubro, o dia do professor. Sabemos que o Decreto Federal nº 52.682, promulgado em 1963 pelo presidente João Goulart (1919-1976), criou, oficialmente, o Dia do Professor. O dia 15 de outubro foi escolhido porque essa data está relacionada à oficialização da criação dos cursos primários em todo o país pelo imperador D. Pedro I, por meio da Lei de 15 de outubro de 1827. A Lei de 1827 também nos oferece uma excelente oportunidade para investigar as questões ligadas à modernidade dos métodos pedagógicos. É fundamental compreender a importância da implantação do Ensino Mútuo ou Método Mútuo e do Método Lancasteriano, bem como suas características e objetivos pedagógicos, no contexto do reconhecimento e da expansão do Estado Brasileiro, a partir de 1822, período reconhecido como o da Independência, da descolonização. A Modernidade se constitui e se caracteriza por diversos elementos, dispositivos e instrumentos. Todavia, entre eles o aspecto que maior proximidadetem com o tema deste capítulo é o caráter autoritário da elaboração de projetos ou métodos, os quais associam rigor disciplinar e criação de instituições para o controle e o direcionamento do comportamento das pessoas na busca do ideal dominante de civilidade. Devemos ressaltar, porém, que a concepção de educação que se defendia estava relacionada à disciplinarização da mente e do corpo, ao desenvolvimento de crenças morais próprias da sociedade disciplinar; não se relacionava, portanto, à independência intelectual. Reconhecemos, atualmente, que o Método do Ensino Mútuo ou Monitorial já nesse período não consistia em uma novidade pedagógica. Reconhecemos também que seu uso vem de longa duração e que, em diferentes períodos históricos, já se praticava essa modalidade de ensino. É comum encontrarmos, nas considerações historiográficas, afirmações que judeus e gregos, na Antiguidade, já o utilizavam. O principal elemento que definia e caracterizava o Método Mútuo era o uso de monitores no ensino. Em sua Didática Magna, ensinar como um único professor pode ser suficiente para qualquer número de alunos ao fazer uso de monitores. Por isso, em seu plano, o espaço da aula era uma sala quadrada, longa e bem ventilada, com uma plataforma elevada, como uma escrivaninha para o mestre “ver todos em um só golpe de vista”; o chão inclinado para frente para não impedir a visão de ninguém; as escrivaninhas deveriam 44 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS estar dispostas espaçosamente entre si, de forma que pudesse atender, ao mesmo tempo, até 304 alunos (LANCASTER, 1823, p. 11-12). O dia letivo costumava ser de aproximadamente 5 horas, divididas entre o período da manhã e da tarde. O dia a dia escolar iniciava e terminava com a prática da doutrina cristã, não diferindo das demais escolas; não se exigia mais do que o conteúdo doutrinário e o ensino das orações. Após as orações, decorria a aula de leitura, depois a de aritmética, e retornava-se para as turmas de leitura, sempre de acordo com o estágio de desenvolvimento dos alunos. Para Lancaster (1805), a mudança de classes, apesar de envolver mais da metade da sala, era feita sem agitação ou confusão, em menos de 5 (cinco) minutos. O controle da presença dos alunos era feito por meio da chamada. Lancaster (1805, p. 111), por considerar o tradicional sistema “trabalhoso e cheio de inconvenientes”, elaborou uma nova forma de fazer isso. Como o número dos ausentes era proporcionalmente menor que o dos frequentes, em lugar de registrar os presentes, decidiu registrar os faltosos. Os agentes da ação educativa: mestre e monitor. Lancaster (1805) considerava que o mestre estava para o plano como a cabeça está para o corpo; quem serve ao corpo executando as ações são as mãos. Aí residia a importância do monitor: na ação, tanto para o trabalho do mestre quanto para o método em geral. Além dos monitores de cada classe ou de ensino, havia diversos outros: o monitor da palavra; o monitor de esquadrejamento (responsável pelos cartazes de ensino); o monitor de assiduidade ou dos faltosos; os monitores inspetores (responsáveis pelo desenvolvimento das turmas); o monitor geral; o monitor de lousas e os monitores diários. Para que o andamento do ensino e do aprendizado não fosse interrompido por indisciplina dos discípulos, Lancaster os transformava em monitores. Sobre o ensino da leitura e da escrita Lancaster (1805) concebia que, na escola, saber ler era o que distinguia as crianças entre si; com base nesse domínio é que outros objetivos (educacionais e sociais) eram definidos. Eram dois os recursos utilizados para o ensino e aprendizado do alfabeto: a caixa de areia e o alfabeto em cartões suspensos. Outro procedimento se fazia ao término da escrita de cada letra. Enquanto a areia era alisada pelo monitor com o auxílio de um ferro plano 2, os meninos esperavam, preenchendo a ociosidade do momento com a leitura do alfabeto que estava pregado, nas costas do aluno da frente, sob a forma de cartaz (LANCASTER, 1805). O procedimento do ensino e da aprendizagem do alfabeto por meio da utilização da areia revela alguns detalhes do grau de organização do método. Um deles era a obrigatoriedade que o monitor tinha de saber em que estágio de aprendizagem estava cada aluno. É oportuno lembrar que uma das regras fundamentais era a de se colocar, ao lado de cada garoto 45 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS que sabia menos, um que já dominava melhor os conhecimentos específicos de cada classe, de modo que o primeiro pudesse aprender observando, copiando o companheiro ao seu lado. Sobre o ensino da aritmética, cada aluno recebia uma lousa para acompanhar a leitura do monitor, que o fazia com base em uma tabela confeccionada pelo mestre. Sempre se iniciava com somas pequenas, evoluindo para as maiores. Ao trabalhar com a adição, os monitores já iam apresentando a subtração; da mesma forma faziam com a multiplicação e a divisão. “Qualquer pessoa que saiba ler pode ensinar, mesmo que não conheça o assunto. E pelo fato de estar ensinando imperceptivelmente estará adquirindo conhecimento que