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Apostila SEE-SP Secretaria da Educação do Estado de São Paulo Conteúdo + Questões Professor de Educação Especial Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) Publicações Institucionais Legislação Conhecimentos Específicos Apostila elaborada conforme edital 01/2023 versão 01 - 15/05/2023 Personalizada e Humanizada Apresentação Fazer parte do serviço público é o objetivo de muitas pessoas. Nesse sentido, esta apostila reúne os conteúdos cobrado no edital de abertura do concurso. A Tutoria tem o cuidado de selecionar as informações do conteúdo programático das disciplinas abordadas. Toda essa disposição de assuntos foi pensada para auxiliar em uma melhor compreensão e fixação do conteúdo de forma clara e eficaz. A apostila que você tem em mãos é resultado da experiência e da competência da Tutoria, que conta com especialistas em cada uma das disciplinas. Ressaltamos a importância de fazer uma preparação focada e organizada para obter o desempenho desejado. A apostila da Tutoria será o diferencial para o seu sucesso e na realização do seu sonho. Importante O conteúdo desta apostila tem por objetivo atender às exigências do edital. Assim, recomendamos ampliar seus conhecimentos em livros, sites, jornais, revistas, entre outros meios, para sua melhor preparação. Atualizações legislativas poderão ser encontradas nos sites governamentais. A presente apostila não está vinculada à instituição pública e à empresa organizadora do concurso público a que se destina, a sua aquisição não inclui a inscrição do candidato no concurso público e também não garante a sua aprovação no concurso público. Proteção de direitos Todos os direitos autorais desta obra são reservados e protegidos pela Lei nº 9.610/98. É proibida a reprodução de qualquer parte deste material didático, sem autorização prévia expressa por escrito pela Tutoria. Como montar um cronograma de estudos para concurso Todo estudante sabe que o sucesso começa bem antes da prova e, sendo assim, é preciso ter um cronogra- ma de estudos para ajudar a manter o foco, organização e rendimento. Confira as dicas. Prestar um concurso exige muita dedicação, foco e tempo de estudos. Para conseguir ser bem-sucedido na caminha- da, é preciso criar um cronograma de estudos para concurso eficaz que se encaixe na sua rotina e nos compromissos que você tem. Montar um plano vai te ajudar a se concentrar melhor nos seus afazeres e pode te deixar motivado para cumprir seu objetivo de passar num concurso público. Entender a rotina O primeiro passo para montar um cronograma de estudos para concurso é compreender a sua rotina. É preciso entender como você gasta as horas dos seus dias, quais atividades tomam mais tempo, quais são indispensáveis e quando você realiza cada uma. Então, é hora do papel e caneta: anote! Escreva detalhadamente o que você faz em cada dia da semana: • Quando acorda; • Horário de trabalho; • Seus intervalos; • Todas as refeições. Definir horas de estudo Agora que você já consegue ver sua rotina detalhada, calcule quantas horas você tem de sobra em cada dia. Vale também calcular o tempo que pode ser retirado de atividades não tão importantes. Por exemplo, 15 minutos da hora do almoço para estudar, mesmo que pareça pouco tempo, pode ser aproveitado com a técnica correta. Outra dica é utilizar algum tempo à noite, talvez após o jantar para estudar mais. Mas faça isso apenas se você achar que é possível! Dormir bem é imprescindível para manter o cérebro aguçado. Existe uma técnica que consiste em focar 25 minutos seguidos em uma única atividade e tirar um intervalo de 5 a 15 minutos até a próxima tarefa. Se você conseguir deixar isso definido, seu cronograma de estudos para concurso ficará ainda melhor. No entanto, é necessário lembrar que eventualmente acontecerão imprevistos e seus horários precisa- rão ser reorganizados. Definir o que estudar Você já definiu os horários que terá para estudar, mas o que exatamente você pretende estudar? Para definir isso, é preciso saber qual concurso você quer prestar. Coloque o nome da seleção como título da planilha. Existem alguns fatores que precisam ser analisados na hora de priorizar disciplinas: • Disciplinas que tem maior peso; • Matérias que você tem mais dificuldade; • Assuntos que você tem menos conhecimento; • Recorrência dos temas. Montar o cronograma de estudos para concurso Com as disciplinas listadas por nível de prioridade e sabendo quanto tempo terá para estudar, você já pode montar seu plano diário. Para isso, use um planner ou crie uma planilha no computador. Se o concurso já está marcado, veja quanto tempo você tem até a data das provas. Novamente: você vai dividir cada disciplina, dessa vez com hora marcada: • Começo dos estudos; • Intervalos; • Hora de revisar; • Fechar os cadernos. Ter comprometimento e regularidade Independentemente de como foi montado seu cronograma de estudos, é necessário ter comprometimento e regulari- dade. Estudar todos os dias e intercalar as disciplinas sempre relembrando o que já foi estudado fazem parte de uma metodologia eficaz. São pontos importantes: • Não ficar muito tempo sem estudar determinada disciplina; • Colocar mais tempo às disciplinas que tem mais dificuldade; • Priorizar também as matérias de maior peso ou que se repetem nas provas; • Revisar conteúdo de outro dia para não cair no esquecimento. Conhecer técnicas de estudo Existem algumas técnicas que você pode adotar no seu cronograma de estudo para aproveitar melhor o seu tempo, como a criação de resumos e mapas mentais. Na primeira, você anota os pontos importantes que você compreendeu sobre o assunto. A segunda técnica é quase como um resumo, mas ela é ainda mais simplificada: selecione a ideia principal/geral e, a partir dela, puxe ramificações para assuntos mais específicos. Você pode também: • Fazer marcações em textos: isso ajuda nos resumos e mapas mentais, bem como na revisão; • Intercalar os estudos: num período de quatro horas, você estuda 45 minutos acerca de uma disciplina. Então, faz um intervalo de 15 minutos e depois estuda mais 45 minutos de outra disciplina; • Responder questões de provas anteriores e simulados: coloque seus conhecimentos em prática e veja o quanto você consegue acertar. Na questão de distribuição de tempo, uma técnica bacana é a de ciclo. Ela funciona da seguinte maneira: vamos supor que você tenha 20 horas semanais disponíveis para estudar. Distribua este tempo de acordo com a prioridade das disciplinas e siga seu cronograma normalmente. Caso algum imprevisto aconteça, como precisar ir ao médico, e isso atrapalhar seu momento de estudo, na próxima oportunidade que tiver para estudar siga de onde você parou. Não fique fixo ao sistema de escola: hoje é português, amanhã é matemática e toda sexta é Direito Administrativo. Esse formato pode prejudicar seus estudos, porque se você simplesmente deixar de estudar uma disciplina na sema- na, na próxima vez ficará atrasado. Já na técnica de ciclo, você pode se recuperar o conteúdo e flexibilizar o cronogra- ma de estudos para concursos públicos. Com o tempo, você vai ganhar confiança e internalizará os conteúdos mais rápido. Sendo assim, poderá acrescentar outras disciplinas complementares ao seu calendário de estudos, bem como fazer outros ajustes possíveis e neces- sários. Cuidar com o físico e o psicológico Estudar para concurso em pouco tempo pode ser um pouco complicado e talvez você até pense em usar seu tempo de lazer para se focar. Bom, você pode até diminuir esse tempo e utilizar um pouco dele para estudar, mas não redu- za seus momentos de prazer a zero. Seu corpo e seu cérebro precisam de descanso para conseguir assimilar tudo que você estudou. Você também pode assistir a um filme, ver uma série, ligar para um amigo, testar uma receita nova. Qualquer coisa que te dê prazer e relaxe a mente. C ro n o g ra m a d e es tu d o s H o rá ri o S eg u n d a Te rç a Q u ar ta Q u in ta S exta S áb ad o D o m in g o Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 1. ALMEIDA, M. E. B.; VALENTE, J. A. Integração currículo e tecnologias e a produção de narrativas digitais. Currículo Sem Fron- teiras, s. l., v.12, n. 3, p. 57-82, set./dez. 2012. .......................................................................................................................... 7 2. ALMEIDA, Silvio; Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2017. .................................................................................................. 16 3. ARAÚJO, Ulisses F.; ARANTES, Valéria; PINHEIRO, Viviane. Projetos de vida: fundamentos psicológicos, éticos e práticas edu- cacionais. São Paulo: Summus, 2020. ......................................................................................................................................... 17 4. BACICH, Lilian; TANZI NETO, Adolfo; TREVISANI, Fernando de Mello (Org.) Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015. ....................................................................................................................................... 17 5. BOTÃO. U. Dos S.; SILVA, S. Narrativas Quilombolas. p. 38 – 55. São Paulo. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. 2017. ........................................................................................................................................................ 18 6. CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Rev. Bras. Educ. [online]. 2008, vol.13, n.37, pp.45-56. ............................................................................................................................. 19 7. CASTRO, Maria Helena Guimarães de. Sistemas nacionais de avaliação e de informações educacionais. São Paulo em Pers- pectiva, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 121-128, abr. 2000. ................................................................................................................ 24 8. GUARANI, Jerá; Tornar-se selvagem. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, número 14, página 12 - 19, 2020. ................................... 29 9. LEMOV, D. A Aula Nota 10. São Paulo: Editora Safra. 2010. ........................................................................................................ 32 10. ______, Doug - Daros, Thuinie. Aula Nota 10 - 3.0: 63 Técnicas para Melhorar a Gestão da Sala de Aula. 3ª. Edição. Porto Alegre: Editora: Penso, 2023. ..................................................................................................................................................... 33 11. ROJO, R.H.R. Pedagogia dos Multiletramentos. In: ROJO, R.; MOU[1]RA, E. (Org.) Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. ............................................................................................................................................................. 33 12. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 13. Cap. 2,3 e7. Ed. Petrópolis- RJ: Vozes, 2012. .................................. 35 13. SENNA, Celia M. P. et al. Metodologias ativas de aprendizagem: elaboração de roteiros de estudos em “salas sem paredes”. In: BACICH, Lilian; MORAN, José (Orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico- -prá- tica. São Paulo: Penso, 2018. ...................................................................................................................................................... 36 14. ZABALA, Antoni; ARNAU, Laia. Métodos para Ensinar Competências. Cap. 1 e 2. Porto Alegre: Penso, 2020. .......................... 44 15. REIS, Pedro. Observação de Aula e Avaliação do Desempenho Docente. Cadernos CCAP-2 - Ministério da Educação Portugal – Lisboa - 2011 ........................................................................................................................................................................... 46 Publicações institucionais 1. BRASIL. Secretaria de Educação Básica-MEC. Conselhos escolares: democratização da escola e construção da cidadania. Bra- sília: MEC/SEB, 2004. Caderno 1, parte II .................................................................................................................................. 51 2. BRASIL. INDICADORES da qualidade na educação. São Paulo: Ação Educativa, 2004 ............................................................... 54 3. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC): introdução. Brasília: MEC/CONSED/UNDIME, 2017. p. 07 - 21 .................. 69 4. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Matrizes de Referência para avaliação: documento básico - SARESP. São Paulo: SE, 2009. p. 7-20 ........................................................................................................................................................................................ 73 5. SÃO PAULO. Lei nº 15.667, de 12 de janeiro de 2015 - Dispõe sobre a criação, organização e atuação dos grêmios estudantis nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio públicos e privados ............................................................................ 74 6. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Diretriz Curricular de Tecnologia e Inovação. São Paulo: SEDUC, 2019 .......................... 74 7. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Diretrizes do Programa Ensino Integral. São Paulo: SE, s. d .............................. 93 8. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Currículo Paulista - Ensino Fundamental ........................................................................ 108 9. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Currículo Paulista - Ensino Médio ................................................................................... 109 10. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Política de Educação Especial do Estado de São Paulo ................................................... 110 11. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Centro de Educação de Jovens e Adultos. Reflexões pedagógicas sobre o ensino e apren- dizagem de pessoas jovens e adultas. São Paulo: SE, 2013 ....................................................................................................... 128 Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) CONHECIMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS (BIBLIOGRAFIA) ALMEIDA, M. E. B.; VALENTE, J. A. INTEGRAÇÃO CURRÍCU- LO E TECNOLOGIAS E A PRODUÇÃO DE NARRATIVAS DI- GITAIS. CURRÍCULO SEM FRONTEIRAS, S. L., V.12, N. 3, P. 57-82, set./dez. 2012. Introdução De um modo geral, é possível constatar que as Tecnologias Di- gitais de Informação e Comunicação (TDIC) e as mídias digitais têm causado grande impacto em praticamente todos os segmentos da nossa sociedade, da nossa vida e, sobretudo, no desenvolvimento do conhecimento científico e nos avanços da ciência. No entanto, na Educação, a presença destas tecnologias é muito pouco signifi- cativa e seu potencial é pouco explorado. Ainda não observamos nos processos de ensino e de aprendizagem, em distintos níveis, do Básico ao Superior, os mesmos impactos e transformações visivel- mente identificados em outros segmentos, tais como no sistema bancário, nos processos administrativos, nos serviços e nas em- presas em geral. Este texto tem o objetivo de promover a reflexão sobre as con- tribuições das TDIC em relação às mudanças na Educação, em uma perspectiva integrada e integradora das linguagens midiáticas com o currículo, de modo a potencializar o desenvolvimento de web cur- rículos (ALMEIDA, 2010; ALMEIDA; VALENTE, 2012), e sobre as no- vas formas de construir conhecimento por intermédio da produção de narrativas com o uso das TDIC e das mídias digitais, ou seja, por meio da produção de narrativas digitais. A atividade de contar histórias não é nova e pode ser conside- rada como uma das primeiras formas de entretenimento. No entan- to, as narrativas vão além das histórias. O fenômeno em si constitui a história, enquanto o método que a descreve ea investiga se con- cretiza em uma narrativa (GALVÃO, 2005). Porém, as narrativas, que eram tradicionalmente orais ou escri- tas, podem ser agora produzidas com uma combinação de mídias, o que pode contribuir para que esta atividade seja muito mais rica e sofisticada, sob o ponto de vista da representação de conhecimen- to e da aprendizagem. A disseminação dos recursos tecnológicos e o fato de as TDIC concentrarem em um único dispositivo diversos recursos, como a câmera fotográfica, a câmera de vídeo, o gravador de som, etc., como já ocorre com os celulares e os laptops educa- cionais, têm possibilitado novas formas de produção de narrativas, além do texto escrito ou falado. Além disso, novas formas de pro- dução de texto, advindas das práticas sociais com o uso de múltiplas linguagens midiáticas, propiciam a organização de nossas experiên- cias por meio de histórias que articulam os acontecimentos com os quais lidamos, representados por meio de texto, imagem ou som. A intenção de trabalhar com