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Profa. Dra. Lígia Menna UNIDADE II Literatura Brasileira: Poesia Com a Independência do Brasil, três fatos sobre a literatura no país precisam ser destacados. 1. Sentimento patriótico: os poetas passaram a tematizar sobre o país ao valorizar sua natureza e idealizar seu povo nativo (não descendente dos europeus). 2. Conscientização sobre a literatura nacional: discussão sobre o que é literatura nacional, quais autores são brasileiros, há literatura distinta e autônoma, entre outras questões, levando a estudos sistematizados sobre a história da literatura no Brasil. Historiografia e escolarização da poesia brasileira Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Exp osi%C3%A7%C3%A3o_do_Centen%C3%A 1rio_de_1922-_Selo_comemorativo.jpg 3. Escolarização da literatura: o ensino de literatura nos colégios passou a ser mais sistematizado devido à produção e à adoção de compêndios sobre a literatura (história, autores, movimentos). No Brasil, a literatura nacional é institucionalizada a partir do início do século XIX e, por meio de análise dos programas, o Colégio Pedro II serve como modelo para um sistema educacional a ser implantado no país. Historiografia e escolarização da poesia brasileira Colégio Pedro II e a Igreja de S. Joaquim, 1856 Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File: Colegio_Pedro_II_(1856).jpg A perspectiva histórica da literatura foi e continua sendo sistematizada pelos estudiosos da literatura brasileira. Tal perspectiva foi adotada na escola no século XIX e permanece vigorando até hoje nos manuais didáticos e no cotidiano da escola. Historiografia e escolarização da poesia brasileira Colégio Pedro II, 1957 Fonte: https://commons.wikimedi a.org/wiki/File:In%C3%AD cio_do_ano_letivo_no_Col %C3%A9gio_Pedro_II.tif História da literatura Fonte: adaptado de: livro-texto. Estilo (nome) Época Centro Autores Traços Literatura informativa Século XVI Litoral brasileiro, nas pequenas vilas estabelecidas (extração de pau-brasil). Os viajantes: Caminha, Léry, os padres, padre Anchieta. Literatura afinada com objetivos pragmáticos (relatos para o leitor europeu ou catequese). Barroco Século XVII Bahia (açúcar), vida urbana rala, sem edição e com pouca circulação de livros. Gregório de Matos, padre Vieira. Ainda objetivos pragmáticos, mas já com ideias estéticas: cultivo de antíteses, paradoxos. História da literatura Fonte: adaptado de: livro-texto. Estilo (nome) Época Centro Autores Traços Arcadismo Século XVIII (metade) Minas Gerais, as primeiras grandes cidades brasileiras. Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Basílio da Gama, Silva Alvarenga. Reverência às formas e aos temas clássicos convencionados: bucolismo, carpe diem. Romantismo Século XIX até os anos 1870 Rio de Janeiro, capital do novo país. Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, Castro Alves... Busca da identidade nacional (índio, natureza) e individualismo. Realismo e Naturalismo 1880-1922 Rio de Janeiro. Machado de Assis, Aluísio de Azevedo... Exame da realidade popular, com lente darwinista. Continua História da literatura Fonte: adaptado de: livro-texto. Estilo (nome) Época Centro Autores Traços Parnasianismo 1880-1922 Rio de Janeiro. Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Raimundo Correia. Classicismo, afastamento da realidade social, refinamento. Simbolismo 1880-1922 Várias cidades. Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens, Eduardo Guimaraens. Temas espirituais e filosóficos, trabalho formal expressivo. Modernismo 1922-1930 São Paulo, cidade industrial, moderna. Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira... Grande experimentação na busca de nova definição da identidade nacional. História da literatura Fonte: adaptado de: livro-texto. Estilo (nome) Época Centro Autores Traços 1930-1945 Rio de Janeiro Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Mario Quintana, Cecília Meireles, Murilo Mendes. Traço filosófico, ampla liberdade formal e temática. João Cabral de Melo Neto. Poesia seca, contida. Concretismo 1945-1960 São Paulo, Rio de Janeiro Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Augusto de Campos. Vanguarda formal, com aspirações cosmopolitas. Poesia marginal 1960-1970 Grandes cidades Ferreira Gullar e outros, nos anos 1960; poesia marginal, próxima da canção. Poesia fragmentada e de resistência contra a ditadura nos anos 1960; poesia de celebração, mais singela e comunicativa, nos anos 1970. Do período colonial (de 1500 a 1822), a literatura recebeu tais nomes: Literatura Informativa, Barroco e Arcadismo (manifestações culturais). Literatura Informativa: Relaciona-se com a chegada dos portugueses ao Brasil, vista como Mundo Novo; Além da sua certidão de nascimento na Carta de Caminha a D. Manuel, houve no Brasil difusão da poesia universal. Panorama dos estilos literários brasileiros na poesia: fase colonial Capitanias, 1574 Fonte: https://commons.wikimedia. org/wiki/File:Capitanias.jpg Barroco: Trata-se de um modo de fazer arte ligado às ideias católicas da Contrarreforma, movimento nascido na Itália; Floresceu nos países em que a religião de Roma triunfava – poemas cheios de tensão e ambiguidades. Arcadismo: os poemas eram fantasias sobre viver em campos bucólicos, onde corriam riachos magníficos e pastavam animais mansos; a fantasia complementava com a figura de uma personagem pastora, no lugar da mulher amada; as expressões latinas usadas eram carpe diem (aproveite o dia), fugere urbem (fugir da cidade) e locus amoenus (local aprazível). Panorama dos estilos literários brasileiros na poesia: fase colonial O ensino de literatura no Brasil: a) Foi formalizado apenas no século XX, com estudiosos como Antonio Candido e Alfredo Bosi. b) Segue hoje a formalização historiográfica criada no século XIX. c) Sofreu alteração radical desde sua formalização no século XIX. d) Segue com diferentes métodos, entre eles o historiográfico. e) É versátil e flexível, diferenciando-se muito da formalização inicial. Interatividade O ensino de literatura no Brasil: a) Foi formalizado apenas no século XX, com estudiosos como Antonio Candido e Alfredo Bosi. b) Segue hoje a formalização historiográfica criada no século XIX. c) Sofreu alteração radical desde sua formalização no século XIX. d) Segue com diferentes métodos, entre eles o historiográfico. e) É versátil e flexível, diferenciando-se muito da formalização inicial. Resposta Moraliza o poeta, nos ocidentes do sol, a inconstância dos bens do mundo “Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. Porém se acaba o Sol, por que nascia? Se formosa a Luz é, por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia? Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, Na formosura não se dê constância, E na alegria sinta-se tristeza. Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstância.” (MATOS, 1990, p. 230) Gregório de Matos e o Barroco Imagem: Narciso, de Caravaggio Fonte: https://commons. wikimedia.org/wi ki/File:Narcissus- Caravaggio_(15 94-96).jpg Romantismo: 1ª geração – tem como características principais a religiosidade, o indianismo, o apego à natureza; fazem parte Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias. 2ª geração – chamada também de ultrarromântica ou mal do século, caracteriza-se pelo excesso dos sentimentos do poeta, sendo o pessimismo e o desencanto pela vida as principais temáticas (Álvares de Azevedo). 