não possui, quando começa a ensinar pela leitura”. Para adquirir o domínio da leitura, escrita e da escrita da numeração, Lancaster (1805) postulava que seis meses eram sufi cientes. Materiais pedagógicos Lancaster, da relação de materiais, a lousa e a escrivaninha se destacavam. A competição era incentivada com recompensas aos alunos, que assimilavam os ditames da instituição. Premiações Lancaster, “não era raro a distribuição de 100 a 200 prêmios a cada vez. Estas ocasiões são um acontecimento na escola, demonstrando a alegria dos alunos. É comum ver os rapazes fazendo uma passeata ao redor da escola comemorando e exibindo seus prêmios”. Os castigos Lancaster, consideramos importante lembrar que a Lei de 1827 recomendava a utilização desses castigos em substituição à palmatória. No plano pedagógico de Lancaster, a memorização, e não a fluência verbal, era a maior habilidade exigida e a ser desenvolvida. Isso significava que a primeira atitude indisciplinar cometida pelo discípulo Lancaster, era a conversa. Não se admitia que se pudesse falar e aprender ao mesmo tempo 46 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS TEMA 04 PARTE 02 8. EDUCAÇÃO DA REPÚBLICA VELHA À TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA BRASILEIRA. Para discorrer acerca da educação na Primeira República no Brasil (1889-1929), convém situá-la dentro desses marcos temporais da história geral, ou seja, localizá-la cronologicamente no período da contemporaneidade. Tomemos, como exemplo, o propósito de formação do povo, presente no plano de organização da instrução pública, proposto pela Comissão de Educação da Assembleia Legislativa durante a Revolução Francesa (1789). Com o plano de instrução pública, pretendia-se criar o homem novo, produzir uma pátria regenerada capaz de efetivar os princípios de uma sociedade democrática. Nos debates que circulavam no movimento ilustrado do século XVIII, a ação do Estado no campo educacional despontava com proeminência. Para muitos iluministas, a democracia e a educação se supõem e se atraem. Particularmente no Brasil, nos processos desencadeados com a Independência e depois com a República, foram significativos os esforços de reformas da instrução pública. Nos séculos XIX e XX, criaram-se projetos voltados para a constituição de uma escolarização laica, gratuita, pública, para ambos os sexos e universalizada Os princípios deflagrados por aquele plano, sobretudo, tornaram-se uma referência pedagógica da qual nos sentimos herdeiros, especialmente quando, no coletivo, expressamos a defesa da escola pública, universal, única para todos e gratuita. A inspiração para esse plano adveio da efervescência intelectual do século XVIII, o qual, não por acaso, ficou conhecido como o século das luzes ou da ilustração.O século das luzes adquiriu esse epíteto por ter calcado um crédito sem igual na capacidade da educação em retirar o indivíduo da menoridade. “A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem” (KANT, 1989, p. 11). Para o Iluminismo, menoridade intelectual significa a incapacidade humana de se servir da própria razão, requisitando opiniões alheias para a formação dos próprios juízos, privando-se do próprio direito natural da liberdade. Nos séculos XIX e XX, criaram-se projetos voltados para a constituição de uma escolarização laica, gratuita, pública, para ambos os sexos e universalizada. Atentemos também para os termos com que Couto (1925, p. 701), ao discutir o que julgava ser o principal problema social brasileiro, 47 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS define o analfabetismo. Este não era, para ele, apenas um fator considerável das doenças, “[...] senão uma verdadeira doença, e das mais graves. Difundir a educação a toda população era mudar suas práticas e mentalidade, construir valores civis e republicanos e assegurar a sobrevivência em um mundo cada vez mais letrado. 8.1 - A FUNÇÃO DISCIPLINAR DA ESCOLA NA PRIMEIRA REPÚBLICA A escola pensada por Sampaio Doria (1883-1964)2, por exemplo, seria o local propício para habituar e para forjar a formação dos comportamentos cívicos. Assim, esse educador se inseria no debate e nas demais campanhas de democratização do ensino do período, as quais comungavam os objetivos de uma alteração e de uma padronização dos comportamentos e dos valores sociais. Sampaio Dória (1924, p. 109) relata que, “quando pensava nos princípios democráticos e observava a ignorância popular, uma descrença lhe assaltava o espírito: “como organizar-se, por si mesmo, politicamente, um povo que não sabe ler, não sabe escrever, não sabe contar? ” 8.2 - A ESCOLA PRIMÁRIA E A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DA NAÇÃO BRASILEIRA As políticas de imigração no Brasil, implementadas a partir do século XIX, quando se deu a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, criaram uma sociedade multicultural, dando contornos singulares à nação brasileira. Também é verdade que o elemento estrangeiro era elemento de real preocupação para a nacionalidade, em um período entre guerras. Fazendo parte do aspecto formativo da escola, as comemorações, as festas, as Homenagens, os desfiles e espetáculos, o hasteamento da bandeira, a entoação do hino nacional, a visita a túmulos, o torneio de boas ações, entre outros, eram rituais que visavam a instituir uma memória coletiva da República. Demonstravam quem e como devia ser lembrado e quem e o que deveria ser negligenciado e esquecido. O lugar de centralidade que a escola foi assumindo na vida social pode ser detectado também pelas construções imponentes dos prédios e espaços que representam conforto e modernidade. É importante pontuarmos que, quando o assunto era escola primária, havia, naquele momento, diferentes instituições de ensino público: os grupos escolares, as escolas isoladas, as escolas reunidas, as escolas particulares, subvencionadas ou não, as escolas estrangeiras, além de outras. Em depoimento de professoras que lecionaram em escolas isoladas nos anos 1910 e 1920, no Estado de São Paulo, constatou-se também a flexibilidade de funcionamento dos horários de aula. Pela manhã, em períodos intermediários ou à tarde, o funcionamento das escolas adaptava- 48 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS se às situações de transporte, ou aos horários em que o sol, muito quente, dificultava o trabalho das crianças 8.3 - EDUCAÇÃO ANTES DE 1964 (ERA VARGAS) A Revolução de 30, marcou um período de centralização política e econômica no Brasil. Getúlio Vargas surge como figura responsável por grandes mudanças no Brasil, diminuindo, a autonomia dos governos estaduais. Essa política centralizadora do então presidente repercute também na Educação, que passa a ser regulamentada por leis federais, válidas para todos. Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde em 1930. E, no ano seguinte, organizou o ensino secundário e superior no Brasil, com a implantação da Reforma Francisco Campos. Grupo de educadores assina documento defendendo que o Estado desenvolva uma escola única, gratuita, laica, na qual meninos e meninas compartilhem a mesma sala de aula. Divide-se de maneira nítida o ensino das elites e das massas trabalhadoras. Os currículos, conteúdos e livros didáticos para os níveis primário e médio são definidos por decisões governamentais que devem ser cumpridas pelas escolas públicas e privadas. Constituição determina também o investimento de 10% do orçamento público da União e 20% do orçamento dos estados com Educação. Governo de Eurico Gaspar Dutra que foram decretadas as primeiras “leis orgânicas” da educação. Formuladas diretamente pelo poder Executivo, tais leis estabeleciam as diretrizes do novo sistema nacional de ensino, seus ciclos, objetivos e currículos. Além disso, dividia-se de maneira nítida o ensino das elites do ensino das massas trabalhadoras, concebendo dois tipos “complementares” de cidadãos, como pregava a ideologia trabalhista de Vargas: 1. Elite industrial, ilustrada e culta 2. Trabalhador ordeiro e saudável. Essa “divisão social da educação” foi uma marca deixada por Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde do Estado Novo, que se estendeu pelas décadas seguintes. Antes de 1961, o sistema de ensino brasileiro se compunha de três níveis: 1. Primário 2. Médio 3. Superior. A primeira LDB só foi aprovada em 1961, após 13 anos de debates deflagrados nas universidades, nos institutos de pesquisa, nos movimentos sociais e nos corredores do Congresso Nacional. 1. O ensino primário era alfabetizador e dividia-se em “fundamental”, para crianças de 7 a 12 anos e “supletivo”, para jovens e adultos. 49 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Lei Orgânica do Ensino Primário (1946) determinava sua obrigatoriedade e gratuidade. Entretanto, essa determinação não era cumprida, devido ao número insuficiente de escolas, à deficiência do ensino e à pobreza da população brasileira. Sem condições de vestir e alimentar seus filhos e não podendo prescindir do trabalho dos jovens para complementar a renda, muitas famílias não conseguiam evitar a evasão escolar. O ensino médio era bem diferente do ciclo que hoje chamamos com este nome. Era dividido em dois ramos: 1. “Ensino secundário” (composto por ginasial, de 12 a 15 anos, e colegial, de 15 a 18 anos) destinado à formação das elites dirigentes e preparação para o ensino superior 2. “Ensino técnico-profissionalizante”, que poderia ser industrial, agrícola, comercial ou normal (este último para formar professores). Voltado às classes populares e tinha caráter terminal: o diploma não permitia o acesso às universidades O ensino superior por sua vez, as universidades podiam ser formadas pela junção de três faculdades, de Direito, Engenharia e Medicina, sendo que uma destas poderia ser substituída por Educação, Ciências e Letras. As universidades eram muito restritas aos estudantes ricos, que tinham passado pelo ensino secundário. Os currículos, os conteúdos e os livros didáticos para os níveis primário e médio eram definidos por decisões governamentais que deveriam ser cumpridas pelas escolas públicas ou privadas. A Constituição de 1946 determinava também o investimento de 10% do orçamento público da União e 20% do orçamento dos estados com educação. Porém, nem a União, nem os estados atingiam essa meta. A educação básica foi profundamente afetada pela ditadura militar. Logo de início o governo autoritário abria caminho para a aplicação de suas políticas educacionais, que possuíam dois grandes objetivos: O primeiro era a formação da mão de obra adequada ao modelo de desenvolvimento econômico dos militares. O segundo era a difusão de uma ideologia favorávelao regime entre as crianças e adolescentes, começando por impor aos jovens um padrão de comportamento regrado e obediente. A ditadura lançou outro importante programa, com foco nos jovens e adultos: o Movimento Brasileiro de Alfabetização, conhecido como Mobral. Movimento Brasileiro de Alfabetização, conhecido como Mobral. Criado oficialmente em 1967, o Mobral foi posto em prática três anos mais tarde. Na época, 40% da população de 15 anos ou mais era analfabeta. A propaganda dos militares era de que o analfabetismo seria erradicado em dez anos. No entanto, até sua extinção, em 1985, o índice de analfabetismo havia diminuído apenas 2,7%, como apurou o jornal Estado de São Paulo. Anunciado com grande alarde, o Mobral era uma arma dos ditadores contra o Programa Nacional 50 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS de Alfabetização do governo João Goulart, lançado em janeiro de 1964, coordenado por Paulo Freire. Ao final da ditadura, a rede pública de ensino somava contradições. O número de matrículas no ensino de 1º e 2º graus tinha se ampliado, mas ainda estava longe da universalização. Tínhamos uma rede física expandida, mas totalmente sucateada; os investimentos em educação foram reduzidos; os professores estavam com seus salários corroídos e sua formação, desprezada; a carreira docente estava desvalorizada e não havia incentivo à formação continuada. Em 5 de outubro de 1988, a nova Constituição Federal foi finalmente aprovada. Entre as principais conquistas, estava o