as narrativas digitais é justamen- te a de explorar o potencial das TDIC no desenvolvimento de ati- vidades curriculares de distintas áreas do conhecimento. Com a produção destas narrativas, conceitos são explicitados, e a narra- tiva passa a ser uma “janela na mente” do aluno, de modo que o professor possa entender e identificar os conhecimentos do senso comum e, com isso, possa intervir, auxiliando o aprendiz na análise e depuração de aspectos que ainda são deficitários, ajudando-o a atingir novo patamar de compreensão do conhecimento científico. Portanto, além da produção em si e do fato de esta produção ser feita por intermédio das tecnologias, nosso objetivo é poder anali- sar o conteúdo da narrativa, no sentido de trabalhar e depurar este conteúdo, criando condições para que o aprendiz possa realizar a espiral da aprendizagem (VALENTE, 2005) e, com isso, construir novos conhecimentos. Embora a maioria dos autores considere que a produção de narrativas digitais tenha importante contribuição educacional, a análise de alguns trabalhos relativos ao uso das narrativas digitais na Educação indica que um componente cognitivo relevante, pouco explorado, refere-se ao processo de produção do conhecimento em si e à elaboração das diferentes versões da narrativa e, por conse- guinte, da melhoria dos conteúdos ou mesmo do uso dos recursos tecnológicos. Em geral, o fato de o aprendiz conseguir produzir a narrativa (ter o produto), ou de ser capaz de usar os recursos tecno- lógicos (ter o domínio da tecnologia), rouba a cena e acaba sendo mais importante do que o processo de produção, de construção dos conhecimentos relativos aos conteúdos utilizados. Assim, ao longo deste texto, são discutidos temas como a inte- gração currículo e tecnologias, constituindo o que denominamos de web currículo; a relação entre currículo e narrativas; os conceitos de narrativas digitais e letramentos; o uso das narrativas digitais na Educação; e, finalmente, como as narrativas digitais estão sendo utilizadas em uma disciplina de pós-graduação, com o intuito de poder entender as concepções que os alunos têm sobre a integra- ção TDIC e currículo. Web currículo e a integração tecnologias e currículo Entendemos web currículo como sendo um processo no qual as TDIC se encontram imbricadas no desenvolvimento do currículo em atividades pedagógicas, nas quais professores e alunos se apro- priam destas tecnologias e as utilizam para aprender, como se elas fossem invisíveis (SANCHES, 2001; 2002). Em consonância com a concepção de integração, compreen- dida como relação dialética entre unidades distintas e interdepen- dentes, que se determinam reciprocamente, constituindo uma to- talidade (FERNANDES, 2012), a concepção de currículo, originária de uma proposta voltada à objetivação e organização da cultura representada por um “corpo de conteúdos” (GIMENO SACRISTÁN, 1999, p. 153), passou por sucessivos processos de ressignificação e, até os dias de hoje, se apresenta como um conceito polissêmico, que demanda explicitação no bojo deste texto, para que se possa compreender sua integração com as TDIC. Apesar da polissemia do termo, Pacheco (2005, p. 37) deixa evidente que o currículo se apre- senta sob duas óticas: “das intenções, ou do seu valor declarado” e “da realidade, ou do seu valor efetivo”. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 2 Diversos autores se aproximam da crítica de Gimeno Sacristán sobre o currículo entendido como conteúdos organizados da cultu- ra e trazem contribuições significativas para a compreensão deste conceito. Para Lundgren (1983), o currículo é um ato pessoal de busca de significado e produção de sentido, resultante da interpre- tação negociada dos textos escolares. Stenhouse (1984) compreen- de o currículo como uma proposta reconstruída na prática. Grundy (1987) acentua que o currículo é uma construção cultural, indicado- ra da organização humana de um conjunto de práticas educativas. Já Goodson (1997) se refere ao currículo como construção social que se desenvolve no ato educativo, por meio de interações dialó- gicas, produzindo distintos percursos. Assim, tais concepções de currículo implicam superação da abordagem pedagógica, alicerçada na transmissão de informações, e orientam para a prevalência de um currículo construído na prática social, que engloba conteúdos, métodos, procedimentos, instru- mentos culturais, experiências prévias e atividades (GIMENO SA- CRISTÁN, 1998), com vistas a propiciar o desenvolvimento da apren- dizagem em ambientes que instigam a curiosidade epistemológica, estimulam a pergunta, a invenção/reinvenção e a transformação, como forma de avançar no conhecimento (FREIRE; FAUNDEZ, 1985). A integração TDIC e currículo evidencia posições e práticas que oscilam entre distintas abordagens educativas. Em meados dos anos 1980, quando começa a se disseminar o uso dos chamados micro- computadores (semelhantes aos atuais computadores de mesa), nas escolas brasileiras, essas tecnologias ficaram confinadas em laboratórios de informática e foram criadas disciplinas para o es- tudo da informática, em dia e hora determinados, de modo a não provocar alteração no funcionamento da escola, como observado por Papert (2008). Tais práticas foram preponderantes até o início dos anos 2000, quando começaram a ser questionadas pela disse- minação do acesso às TDIC e, sobretudo, pelo uso cada vez mais frequente das tecnologias digitais móveis, com conexão sem fio à Internet, as quais, sob diferentes formatos e com distintas interfa- ces, saíram dos laboratórios e evidenciaram o potencial de uso in- tenso e ubíquo. Diante das propriedades constitutivas das TDIC – entre as quais o registro de processos e produções –, a recuperação dos registros digitais (informações, documentos, imagens, sons, vídeos, hipermí- dias...), a ubiquidade e a imersão com o uso a qualquer tempo e de qualquer lugar, e a interação multidirecional, que propicia o fazer e refazer contínuo, impulsionam o trabalho colaborativo e, sobretu- do, a produção de conhecimentos, a negociação de significados e a autoria (ALMEIDA, 2010). Ao considerar as tecnologias e, em especial, as digitais – des- de sua concepção e antes mesmo de se tornarem artefato –, como instrumentos estruturantes do pensamento, evidencia-se que a ex- ploração das funcionalidades e propriedades das TDIC, no desen- volvimento do currículo, permite dar “forma às perspectivas dos indivíduos sobre si próprios e sobre o mundo” (Goodson, 2001, p. 28). As TDIC propiciam a reconfiguração da prática pedagógica, a abertura e plasticidade do currículo e o exercício da coautoria de professores e alunos. Por meio da midiatização das TDIC, o desen- volvimento do currículo se expande para além das fronteiras espa- ços-temporais da sala de aula e das instituições educativas; supera a prescrição de conteúdos apresentados em livros, portais e outros materiais; estabelece ligações com os diferentes espaços do sabere acontecimentos do cotidiano; e torna públicas as experiências, os valores e os conhecimentos, antes restritos ao grupo presente nos espaços físicos, onde se realizava o ato pedagógico. A integração TDIC e currículo propicia a articulação dos con- textos de formação e aprendizagem com as situações de experi- ências autênticas, potencializando o desenvolvimento do currículo como construção permanente de práticas intencionais, com signi- ficado cultural, histórico e social (PACHECO, 1996). Este processo reconstrutivo encontra suporte em conteúdos oriundos de distintas fontes, e representados em linguagens midiáticas e meios tecno- lógicos, que oferecem aos participantes do ato educativo a opor- tunidade de integrar conhecimentos sistematizados com conheci- mentos oriundos de suas experiências (ALMEIDA; VALENTE, 2011), produzindo novos conhecimentos e traçando narrativas curriculares singulares (DIAS, 2008). Neste sentido, ao se referir à integração curricular das TDIC, Almeida (2010), Almeida e Valente (2012) destacam a concepção de web currículo como a relação que envolve distintas linguagens e sistemas de signos mobilizados na prática social midiatizada pelas TDIC, e configurados de acordo com as propriedades e funcionalida- des intrínsecas das tecnologias e mídias digitais, que suportam e es- truturam os modos de produção do currículo, sendo este produtor de transformações e reconfigurações das TDIC. Deste modo, as TDIC e o currículo, constituídos como unidades distintas, se determinam, formando uma totalidade e produzindo transformações recíprocas. Assim, web currículo caracteriza-se como uma construção con- ceitual e uma categoria de ação. Porém, a mudança da Educação para desenvolvê-lo implica refletir sobre contexto, concepções, prá- ticas e valores implícitos no conceito de currículo; e sobre o seu potencial para a criatividade e abertura ao compartilhamento de ideias, que podem ser associadas a outras ideias e conhecimentos, propiciando novas construções e mudanças. Pressupõe também conceber as TDIC para além de ferramentas, como linguagens que estruturam os modos de pensar, fazer, comunicar, estabelecer re- lações com o mundo e representar o conhecimento. Isto significa integrar a Educação com a cultura digital, o que envolve enfrentar conflitos e novos desafios, para construir a inovação no âmbito de cada contexto e instituição educativa. Tratamos assim de um currículo que integra as TDIC em pro- cessos que expandem os tempos e espaços educativos; envolvem busca, organização, interpretação e articulação de informações; a reflexão crítica; o compartilhamento de experiências; a produção de novos conhecimentos na compreensão histórica do mundo e da ciência. Neste contexto, as narrativas constituem importante ativi- dade, cuja análise e compreensão permitem compreender como estes processos podem ser implementados. Currículo e narrativas Os processos pedagógicos, que têm como objetivos auxiliar o aprendiz a construir conhecimento, adotam como principal eixo articulador de suas atividades o desenvolvimento de projetos em busca de respostas a questões, que tenham significado para a pró- pria vida e contexto dos aprendizes. Tais processos se tornam mais viáveis com a disseminação das tecnologias móveis, com conexão sem fio à Internet, associada com as facilidades de manuseio das ferramentas e interfaces gratuitas, com potencial de interação, au- toria e colaboração. Além do acesso à Educação de qualquer lugar e tempo, sem que as pessoas necessitem deslocar-se fisicamente, estas tecnologias propiciam a participação em processos formati- vos, que integram as situações de trabalho e a aprendizagem em contextos reais, onde se desenvolvem as experiências (KEEGAN, 2007; ALMEIDA; ALMEIDA, 2011). Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 3 A aprendizagem situada em contexto pode ser uma resposta para situações autênticas, ligadas à história de vida das pessoas e de suas instituições, o que provoca transformações na visão de cur- rículo prescritivo, para uma perspectiva de currículo narrativo e de aprendizagem narrativa (GOODSON, 2007). Esta proposta torna-se particularmente importante, diante do questionamento sobre o valor das prescrições no mundo do trabalho flexível, com vínculos institucionais frágeis; e diante das mudanças contínuas da realida- de, apontando para a substituição dos esforços de elaboração de novas prescrições curriculares pelo currículo, no qual os processos de aprendizagem se desenvolvem por meio de narrativas elabo- radas com o uso das TDIC, especialmente das tecnologias móveis e sem fio, com atualização e manutenção continuada ao longo de uma experiência de vida. De fato, para conviver com as incertezas e ambiguidades des- sa realidade, as pessoas precisam aprender a lidar com os fluxos contínuos de novas informações; com a evolução do conhecimento requerido para desempenhar suas funções no mundo do trabalho; com as mudanças na profissão e de área de atuação profissional; com o trabalho em equipe; e com a tomada de decisões, diante das situações desafiadoras, tornando-se necessário repensar a con- cepção de currículo, cujas prescrições não dão conta de tratar do imprevisível. Contudo, “se o currículo como prescrição está termi- nando, temos de admitir que a nova era do currículo no novo futu- ro social está ainda longe de ser bem evidente” (GOODSON, 2008, p.157). Considerar a experiência como condição da aprendizagem (DEWEY, 1950) não se restringe a um currículo com foco na aplica- ção de conhecimentos ao fazer. Concordamos com Moreira e ou- tros (2007, p. 20), quando dizem “que o conhecimento formal traz outras dimensões ao desenvolvimento humano, além do ‘uso prá- tico’”, e defendemos a proposição de uma metodologia que parte da “experiência cultural do aluno como caminho para ampliação da experiência humana”. Neste sentido, entendemos, como propõe Gimeno Sacristán (1998), que convivemos com um currículo oficial, prescrito; e com um currículo real, experienciado na prática pedagógica, na relação professor-aluno, aluno-aluno, no contexto concreto da formação, que pode se desenvolver tanto em situações presenciais como a distância, midiatizadas pelas TDIC, com o uso de distintos disposi- tivos, cuja intensidade de uso potencializa o desenvolvimento do currículo com narrativas de vida. As narrativas oportunizam a toma- da de consciência sobre a própria aprendizagem e transformação, segundo a natureza das experiências, a abertura das pessoas para o registro metódico de descrever suas histórias de vida (GALVÃO, 2005), e sua reflexão para dar sentido à sua experiência e contexto. Jerome Bruner, baseado em conceitos da psicologia cultural, em especial na abordagem histórica e interpretativa, é um dos pensadores de referência sobre as narrativas como forma de dar sentido à própria vida, à experiência do tempo vivido; e sobre com- preender como a realidade é construída (BRUNER, 1997), conside- rando a subjetividade, o ambiente cultural e seus instrumentos, para o discurso comunicativo. O objeto das narrativas são as inten- ções e vicissitudes humanas (BRUNER, 1990). É por meio de narrati- vas elaboradas com o auxílio de códigos que uma cultura fornece modelos, comunica sua identidade, tradição e se dissemina. Na mesma linha de Paulo Freire, Bruner defende que a Educa- ção, em sentido amplo, nunca é neutra e destituída de consequên- cias sociais, políticas e econômicas, e identifica que a escola exerce importante papel por se encontrar situada na vida e na cultura de seus alunos, pois o currículo de uma escola não trata apenas de ‘matérias’. A principal disciplina da escola, do ponto de vista cultu- ral, é a própria escola. É esta a experiência de escola que a maioria dos alunos tem e que determina, por sua vez, o significado que eles atribuem à escola. (Bruner, 2001, p. 35). Bruner propõe a pedagogia interativa e intersubjetiva, voltada à interpretação e à produção de significado sobrea vida e a cultura de estudantes, que estabelecem relações sociais na escola e inte- ragem (BRUNER, 2001), desenvolvendo narrativas como um meio de usar a linguagem para a reconstrução da experiência histórica e da experiência social, como afirma Vygotsky (1996, p. 65). Narrar a experiência remete ao registro da memória sobre o cotidiano da vida social; ao específico do sujeito; ao coletivo de um grupo; aos significados que os sujeitos atribuem aos acontecimentos. Como analisa Larrosa, a experiência é “o que (nos) passa, acontece, chega, sucede...” (2002, p. 26). O próprio ato de narrar, para Bruner (1990), tem valor educa- cional intrínseco, uma vez que organizar a experiência, em forma de narrativa, serve para interpretar melhor o que se passou, ajudando a promover uma nova forma de contar. As narrativas são construí- das a partir de um conjunto de pontos de vista pessoais e, portanto, podem existir diversas versões da mesma história ou da experi- ência. Qualquer que seja o meio de expressão do pensamento, o discurso narrativo é crítico e possui uma estrutura que caracteriza uma trama, devendo conter um início para captar a atenção do ou- tro; e o desenvolvimento dos personagens (pessoa, fato, fenôme- no, comunidade, etc.), com uma sequência de transformações, que mantenham entre si algum significado e integrem o conflito, o per- sonagem, a consciência, podendo ficar aberta para ser abordada mediante outras perspectivas. A narrativa assim produzida não é uma construção livre. En- volve o saber, a identidade e a racionalidade sobre como as pessoas constroem o conhecimento do mundo ao seu redor, a compreensão de si mesmo e a interlocução com outras pessoas. Neste sentido, as narrativas, produzidas na forma oral, escrita ou hipermidiática, têm grande potencial educacional, como afirma Galvão (2005). Podem ser utilizadas tanto para investigar o conhecimento que as pessoas expressam quanto para auxiliar processos de construção de conhe- cimento. No contexto da investigação, as narrativas podem ser usadas para análise de biografias, autobiografias, histórias de vida, narra- tivas pessoais, entrevistas narrativas, etnobiografias, etnografias e memórias populares, até acontecimentos singulares, integrados em um determinado contexto (GALVÃO, 2005). A produção de narra- tivas tem sido utilizada como uma importante metodologia de in- vestigação na Educação, como propõem diversos autores (FISCHER, 2002; GALVÃO, 2005; SIKES; GALE, 2006), bem como tem sido em- pregada no desenvolvimento profissional de educadores, conforme mostrado em estudos de Cochran-Smith e Lytle (1999), Fiorentini e Lorenzato (2006), Gonçalves e Fernandes (2010), Quadros et al (2010), Abrahão (2011), entre outros. A tarefa de analisar e dissecar a narrativa tem também o potencial de reflexão e formação, como proposto por Galvão (2005). As narrativas têm sido também empregadas nas atividades re- lacionadas ao ensino, principalmente ao ensino de Ciências. Leal e Gouvêa (2002), por exemplo, articulam narrativa, mito, ciência e tecnologia no ensino de Ciências, para trabalhar a alfabetização científica, integrando ensino formal, não formal e divulgação cien- tífica. Paleari e Biz (2010) usaram narrativas por meio de imagens, para que alunos de uma 6ª série pudessem “imaginar” a Ilha de Marajó. Rathbone e Burns (2012) defendem que a narrativa ofere- ce potencial para fomentar laços fortes entre as experiências dos alunos e a compreensão sobre os conceitos envolvidos nestas expe- riências. Estes autores afirmam que, se o objetivo é fazer com que a ciência seja parte da vida dos alunos, a ciência deve tornar-se parte da experiência narrativa dos alunos (RATHBONE; BURNS, 2012, p. 1). Eles propõem o conceito de prática de narrativas, em que os aprendizes em sala de aula passem a construir narrativas sobre suas vidas, como parte da experiência cotidiana. A narrativa, neste con- texto, não é apenas um método pedagógico, mas uma maneira de viver, tanto dentro quanto fora da escola. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 4 A partir da concepção de Bruner, de que a narrativa constitui uma forma de dar sentido à própria vida, à experiência e à com- preensão da realidade, entendemos que também reflete a maneira como o seu produtor pensa e organiza suas ideias e conceitos. Nes- te sentido, a narrativa pode ser vista como uma “janela” na mente do aprendiz, permitindo entender o nível de conhecimento, do qual ele dispõe sobre os conteúdos e temas trabalhados. A explicitação deste conhecimento permite que o educador possa conhecer o ní- vel de conhecimento do aprendiz e, assim, intervir e auxiliá-lo na depuração desses conceitos, de modo que conhecimentos mais so- fisticados possam ser construídos. No entanto, com a disseminação das TDIC, as narrativas, que tradicionalmente eram orais ou escritas, podem ser feitas digital- mente, criando novas condições de produção do saber e de práticas culturais de leitura e escrita, as quais incorporam outras linguagens, fazendo-se necessário e urgente rever como se desenvolvem os processos de construção de conhecimentos e o currículo. A leitura e a escrita tradicionais estão passando por constantes questionamen- tos, quando confrontadas com atividades como leitura on-line, na- vegação por hipertextos ou interação via telecomunicação móvel. A presença das TDIC em nossa cultura cria novas possibilidades de expressão e comunicação, gerando outros campos de estudos e de pesquisa, antes inexistentes. Considerando-se que este artigo tem como foco a integração currículo e TDIC, por meio da produção de narrativas, para impul- sionar a aprendizagem e o processo de construção de conhecimen- to, é relevante identificar as contribuições das tecnologias e mídias digitais na produção de narrativas digitais, e o papel dos distintos letramentos neste processo. Narrativas digitais e suas aplicações Janet Murray em seu livro Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço (MURRAY, 2003), publicado originalmen- te em 1997, previu a convergência das mídias e a criação do que Manovich (2001) denominou de “Nova Mídia”. A possibilidade de transformar formatos tradicionais, como o material impresso, a fo- tografia (filme fotográfico é exposto à luz, revelado e ampliado em papel fotográfico), o vídeo (fita magnética), em formato digital, per- mitiu a unificação de formatos, ou seja, a produção de diferentes formatos em formato digital. Isto significa que o texto, a imagem, o som, etc. podem ser traduzidos digitalmente e, assim, podem ser trabalhados por um único dispositivo, o computador. O computador ligado em rede atua como um telefone, ao ofe- recer comunicação pessoa-a-pessoa em tempo real; como uma te- levisão, ao transmitir filmes; um auditório, ao reunir grupos para palestras e discussões; uma biblioteca, ao oferecer grande número de textos de referência; um museu, em sua ordenada apresentação de informações visuais; como um quadro de avisos, um aparelho de rádio, um tabuleiro de jogos e, até mesmo, como um manus- crito, ao reinventar os rolos de textos dos pergaminhos. Todas as principais formas de representação dos primeiros cinco mil anos da história humana já foram traduzidas para o formato digital. (Mur- ray, 2003, p. 41). Neste sentido, se os meios mudaram, certamente a linguagem de cada formato também mudou e, portanto, não pode ser trata- da como antes. As facilidades de manipulação de textos e imagens passam a alterar radicalmente a maneira como as linguagens verbal e visual são produzidas, como são usadas, interpretadas e transfor- madas. Com o desenvolvimento das tecnologias, surgiram recursos di- gitais que podem ser utilizados para animar as histórias, torná-las mais imagéticas, sonoras e dinâmicas. Porém, estes recursos agora podem estar à mão de usuários que não precisam ser especialistas. Aplicativos da Web 2.0, como o Flash, o Movie Maker, software para produção de blogs, ou o Prezi, ou até mesmo aplicativoscon- vencionais para produção de apresentação, como o PowerPoint, po- dem ser utilizados para a produção de narrativas. Estas facilidades oferecidas pelas TDIC têm alterado a maneira como as narrativas tradicionalmente orais ou impressas são produzidas. A possibili- dade de uso destes recursos digitais na produção de narrativas faz com que sejam tratadas como histórias digitais (CARVALHO, 2008), relatos digitais (RODRÍGUEZ ILLERA; LONDOÑO, 2009), narrativas interativas (CIRINO, 2010), narrativas multimídia (PAIVA, 2007), narrativas multimidiáticas (VASCONCELOS; MAGALHÃES, 2010), ou narrativas digitais (JESUS, 2010; BOTTENTUIT JUNIOR; LISBOA; COU- TINHO, 2012). Na literatura de Língua Inglesa, o termo mais utilizado é digital storytelling (YUKSEL; ROBIN; McNEIL, 2011; LOWENTHAL, 2009; OHLER, 2008). Para efeito deste artigo, estamos adotando a terminologia “narrativas digitais”. Outra mudança observada pela facilidade de manipulação des- sas diferentes mídias é que elas apresentam diversas facilidades, permitindo que as pessoas sejam autoras, produtoras e dissemina- doras de conhecimento. É notável o uso do orkut ou do blog como meios utilizados para a criação e disseminação de conhecimento, na forma textual, imagética ou animada. O Second Life, por exem- plo, possibilita que as pessoas criem e desempenhem diferentes pa- péis, em mundos do faz de conta, como já acontecia com o teatro ou o cinema tradicional. Agora, com a diferença de que cada um pode ser ator ou produtor deste mundo do faz de conta virtual. As narrativas digitais, assim, expandem e criam novas possi- bilidades do poder de imaginação de seus produtores. Agora, eles podem implementar ideias e ações que seriam impossíveis de ser imaginadas na narrativa linear, impressa ou oral. Segundo Murray (2003), as narrativas em ambientes virtuais permitem explorar três categorias de estética: a imersão, a agência e a transformação. A imersão está relacionada com o fato de os produtores e usuários serem transportados para outros mundos ficcionais, anulando tem- porariamente o mundo em que vivemos, sem sairmos do lugar. A agência está relacionada com o fato de podermos realizar ações significativas e ver seus resultados quase instantaneamente. Se estes resultados não correspondem ao que imaginamos, as mudan- ças podem ser feitas sem maiores prejuízos. E, finalmente, a trans- formação permite ao usuário ter a liberdade de seguir uma jornada própria, podendo alterar o que desejar, devido à plasticidade das TDIC, que possibilitam o fazer e refazer contínuo. Outro aspecto importante é que as narrativas digitais podem assumir basicamente dois tipos de modalidade, como definido por Lemke (2002). Podem ser multimodais, combinando diferentes modalidades, como as da escrita (linear, sequencial) e da imagem (simultaneidade, espacialidade), produzindo o que tem sido conhe- cido como multimodalidade. Neste sentido, as narrativas podem seguir uma trama linear e os elementos utilizados não podem ser alterados, seguindo os passos de relatos mais tradicionais. São as narrativas clássicas lineares, ainda que produzidas no mundo virtu- al. Neste caso, os usuários passivamente observam o desenrolar da trama previamente estabelecida pelo produtor. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 5 As narrativas digitais podem também usar recursos de hiper- modalidade, quando diferentes modalidades são integradas na hi- permídia. Estas narrativas são interativas e podem lançar mão de tramas não lineares e não cronológicas, que podem ser alteradas pelo usuário, que se converte em coautor, com possibilidades de escolher os caminhos a serem percorridos. Neste caso, as escolhas são realizadas por intermédio dos hiperlinks, que permitem a na- vegação na narrativa, tanto em termos dos caminhos escolhidos como dos conteúdos. Mesmo acessando essas narrativas mais de uma vez, as escolhas podem ser diferentes, e a experiência pode ser totalmente nova. Como afirma Murray (2003, p. 65): “Histórias es- critas em hipertexto geralmente têm mais de um ponto de entrada, muitas ramificações internas e nenhum final bem definido”. Estas diferentes características das narrativas digitais fazem com que elas sejam categorizadas de acordo com as diversas fun- ções que desempenham, como mostra Jesus (2010): um organiza- dor cognitivo; uma aplicação tecnológica, que tira partido da Web 2.0; um tipo de projeto que instaura a utilização integrada e produ- tiva dos meios tecnológicos; um trabalho criativo, que se enqua- dra em um conceito de letramentos; uma pedagogia estimuladora de diferentes formas de representação de significado, que motiva os aprendizes; e uma metodologia coerente com a aprendizagem construtivista e autônoma, que exige do sujeito uma gama diversi- ficada de competências. Especificamente do ponto de vista educacional, as narrativas digitais ampliam e tornam mais contemporâneas as possibilidades oferecidas pelo uso das narrativas, como afirma Carvalho (2008): A construção e produção de narrativas digitais se constituem num processo de produção textual que assume o caráter contem- porâneo dos recursos audiovisuais e tecnológicos capazes de mo- dernizar ‘o contar histórias’, tornando-se uma ferramenta pedagó- gica eficiente e motivadora ao aluno, ao mesmo tempo em que agrega à prática docente o viés da inserção da realidade tão cobrada em práticas educativas. (p. 87). No entanto, é importante observar dois aspectos fundamen- tais. Um é relativo ao uso pedagógico e o outro é referente às com- petências envolvidas na produção das narrativas digitais, o que te- mos denominado de letramentos. Narrativas digitais e os letramentos Com relação ao aspecto pedagógico, o uso das narrativas di- gitais não é uma questão puramente tecnológica, como mostra o trabalho de Martins (2003), que integrou diferentes meios, para a criação de um espaço escolar alternativo para alunos entre 9 e 11 anos. Estes alunos usaram recursos como computadores, Internet, câmeras e vídeo digital, além de materiais tradicionais, para desen- volver atividades nas quais eles encontraram um sentido em seu cotidiano, se expressaram sobre os assuntos discutidos na comuni- dade em geral e no espaço educacional em específico. Como foi observado por esta pesquisadora, além da diversidade de meios e de materiais para que os alunos pudessem expressar suas ideias, é necessário que os projetos e atividades desenvolvidos possibili- tem a investigação e o compartilhamento dessas ideias entre eles, de modo a permitir que venham à tona seus cotidianos e suas im- pressões sobre o mundo, e que saibam expressá-los de maneira adequada e efetiva. Ou seja, para que estas atividades funcionem, é necessário o amálgama de dois ingredientes: que as atividades e os projetos que o aluno desenvolve sejam relacionados com a sua realidade; e que, além de disponibilizar os diferentes meios tecno- lógicos, que o professor entenda as especificidades desses meios e saiba usá-los como recursos pedagógicos. O segundo aspecto está relacionado com novas competências que as tecnologias digitais exigem, ou seja, a capacidade do sujei- to de mobilizar parte de seus recursos cognitivos e afetivos para enfrentar uma família de situações complexas (PERRENOUD, 2001). No caso dessas tecnologias, isso significa a necessidade de alunos e educadores terem maior familiaridade com os novos recursos digi- tais – processador de texto, Internet, web, e-mail, bate-papo, lista de discussão, hipertexto, blog, videoblog, fotolog, second life, o que tem sido denominado de letramento digital, bem como de outros letramentos, como o imagético e o sonoro. O conceito de letramento foi introduzido por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, como a Linguística (KLEIMAN, 1995) e a Educação (SOARES, 1998), e tem sido utilizado para escla- recer diferentes níveis de aquisição de leitura e escrita. Assim, estes autores fazem uma distinção entre a alfabetização, entendida como aaquisição da tecnologia do ler e do escrever, sem a apropriação da leitura e da escrita, que vão do uso desprovido da atribuição de sentido até o uso em práticas sociais. Letramento é entendido como a apropriação da leitura e da escrita, para exercer a cidadania, ter acesso à cultura da socieda- de letrada e ser capaz de utilizar estes conhecimentos em práticas sociais (SOARES, 2002). Assim, a apropriação da escrita vai além da alfabetização, ou seja, refere-se à codificação e à decodificação da escrita, enquanto letramento implica apreender (tomar para si) e usar a leitura e a escrita em situações da própria vida. De acordo com Rojo (2009), o desenvolvimento de múltiplos letramentos en- globa os usos e práticas sociais de linguagem que envolvem a es- crita de uma ou de outra maneira, sejam eles valorizados ou não valorizados, locais ou globais, recobrindo contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola etc.), numa perspectiva so- ciológica, antropológica e sociocultural. (Rojo, 2009, p. 98). Diante da convergência de distintas tecnologias para as TDIC, um único dispositivo agrega diferentes recursos, tais como câme- ra fotográfica, câmera de vídeo, gravador de som, rádio, televisão, etc., e os letramentos se relacionam com as múltiplas linguagens veiculadas por tecnologias digitais diversas como tablet, laptop, Ipad, desktop, telefone celular ou outros. Isto significa que, para produzir narrativas digitais consistentes, é preciso articular o foco do conteúdo narrativo com as possibilidades oferecidas pelos recur- sos digitais disponíveis, assim como desenvolver distintos letra- mentos, no sentido de saber lidar com as linguagens multimidiáti- cas que propiciam novas formas de representação do pensamento. Embora o termo “letramento” contenha o prefixo “letra” e te- nha sido cunhado no contexto da leitura e da escrita, ele tem sido utilizado para designar o processo de construção de outros conhe- cimentos como o digital, por exemplo. Assim, é comum encontrar- mos a expressão “letramento digital” para designar o domínio das TDIC no sentido de não ser um mero apertador de botão (alfabeti- zado digital), mas de ser capaz de usar essas tecnologias em práti- cas sociais. Neste sentido, empregamos o termo letramentos para designar a expansão do conceito de letramento para além do al- fabético, ao englobar o digital (uso das tecnologias digitais ou das TDIC), o visual (uso das imagens), o informacional (busca crítica da informação) ou os múltiplos letramentos, como tem sido tratado na literatura (KRESS, 2000). O próprio conceito de letramento alfabético possui diferentes níveis, abrangendo desde as competências necessárias para que o indivíduo funcione adequadamente em um contexto social, até ní- veis de letramento mais sofisticados de usar a leitura e a escrita como um meio de tomar consciência da realidade e de transfor- Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 6 1212 má-la, como propôs Paulo Freire (1987). Na ótica de Freire, trans- posta para o contexto de uso das TDIC, o sujeito passa a ser autor, produtor de suas obras, mobilizando letramentos na leitura e cons- trução de conhecimento, com o uso de linguagens midiáticas em práticas multimodais ou hipermodais; participando criticamente do mundo digital como leitor