3ª geração – marcada pela poesia social devido ao desejo de transformação da sociedade (Castro Alves). Panorama dos estilos literários brasileiros na poesia: fase da identidade nacional Caspar David Friedrich, 1818 Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Wanderer_above_the_Sea_of_Fog.jpg Parnasianismo: poemas revelam gosto pela descrição nítida, por metrificação tradicional, preocupação formal e um ideal de impessoalidade. Simbolismo: avanço para posições mais universais. Musicalidade e linguagem hermética e simbólica. É preciso decifrar. Modernismo: visava atualizar culturalmente o país, colocando-o no mesmo nível dos países que haviam atingido a independência tanto no plano político quanto no cenário das artes plásticas, da música e da literatura. Panorama dos estilos literários brasileiros na poesia: fase da identidade nacional Flores do Mal, de Charles Baudelaire, 1857 Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fleurs-du-mal_titel.jpg Modernismo: Primeira fase, de 1922 a 1930 – foi, evidentemente, de grande efervescência, pois ainda enfrentava muito próximo e frontalmente o paradoxismo de uma metrópole provinciana, os estilos e os críticos favoráveis à estética e às ideias contra as quais os modernistas se insurgiam; Segunda fase, de 1930 a 1945 – literatura politizada, crítica da situação político-social vigente; Terceira fase, de 1945 a 1956 – coincidiu com dois eventos políticos: no cenário mundial, o fim da Segunda Guerra Mundial; e no nacional, o fim da ditadura Vargas. No plano literário, a poesia volta a buscar as formas estéticas, retomando-se o conceito de “arte pela arte”, porém nem tanto “arte pela arte”, já que operava com temas sociais. Panorama dos estilos literários brasileiros na poesia: fase de transgressão e inovação Corresponde à desmontagem do sistema vigente. Essa literatura leva à emergência de uma consciência crítica e à inclusão sistemática de temas e processos retirados da cultura popular oral. Os poetas modernistas tentaram captar o discurso do excluído, escutar as vozes até então mantidas marginalizadas. Marco do Modernismo – Semana de Arte Moderna (100 anos em 2022). Literatura dessacralizadora Anita Malfati, Mario de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Group_of_Five_collage.png “Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui Não cantam como os de lá Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte pra São Paulo Sem que veja a Rua 15” ANDRADE, Oswald. In: GALVÃO, W. N. Modernismo. São Paulo: Global, 2008, p. 118. Canto de regresso à pátria, de Oswald de Andrade Zumbi dos Palmares, Alagoas Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki /File:Zumbi_dos_palmares.jpg Paródia; tomada de consciência crítica à terra natal. A identidade nacional não está apenas no indianismo, ou seja, na busca da figura idealizada do primeiro povo americano. “Minha terra tem palmares / onde gorjeia o mar”. O Brasil passou a ser constituído também por outro grupo social: os africanos, que chegaram às terras brasileiras, por mar, na condição de escravos. Na luta contra a escravidão, formaram local de fuga e proteção: os palmares. Canto de regresso à pátria, de Oswald de Andrade A poesia apresenta uma revolução literária: novas ideias e novas temáticas; fuga das fórmulas e dos preconceitos estabelecidos; ruptura do tradicional; destruição do espírito conservador; atualização de uma consciência criadora. Literatura dessacralizadora Pintura Operários, de Anita Malfati. Projeção em comemoração ao 100 anos da Semana de Arte Moderna (Palácio do Governo do Estado de São Paulo, 13/02/22) Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Imagens_da_proje%C3%A7%C3%A3o_de _obras_de_arte_em_comemora%C3%A7%C3%A3o_aos_100_anos_da_Semana_ de_Arte_Moderna_(51880554104).jpg Ode ao burguês “Eu insulto o burguês! O burguês-níquel o burguês-burguês! A digestão bem-feita de São Paulo! O homem-curva! O homem-nádegas! O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! Eu insulto as aristocracias cautelosas! Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros! Que vivem dentro de muros sem pulos, e gemem sangue de alguns mil-réis fracos para dizerem que as filhas da senhora falam o francês e tocam os ‘Printemps’ com as unhas! (...)” (ANDRADE, 1980, p. 275) Ode ao burguês, Mário de Andrade Mário de Andrade (1893-1945) Fonte: https://commons.w ikimedia.org/wiki/F ile:Mario_de_andr ade_1928b.png Sobre literatura brasileira: I. O Romantismo deu à literatura o caráter de literatura nacional, agindo como força sacralizante ao recuperar e solidificar seus mitos fundadores. II. O Modernismo procurou refletir sobre a formação identitária do brasileiro em um processo em permanente movimento de construção/desconstrução. III. Na procura do discurso do excluído, o Modernismo caracterizou-se pela dessacralização. Está correto o que se afirma em: a) I. b) II. c) I e III. d) I, II e III. e) III. Interatividade Sobre literatura brasileira: I. O Romantismo deu à literatura o caráter de literatura nacional, agindo como força sacralizante ao recuperar e solidificar seus mitos fundadores. II. O Modernismo procurou refletir sobre a formação identitária do brasileiro em um processo em permanente movimento de construção/desconstrução. III. Na procura do discurso do excluído, o Modernismo caracterizou-se pela dessacralização. Está correto o que se afirma em: a) I. b) II. c) I e III. d) I, II e III. e) III. Resposta “Cai, cai balão Cai, cai balão Na Rua do Sabão! O que custou arranjar aquele balãozinho de papel! Quem fez foi o filho da lavadeira. Um que trabalha na composição do jornal e tosse muito. Comprou o papel de seda, cortou-o com amor, compôs os gomos oblongos... Depois ajustou o morrão de pez ao bocal de arame. Ei-lo agora que sobe – pequena coisa tocante na escuridão do céu. (continua) Fonte: https://www.academia.org.br/academicos/manuel- bandeira/biografia Na rua do sabão, de Manuel Bandeira Manuel Bandeira (1866-1968) Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/Fi le:Carlos_Drummond_de_Andrade_e _Manuel_Bandeira_(cropped).tif Levou tempo para criar fôlego. Bambeava, tremia todo e mudava de cor. A molecada da Rua do Sabão Gritava com maldade: Cai cai balão! Subitamente, porém, entesou, enfunou-se e arrancou das mãos que o tenteavam. E foi subindo... para longe... serenamente... Como se o enchesse o soprinho tísico do José. Cai cai balão! (continua) Na rua do sabão, de Manuel Bandeira Fonte: https://pixabay.com/pt/vectors/bal%c3%a3o- de-ar-quente-bal%c3%a3o-listrado-312574/ A molecada salteou-o com atiradeiras assobios apupos pedradas. Cai cai balão! Um senhor advertiu que os balões são proibidos pelas posturas municipais. Ele foi subindo... muito serenamente... para muito longe... Não caiu na Rua do Sabão. Caiu muito longe... Caiu no mar – nas águas puras do mar alto.” BANDEIRA, Manuel. Bandeira a vida inteira. Rio de Janeiro: Alumbramento, 1986, p. 70. Na rua do sabão, de Manuel Bandeira Fonte: https://pixabay.com/pt/vectors/bal%c3%a3o- de-ar-quente-bal%c3%a3o-listrado-312574/ Inclusão da cultura popular: Cantiga junina, anunciando assim, de chofre, um motivo popular: “Cai cai balão / Cai cai balão / Na Rua do Sabão!”; Predominam no poema os versos brancos, mas se há na abertura uma rima simples e ingênua, é própria de cantigas populares e folclóricas; A canção popular também remonta ao discurso oral, presente nas sociedades mais pobres. Na rua do sabão, de Manuel Bandeira Obra de formas multifacetadas do imaginário oral e popular brasileiro. Esse poema épico, de 1931, é constituído de 33 cantos breves e evoca mitos amazônicos. Cobra Norato, de Raul Bopp Fonte: https://www.amazon.com.br/Cobra- Norato-Raul-Bopp/dp/850300528X O núcleo temático é o mito das cobras, o qual procede da Amazônia e parece ter