reconhecimento da Educação como direito subjetivo de todos, uma evolução do que as escolas novistas haviam propagado durante a Era Vargas. "Isso significa que qualquer um que queira estudar, mesmo se estiver fora da idade obrigatória, deve ter a vaga garantida", explica Carlos Roberto Jamil Cury, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Fernando Collor de Mello assumiu a presidência e criou o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania, em substituição à Fundação Educar - versão democrática para o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) "A coisa mais simples que tem é criar boas escolas para que cada criança tenha diante dela uma professora capacitada para alfabetizá-la. “Darcy Ribeiro. Fernando Henrique Cardoso (FHC) 1995 Paulo Renato Souza (1945-2011) como ministro da Educação. Já no segundo ano de mandato foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), com relatoria do senador Darcy Ribeiro (1922-1997). 51 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS TEMA 05 PARTE 01 9. PROCESSOS DE EDUCAÇÃO RIBEIRINHA E CABOCLA Não muito distante da complexa realidade vivida no contexto das escolas indígenas no Amazonas, os moradores das comunidades ribeirinhas e caboclas, das quais muitos grupos indígenas também fazem parte, vivenciam no cotidiano os desafios de construírem uma escola que reflita a vida da comunidade em suas múltiplas faces. Algumas faces são bem marcantes nesse universo denominado comunidade ribeirinha e que mesmo diante das múltiplas formas de ser comunidade apresentam uma forma peculiar de organização espacial, que: Tradicionalmente, a paisagem comunitária é formada por um conjunto de aproximadamente trinta e quarenta unidades residenciais, distribuídas ao longo das margens das águas, algumas agrupadas, outras mais dispersas, isoladas entre si. As residências são feitas de madeira e cobertas por telhas de alumínio ou amianto; poucas são as que ainda são cobertas por palha. Há uma área de uso comum, onde se localizam uma igreja, uma escola de Ensino Fundamental, um campo de futebol e um chapéu de palha ou sede comunitária para reuniões e festividades. [...] Algumas comunidades também possuem uma área de uso comum para a produção de roças, viveiros ou criação de animais (FERRAZ 2010, p. 30) A peculiaridade amazônica tem nos apontado para uma diversidade dentro da diversidade, no que diz respeito às características do que denominamos comunidade ribeirinha. Apesar de a grande maioria apresentar traços como os descritos anteriormente, é possível encontrar outras faces de uma comunidade ribeirinha, como as que apresentam grande concentração populacional e estrutura diversificada de comércio e casas. As especificidades do contexto geográfico regional e suas influências como as presentes no contexto cotidiano das escolas que atendem as populações ribeirinhas, cheias, vazantes e secas dos rios (sazonalidades) são uma das principais marcas do viver a escola ribeirinha que se “inunda” de sentidos culturais e sociais materializados pelo cotidiano imbricado com a natureza, principalmente com o rio. Sacristán (2004), ao analisar essa questão enfatiza que: Acultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão de determinados grupos sociais: nos conteúdos escolares e nos textos aparecem poucas vezes a cultura popular, as 52 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS subculturas dos jovens, as contribuições das mulheres à sociedade, as formas de vida rurais e de povos desfavorecidos (exceto como elementos de exotismo), os problemas da fome, do desemprego ou dos maus tratos, racismo e xenofobia, as consequências dos consumismos e muitos outros temas problemas que parecem ‘incômodos’. Consciente e inconscientemente produz um primeiro velamento que afeta os conflitos sociais que nos rodeiam cotidianamente (p.97). Assim, pensar o contexto da escola ribeirinha (e indígena) significa propor uma interação com as inúmeras possibilidades que o cotidiano nos revela, no sentido de construir uma educação que “mergulhe” na cultura local e suas múltiplas facetas. Uma escola que se possibilite ser diferente, ser uma escola rural/ribeirinha “encharcada” de seus símbolos e disposta a refletir sobre os desafios que a realidade diária apresenta. De acordo com Dicionário Aurélio, o termo “caboclo" vem do tupi kari'boka, que significa "procedente do branco". O tupinólogo Eduardo de Almeida Navarro afirma que "caboclo" tem sua origem do termo tupi kuriboka, que, a priori, referia-se ao descendente de índio com africana. Mais tarde, kuriboka teria passado a designar também ao nascido de mãe índia e pai branco e logo mais ao mestiço de caboclos e brancos. Para Eduardo Galvão (1979), a "as gerações indígenas, pelo contato e convivência com o colono, deixou sua marca na atual sociedade cabocla". Berta Ribeiro (1995) diz que que "a fusão de tradições, tanto indígenas como as ditas civilizadas (do Brasil e dos países limítrofes) 'cosmo- politizou' os índios da região amazônica" (p.28). Afirmativa essa que podemos compreender nas intensas trocas e relações culturais vivenciadas pelos habitantes da região; mas também, se alia à afirmação de Galvão, a ideia de que o caboclo traz as marcas étnico culturais de uma movimentação que findou por fixá-lo em um modo de vida híbrido baseado no ciclo dos rios, em que crenças e costumes arraigados das sociedades tribais ainda presentes hegemônicos, embora atrelados à economia capitalista do extrativismo, que se aproveitou enquanto mão de obra e modificou seus costumes e anseios. Podemos, então, concluir que o processo de educação ribeirinha e cabocla se entrelaçam com as culturas indígenas e não indígenas na formação de uma sociedade ribeirinha cabocla caracterizando as práticas educativas e o envolvimento na educação familiar e comunitária que envolve conteúdos culturais e simbólicos e crenças e crendices, no tocante as atividades das crianças, as principais brincadeiras, suas relações sociais, na família, seu contexto rural que facilitam a assimilação de regras no processo educativo e cultural na comunidade. 