ativo, produtor e emissor de informações provenientes de textos construídos com palavras, gráficos, sons e imagens dispostos em um mesmo plano; dominando as regras que regem a prática social da comunicação midiatizada pelos instru- mentos e símbolos da sociedade digital (BUZATO, 2009). Assim, a capacidade de uso dessas tecnologias no desenvolvi- mento de narrativas digitais passa a ser intimamente relacionada com determinadas competências que devem ser desenvolvidas pe- las pessoas. Como parte dos letramentos, é necessário o domínio de como navegar e saber utilizar os hiperlinks. Santaella (2004) ob- servou que usuários de hipermídia utilizam habilidades distintas da- quele que lê um texto impresso, que são distintas daquelas empre- gadas quando recebem imagens, como no cinema ou na televisão. Isso significa que os processos de ensino e de aprendizagem devem incorporar cada vez mais o uso de instrumentos, interfaces e signos das tecnologias digitais, para que os alunos e os educadores possam manipular e aprender a ler, escrever e se expressar usan- do essas novas modalidades e meios de comunicação, procurando atingir níveis mais sofisticados de letramentos e participando da so- ciedade digital, uma das condições atuais para a inclusão social e a vivência democrática. A produção de narrativas educacionais pode ser bastante útil nesta empreitada. Usos de narrativas digitais na Educação As narrativas digitais têm sido utilizadas na Educação em dois contextos distintos: um, na formação inicial ou continuada de pro- fessores; e, outro, relacionado com o desenvolvimento de conteú- dos curriculares de praticamente todas as áreas do conhecimento. As narrativas digitais, especificamente as denominadas “digital storytelling”, têm sido largamente utilizadas na educação (YUKSEL; ROBIN; McNEIL, 2011; LOWENTHAL, 2009; OHLER, 2008, ROBIN, 2008). Por exemplo, Yuksel, Robin e McNeil (2011) discutem como educadores e estudantes ao redor do mundo estão usando as nar- rativas digitais para auxiliar o processo educacional. Este estudo fornece um quadro geral sobre os usos educacionais das narrativas digitais em diversos países, e descreve as diferentes percepções de pessoas em múltiplas culturas sobre esta tecnologia. A análise dos artigos sobre esta temática mostra que, em geral, o foco está na utilização das TDIC no contexto das narrativas; na capacidade dos aprendizes usarem as TDIC; no aumento e na intensificação da mo- tivação dos alunos; no fato de os aprendizes passarem a ter voz e poder expressar suas ideias; ou mesmo para mostrar que a temática da narrativa é suficientemente versátil e pode ser explorada nas di- ferentes áreas do conhecimento e nos diferentes níveis de ensino. A análise de alguns artigos na Língua Portuguesa, especificamente relacionados com os temas que estão sendo explorados em nossas atividades, corrobora para esta tese. Por exemplo, na formação de professores, Coutinho (2010) usou as narrativas digitais como parte das atividades desenvolvidas com um grupo de 22 professores, que participaram da disciplina Tecnologias da Imagem em Educação, como parte do Programa de Pós-Graduação em Informática Educativa da Universidade do Mi- nho. Este estudo é particularmente interessante, pelo fato de ter muita semelhança com o trabalho sobre uso das narrativas digitais que estamos desenvolvendo em nossa disciplina de pós-graduação, apresentada no próximo tópico. No trabalho descrito por Coutinho (2010), os professores cria- ram narrativas digitais com o objetivo de colaborar para a melhoria do letramento visual, preparando-os para criar e utilizar imagens di- gitais no currículo. Durante oito semanas, os professores: a) estuda- ram questões teóricas sobre produção, transmissão e percepção de mensagens verbo-icônicas; b) criaram um Fotolog individual, com fotos originais manipuladas, utilizando o software Photoshop; c) produziram uma trilha visual, usando o software Movie Maker; e d) registraram episódios de podcast, com o uso do software Audacity para criar uma faixa de áudio, misturando voz e fundo sonoro. A ta- refa final envolveu a criação, em pequenos grupos, de uma história digital original sobre um tema escolhido do currículo do Ensino Bá- sico, que foi apresentada e discutida em sala de aula. Para avaliar a importância da experiência de aprendizagem das narrativas digitais, os professores responderam a um questionário on-line, enviado via e-mail, o qual consistia de questões abertas e fechadas sobre di- mensão pessoal; experiência prévia com narrativas digitais; poten- cialidades das narrativas digitais para ensinar e aprender; impacto das narrativas digitais na formaçãodos professores; e a contribui- ção das narrativas digitais para o desenvolvimento de competências para o século XXI. Como balanço final da experiência, Coutinho (2010) concluiu que os professores foram capazes de desenvolver cinco excelentes histórias digitais publicadas na Web. Todos os 17 professores que responderam ao questionário consideraram a criação de narrativas digitais como positiva para o desenvolvimento profissional com re- lação ao uso das TDIC. E todos concordaram que as narrativas digi- tais foram importantes para mobilizar as competências do século XXI. A autora afirma que formadores de professores nunca devem subestimar a capacidade que os docentes têm para renovar suas práticas de ensino, particularmente quando se refere à integração das tecnologias no currículo. No caso desta experiência, foi gratifi- cante notar as palavras e expressões de satisfação pessoal desses professores, os quais tinham muito pouca competência digital no início. Resultado semelhante foi encontrado por Bottentuit Junior, Lisboa e Coutinho (2012), que trabalharam com a formação inicial de professores do curso de Licenciatura em Pedagogia da Univer- sidade Federal do Maranhão, na cidade de São Luís. As atividades foram desenvolvidas como parte da disciplina História e Política das Tecnologias Aplicadas à Educação (HPTAE), que consta da grade cur- ricular do sexto período do curso de licenciatura. Oito alunos par- ticiparam da disciplina e trabalharam em dupla. Foram produzidas quatro narrativas digitais, usando o PowerPoint. Os temas versaram sobre conteúdos de diferentes áreas do conhecimento (Matemáti- ca, História e Literatura Brasileira) e para diferentes níveis do ensi- no, entre os quais o ensino infantil. Além da produção das narrati- vas, os alunos responderam a um questionário semelhante ao que foi usado no estudo de Coutinho (2010), e os resultados também foram bastante parecidos ao que foi encontrado naquele estudo. Os autores concluíram que a produção de narrativas propiciou a inclusão, na disciplina, de uma atividade usando as tecnologias, e mostraram que, mesmo sem a infraestrutura computacional ade- quada, o fato de os alunos estarem em contato com o mundo digital permitiu que eles desenvolvessem a parte prática utilizando seus próprios computadores. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 7 13 Carvalho (2008), professora do Ensino Fundamental II de es- colas públicas municipais, localizadas na periferia da cidade de São Paulo, tinha como objetivo dar maior significação aos conteúdos trabalhados por seus alunos, tanto do ensino regular (1º, 2º e 3º anos do Ciclo II) quanto das turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para tanto, lançou mão do software Movie Maker, em aulas de Língua Portuguesa, para a produção de narrativas digitais por seus alunos. A autora concluiu que os recursos midiáticos contribuí- ram para a fixação de conteúdos didáticos, propiciando a realização de atividades motivadoras e mais eficientes para a aprendizagem, e possibilitando ações mais sensoriais e lúdicas por parte do aprendiz. O interessante é que, em nenhum destes trabalhos, é aborda- da a questão do processo de produção das narrativas, as diferentes versões geradas neste processo e como elas foram depuradas, no sentido de proporcionar o entendimento de como os conceitos fo- ram continuadamente construídos. Mesmo os artigos que se predispõem a analisar o conteúdo das narrativas digitais centram o foco da análise no aspecto da estética, do uso da tecnologia e não no processo de como as narrativas con- tribuem para a construção do conhecimento. Menezes (2010) tem usado este recurso em disciplinas on-li- ne do curso de graduação em Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, desde 2005. No período 2005-2010, ela constituiu um corpus de 57 narrativas de graduandos. Para efeito da discussão do artigo, Menezes (2010) escolheu analisar 20 narrativas produzi- das em 2005, quando os alunos ainda não dispunham de mode- los prévios de referência, já que essas foram a primeiras narrativas elaboradas. A autora concluiu que, embora não tenha fornecido nenhuma instrução quanto à estrutura narrativa ou quanto ao con- teúdo do texto, foi possível observar alguns padrões de forma e de conteúdo. “A maioria das narrativas inclui um fundo colorido, fontes em formatos, tamanhos e cores diversas, imagens, e hiperlinks para arquivos sonoros” (Menezes, 2010, p. 185). A análise mostra que “as narrativas visuais não são meras ilustrações do texto escrito e que a associação texto e imagem revela importantes aspectos da cognição humana” (p. 183). Outro estudo que explora as possibilidades educacionais da produção de narrativas digitais foi desenvolvido por Jesus (2010), no contexto da aprendizagem inicial de Inglês, em especial das com- petências de produção escrita e de compreensão de enunciados, como parte da disciplina de Língua Estrangeira, no 2º Ciclo de Esco- laridade do sistema escolar português. Considerando que se trata de uma dissertação de Mestrado e de um trabalho de “natureza ex- ploratória” (JESUS, 2010, p. 170), a autora faz uma análise detalha- da sobre as narrativas produzidas por seus alunos. São analisadas as diferentes dimensões envolvidas, como: aprendizagem percebida no domínio da Língua Estrangeira; desenvolvimento percebido de competências de trabalho individual e em grupo; aprendizagem de competências técnicas e comunicativas, utilizando-se meios tecno- lógicos digitais; motivação experimentada pelos sujeitos; implica- ções percebidas acerca da experiência de construção de narrativas digitais no processo de ensino-aprendizagem; mensagem verbal; aspectos gerais da realização; aspectos técnicos da realização (voz, música / sons); elementos visuais; e ficha técnica. Com relação à dimensão “aprendizagem da Língua Estrangei- ra”, foram analisadas quatro categorias: (a) Capacidade de produ- ção escrita em Língua Estrangeira; (b) Capacidade de compreensão de enunciados em Língua Estrangeira; (c) Capacidade de produção oral em Língua Estrangeira; (d) Desenvolvimento global e estraté- gias de comunicação em Língua Estrangeira. Em geral, todos os alu- nos concordam que a produção de narrativas digitais foi positiva no desenvolvimento das capacidades, nestas quatro vertentes da aprendizagem. Especificamente com relação ao desenvolvimento de competências, no domínio da produção escrita e de compreen- são de enunciados, a autora concluiu que: Em todos os itens de análise, os resultados são majoritariamen- te positivos. A capacidade de apresentação de ideias próprias e a capacida- de de organização de ideias, na construção de uma narrativa, são competências que apresentam quase total incidência positiva. Seguidamente, a competência de produção escrita é a que apresenta maior incidência positiva. Os recursos semióticos utilizados (imagens, música e sons) são percepcionados, por 77% dos intervenientes, como facilitadores na construção de mensagens. A percepção sobre a melhoria global e sobre o desenvolvimen- to de estratégias de comunicação, no domínio da Língua Estrangei- ra, é positiva para 73% dos intervenientes. A competência de compreensão de enunciados é a que apre- senta menor incidência positiva. A capacidade de retenção da história é positiva para 73% dos intervenientes, sendo este o indicador com maior incidência positi- va no âmbito da compreensão de enunciados. A capacidade de interpretação de textos multimodais é a que apresenta menor incidência positiva de todas as competências ana- lisadas. A utilização de recursos semióticos não linguísticos como me- diadores da aprendizagem revela-se mais positiva na construção do que na compreensão de mensagens. A capacidade de interpretação de textos multimodais e a ca- pacidade de compreender mensagens, por meio da mediação dos recursos semióticos visuais e auditivos, são as competências que apresentam mais dúvidas de percepção aos intervenientes. (JESUS, 2010, p. 126-127)Como síntese do trabalho, a autora concluiu que a grande maio- ria dos sujeitos desenvolveu a capacidade de escrever, aumentou o vocabulário e aprendeu a construir frases. No entanto, a questão de como esta aprendizagem ocorre é algo que não aparece na análise, embora a autora entenda que este tema deve ser aprofundado em trabalhos futuros. A análise destes trabalhos permite entender que a produção de narrativas digitais tem todas as características para auxiliar na compreensão dos processos que os aprendizes usam para a cons- trução de conhecimento, e funcionar como uma “janela na men- te” do aprendiz, explicitando os conceitos e as estratégias que eles usam para esta produção. Além disso, todos os passos e as dife- rentes versões desta produção podem ser armazenados e utilizados para reflexões, tanto por parte do professor quanto do aprendiz. No entanto, estas facilidades não são exploradas ou não foram trata- das nos estudos analisados. Em nosso trabalho, relativo ao uso das narrativas digitais com alunos de uma disciplina de pós- graduação, estamos focando a interação com os alunos especificamente sobre esses processos de produção das narrativas. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 8 1414 A produção de narrativas digitais em uma disciplina de curso de pós- graduação Com o objetivo de compreender como se desenvolve a pro- dução de narrativas digitais integrada ao desenvolvimento do cur- rículo, analisamos uma experiência em realização com 12 alunos de mestrado e doutorado da disciplina denominada “Tecnologia e Currículo: fundamentos, políticas, práticas e processos de gestão”, oferecida no segundo semestre de 2012 pela linha de pesquisa de Novas Tecnologias na Educação, do Programa de Pós- Graduação em Educação, que integra o Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A disciplina tem como objetivo estudar as políticas de diferentes países, voltadas à inserção de tecnologias de informação e comunicação no currículo, em especial, com o uso dos dispositivos móveis e com conexão sem fio à Internet. Como parte da disciplina, os alunos estão realizando leituras e discussões sobre as políticas no campo das tecnologias na Educação, e desen- volvendo a atividade de produção de uma narrativa digital sobre o processo de aprendizagem, em relação às referências teóricas, políticas e experiências encontradas, e como as TDIC podem ser in- tegradas ao currículo. A trajetória de desenvolvimento da disciplina está registrada na plataforma on-line do Moodle, espaço virtual de diálogo, armazenamento e organi- zação de materiais de referência e de expansão das atividades pre- senciais. Para o desenvolvimento das narrativas digitais, os alunos estão usando distintas ferramentas e interfaces (PowerPoint, Word, blog, Prezi, fotolog, Flash...) de livre escolha, e com acesso por meio de dispositivos específicos das TDIC, fixos ou móveis. Deste modo, os registros digitais de cada aluno, tanto no Moodle quanto nas narrativas, representam seu processo de aprendizagem e contêm as informações encontradas sobre os temas investigados – e con- sideradas por ele como relevantes –, a produção teórica e prática individual e a narrativa curricular. A adoção de tal metodologia se encontra em consonância com o enfoque da linha de pesquisa à qual está vinculada, tendo como base teórica de suas investigações a reflexão, a construção do co- nhecimento, a formação contextualizada, a articulação entre teoria e prática, e entre formação, investigação e ação. A análise exploratória encetada neste artigo tem o objetivo de identificar o processo de produção de narrativas digitais com o uso de recursos distintos; explicitar o currículo desenvolvido no ato edu- cativo; compreender o desenvolvimento e o pensamento expresso pelos alunos da disciplina; levantar novos temas de investigação; e oferecer referências teóricas e práticas para a recontextualização desta metodologia, em outros contextos de prática pedagógica, com o uso de narrativas digitais. No âmbito deste estudo, analisamos as narrativas digitais de dois alunos, denominados V e A, as quais foram produzidas nas ati- vidades iniciais da disciplina, na qual cada aluno, em um primeiro momento, poderia narrar sua história; como chegou à disciplina; que perguntas lhe interessavam sobre o tema proposto para estu- dos; e os conhecimentos que tinha sobre a integração de tecnolo- gias com o currículo. Em um segundo