interseção com o mito da Teiniaguá, a enorme serpente que se escondia nos subterrâneos da igreja de São Miguel. Há, portanto, níveis de hibridação cultural no poema ao subverter ao mesmo tempo a interpretação mítico-popular e a interpretação da Igreja Católica para a lenda da Cobra Grande. Cobra Norato, de Raul Bopp Fonte: https://commons.wikimedia. org/wiki/File:Boitata.png “I Um dia eu hei de morar nas terras do Sem-fim Vou andando caminhando caminhando Me misturo no ventre do mato mordendo raízes Depois faço puçanga de flor de tajá de lagoa e mando chamar a Cobra Norato [...] Brinco então de amarrar uma fita no pescoço e estrangulo a Cobra. (continua) Cobra Norato, de Raul Bopp Fonte: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/cultura- brasileira/cobra-norato-nas-aguas-amazonicas.htm Agora sim me enfio nessa pele de seda elástica e saio a correr mundo Vou visitar a rainha Luzia Quero me casar com sua filha – Então você tem que apagar os olhos primeiro O sono escorregou nas pálpebras pesadas” BOPP, Raul. Cobra Norato. 28. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 3. Cobra Norato, de Raul Bopp Por ser um poema épico, embora com muito lirismo, há necessidade de: um herói – Cobra Norato; um objeto de busca – a filha da rainha Luzia; um opositor – a Cobra Grande; personagens que auxiliem o herói a realizar seu objetivo – o tatu-de-bunda-seca. A viagem de Cobra Norato é para decifrar a “floresta cifrada”. Raul Bopp superpõe: referenciais míticos, poéticos e mágicos (dos contos infantis); falares brasileiros, como o erudito e o popular, misturando vocábulos africanos e indígenas; o ritual antropofágico da devoração cultural e, especialmente, o congraçamento heterogêneo da festa de casamento, da identidade nacional. Cobra Norato, de Raul Bopp Até o final do século XIX, a relação entre a literatura (a arte, de forma geral) e a religião baseava-se no modelo confrontativo: acreditava-se que a arte era incompatível com o rigor e a clareza da doutrina. Depois, a arte passou a ser vista com base em valores cognitivos e mesmo espirituais para a reflexão e a prática teológica. Nesse novo modelo, o correlativo, a literatura não é julgada como “literatura cristã”, mas pela relevância que as obras podem ter para a reflexão sobre a religião de maneira geral, com base no lugar e na posição própria em que surgem. A poesia e sua relação com o sagrado Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/velas- luz-de-vela-luzes-chama-64177/ A imagem usual que os leitores brasileiros têm do poeta Augusto dos Anjos é de ser um poeta maldito, famoso pelo materialismo e por seu pessimismo. O materialista não é ateu, é aquele que vê na base material da existência, seja a natureza, universo, sociedade, cultura, corpo e tantos outros aspectos e realidades, a explicação para tudo. Augusto dos Anjos passou a ser identificado como materialista e, em sua obra poética, assume postura existencial e emprega vocabulário rebuscado e científico. Augusto dos Anjos: um místico com Deus Augusto dos Anjos (1884-1914) Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Augusto_Anjos.jpg Sobre as relações entre literatura e religião, é correto afirmar que: a) Há sempre muita distância entre literatura e religião. b) A literatura sempre foi e continua sendo sagrada. c) Sua relação tem mudado ao longo dos tempos, depende o estilo literário. d) Não há religiosidade na literatura. e) Não há a temática “religiosidade” em textos literários. Interatividade Sobre as relações entre literatura e religião, é correto afirmar que: a) Há sempre muita distância entre literatura e religião. b) A literatura sempre foi e continua sendo sagrada. c) Sua relação tem mudado ao longo dos tempos, depende o estilo literário. d) Não há religiosidade na literatura. e) Não há a temática “religiosidade” em textos literários. Resposta “Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão – esta pantera – Foi tua companheira inseparável! Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera. Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!” ANJOS, Augusto dos. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 280. Versos íntimos, de Augusto dos Anjos Fonte: https://www.amazon.com.br /Toda-poesia-Augusto-dos- Anjos/dp/8503010941/ref=a sc_df_8503010941/?tag=go ogleshopp00- 20&linkCode=df0&hvadid=3 79792153187&hvpos=&hvn etw=g&hvrand=4503297210 711220590&hvpone=&hvpt wo=&hvqmt=&hvdev=c&hvd vcmdl=&hvlocint=&hvlocphy =1001773&hvtargid=pla- 787091196414&psc=1 A presença do divino se manifesta sob a forma de um sentimento doloroso de privação espiritual diante da explicação meramente materialista do mundo. Essa manifestação se dá de forma negativa. Os tercetos, principalmente, opõem-se ao mandamento cristão “Ama a teu próximo como a ti mesmo”. Pensamento filosófico brasileiro do final do século XIX e do início do século XX, em que predominava o sanchismo. Francisco Sanches (1552-1623), médico e filósofo, encarna a postura da “alma medieval”. Versos íntimos, de Augusto dos Anjos Poeta cristão como poucos escritores do século XX entre os nacionais e estrangeiros. Influência seminal sobre o poeta exercida pela religiosidade católica de sua infância, junto à paisagem solar de sua terra natal (Alagoas) e aos ritos e mitos de seu povo, mas sobretudo ao reencontro com a fé cristã em meio às bruscas transformações sociais e ideológicas do século XX. Jorge de Lima: terra sagrada, religião na poesia Jorge de Lima (1893-1953) Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/Fil e:Jorge_de_Lima,_anos_1940.tif “Louvado seja N. S. Jesus Cristo E a mãe dele – Nossa Senhora, minha madrinha. Louvado seja o que é d’Ele e d’Ele vem: ritos, amitos, benditos, são beneditos Louvadas sejam suas palavras tão bonitas: Gloria Patri, Aleluia, Salve Rainha e também suas palavras misteriosas: per omnia secula, vita eterna, amen. (continua) Poema de Jorge de Lima Sagrada Família (Santa Ana, Maria e José), El Greco, 1600 Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:BMVB_- _Dom%C3%A9nico_Theotok%C3%B3poulus_- _La_Sagrada_Fam%C3%ADlia_amb_Santa_Anna_i_Sant _Joanet_-_8606.jpg Louvado seja este louvado em nome d’Ele E mais louvado que este ‘louvado’ – Jesus Cristo mais a mãe d’Ele – Nossa Senhora, minha madrinha. Louvadas sejam as virtudes teologais e entre elas três seja louvada a Fé. Louvados sejam os santos nacionais martirizados pelos caetés. Poema de Jorge de Lima Louvadas sejam as coisas religiosas: santas missões e procissões, sermões. Louvado seja o meu país cristão pelo tempo da Páscoa descoberto todo enfeitado como um céu aberto. Louvado seja esse Jesus d’aqui. Jesus camarada, Cristo bonzão, a quem todo brasileiro ofende tanto contando sempre com o seu perdão.” LIMA, Jorge de. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1958, p. 306-307. Nos versos “Louvado seja o meu país cristão / pelo tempo da Páscoa descoberto / todo enfeitado como um céu aberto”, verificamos a inserção de um eu poético em seu povo de origem. Ser cristão é dádiva de nascença, e nascer no chão pátrio, em contrapartida, é uma bênção, como ressaltam os versos “Louvados sejam os santos nacionais / martirizados pelos caetés”. O poeta recorre ao imaginário provinciano nordestino como forma de resistência aos ideais republicanos que separaram definitivamente os campos eclesial e civil. O “povo cristão”, no poema, concerne ao povo-nação, sujeito coletivo de uma história,língua e estilo de vida, bem como ao povo pobre, excluído dos privilégios do poder e do saber. Poema de Jorge de Lima Bagagem, publicado em 1976, é o primeiro livro de Adélia Prado, considerado