53 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS Como descreveu Darcy Ribeiro (1995, p.319): No curso de um processo de transfiguração étnica, eles [índios tirados de diferentes tribos] se converteram em índios genéricos, sem língua nem cultura próprias,e sem identidade cultural específica. A eles se juntaram, mais tarde, grandes massas de mestiços, gestados por brancos em mulheres indígenas, que também não sendo índios nem chegando a ser europeus, e falando o tupi, se dissolveram na condição de caboclos. Nesse contexto surge a seguinte pergunta: como o modo cultural, a educação, as crenças cabocla-ribeirinha e suas representações e simbolismos podem ser consideras como processo de educação nas sociedades ribeirinhas e caboclas? A educação destacada não tem a escola como principal responsável pela transmissão do saber, sobretudo, a educação transmitida pelas tradições de forma prática, oral, comunitária de relações com base na cultura do grupo local. Dentro de parâmetro o modo de vida de sociedades ou comunidades ribeirinhas e caboclas, baseado numa espécie de direito consuetudinário que se pratica repetidamente, como um costume; usual, costumeiro, habitual, se transforma em campo propício para os estudos sobre a relação da cultura da educação na formação dos sujeitos, no caso as criança, que estão em processo de desenvolvimento e socialização. 54 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS TEMA 05 PARTE 02 10. HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA E AFRO-BRASILEIRA Desde o período que vai da chegada dos portugueses até a década de 1970, a Educação escolar indígena esteve, na maior parte do tempo, a cargo de entidades religiosas e grupos religiosos, dentre eles os franciscanos, conforme afirma Saviani (2010, p. 40), mesmo que se demonstrasse que, de fato, a influência dos franciscanos no período colonial teria sido mais penetrante, mais capilar, atestada por ampla receptividade popular, impõe-se a conclusão de que as estratégias acionadas pelos jesuítas e seus admiradores foram eficazes na neutralização daquela força. Então, desde os primeiros momentos da chegada dos portugueses ao Brasil e o início da exploração colonial, os indígenas passaram por um processo de catequização (cristianização) e socialização para que fossem assimilados pela sociedade colonial primeiramente, e depois, com a formação do Estado Nacional brasileiro, para a inserção na sociedade nessa sociedade. A tradição indigenista, desde essa época até os anos de 1970, era pautada pelo estímulo a formas sociais e econômicas que geravam dependência e subordinação da terra e do trabalho indígena a uma lógica de acumulação, conforme demonstram Kahn & Franchetto (1994). Segundo as autoras, “o lema era integrar, civilizar o índio, concebido como um estrato social submetido a uma condição étnica inferior, quando vistos nos moldes da cultura ocidental cristã” (p.6). O programa de escolarização dos indígenas gerenciado pelos jesuítas iniciou-se em 1549, quando começou a ser estruturada o primeiro modelo de escola para índios do Brasil. Isso se deu até 1757, quando o trabalho dos padres deixou de contar com o apoio da Coroa Portuguesa que, interessada em aumentar a produção agrícola da colônia. Para tal fim, reivindicavam dos colonos, a escravização e a expropriação dos índios de suas terras. A expulsão dos jesuítas do Brasil se dá no período pombalino com a implantação do Diretório dos Índios em 1755, a escravização indígena foi intensificada para atender a o aumento da necessidade de braços para atuarem nas atividades domésticas, agrícolas e extrativistas. No entanto, a partir de 1845, com a lei do Diretório, já revogada, os missionários são reintroduzidos 55 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS oficialmente no Brasil com a responsabilidade de catequizar e escolarizar os índios, com o objetivo de incorporá-los à cultura europeia e cristã. Já nos anos de 1870, frente à dificuldade de manter os índios nas escolas dos aldeamentos, em algumas províncias ocorreu investimento em institutos de Educação, em internatos e, no caso específico de Pernambuco, em orfanatos para crianças indígenas, isto se deu com a finalidade de transformá-las em intérpretes linguísticos e culturais para apoiar os missionários no suposto “processo civilizatório” de seus parentes. Essas instituições localizavam-se fora dos aldeamentos e pretendiam oferecer às crianças indígenas não só a instrução primária elementar, mas também ensino para desempenho de funções identificadas com o desenvolvimento das províncias e com os processos de assimilação da diversidade dos povos indígenas (BRASIL, 2007, pp.12-13). Grosso modo, durante todo o Período Imperial (1808-1889), foram realizadas poucas iniciativas de debates em torno do tema educação escolar primária, organizada e mantida pelo poder público estatal, que pudesse atender, principalmente, negros (livres, libertos ou escravos), índios e mulheres, que compunham as chamadas camadas inferiores da sociedade (BRASIL, 2007, p.13). No entanto, as poucos iniciativas tomadas, no sentido de se problematizar o processo de educação, para os não brancos da época, não representou para os índios o atendimento de seus interesses, o que fez com que o Estado recorresse novamente às missões religiosas. Assim, do final do Império até o início do século XX, o Estado dividiu com as ordens religiosas católicas, mais uma vez, a responsabilidade pela Educação formal para índios (idem, p. 13). Nos períodos seguintes, a partir dos primeiros anos do século XX, com a consolidação do regime republicano, o Estado iniciou a sistematização de uma política indigenista com a clara intenção de mudar a imagem do Brasil perante a sociedade nacional e mundial. Órgãos governamentais foram criados com as funções de prestar assistência aos índios e protegê-los contra atos de exploração e opressão e de gerir as relações entre os povos indígenas, os não índios e os demais órgãos de governo. Na Educação escolar, uma das principais ações de proteção e assistência sob a responsabilidade desses