momento, cada aluno sele- cionou um dos temas relacionados com os fundamentos, políticas, práticas e processos de gestão envolvidos na integração entre as TDIC e o currículo; buscou referências; desenvolveu leituras; esta- beleceu articulação entre as informações obtidas; e produziu uma apresentação sobre sua proposta. Este material foi compartilhado, analisado e comentado por colegas e professores, servindo de base para a reformulação da produção. As novas ideias e os resultados obtidos foram incorporados na narrativa em elaboração, que vai se compondo à medida que a disciplina se desenvolve. A aluna V iniciou sua narrativa com sua história pessoal, usando a metáfora do jogo das Cinco Marias (2012) ou Jogo das Pedrinhas, para representar seu núcleo familiar e as cinco escolas em que atuou profissionalmente. No que tange à sua narrativa em educa- ção e tecnologias, V fez uso do conceito de espiral de aprendizagem (VALENTE, 2005). Ela apontou ter iniciado neste campo em uma perspectiva tecnicista, que busca superar, em um movimento de construção/desconstrução/reconstrução, o que a faz rever a impor- tância da leitura e da escrita para o autoconhecimento e o empode- ramento de si, especialmente por ter nascido em uma família, cujos pais tinham consciência da necessidade de propiciar a integração dos filhos na cultura letrada, embora fossem de poucas letras. Esta origem levou V a desenvolver um sentimento de perseverança e luta para atingir seus objetivos e ingressar em uma universidade pública, onde fez o curso de Pedagogia e teve a oportunidade de iniciar-se na pesquisa científica, quando constatou a grande lacuna entre os estudos teóricos desenvolvidos e a realidade da escola pública, situada às margens da universidade onde ela estudava. Com estas reminiscências, V narra o segundo momento em que revela sua compreensão sobre a integração das TDIC com o currículo, caracterizada como uma ideia simples com resultados so- fisticados, que provocam o desconforto dos sujeitos que atuam na escola, como educador, aluno, pais ou gestor. Neste processo, se explicita sua compreensão sobre a gestão como um componente da mudança na escola, que vai além do trabalho dos dirigentes e engloba todos que nela atuam, seus contextos e processos sociocul- turais, com destaque para uma atitude dos gestores, na perspectiva da gestão compartilhada. Entre os gestores, encontra-se V, respon- sável pela inserção das TDIC em um colégio tradicional centenário de São Paulo, no qual ela recontextualiza o uso de narrativas com alunos que participam de uma exposição sobre robótica. No blog, V se refere ao paradoxo de um trabalho em que a tradição e o anacro- nismo se fazem presente na recriação e ressignificação da cultura, por meio da integração entre as TDIC e o currículo, em um processo de construção pautado pela interação, colaboração e protagonismo do professor, que assume a integração das TDIC no cotidiano da sala de aula e do aluno, sujeito ativo deste processo de criação do web currículo (ALMEIDA, 2011). Esta narrativa é elaborada por meio da articulação de uma apresentação inicial, feita com o uso do software de apresentação Prezi, disponível na Internet. Em seguida, a apresentação foi deta- lhada por meio da linguagem escrita com o uso de um editor de texto, contendo imagens integradas no corpo do texto, links para vídeos e imagens da Internet. Além disso, trazia notas de rodapé detalhando informações, em um esforço de simulação que procura romper com a sequência linear do texto;e um blog com links diver- sos, inclusive com uma animação produzida por um aluno, sobre o evento de robótica promovido pela escola. Esta narrativa indica o currículo em reconstrução na própria ex- periência na pós- graduação e sua recontextualização na prática pedagógica e, sobretudo, apresenta uma janela na mente da aluna V, retratada em frases registradas em seu blog, entre as quais, “o que faço confunde-se com o que sou”. A par disso, a doutoranda se refere à própria aprendizagem, propiciada pelo trabalho pedagó- gico da disciplina, ao afirmar: “Tenho aprendido muitas lições que oportunizam refutar abordagens simplistas, que negam o potencial da tecnologia, ou mesmo aquelas nas quais prevalecem apenas o exagero da tecnologia, como a resposta para os problemas peda- gógicos”. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 9 15 A outra aluna, A, da mesma disciplina, desenvolve um processo de produção de narrativa peculiar, ao integrar em sua apresentação, inicialmente produzida em PowerPoint, conteúdos em estudo em outra disciplina, denominada Epistemologia da Educação, trazendo a alegoria da caverna de Platão para representar a educação atual: “Qual a melhor estratégia para a incorporação das TDIC no currícu- lo? Usar os métodos pedagógicos tradicionais e incorporar o uso dessas tecnologias, ou desenvolver novos métodos pedagógicos que as incorporem?” Com estas perguntas, A torna visível sua preocupação em com- preender as estratégias e os métodos apropriados para a integra- ção de tecnologias com o currículo. As evidências da concepção de currículo que perpassa este processo se explicitam na pergunta: “Como está o uso das TDIC na Educação?” A mesma tela apresenta uma imagem de alunos sentados em carteiras de uma sala de aula antiga, com grandes alto-falantes nos ouvidos, recebendo passiva- mente a informação, enquanto outro aluno gira a manivela de uma máquina geradora do som e o professor se mostra impassível. Esta forma de representação da informação, por meio de dife- rentes mídias, perpassa toda a produção da narrativa da aluna A em um jogo de palavras, que inter-relaciona texto, imagem e link para vídeo com a ideia de que a integração das TDIC com o currículo vai além do domínio instrumental da tecnologia, e tem entre suas intenções o aprendizado sobre o uso das TDIC voltado à inserção no mercado de trabalho, ao diálogo entre professor e alunos e entre estes, de modo a propiciar aos alunos o desenvolvimento de sabe- res científicos e fortalecer as relações humanas, ao tempo em que se constitui currículo da era digital. Ao relacionar a alegoria da caverna com a educação atual, A fornece indícios de seu modo de pensar para ajudar as pessoas a não ficarem “presas às TDIC e às mídias digitais. Cabe aos agentes de aprendizagem agirem para a libertação destes, que eu chamo de prisioneiros digitais”. Emerge assim um olhar carregado de valores, crenças e concepções fortemente influenciados pelas experiências anteriores e que demandam dos formadores um olhar atento e orientador, colocando andaimes (VYGOTSKY, 1996) para que a dou- toranda possa identificar que a abordagem pedagógica, pautada na negação, não dá margem à compreensão crítica sobre o processo integrado, integrador e permeado por transformações das TDIC, do currículo. Em outro momento da produção da narrativa, após a visita a um colégio privado, que tem uma história construída de uso peda- gógico das TDIC, a doutoranda A teve a oportunidade de registrar suas análises em um texto. Neste texto, ela tece críticas sobre “as diferentes realidades vivenciadas pelas instituições educacionais”, apontando a tensão existente entre as duas diretorias – executiva e pedagógica – do colégio. Na narrativa, A também ressalta o papel articulador da coordenadora da área de tecnologias na educação, que consegue deixar esta tensão em segundo plano e atingir re- sultados significativos nas práticas de uso das TDIC, no currículo de distintas áreas de conhecimento e níveis de ensino, bem como em atividades externas ao currículo das disciplinas, oferecidas aos alu- nos pela área de tecnologias educativas, por meio de oficinas. Para tanto, A estabelece relação entre leituras de referência indicadas na disciplina, em que se desenvolve a experiência de elaboração de narrativas, e o observado no colégio, levantando a questão: “Toda a tecnologia disponível no colégio tem sido utilizada dentro de um ‘plano de mídias’ desenvolvido na instituição, ou cada professor desenvolve as atividades usando os recursos midiáticos de forma autônoma?” Por fim, conclui que a abordagem construcionista está sendo praticada no colégio, podendo ser referência para outras ins- tituições. Entre os dois momentos da narrativa de A, pode-se observar que seu olhar ultrapassa as questões iniciais, sobre as estratégias e os métodos, com um foco em aspectos da gestão. Ela está em bus- ca da articulação com a dimensão pedagógica e tecnológica, indi- cando também compreensão mais aprofundada sobre a concepção de integração de tecnologias com o currículo, quando questiona sobre a necessidade de uma análise reflexiva para identificar se a abordagem predominante é instrucionista ou construcionista. O trabalho está em andamento, porém, a metodologia adota- da na produção das narrativas digitais está centrada na elaboração individual pelos alunos (mestrandos e doutorandos), com apresen- tação das versões parciais em classe, bem como com análise e co- mentários por parte dos professores e alunos. Com este processo, procura ajudar cada aluno a depurar e, com isto, atingir níveis mais apurados da representação de seu conhecimento sobre os temas e conteúdos escolhidos para compor sua narrativa, assim como orien- tar os professores sobre o desenvolvimento do currículo na ação. O objetivo é justamente explorar o fato de a narrativa constituir a janela na mente do aluno, mostrando o nível de conhecimento dos conteúdos utilizados, bem como as estratégias que ele usa na produção de sua narrativa digital. Ao final da disciplina, os alunos apresentarão a narrativa produzida e um artigo com foco em ques- tões relacionadas aos temas estudados – fundamentos, políticas, práticas e processos de gestão sobre Tecnologia e Currículo. Conclusões Diversos estudos, experiências e pesquisas têm sido realizados sobre a produção de narrativas digitais, enfatizando, sobretudo, os usos das TDIC; a motivação dos alunos; o desenvolvimento da capa- cidade de expressar, organizar e comunicar ideias próprias, com o uso das características da hipermodalidade, bem como de memori- zação das histórias e a versatilidade do trabalho, com narrativas em distintas áreas de conhecimento. No presente trabalho, o objetivo foi refletir sobre as contribui- ções das TDIC integradas com o currículo, por meio da produção de narrativas digitais com foco nos processos de construção do conhe- cimento, e com o uso de diferentes recursos e múltiplos letramen- tos propiciados pelas TDIC. Para isto, enfatizamos conceitos relacio- nados com a integração de currículo e tecnologias, na constituição de web currículos; a relação entre currículo e narrativas; o conceito de narrativas digitais; os letramentos digitais; e o uso das narrativas digitais na Educação. Em seguida, analisamos o processo de produ- ção de narrativas por alunos de uma disciplina de pós-graduação (mestrado e doutorado), com o intuito de investigar os conhecimen- tos utilizados e em desenvolvimento, assim como o currículo expe- rienciado e as tecnologias empregadas neste processo. A análise do processo de produção de narrativas evidenciou as contribuições das TDIC para a depuração dos conceitos em estu- do na disciplina e colocados em ação pelos alunos; a compreensão do seu universo de conhecimentos; suas experiências, histórias de vida, desejos, valores e caminhos percorridos em sua formação; e a criatividade no desenvolvimento de uma produção hipermídia, acionando competências e habilidadesde uso dos recursos tecno- lógicos escolhidos para realizar o trabalho proposto. Contudo, é importante salientar que o domínio das TDIC não se constitui como pré- requisito para a produção de narrativas, e que cabe aos agentes de formação prover condições para que os alunos possam desenvolver os diferentes letramentos digitais, de modo que eles tenham autonomia suficiente para exercer a auto- ria com o uso de linguagens midiáticas em práticas multimodais ou hipermodais. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 10 1616 Evidenciamos, no estudo realizado, que a produção de narra- tivas digitais permitiu compreender os processos de construção de conhecimento, funcionando como uma “janela na mente” de cada aluno, que constrói suas narrativas curriculares, modelan- do suas perspectivas sobre si, sobre a educação com tecnologias, o currículo e o contexto. Ao realizar ações significativas, e refletir – individualmente e no coletivo do grupo em formação –, sobre suas produções, o aluno tem liberdade para seguir a própria traje- tória e configurar um currículo construído em situações autênticas de aprendizagem narrativa e de currículo narrativo (GOODSON, 2008), tendo possibilidade de reformulação continuada, ao longo da experiência e da vida. Deste modo, entendemos que é possível concretizar na prática uma nova visão de currículo, por meio da construção de narrativas digitais, ainda que a criação de um novo futuro da sociedade se mostre embrionária! ALMEIDA, SILVIO; RACISMO ESTRUTURAL. SÃO PAULO: PÓLEN, 2017. Na definição do brilhante Silvio de Almeida ele diz, antes de tudo, que o racismo é sempre estrutural, ou seja, ele é um elemen- to que integra a organização econômica e política da sociedade. Em suma, (...) o racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anor- malidade. (...) Isto é, podemos concluir dessa leitura que existem sociedades que têm na sua própria estrutura a discriminação, privilegiando al- gumas raças em detrimento das outras. Por conseguinte, em função de sua complexidade, o referido autor divide o racismo em três aspectos. O primeiro deles seria o individualista. Segundo essa concepção, o racismo seria uma espé- cie de “patologia” ou anormalidade. Seria um fenômeno ético ou psicológico de caráter individual ou coletivo, atribuído a grupos iso- lados. Sob este ângulo, não haveria sociedades ou instituições racis- tas, mas indivíduos racistas, que agem isoladamente ou em grupo. O segundo aspecto é chamado de racismo institucional, que, apesar de um certo grau de aparência com o conceito de racismo estrutural, com esse não se confunde, pois que sociologicamente as definições de instituição e estrutura descrevem eventos distintos. O racismo institucional está atrelado ao funcionamento das instituições, que passam a atuar em uma dinâmica que confere, ain- da que indiretamente, desvantagens e privilégios com base na raça. Nesse sentido, conforme as lições do ilustre mestre, os confli- tos raciais também são parte das instituições. “Assim, a desigualda- de racial é uma característica da sociedade não apenas por causa da ação isolada de grupos ou de indivíduos racistas, mas fundamental- mente porque as instituições são hegemonizadas por determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses políticos e econômicos. ” Para diferenciar o racismo individual do institucional, o exem- plo trazido pelo autor após citar obra de autores americanos (Char- les V.Hamilton e Kwame Ture) é bastante elucidativo. Vejamos: [...] Quando terroristas brancos bombardeiam uma igreja ne- gra e matam cinco crianças negras, isso é um ato de racismo indi- vidual, amplamente deplorado pela maioria dos segmentos da so- ciedade. Mas quando nessa mesma cidade- Birmingham, Alabama –quinhentos bebês negros morrem a cada ano por causa da falta de comida adequada, abrigos e instalações médicas, e outros milha- res são destruídos e mutilados física, emocional e intelectualmente por causa das condições de pobreza e discriminação, na comuni- dade negra, isso é uma função do racismo institucional. Quando uma família negra se muda para uma casa em um bairro branco, e é apedrejada, queimada ou expulsa, eles são vítimas de um ato ma- nifesto de racismo individual que muitas pessoas condenarão- pelo menos em palavras. Mas é o racismo institucional que mantém os negros presos em favelas dilapidadas, sujeitas às pressões diárias de exploradores, comerciantes, agiotas e agentes imobiliários dis- criminatórios. [...] É por isso que, nessa seara, o racismo se torna “menos eviden- te, muito mais sutil, menos identificável em termos de indivíduos específicos que cometem os atos. ” O terceiro e talvez mais complexo aspecto é o chamado racis- mo estrutural, que, na definição de Silvio de Almeida, seria “uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desar- ranjo institucional.” Nessa esteira, o racismo se manifesta como processo político e histórico, de tal forma que cria as condições sociais para que, direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados sejam discrimi- nados de forma sistemática. Nesse toar, concluiu o autor que, “ainda que os indivíduos que cometam atos racistas sejam responsabilizados, o olhar estrutural sobre as relações raciais nos leva a concluir que a responsabilização jurídica não é suficiente para que a sociedade deixe de ser uma má- quina produtora de desigualdade racial.” Isso porque podemos destacar que o preconceito encontra-se tão arraigado no tecido social de uma comunidade que apenas a punição não trará uma solução para esse câncer, somente mudando e repensando a própria concepção da realidade de uma nação é que se poderá falar em soluções. Noutras palavras, é através do debate público, da compreen- são de que grande parte das sociedades, sobretudo as ocidentais, construíram suas riquezas mediante o mais perverso sofrimento alheio, mediante a exploração de mão-de-obra escrava, mediante tortura e vio- lência perpetrada, mormente, pelo homem branco em face da pessoa negra e de outros tantos grupos sociologicamente considerados minori- tários, é que poderíamos apontar soluções a longo prazo. Por isso mesmo, se partirmos de uma concepção de direito como forma de dominação e poder, isto é, sob a ótica Foucaultiana de sujeição e docilização social, compreenderemos que o racismo faz parte de toda essa estrutura de poder. Em recente e importantíssima pesquisa realizada pela Defen- soria Pública do Estado do Rio de janeiro, constatou-se que oito em cada dez presos em flagrante são negros, e dos 23.497 homens e mulheres conduzidos a audiências de custódia de setembro de 2017 a setembro de 2019 ouvidos pela instituição, cerca de 80% de- clararam-se pretas ou pardas. O grupo também tem mais dificulda- de de obter liberdade provisória (27,4% contra 30,8% de brancos) e sofre mais agressões (40% ante 34,5% de brancos). A pesquisa, infelizmente, retrata uma realidade que pode ser facilmente percebida no dia a dia, basta observar quem ocupa a maior parte do sistema carcerário, quem possui os piores empre- gos, quem habita as áreas periféricas do país assoladas pela vio- lência doméstica e institucionalizada, bem como quem faz parte do arcabouço ignorado pelo Estado. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 11 17 Florestan Fernandes nos chamava atenção para o fato de que o brasileiro teria “uma espécie de preconceito contra o preconceito”, uma vez que prefere negar a reconhecer e atuar. É necessário que sejamos atuantes, o processo democrático e a Constituição Federal o exigem, basta ver os objetivos fundamentais da República Federa- tiva do Brasil estampados no artigo 3° da Carta. Todavia, esses objetivos fundamentais encontram barreiras jus- tamente no racismo,que, como dito alhures, é sempre estrutural. Desse modo, o processo de desmistificação da chamada “democra- cia racial” encontra-se quase que inviabilizado, ou, no mínimo, bas- tante obstaculizado. Por fim, vale destacar que o filósofo norte americano e ativista negro Cornel West, disse, recentemente, que os EUA são um “ex- perimento social fracassado”, pois que quando se trata de pessoas negras e pobres, sua economia capitalista falha; o Estado militariza- do falha; sua cultura mercantil, em que tudo e todos estão à venda, falha. Se o pensador disse isso em terra norte americana, então o que falar do nosso Brasil? Parece que em terras brasilis não chega- mos nem na fase de experimentação! Fonte: https://jus.com.br/artigos/85565/resenha-baseada-no-livro-ra- cismo-estrutural-de-silvio-de-almeida ARAÚJO, ULISSES F.; ARANTES, VALÉRIA; PINHEIRO, VIVIANE. PROJETOS DE VIDA: FUNDAMENTOS PSICOLÓGICOS, ÉTICOS E PRÁTICAS EDUCACIONAIS. SÃO PAULO: SUMMUS, 2020. Recorrentemente ouvimos falar sobre a importância da Educa- ção para a formação de sujeitos que possam se inserir no mercado de trabalho ou que possam exercer sua cidadania, embora quase nunca o conceito de cidadania seja explicitado. Nas entrelinhas do discurso, emana o sentido de uma cidadania pautada no consumo ou em pequenas escolhas do dia a dia. O pleno desenvolvimento humano, o qual passa pela constituição de uma identidade e de um propósito de vida para si e para a sua comunidade, quase nunca é colocado em discussão. Escrito por Ulisses Ferreira de Araújo (EACH-USP), Valéria Aran- tes (FE-USP) e Viviane Pinheiros (FE-USP), Projetos de vida: funda- mentos psicológicos, éticos e práticas educacionais é um dos livros em que se propõe discutir a Educação para além do senso comum, para além do que é propagado pela grande mídia. Inspirado, por um lado, no psiquiatra austríaco, Vitor Frankl, e, por outro, no psi- cólogo William Damon[2], os pesquisadores brasileiros resgatam a história, trajetória e os principais conceitos que envolvem o cons- tructo Projeto de vida. Mas não param por aí: também são apre- sentados os resultados das pesquisas empíricas que vêm sendo desenvolvidas no Brasil, assim como exemplos de como os Projetos de vida podem ser trabalhados na escola. Isto só foi possível, pois o livro é o resultado de 12 anos de pesquisa desenvolvida no Núcleo de Pesquisas em Novas Arquiteturas Pedagógicas (NAP). Ressalta-se que Projeto de vida não refere-se apenas a um pro- jeto de escolha profissional, pois, além de considerar o desenvolvi- mento pleno do sujeito, também deve ir além do sujeito, no sen- tido de envolvê-lo em um compromisso com o mundo. Portanto, um bom projeto de vida deve incorporar as dimensões pessoal, so- cial, política, psíquica e cultural. Segundo o próprio Damon (2009), projeto de vida pode ser definido como “uma intenção estável e generalizada de alcançar algo que ao mesmo tempo é significativo para o eu e gera consequências no mundo além do eu” (p. 53 apud ARAÚJO, ARANTES; PINHEIRO, 2020, p. 24-25). O livro foi publicado em 2020 pela Summus Editorial e possui 120 páginas. Esta obra faz parte da coleção Novas Arquiteturas Pe- dagógicas, que visa ajudar os profissionais da Educação a produzi- rem um ambiente inovador por meio de novas linguagens e tecno- logias educacionais. O livro está organizado em cinco capítulos. Os dois primeiros capítulos são mais teóricos e visam desenvolver os conceitos centrais do Projeto de vida. O Capítulo 3 é resultado de anos de pesquisas empíricas sobre os projetos de vida dos jovens brasileiros. O capítulo quatro centra-se na defesa da formação de bons professores para que seja possível se implementar os prin- cípios do Projeto de vida na escola. Já o último capítulo do livro aborda as práticas educacionais que visam promover Projetos de vida. Em suma, este é um daqueles livros que nos faz refletir pro- fundamente sobre nossas práticas educativas e sobre os objetivos da Educação. Certamente é um livro que deve ser lido e discuti- do por professores da Educação Básica e do Ensino Superior, assim como entre os licenciandos.blog Fonte: Disponível em: https://sites.usp.br/revistabalburdia/para-alem- -da-instrucao-de-conteudos-cientifico-escolares-a-escola-como-espa- co-de-transformacao-de-vidas/. Acesso em: 11.maio.2023. BACICH, LILIAN; TANZI NETO, ADOLFO; TREVISANI, FERNANDO DE MELLO (ORG.) ENSINO HÍBRIDO: PERSONALIZAÇÃO E TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO. PORTO ALEGRE: PENSO, 2015. Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação (BA- CICH; TANZI NETO; TREVISANI, 2015) apresenta-se como um livro feito por professores para professores. A proposta deste livro se assenta na experiência de um grupo de professores que refletiram a partir de experiências práticas de uso integrado das tecnologias digitais visando a personalização do ensino e buscaram apoio na literatura para embasar suas reflexões. A obra está organizada em 10 capítulos que apresentam as con- cepções que norteiam a proposta de ensino híbrido e que são en- riquecidos por exemplos práticos de utilização de modelos híbridos em sala de aula. No prefácio, José Armando Valente introduz o tema indicando que ações eficientes de personalização do ensino e da aprendiza- gem, integradas ao uso de tecnologias digitais, oferecem ao estu- dante oportunidade de mover-se, gradativamente, para o papel de protagonista no processo de construção de conhecimento e, afir- ma, a promoção da autonomia e da responsabilidade do estudante são os aspectos mais importantes do ensino híbrido. No primeiro capítulo, Educação híbrida: um conceito chave para a educação, hoje José Moran discute sobre as inúmeras formas de aprender e ensinar em uma sociedade predominantemente he- terogênea, que tem, à sua disposição, uma ampla oferta de recur- sos e, apesar disso, se depara com a dificuldade em conseguir que todos os atores desse processo desenvolvam todo o seu potencial. Moran discute modelos pedagógicos inovadores que enfatizam va- lores e competências amplas, apontando a importância do projeto pedagógico contemplar as chamadas metodologias ativas na rela- ção que se estabelece com o conhecimento. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 12 1818 Após esses textos, que introduzem e embasam a reflexão sobre o tema, Lilian Bacich, Adolfo Tanzi Neto e Fernando Mello Trevisavi, organizadores do livro, apresentam, no segundo capítulo, um his- tórico do processo de experimentação proposto aos professores que participaram do Grupo de Experimentação em Ensino Híbrido, iniciativa do Instituto Península e da Fundação Lemann, em 2014, e que assinam os demais capítulos do livro. Aspectos como o papel do professor, a valorização da autono- mia do aluno, a organização do espaço escolar para o uso integrado das tecnologias digitais, a reflexão sobre qual a melhor forma de avaliar nesse processo, o envolvimento da gestão para propiciar uma mudança gradativa na cultura escolar, foram temas abordados durante o processo de formação e que fazem parte dos capítulos que compõem a obra. O foco das propostas elaboradas e apresen- tadas ao grupo foi possibilitar aos professores suporte para experi- mentarem novas formas de atuação, refletirem sobre elas e, nesse movimento, verificarem até que ponto essas formas de condução das aulas poderiam impactar nos resultados esperados em relação ao desempenho dos alunos. Os autores deste capítulo, que atuaram na equipe de coordenação do grupo, afirmam que se tratou, por- tanto, de um processo de pesquisa-ação em que a reflexão decor- rente dessa pesquisa é o fio condutor dos textos elaborados pelos professores. Fernanda Schneider, no terceiro capítulo, intitulado Otimização do espaço escolar por meio do modelo de ensino híbrido, discute o protagonismo do estudante nas ações em que está envolvido nos modelos de ensino híbrido e enriquece suas reflexões com o re- lato de sua experiência com alunos do Ensino Médio, concluindo que a motivação e amaximização do aprendizado são os principais benefícios da personalização que é possibilitada, também, pelos usos das tecnologias digitais nos mais diferentes espaços escolares. Carla F. F. Pires complementa essa exposição com o relato de suas experiências com os alunos da segunda etapa do Ensino Fundamen- tal, enfatizando a importância de movimentar o aluno do papel de mero espectador para o de protagonista e a construção de conhe- cimentos por meio da autonomia e da valorização das relações in- terpessoais. O professor no ensino híbrido é o título do capítulo seguinte, elaborado por Leandro H. F. de Lima e Flávia R. de Moura. De acordo com as reflexões dos autores, a ação docente é essencial na orga- nização e no direcionamento da proposta, porém o objetivo é que, gradativamente, ele assuma um papel de articulador e de coaching, à medida que planeja atividades que possam atender às demandas reais da sala de aula, por meio de parceria e apoio mútuo. Afirmam, ainda, que a utilização de todos os recursos para que os alunos real- mente aprendam está no cerne da personalização, compreendendo que os alunos não aprendem todos da mesma forma e que o ensino que desconsidera essa questão tende a estar distante da maioria das estudantes. Os Espaços de aprendizagem são abordados, no quinto capí- tulo, por Glauco de Souza Santos. As tecnologias digitais podem ampliar esses os espaços, segundo o autor, possibilitando vivências compartilhadas que são enriquecidas quando o espaço é organiza- do e adaptado com o intuito de atender às necessidades de seus alunos. Algumas sugestões de organização do espaço e depoimen- tos de sua ação em sala de aula enriquecem o capítulo, comple- mentado pelo depoimento de Maria Alessandra D. Nascimento, que leciona para alunos da primeira etapa do ensino fundamental, e que relata sobre sua experiência com a gestão do espaço em uma escola pública. A avaliação é um ponto nevrálgico a ser discutido na proposta de ensino híbrido, uma vez que é a partir dela que as ações peda- gógicas podem ser planejadas. Muito mais do que ocorrer ao final de um processo, é ela que possibilita a identificação do caminho a seguir, como afirma o professor Eric Freitas Rodrigues, no capítulo A avaliação e a tecnologia. Em tempos de tecnologias digitais, as avaliações podem ser repensadas e, de forma mais ágil, fornecer dados para que o professor, a partir dessa análise, organize suas ações, como aponta Aline Soares Silva, em seu depoimento sobre as atividades no modelo de ensino híbrido que realizou com seus alunos do 5º ano, em uma escola particular. No sétimo capítulo, é discutido o tema As tecnologias digitais no ensino híbrido, por Alexsandro Sunaga e Camila Sanches de Car- valho. As tecnologias digitais são apresentadas como um recurso para a personalização do ensino e, entre outras propostas, os au- tores comentam sobre plataformas adaptativas, indicando que, apesar de fornecerem atividades de acordo com a identificação de acertos e erros dos estudantes ao realizá-las, reforçam que não dispensam uma análise do professor na interpretação dos dados, principalmente ao elaborar um plano de ação que possibilite en- volver alunos em diferentes níveis de proficiência em relação a um determinado conteúdo. Verônica Cannatá discute o papel da gestão, no capítulo Quan- do a inovação na sala de aula passa a ser um projeto de escola, re- fletindo sobre a importância de um projeto político pedagógico que contempla o uso das tecnologias digitais amparado por uma meto- dologia adequada, não com fins em si mesmas. A cultura escolar na era digital é o título do nono capítulo, em que Rodrigo Abrantes Silva e Ailton Luiz Camargo abordam as di- ferenças entre modelos sustentados e disruptivos de implementa- ção de tecnologias digitais nas instituições de ensino e a relevância de uma reflexão conjunta dos atores envolvidos no processo para a ressignificação de uma cultura escolar arraigada, ainda, em um modelo de educação distante das expectativas dos estudantes e, de maneira geral, da sociedade do século XXI. Os organizadores apresentam, no capítulo denominado Plane- jando a mudança, a análise de planos de aula elaborados pelos pro- fessores do grupo e discutem como cada um desses planos envolve modelos de Ensino Híbrido e sua relação com a personalização do ensino. Assim, são apresentadas possibilidades de integração das tec- nologias digitais ao currículo escolar, de forma a alcançar uma série de benefícios no dia a dia da sala de aula, como o maior engajamen- to dos alunos no aprendizado e o melhor aproveitamento do tempo do professor para momentos de personalização do ensino por meio de intervenções efetivas. BOTÃO. U. DOS S.; SILVA, S. NARRATIVAS QUILOMBOLAS. P. 38 – 55. SÃO PAULO. SÃO PAULO (ESTADO). SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 2017. A obra apresenta uma coletânea de narrativas que retratam a vida e a cultura das comunidades quilombolas do Brasil. A obra tem como objetivo trazer visibilidade para essas comunidades e mostrar sua importância na história e na cultura brasileira. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 13 19 — Resumo da obra A obra "Narrativas Quilombolas" é uma coletânea de narrativas que retratam a vida e a cultura das comunidades quilombolas do Brasil. Os textos foram escritos por diferentes autores, mas todos têm como objetivo mostrar a riqueza cultural dessas comunidades e a importância de preservá-las. Os temas abordados incluem a história das comunidades quilombolas, sua relação com a terra e a natureza, suas tradições e crenças, bem como seus desafios e lutas pela preservação de sua cultura e identidade. — Principais temas e discussões A obra "Narrativas Quilombolas" aborda diversos temas rela- cionados à vida e à cultura das comunidades quilombolas do Brasil. Alguns dos temas mais relevantes incluem: • História das comunidades quilombolas: a obra apresenta a história das comunidades quilombolas no Brasil, desde sua origem até os dias atuais, mostrando a importância dessas comunidades na formação da cultura brasileira. • Relação com a terra e a natureza: as comunidades quilom- bolas têm uma relação muito forte com a terra e a natureza, e essa relação é retratada na obra, que mostra como essas comunidades vivem em harmonia com o meio ambiente e utilizam seus recursos de forma sustentável. • Tradições e crenças: a obra também aborda as tradições e crenças das comunidades quilombolas, que incluem festas, danças, músicas, culinária e práticas religiosas. Essas tradições são retrata- das como parte fundamental da identidade dessas comunidades. • Desafios e lutas pela preservação da cultura e identidade: a obra também mostra os desafios enfrentados pelas comunidades quilombolas, como a falta de reconhecimento de seus direitos e a ameaça de perda de suas terras. A luta dessas comunidades pela preservação de sua cultura e identidade é retratada como uma im- portante questão social e política. A obra "Narrativas Quilombolas" é uma importante contribui- ção para a valorização e preservação da cultura das comunidades quilombolas do Brasil. Ao retratar a história, a cultura e os desafios dessas comunidades, a obra mostra sua importância na formação da identidade brasileira e a necessidade de preservá-las. Além dis- so, a obra traz à tona questões sociais e políticas relevantes, como a luta pela preservação de direitos e a garantia de uma vida digna para essas comunidades. Prezado(a), A fim de atender na íntegra o conteúdo do edital, este tópico será disponibilizado na Área do Aluno em nosso site. Essa área é re- servada para a inclusão de materiais que complementam a apostila, sejam esses, legislações, documentos oficiais ou textos relaciona- dos a este material, e que, devido a seu formato ou tamanho, não cabem na estrutura de nossas apostilas. Por isso, para atender você da melhor forma, os materiais são organizados de acordo com o título do tópico a que se referem epo- dem ser acessados seguindo os passos indicados na página 2 deste material, ou por meio de seu login e senha na Área do Aluno. Se preferir, indicamos também acesso direto ao arquivo pelo link a seguir: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/ File/educacao_quilombola/material_sao_paulo_livro.pdf CANDAU, VERA MARIA. DIREITOS HUMANOS, EDUCAÇÃO E INTERCULTURALIDADE: AS TENSÕES ENTRE IGUALDADE E DIFERENÇA. REV. BRAS. EDUC. [ONLINE]. 