original por despontar no contexto político da ditadura, mas comprometido mais com a lírica doméstico- religiosa do que com o lado político-ideológico. Além disso, a obra não se filia aos ideais feministas nem segue o experimentalismo formal, em voga entre os poetas. Adélia Prado: poesia materno-teologal Adélia Prado (1935-) Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Adelia_prado_2014_flickr.jpg Nos poemas de Adélia Prado perpassam a fé e a crença, as quais atravessam igualmente as correntes mais puramente humanas da vida cotidiana, descobrindo ali o transcendente. Para Adélia Prado, sua poesia é derivada e nascida da mesma fonte de todo Poema, que é a Palavra de Deus. Ela também poetiza o cotidiano. Adélia Prado: poesia materno-teologal Fonte: https://www.amazon.com.br/Poesia-reunida-Capa- Ad%C3%A9lia- Prado/dp/8501069353/ref=d_pd_sbs_sccl_2_3/144- 3273754-3910731?pd_rd_w=VsXN8&content- id=amzn1.sym.d5ffa5eb-c14b-4098-a3c1- e33e4cc20b5c&pf_rd_p=d5ffa5eb-c14b-4098-a3c1- e33e4cc20b5c&pf_rd_r=BHP17RQZA96MBSZ60T03&pd_r d_wg=zxMzR&pd_rd_r=ed54c4e1-9100-481d-a4a8- b0d48b8e39ac&pd_rd_i=8501069353&psc=1 “Não me importa a palavra, esta corriqueira. Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe, os sítios escuros onde nasce o ‘de’, o ‘aliás’, o ‘o’, o ‘porém’ e o ‘que’, esta incompreensível muleta que me apoia. Quem entender a linguagem entende Deus cujo Filho é o Verbo. Morre quem entender. A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada para ser calada. Em momentos de graça, infrequentíssimos, se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão. Puro susto e terror.” PRADO, Adélia. Poesia reunida. 8. ed. São Paulo: Siciliano, 1999, p. 22. Antes do nome, de Adélia Prado A inspiração é assumidamente divina. Antes do nome está o Nome que a tudo nomeia e por nada e ninguém pode ser nomeado. O Nome apresenta-se impronunciável pelos humanos, mas, de forma misericordiosa, faz-se acessível à carne perecível e mortal, destinada à morte e transpassada de finitude. O ser humano, além de ser um ouvinte da Palavra, é um ser criador e emissor de palavra, um ser de linguagem. A linguagem da fé tem o potencial de criar e transformar a realidade. A palavra pronunciada antes que tudo fosse nomeado será a transcrição teografada dessa Palavra que era “no princípio”, quando só existia “o caos esplendido” – Palavra que um dia se fez carne, o Verbo encarnado. Antes do nome, de Adélia Prado “Confeito Quero comer bolo de noiva, puro açúcar, puro amor carnal disfarçado de corações e sininhos: um branco, outro cor-de-rosa, um branco, outro cor-de-rosa.” O poema de Adélia Prado: a) Trata de uma questão do mundo masculino. b) Rompe com as tradições. c) Poetiza o cotidiano. d) Foge das referências religiosas. e) Assume tom pessimista. Interatividade “Confeito Quero comer bolo de noiva, puro açúcar, puro amor carnal disfarçado de corações e sininhos: um branco, outro cor-de-rosa, um branco, outro cor-de-rosa.” O poema de Adélia Prado: a) Trata de uma questão do mundo masculino. b) Rompe com as tradições. c) Poetiza o cotidiano. d) Foge das referências religiosas. e) Assume tom pessimista. Resposta ANDRADE, M. de. Poesias Completas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980. ANJOS, A. dos. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. BANDEIRA, M. Bandeira a vida inteira. Rio de Janeiro: Alumbramento, 1986. BOPP, R. Cobra Norato. 28. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. GALVÃO, W. N. Modernismo. São Paulo: Global, 2008. LIMA, J. de. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1958. MATOS, G. de. Obra poética. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1990. PRADO, A. Poesia reunida. 8. ed. São Paulo: Siciliano, 1999. Referências ATÉ A PRÓXIMA!
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