novos órgãos indigenistas, foi assumir o papel fundamental no projeto republicano de integração do índio à sociedade nacional por meio do trabalho. Esse objetivo é posto como fundamental para a sobrevivência física dos índios e inclui não só o ensino da leitura e da escrita, mas também de outros conhecimentos como higiene, saneamento, estudos sociais, aritmética. Além de ensinamentos práticos de técnicas agrícolas, marcenaria, mecânica e costura, 56 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS constituindo uma reserva alternativa de mão de obra barata para abastecer o mercado de trabalho (BRASIL, 2007). Data desse período a criação, em 1910, do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), extinto em 1967, quando suas atribuições são repassadas para a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Frente às dificuldades técnicas encontradas para implantar o ensino bilíngue, decorrentes do escasso conhecimento acerca das várias línguas autóctones, a partir de 1970, a FUNAI estabelece convênios com o Summer Institute of Linguistics (SIL). No entanto, as ações desenvolvidas junto aos indígenas pelos missionários e linguistas vinculados ao SIL não são bem recebidas por instituições de áreas como a linguística e a antropologia, colaborando para que o Ministério da Educação passasse a assumir a responsabilidade de coordenar as ações relativas à Educação escolar indígena. Já a partir dos anos 1970, algumas propostas e ações alternativas às do governo brasileiro passaram a surgir com a emergência mundial de debates em torno dos direitos humanos, principalmente em instâncias da ONU, (Organização das Nações Unidas) possibilitados pelos processos de descolonização e pela tendência à globalização. Paralelamente, a essas ações, os povos indígenas passaram a se articular politicamente para defender seus direitos e projetos de futuro, criando suas próprias organizações e associações, o que culminou na fundação, em 1980, da União das Nações Indígenas, inicialmente Unind e hoje UNI (BRASIL, 2007). De acordo com Kahn e Franchetto (1994), houve, a partidesse momento, uma revolução nas práticas e rumos da Educação indígena brasileira, que então passa a ser inserida, legitimada e legalizada junto ao poder público. São criadas, então, parcerias entre órgãos governamentais das três esferas federativas, (Federal, Estadual e Municipal) e movimentos indígenas, além de outras organizações da sociedade civil de caráter pró-índio. Aos poucos, experiências educacionais bem-sucedidas, desenvolvidas por iniciativa própria ou a pedido das comunidades indígenas, passam a ser referência para as agências governamentais na construção de suas políticas (BRASIL, 2007). Hoje, vivem no Brasil, quase 1.000.000 de indígenas em mais de duas centenas de etnias, que formam cerca de 0,4% da população brasileira, segundo dados do Censo do IBGE de 2010. Eles estão distribuídos entre 683 Terras Indígenas e algumas áreas urbanas. Existem, ainda, grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista. A diversidade étnica e linguística brasileira está entre as maiores do mundo. São cerca de 220 povos indígenas e mais de 70 grupos de índios isolados, isto é, os quais ainda foi estabelecido um nível significativo de contato com a sociedade nacional. No entanto, 57 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS dentre as cerca de 1300 línguas diferentes que eram faladas no Brasil há 500 anos, permanecem apenas 180, pertencentes a mais de 30 famílias linguísticas diferentes, número que exclui aquelas faladas pelos índios isolados, que ainda não puderam ser estudadas e conhecidas. Ainda é preciso pensar bastante sobre a questão da educação indígena e seus desafios. Como por exemplo, diferenciar Educação Indígena e Educação para o Índio, o que nos remete aos primórdios das conceitualizações sobre Educação Indígena, que foi estabelecida por Bartolomeu Melià, em 1979, e ampliada por Aracy Lopes da Silva, em 1980 (KAHN, 1994, p.137). De acordo com Silva (1980 apud KANH, 1994, p.137), a primeira, Educação Indígena, estaria desvinculada de uma prática desestabilizadora do ethos tribal, já que orientada pelos processos tradicionais de controle e reprodução social do grupo, mesmo considerando as mudanças que essas sociedades vêm sofrendo ao longo de sua história de contato. A segunda modalidade, Educação para o Índio, estaria inevitavelmente orientada "por uma postura básica: ou a crença de que o índio vai/deve desaparecer na sociedade nacional, ou a crença de que ele vai/deve sobreviver". Em relação à distinção entre Educação Indígena e Educação Escolar Indígena, Nincao (2003) afirma que Educação Indígena é intrassocial e acontece no contexto social em que se vive, onde é dispensado o acesso à escrita e aos conhecimentos universais, pois cada povo indígena tem suas formas próprias e tradicionais de Educação caracterizadas pela transmissão oral do saber socialmente valorizado. Por outro lado, a Educação Escolar Indígena é uma forma sistemática e específica de implementar a escola entre as comunidades indígenas de tal forma que, a partir das formas de construção do conhecimento próprio de suas comunidades, possam ter acesso aos conhecimentos universais sistematizados pela escola nos conteúdos curriculares e no uso da escrita, porém articulados ao contexto sociocultural indígena de forma reflexiva. Assim, em 2003, tem início, no Ministério da Educação, um movimento para a inserção e o enraizamento do reconhecimento da diversidade sociocultural da sociedade brasileira nas políticas e ações educacionais, que se consolida com a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) e então, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) na qual está inserida a Coordenação-Geral de Educação Escolar Indígena (CGEEI). Até as ações sertanistas realizadas pelo Marechal Rondon em 1967, nenhuma outra instância havia feito referência aos povos indígenas, o que ocorreu anteriormente foram uma ou outra feita pela Fundação Nacional do Índio, a FUNAI. Contudo, a Constituição Federal de 1988 significou um grande marco, pois as políticas públicas voltadas à Educação Escolar Indígena, a partir 58 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS daí, passaram a se pautar no respeito aos conhecimentos, às tradições e aos costumes de cada comunidade, tendo em vista a valorização e o fortalecimento das identidades étnicas. Assim, em seu artigo 210, fica assegurado aos povos indígenas o direito de utilizarem suas línguas e processos próprios de aprendizagem. A partir de 1991, é atribuída ao Ministério da Educação a responsabilidade pela definição, coordenação e regulamentação dessas políticas públicas, contudo somente em 10 de março de 2008, com a Lei nº 11. 