2008, VOL.13, N.37, PP.45-56. RESUMO O artigo apresenta algumas questões relativas à importância da(s) cultura(s) no momento atual. Discute a relevância do discurso dos direitos humanos nesse contexto, tendo como principal interlo- cutor o sociólogo Boaventura Sousa Santos. Analisa diferentes abor- dagens do multiculturalismo. Assume a perspectiva intercultural, justificando sua relevância. Assinala alguns desafios que considera de especial importância para trabalhar as relações entre educação intercultural e direitos humanos. Palavras-chave: direitos humanos; multiculturalismo; educação intercultural; igualdade; diferença No mundo atual, a consciência de que estamos vivendo mu- danças profundas que ainda não somos capazes de compreender adequadamente é cada vez mais aguda. Para muitos intelectuais e atores sociais, não estamos simplesmente vivendo uma época de mudanças significativas e aceleradas, e sim uma mudança de época. Essa realidade provoca perplexidade e suscita uma ampla produção científica e cultural, assim como um intenso e acalorado debate. Muitas são as leituras da crise global de paradigma que es- tamos atravessando. Cientistas políticos, sociólogos, economistas, filósofos, teólogos, psicólogos, informatas, literatos, físicos, artistas, diferentes produtores intelectuais e culturais se dedicam a analisar essa problemática. Neste contexto, extremamente vivo e plural de discussão e busca, algumas questões podem ser identificadas como ocupando uma posição central nos debates, sendo expressão de matrizes te- óricas e político-sociais diferenciadas. Entre elas podemos citar a problemática da igualdade e dos direitos humanos, em um mundo marcado por uma globalização neoliberal excludente, e as questões da diferença e do multiculturalismo, em tempos de uma mundiali- zação1 com pretensões monoculturais. Uma expressão dessa problemática pode ser evidenciada pela natureza do recentemente publicado Relatório do Desenvolvimen- to Humano 2004, do Programa das Nações Unidas para o Desenvol- vimento (PNUD), intitulado Liberdade cultural num mundo diversi- ficado, que associa explicitamente pela primeira vez nos relatórios anuais publicados as questões relativas ao desenvolvimento às culturais: O que é novo, hoje, é a ascensão de políticas de identidade. Em contextos muito diferentes e de modos muito diversos desde os povos indígenas da América Latina às minorias religiosas na Ásia do Sul e às minorias étnicas nos Bálcãs e em África, até os imigrantes na Europa Ocidental as pessoas estão se mobilizando de novo em torno de velhas injustiças segundo linhas étnicas, religiosas, raciais e culturais, exigindo que sua identidade seja reconhecida, aprecia- da e aceite pela sociedade mais ampla. Sofrendo de discriminação e marginalização em relação a oportunidades sociais, econômicas e políticas, também exigem justiça social. (PNUD, 2004, p. 1) Em todo o mundo as pessoas são mais afirmativas para exigir respeito pela sua identidade cultural. Muitas vezes, o que exigem é justiça social e mais voz política. Mas não é tudo. Também exigem reconhecimento e respeito... E importam-se em saber se eles e os filhos viverão em uma sociedade diversificada ou numa sociedade em que se espera que todas as pessoas se conformem com uma única cultura dominante. (p. 22) Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 14 2020 A relação entre questões relativas a justiça, redistribuição, su- peração das desigualdades e democratização de oportunidades e as referidas ao reconhecimento de diferentes grupos culturais se faz cada vez mais estreita. Nesse sentido, a problemática dos direitos humanos, muitas vezes entendidos como direitos exclusivamente individuais e fundamentalmente civis e políticos, amplia-se e, cada vez mais, afirma-se a importância dos direitos coletivos, culturais e ambientais. Será que estamos vivendo hoje um deslocamento de ênfase? Alguns autores talvez vão mais longe, chegando a afirmar que, nessa busca ou nessa crise de paradigma que estamos vivendo na sociedade atual, também a questão dos direitos humanos fica de alguma forma em questão e precisa ser ressignificada. Certamen- te todos estamos de acordo em afirmar que os direitos humanos são uma construção da modernidade e que estão profundamen- te impregnados com os processos, os valores, as afirmações que a modernidade propôs/propõe, legou-nos e continua instigando-nos a realizar. Vivemos imersos no seu clima político-ideológico e cul- tural. E, no entanto, para muitos autores essa construção está em crise no novo contexto cultural, social e econômico, marcado pela globalização, pelo impacto das novas tecnologias, pela construção de novas subjetividades e mentalidades, por esse mundo complexo que muitos autores chamam por mais ambíguo que este termo seja pós-modernidade. Um elemento que me parece fundamental na questão é essa tensão, presente hoje no debate público e nas relações internacio- nais, entre igualdade e diferença. De maneira um pouco simplifica- da, é possível afirmar que toda a matriz da modernidade enfatizou a questão da igualdade. A igualdade de todos os seres humanos, independentemente das origens raciais, da nacionalidade, das op- ções sexuais, enfim, a igualdade é uma chave para entender toda a luta da modernidade pelos direitos humanos. No entanto, parece que hoje o centro de interesse se deslocou. Quando digo que houve um deslocamento, não estou querendo dizer que se nega a igualdade, mas que se coloca muito mais em evidência o tema da diferença. O professor Antonio Flavio Pierucci, no seu instigante livro Cila- das das diferenças (1999), sintetiza assim essa tensão: Somos todos iguais ou somos todos diferentes? Queremos ser iguais ou queremos ser diferentes? Houve um tempo que a respos- ta se abrigava segura de si no primeiro termo da disjuntiva. Já faz um quarto de século, porém, que a resposta se deslocou. A começar da segunda metade dos anos 70, passamos a nos ver envoltos numa atmosfera cultural e ideológica inteiramente nova, na qual parece generalizar-se, em ritmo acelerado e perturbador, a consciência de que nós, os humanos, somos diferentes de fato [...], mas somos também diferentes de direito. É o chamado “direito à diferença”, o direito à diferença cultural, o direito de ser, sendo diferente. The right to be different!, como se diz em inglês, o direito à diferença. Não queremos mais a igualdade, parece. Ou a queremos menos, motiva-nos muito mais, em nossa conduta, em nossas expectati- vas de futuro e projetos de vida compartilhada, o direito de sermos pessoal e coletivamente diferentes uns dos outros. (Pierucci, 1999, p. 7) O autor parece colocar a questão em termos alternativos: so- mos iguais ou somos diferentes? Sua tese é a de que até recente- mente nossas lutas tinham como referência fundamental a afirma- ção da igualdade. O direito à diferença não tinha ainda aparecido com a força que tem hoje. No entanto, atualmente a questão da diferença assume importância especial e transforma-se num direi- to, não só o direito dos diferentes a serem iguais, mas o direito de afirmar a diferença. Pessoalmente, inclino-me a defender que cer- tamente há uma mudança de ênfase e uma questão de articulação. Não se trata de afirmar um pólo e negar o outro, mas de articulá-los de tal modo que um nos remeta ao outro. Partindo dessa questão básica, que vai orientar estas reflexões, considero fundamental que nos perguntemos pela relevância dos direitos humanos no contexto que estamos vivendo.Direitos humanos hoje: um discurso relevante? Assinalarei alguns aspectos que me parecem importantes para a nossa reflexão. O primeiro diz respeito à ambivalência em rela- ção à afirmação e, ao mesmo tempo, à negação dos direitos. Por um lado, tanto no plano internacional quanto no plano nacional, existe um discurso reiterativo que afirma fortemente a importância dos direitos humanos. No entanto, as violações multiplicam-se. No plano internacional é possível identificar inclusive um retrocesso grande, por exemplo, em relação a direitos que pareciam profunda- mente assimilados pela humanidade, como o combate à tortura em qualquer circunstância. Direitos fundamentais que pareciam plena- mente assegurados na mentalidade e nas políticas internacionais assumidas são negados, desprezados e “esquecidos”. Também no nosso país as violações se multiplicam. No entan- to, é necessário reconhecer, tem sido feito um esforço sistemáti- co orientado à defesa e proteção dos direitos fundamentais, tanto pelo governo como por organizações da sociedade civil, pelo menos nos últimos anos. Outro elemento importante da problemática atual dos direitos humanos diz respeito à relação entre indivisibilidade e exigibilidade. A doutrina dos direitos humanos que se desenvolveu principalmen- te a partir da Conferência de Viena (1993) colocou grande ênfase na idéia da indivisibilidade dos direitos das diferentes gerações civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. No entanto, a exigibilida- de desses direitos, imprescindível para que a indivisibilidade não seja meramente retórica, ainda é muito frágil, principalmente no que diz respeito aos direitos sociais, econômicos e culturais, o que provoca nos diferentes grupos sociais descrédito e indiferença para com a proclamação de direitos que, como se afirma na linguagem comum, “não saem do papel” ou somente valem para algumas pes- soas e classes sociais. Considero essa tensão entre indivisibilidade e exigibilidade muito importante no momento atual. Um terceiro elemento da problemática, ao qual já nos referi- mos e que consideramos que ocupa lugar central, é a tensão en- tre universal e particular. Desde a Declaração Universal, os direitos humanos são apresentados, como o próprio nome diz, como uni- versais. No entanto, a questão do universal e do particular, ou do universal e do relativo, suscitou uma discussão particularmente for- te na Conferência de Viena. E, hoje em dia, vários grupos em dife- rentes países questionam a universalidade dos direitos tal como foi construída, considerando-a uma expressão do Ocidente e da tradi- ção européia. Partindo dessa perspectiva, é possível reconhecer as diferenças culturais, os diversos modos de situar-se diante da vida, dos valores, as várias lógicas de produção de conhecimento etc.? É possível construir uma articulação entre o universal e o particular, o universal e o relativo? Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 15 21 Diante dessa problemática, acredito, como o sociólogo Boa- ventura Sousa Santos, professor da Universidade de Coimbra, que é necessária uma ressignificação dos direitos humanos na contempo- raneidade. Sua tese é de que, [...] enquanto forem concebidos como direitos humanos uni- versais em abstrato, os Direitos Humanos tenderão a operar como um localismo globalizado, e portanto como uma forma de globali- zação hegemônica. Para poderem operar como forma de cosmo- politismo insurgente, como globalização contra-hegemônica, os Di- reitos Humanos têm de ser reconceitualizados como interculturais. (Santos, 2006, p. 441-442)2 Para Santos, a construção dos direitos humanos foi feita den- tro da perspectiva do “localismo globalizado”. E essa era a matriz hegemônica própria da modernidade, claramente presente no ex- pansionismo europeu, portador da “civilização” e das “luzes”. É essa a óptica que tem predominado até hoje, com diferentes versões. No entanto, o que ele chama de cosmopolitismo insurgente e subalterno é um dos processos que caracterizam a globalização que nasce de baixo para cima. Essa globalização surge dos grupos locais, das organizações da sociedade civil, dos temas que nascem verda- deiramente das inquietudes dos diferentes atores sociais. Nessa perspectiva, segundo o autor (Santos, 2006, p. 445-447), para que os direitos humanos possam verdadeiramente ser ressig- nificados hoje, numa perspectiva que não nega as suas raízes, não nega a sua história, mas quer trazê-los para a problemática de hoje, eles terão que passar por um processo de reconceitualização. Essa passagem supõe algumas premissas que ele enumera da seguinte maneira: A superação do debate entre o universalismo e o relativismo cultural. O que se quer dizer com isso? Afirmar que todas as cul- turas ou grupos culturais têm valores e idéias, elementos funda- mentais que aspiram a comunicar a outros e universalizar, mas o universalismo é incorreto, enquanto uma única cultura predomine e queira se impor a todos. No outro pólo está o relativismo cultural, que afirma que todas as culturas são relativas, nenhuma é absoluta, nenhuma é completa, mas é necessário propor diálogos intercultu- rais sobre preocupações convergentes, ainda que expressas a partir de diversos universos culturais. Somente assim seremos capazes de construir algo juntos, um projeto comum. É necessário negar tanto o universalismo quanto o relativismo absolutos. Todas as culturas possuem concepções da dignidade humana. Nem todos os grupos culturais conhecem ou usam a expressão di- reitos humanos, mas isso não quer dizer que não tenham uma idéia de dignidade humana, de vida digna, de querer uma vida melhor para os seus habitantes ou para seus integrantes. Temos de ter sen- sibilidade para descobrir em cada universo sociocultural essa idéia de dignidade humana que traduzimos como direitos humanos. Todas as culturas são incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana. Afirmar que nenhuma cultura é completa, que nenhuma dá conta de toda a riqueza do humano, leva-nos a, muito mais do que trabalhar com a idéia de uma cultura verdadeira e única, que tem de ser universalizada, desenvolver a sensibilidade para com a idéia da incompletude de todas as culturas e, portanto, da necessidade da interação entre elas. Nenhuma cul- tura dá conta do humano. “Aumentar a consciência de incompletu- de cultural é uma das tarefas prévias à construção de uma concep- ção emancipadora e multicultural dos direitos humanos” (Santos, 2006, p. 446). Nenhuma cultura é monolítica. Todas as culturas comportam versões diferentes da dignidade humana, algumas mais amplas do que outras, algumas mais abertas a outras culturas do que outras. Os grupos culturais não são homogêneos e padronizados. Algumas versões dessa cultura podem ser rígidas, estreitas e fechadas. É ne- cessário identificar e potencializar aquelas versões mais abertas, amplas e que apresentam um círculo de reciprocidade mais amplo, que favoreçam o diálogo com outras culturas. Todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica: princípio da igualdade e princípio da diferença. Esta última premis- sa situa-nos no âmago da questão da ressignificação dos direitos humanos hoje. Todas essas premissas estão voltadas para essa grande questão da articulação entre igualdade e diferença, isto é, da passagem da afirmação da igualdade ou da diferença para a da igualdade na di- ferença. Não se trata de, para afirmar a igualdade, negar diferença, nem de uma visão diferencialista absoluta, que relativize a igualda- de. A questão está em como trabalhar a igualdade na diferença, e aí é importante mencionar o que Santos (2006) chama de o novo imperativo transcultural, que no seu entender deve presidir uma ar- ticulação pós-moderna e multicultural das políticas de igualdade e diferença: “temos o direito a ser iguais, sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de serdiferentes sempre que a igualda- de nos descaracteriza” (idem, p. 462). É nessa dialética entre igualdade e diferença, entre superar toda a desigualdade e, ao mesmo tempo, reconhecer as diferenças culturais, que os