645/2008, que o Estado brasileiro instituiu o ensino da história e cultura indígenas nas escolas. Essa lei altera a Lei nº 9.394/96 (LDB), modificada pela Lei nº 10.639/2003. De modo geral, a luta dos povos indígenas pela Educação é mais recente que a luta das populações negras, contudo não menos importante. Essas populações têm o direito de ter acesso e permanecer, com qualidade, em seu percurso educacional. Para tanto, existem alguns princípios importantes a serem considerados para uma Educação voltada para as relações étnico-raciais, como demonstrado a seguir. A Educação indígena na Amazônia As primeiras experiências educacionais na Amazônia de forma sistemática, decorrem, grosso modo, da atuação dos missionários da Companhia de Jesus (jesuítas) a partir de 17.... Os missionários jesuítas implementaram os “Aldeamento” dos índios, com a finalidade de promover a conversão dos silvícolas à fé cristã, através da catequização. Nesse processo de aculturamento foram criadas estruturas básicas tanto para o ensino religioso, quanto para crise do período pombalino. O Diretório dos Índios, foi uma lei elaborada em 1755, e tornada pública em 1757, por D. José I, rei de Portugal, através de seu ministro, o Marquês de Pombal, que dispunha sobre os aldeamentos indígenas, elevando estes à condição de vilas ou aldeias, administradas por um diretor. A Resistência Negra e a luta pelo direito a educação. Os negros escravizados que chegaram ao Brasil, foram, desde sua chegada ao Brasil, os grandes responsáveis pelas resistências à escravidão e às lutas pelo acesso à Educação. Foram eles, também, que se organizaram e criaram os movimentos sociais negros: “Falar de Movimento Negro implica no tratamento de um tema cuja complexidade, dada a multiplicidade de suas variantes, não permite uma visão unitária. Afinal, nós, negros, não constituímos um bloco monolítico, de características rígidas e imutáveis” (GONZALEZ, 1982, p. 18). Desde primeiros tempos do período colonial e implementação da monocultura açucareira através da exploração da mão-obra-negra escravizada, a história do Brasil se deu hegemonicamente 59 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS por meio da colonização, a escravidão e o autoritarismo contribuíram para a introjeção, no imaginário social, o sentimento de incapacidade das populações negras e indígenas brasileiras. As formas de percepção do mundo com suas subjetividades, abarcando necessidades individuais e ou coletivas, que representam diversas identidades e os simbolismos, mobilizam e legitimam um movimento social. Tais visões passam a ter influência no pensamento de um coletivo social, na medida em que expressões, sentimentos e atitudes passam a ser externadas. Assim, pensar em movimento negro enquanto movimento social, é visibilizar um conjunto de vozes que ecoam clamando por ideais comuns, porque, ao contrário do que muitos pensam, os movimentos sociais não são apenas fontes de conflitos e climas de tensões, mas é a partir deles que surgem agendas e encaminhamentos de políticas sociais e públicas que provocam transformação social. A percepção deque, no Brasil, a situação dos negros, descendentes de africanos que foram escravizados, teve um desfecho pautado na integração, isto é, na harmonia e na fraternidade, é uma visão enganosa, fruto do senso comum engendrada pela educação colonizadora. De fato, a sociedade brasileira resistiu à aceitação da nova condição dos negros, que passaram de escravizados a libertos, gerando um clima de animosidade na relação entre os antigos senhores de engenho e os ex escravizados. O início da história educacional brasileira, foi pensado a partir da lógica da dominação, o acesso à Educação foi pensado de forma elitizada, excludente, preconceituosa e racista, pois os interesses do grupo étnico europeu foram alimentados por meio de ações institucionalizadas. Esse fato fez com que se perpetuassem, até o momento, o preconceito e o racismo, individualizados e institucionalizados. Na história há uma série de registro de leis brasileiras relacionadas à Educação que permitiu a exclusão de parcelas da população do acesso aos bancos escolares. Em 22/12/1837, a Lei Municipal nº 14m, em São Leopoldo/RS, proibia terminantemente escravos e pretos, embora livres ou libertos, de frequentarem as aulas públicas. Em 1838 foram proibidos de frequentar escola pública, pelo governo de Sergipe, os negros e portadores de doenças contagiosas. Em 17/02/1854, a Lei nº 1.331 estabeleceu a proibição de ingresso de escravos jovens na escola. A Lei nº 7.031-A, de 6/09/1878, estabeleceu que os negros só podiam estudar em cursos noturnos, contudo não havia luz nas escolas. Em 1893, os Institutos de Educação católicos, em São Paulo, instituíram o Regulamento do Seminário Episcopal cujo Art. 10º prescrevia que, para ter lugar entre os gratuitos e meio pensionistas do seminário, o pretendente não poderia ser de cor preta. Em 1899, surgiram as 60 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS primeiras leis a respeito da obrigatoriedade do ensino fundamental. Os negros e os índios não foram contemplados. A luta e a resistência negra seguiram outros rumos e encontrou diversos obstáculos. A mobilização, a reação e a resistência tiveram essencial significado na história do negro brasileiro e a marcou profundamente. A população negra nunca aceitou passivamente a condição de desigualdade a que foi e é submetida é imprescindível para o reconhecimento do valor dessa população. Ao buscar a conquista pela dignidade, homens e mulheres negros travaram lutas com muito derramamento de sangue. E os índios não foram contemplados. Um tempo depois da abolição da escravatura, setores mais organizados da população negra criaram vários tipos de associações, onde estavam entre seus iguais e tinham direito ao lazer em clubes, centros cívicos, grêmios literários, sociedades recreativas e dançantes. Posteriormente, essas associações se tornaram das “pessoas de cor”, e a organização no sentido da conscientização da população negra e do acesso aos direitos de cidadão iniciou-se por meio de publicações de jornais e de ações sócio-político-culturais. Desde o século XIX, em pleno período da escravidão, encontramos referências sobre as lutas da população negra brasileira pelo direito à Educação. Documentos datados de 1856 demonstram que um grupo de pais negros enviou requerimento à Corte, apontando a necessidade que seus filhos tinham de aprender as primeiras letras “com perfeição”, pois eles não estavam conseguindo alcançar uma aprendizagem desejável nas escolas devido às práticas discriminatórias. Diante dessa provocação, a Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária da Corte autorizou o funcionamento de “escola destinada para meninos de cor”, sob a direção de um professor negro. A partir de em 1930, o Brasil vive um processo de ocultação do racismo, forçado pelo processo de desenvolvimento nacional, adotando um discurso de valorização da mestiçagem, reafirmando uma pseudo unidade do povo brasileiro, ou através da ideia de democracia racial, isto é, produto das diferentes raças e cuja convivência harmônica permitiu ao Brasil escapar dos problemas raciais vividos em outros países. Como resultado desse movimento de negação interno, em 1940, a imprensa internacional passa a registrar, de forma equivocada, a ideia de democracia racial, apresentando a organização da sociedade brasileira como referência de justiça social. A chamada democracia racial, passou assim, de mito a dogma no período dos governos militares. Na década de 1970, o ministro das Relações Exteriores declarou que não havia discriminação no Brasil e que, portanto, não havia necessidade de se tomarem quaisquer medidas esporádicas de natureza legislativa, judicial e/ou administrativa para assegurar a igualdade étnico- 61 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS racial. Com isso, o debate da questão racial desapareceu da pauta nacional, muito embora fosse o tema central de organizações negras, que redundaram, inclusive, em 1978, no Movimento Negro Unificado, o MNU, que agregou diferentes associações negras, que tinham como foco a denúncia da discriminação racial, a luta por Educação e políticas afirmativas. Em virtude desses fatos históricos desconhecidos do grande público, somente com o processo de redemocratização do país, no final de década de 1980, o tema volta à pauta, mas diluído no debate sobre justiça social. A manutenção dos estereótipos e das práticas discriminatórias preocupou acadêmicos que, interpelados por estudos e denúncias feitas pelo movimento negro, passaram a refletir mais sobre a temática racial. Durante as décadas de 1980 e 1990, intensificaram- se as denúncias de discriminação étnico-racial e os movimentos sociais negros cobraram ações do Estado que visassem proteger a população negra e assim, ofertar condições de desenvolvimento. É importante dizer que de fato, a discursão tem sido mais efetiva que a prática, mas, como afirma Romão (2005, p. 60), “para resolver essas questões, é preciso dar dois passos sempre. O primeiro é a lei; o segundo, o estabelecimento de políticas públicas que a efetivem”. Sendo assim, fatores como a Constituição de 1988, a Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida, em 1995, e a LDB, de 1996, e externos, como a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em 2001, em Durban, África do Sul, contribuíram para o avanço das políticas públicas com o viés racial no Brasil. Um fato que merece destaque, é o lançamento da educação escolar quilombola, que a partir da Conferência Nacional de Educação (CONAE) ocorrida em Brasília, em 2010, incluiu a educação escolar quilombola como modalidade da educação básica, no Parecer CNE/CEB 07/2010 e na Resolução CNE/CEB 04/2010 que instituem as Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica. De fato, isso significa que a regulamentação da Educação Escolar Quilombola nos sistemas de ensino deverá ser consolidada em nível nacional e seguir orientações curriculares gerais da Educação Básica e, ao mesmo tempo, garantir a especificidade das vivências, realidades e histórias das comunidades quilombolas do país. Mesmo sabendo que, conforme dados do MEC, existem comunidades remanescentes de quilombos em quase todos os estados, exceto no Acre, Roraima e Distrito Federal, mas muitas outras áreas ainda estão em processo de regulamentação. No entendimento do movimento negro, as políticas específicas que tratam de raça no Brasil passam, necessariamente, pela compreensão de como o racismo se processa no país. Henriques e Cavalleiro (2005) apontam que a dinâmica das relações raciais no Brasil é permeada por “uma lógica de segregação amparada em preconceitos, discriminações raciais disseminados e reproduzidos 62 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS pelas mais diversas instituições sociais, entre elas a escola” (p. 211). Assim, o movimento negro temsido imprescindível na luta pelos direitos à Educação da população negra. Outro aspecto relevante para o entendimento dessa luta diz respeito ao conhecimento para a desconstrução de ideologias racistas tão impregnadas no seio da sociedade brasileira. 63 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO GERAL E DO AMAZONAS REFERÊNCIAS BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: aventura na modernidade. 2ª Ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1986. HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 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