desafios dessa articulação se colocam. Essa pers- pectiva supõe discutir as diferentes concepções do multiculturalis- mo presentes nas sociedades contemporâneas. As diferentes abordagens do multiculturalismo A problemática do multiculturalismo suscita grande polêmica no momento atual. Defensores e críticos confrontam suas posições apaixonadamente. Uma das características fundamentais das questões multicultu- rais é exatamente o fato de estarem atravessadas pelo acadêmico e o social, a produção de conhecimentos, a militância e as políticas públicas. Convém ter sempre presente que o multiculturalismo não nasceu nas universidades e no âmbito acadêmico em geral. São as lutas dos grupos sociais discriminados e excluídos de uma cidada- nia plena, os movimentos sociais, especialmente os relacionados às questões étnicas e, entre eles, de modo particularmente significa- tivo, os relacionados às identidades negras, que constituem o locus de produção do multiculturalismo. Sua penetração na academia deu-se num segundo momento e, até hoje, atrevo-me a afirmar, sua integração no mundo universitário é frágil e objeto de muitas discussões, talvez exatamente por seu caráter profundamente mar- cado pela intrínseca relação com a dinâmica dos movimentos so- ciais. Outra dificuldade para penetrar na problemática do multicul- turalismo se refere à polissemia do termo. A necessidade de adjeti- vá-lo evidencia essa realidade. Expressões como multiculturalismo conservador, liberal, celebratório, crítico, emancipador, revolucio- nário podem ser encontradas na produção sobre o tema e multipli- cam-se continuamente. Certamente são inúmeras e diversificadas as concepções e vertentes multiculturais. Muitos autores, tanto de perspectiva liberal quanto de inspiração marxista,3 que levantam fortes questionamentos teóricos e em relação ao seu papel na so- ciedade, não levam devidamente esse fato em consideração ou, Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 16 2222 quando o fazem, referem-se a aspectos mais superficiais, sem dis- tinguir com maior profundidade as diferentes posições, ou fazem grandes generalizações. Nesse sentido, considero imprescindível para avançar na refle- xão que estou fazendo explicitar a concepção que privilegio ao tra- tar as questões suscitadas hoje pelo multiculturalismo. Considero que um primeiro passo nessa direção é distinguir duas abordagens fundamentais: uma descritiva e outra prescritiva. A primeira afirma ser o multiculturalismo uma característica das so- ciedades atuais. Vivemos em sociedades multiculturais. Podemos afirmar que as configurações multiculturais dependem de cada contexto histórico, político e sociocultural. O multiculturalismo na sociedade brasileira é diferente daquele das sociedades européias ou da sociedade estadunidense. Nesse sentido, enfatizam-se a des- crição e a compreensão da construção da formação multicultural de cada contexto específico. A perspectiva prescritiva entende o mul- ticulturalismo não simplesmente como um dado da realidade mas como uma maneira de atuar, de intervir, de transformar a dinâmica social. Trata-se de um projeto, de um modo de trabalhar as rela- ções culturais numa determinada sociedade e de conceber políticas públicas nessa direção. Uma sociedade multicultural constrói-se a partir de determinados parâmetros. Dessa forma, é necessário distinguir as diferentes concepções que podem inspirar essa construção. Muitos têm sido os autores que têm oferecido indicações nessa linha e enumerado uma gran- de quantidade de tipos de abordagens multiculturais. No contexto do presente trabalho, vou-me referir unicamente a três perspecti- vas que considero fundamentais e que estão na base das diversas propostas: o multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalismo diferencialista ou monoculturalismo plural e o multiculturalismo in- terativo, também denominado interculturalidade. A abordagem assimilacionista parte da afirmação de que vi- vemos numa sociedade multicultural, no sentido descritivo. Nessa sociedade multicultural todos não têm as mesmas oportunidades; não existe igualdade de oportunidades. Há grupos, como os indí- genas, negros, homossexuais, pessoas oriundas de determinadas regiões geográficas do próprio país ou de outros países e de classes populares e/ou com baixos níveis de escolarização, que não têm o mesmo acesso a determinados serviços, bens, direitos fundamen- tais que têm outros grupos sociais, em geral, de classe média ou alta, brancos e com altos níveis de escolarização. Uma política assi- milacionista perspectiva prescritiva favorece que todos se integrem na sociedade e sejam incorporados à cultura hegemônica. No en- tanto, não se mexe na matriz da sociedade, procura-se assimilar os grupos marginalizados e discriminados aos valores, mentalidades, conhecimentos socialmente valorizados pela cultura hegemônica. No caso da educação, promove-se uma política de universalização da escolarização, todos são chamados a participar do sistema es- colar, mas sem que se coloque em questão o caráter monocultural presente na sua dinâmica, tanto no que se refere aos conteúdos do currículo quanto às relações entre os diferentes atores, às es- tratégias utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados etc. Simplesmente os que não tinham acesso a esses bens e a essas ins- tituições são incluídos nelas tal como elas são. Essa posição defen- de o projeto de construir uma cultura comum e, em nome dele, deslegitima dialetos, saberes, línguas, crenças, valores “diferentes”, pertencentes aos grupos subordinados, considerados inferiores explícita ou implicitamente. Segundo McLaren, “um pré-requisito para juntar-se à turma é desnudar-se, desracializar-se, e despir-se de sua própria cultura” (1997, p. 115). Uma segunda concepção pode ser denominada multicultura- lismo diferencialista ou, segundo Amartya Sen (2006), monocultura plural. Essa abordagem parte da afirmação de que, quando se enfa- tiza a assimilação, se termina por negar a diferença ou por silenciá- -la. Propõe então colocar a ênfase no reconhecimento da diferença e, para garantir a expressão das diferentes identidades culturais presentes num determinado contexto, garantir espaços em que es- tas se possam expressar. Afirma-se que somente assim os diferen- tes grupos socioculturais poderão manter suas matrizes culturais de base. Algumas das posições nessa linha terminam por ter uma visão estática e essencialista da formação das identidades culturais. É então enfatizado o acesso a direitos sociais e econômicos e, ao mesmo tempo, é privilegiada a formação de comunidades culturais homogêneas com suas próprias organizações bairros, escolas, igre- jas, clubes, associações etc. Na prática, em muitas sociedades atu- ais terminou-se por favorecer a criação de verdadeiros apartheids socioculturais. Essas duas posições são as mais desenvolvidas nas socieda- des em que vivemos. Algumas vezes convivem de maneira tensa e conflitiva. São elas que, em geral, são focalizadas nas polêmicas so- bre a problemática multicultural. No entanto, situo-me na terceira perspectiva, que propõe um multiculturalismo aberto e interativo, que acentua a interculturalidade, por considerá-la a mais adequada para a construção de sociedades, democráticas e inclusivas, que ar- ticulem políticas de igualdade com políticas de identidade. A perspectiva intercultural Algumas características especificam essa perspectiva. Uma pri- meira, que considero básica, é a promoção deliberada da inter-re- lação entre diferentes grupos culturais presentes em uma determi- nada sociedade. Nesse sentido, essa posição situa-se em confronto com todas as visões diferencialistas que favorecem processos radi- cais de afirmação de identidades culturais específicas,assim como com as perspectivas assimilacionistas que não valorizam a explicita- ção da riqueza das diferenças culturais. Em contrapartida, rompe com uma visão essencialista das cul- turas e das identidades culturais. Concebe as culturas em contínuo processo de elaboração, de construção e reconstrução. Certamente cada cultura tem suas raízes, mas essas raízes são históricas e dinâ- micas. Não fixam as pessoas em determinado padrão cultural. Uma terceira característica está constituída pela afirmação de que nas sociedades em que vivemos os processos de hibridização cultural são intensos e mobilizadores da construção de identidades abertas, em construção permanente, o que supõe que as culturas não são puras. Sempre que a humanidade pretendeu promover a pureza cultural e étnica, as conseqüências foram trágicas: geno- cídio, holocausto, eliminação e negação do outro. A hibridização cultural é um elemento importante para levar em consideração na dinâmica dos diferentes grupos socioculturais. A consciência dos mecanismos de poder que permeiam as re- lações culturais constitui outra característica dessa perspectiva. As relações culturais não são relações idílicas, não são relações român- ticas; estão construídas na história e, portanto, estão atravessadas por questões de poder, por relações fortemente hierarquizadas, marcadas pelo preconceito e pela discriminação de determinados grupos. Uma última característica que gostaria de assinalar diz respeito ao fato de não desvincular as questões da diferença e da desigual- dade presentes hoje de modo particularmente conflitivo, tanto no Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 17 23 plano mundial quanto em cada sociedade. A perspectiva intercultu- ral afirma essa relação, que é complexa e admite diferentes configu- rações em cada realidade, sem reduzir um pólo ao outro. A abordagem intercultural que assumo aproxima-se do multi- culturalismo crítico de McLaren (1997). O multiculturalismo crítico e de resistência parte da afirmação de que o multiculturalismo tem de ser situado a partir de uma agenda política de transformação, sem a qual corre o risco de se reduzir a outra forma de acomodação à ordem social vigente. Entende as representações de raça, gêne- ro e classe como produto das lutas sociais sobre signos e signifi- cações. Privilegia a transformação das relações sociais, culturais e institucionais em que os significados são gerados. Recusa-se a ver a cultura como não-conflitiva e argumenta que a diferença deve ser afirmada “dentro de uma política de crítica e compromisso com a justiça social” (p. 123). A perspectiva intercultural que defendo quer promover uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma educação para a nego- ciação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assime- tria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto co- mum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma socie- dade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualda- de com políticas de identidade. Para Catherine Walsh (2001, p. 10-11), a interculturalidade é [...] um processo dinâmico e permanente de relação, comu- nicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade. Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimen- tos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desen- volver um novo sentido entre elas na sua diferença. Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualda- des sociais, econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados. Uma tarefa social e política que interpela o conjunto da socie- dade, que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e solidariedade. Uma meta a alcançar. Para essa autora, apesar de vários países latino-americanos terem introduzido a perspectiva intercultural nas reformas educati- vas, “não há um entendimento comum sobre as implicações peda- gógicas da interculturalidade, nem até que ponto nelas se articulam as dimensões cognitiva, procedimental e atitudinal; ou o próprio, o dos outros e o social” (p. 12). Essa autora, coordenadora do programa de doutorado em Es- tudos Culturais Latino-Americanos da Universidad Andina Simon Bolivar (sede Equador), vem desenvolvendo trabalhos interessantes e inovadores sobre a questão intercultural hoje na América Latina, especialmente a partir da experiência dos países andinos. Afirma que: O conceito de interculturalidade é central à (re)cons-trução de um pensamento crítico outro um pensamento crítico de/desde ou- tro modo, precisamente por três razões principais: primeiro porque está vivido e pensado desde a experiência vivida da colonialidade [...]; segundo, porque reflete um pensamento não baseado nos le- gados eurocêntricos ou da modernidade e, em terceiro, porque tem sua origem no sul, dando assim uma volta à geopolítica dominante do conhecimento que tem tido seu centro no norte global. (Walsh, 2005, p. 25) Considero importante neste momento retomar o diálogo com Boaventura Sousa Santos. Para esse autor, as premissas anterior- mente enumeradas constituem a base de um diálogo intercultural, imprescindível para a ressignificação dos direitos humanos a par- tir das questões colocadas pelo multiculturalismo. Esse diálogo vai exigir o desenvolvimento do que ele denomina uma hermenêutica diatópica, assim concebida: A hermenêutica diatópica baseia-se na idéia de que os topoi4 de uma dada cultura, por mais fortes que sejam, são tão incom- pletos quanto a própria cultura a que pertencem [...]. O objetivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude � um objetivo inatingível � mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro noutra. Nisto reside seu caráter diatópico. (Santos, 2006, p. 448) A luta pelos direitos humanos hoje supõe o exercício do diálo- go intercultural que, por sua vez, exige o exercício da hermenêuti- ca diatópica. Esta constitui uma tarefa complexa e desafiante, que está dando apenas seus primeiros passos. São poucos os autores e as iniciativas que se colocam nessa perspectiva. A análise da pro- blemática dos direitos humanos e as práticas sociais orientadas a trabalhá-las ainda estão aprisionadas na matriz da modernidade. Além disso, as concepções dominantes sobre o diálogo intercultu- ral situam-se, em geral, numa perspectiva liberal e focalizam com freqüência as interações entre diferentes grupos socioculturais de modo superficial, sem enfrentar a temática das relações de poder que as perpassam. Interculturalidade e educação em direitos humanos: princi- pais desafios Em diferentes trabalhos e pesquisas realizados nos últimos anos (Candau, 1997a, 1997b, 2000a, 2000b, 2002, 2003, 2004a, 2004b, 2005, 2006; Candau & Moreira, 2003), tenho procurado identificar e enumerar alguns dos desafios que temos de enfrentar se quisermos promover uma educação intercultural em perspecti- va crítica e emancipatória, que respeite e promova os direitos hu- manos e articule questões relativas à igualdade e à diferença. Eles apresentam um caráter inicial e exploratório e querem situar-se em diálogo com a proposta do professor Boaventura Sousa Santos. Foram agrupados em torno de determinados núcleos que considero fundamentais. O primeiro está relacionado à necessidade de desconstrução. Para a promoção de uma educação intercultural é necessário pe- netrar no universo de preconceitos e discriminações que impreg- na muitas vezes com caráter difuso, fluido e sutil todas as relações sociais que configuram os contextos em que vivemos. A “naturali-zação” é um componente que faz em grande parte invisível e espe- cialmente complexa essa problemática. Promover processos de des- naturalização e explicitação da rede de estereótipos e pré-conceitos que povoam nossos imaginários individuais e sociais em relação aos diferentes grupos socioculturais é um elemento fundamental sem o qual é impossível caminhar. Outro aspecto imprescindível é ques- tionar o caráter monocultural e o etnocentrismo que, explícita ou implicitamente, estão presentes na escola e nas políticas educativas e impregnam os currículos escolares; é perguntar-nos pelos crité- Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 18 2424 rios utilizados para selecionar e justificar os conteúdos escolares, é desestabilizar a pretensa “universalidade” dos conhecimentos, va- lores e práticas que configuram as ações educativas. Um segundo núcleo de preocupações relaciona-se à articula- ção entre igualdade e diferença no nível das políticas educativas, assim como das práticas pedagógicas. Essa preocupação supõe o reconhecimento e a valorização das diferenças culturais, dos diver- sos saberes e práticas e a afirmação de sua relação com o direito à educação de todos/as. Reconstruir o que consideramos “’comum” a todos e todas, garantindo que nele os diferentes sujeitos sociocul- turais se reconheçam, assegurando, assim, que a igualdade se ex- plicite nas diferenças que são assumidas como referência comum, rompendo, dessa forma, com o caráter monocultural da cultura escolar. Quanto ao terceiro núcleo, ele vincula-se ao resgate dos proces- sos de construção das identidades culturais, tanto no nível pessoal como coletivo. Um elemento fundamental nessa perspectiva são as histórias de vida e da construção de diferentes comunidades so- cioculturais. É muito importante esse resgate das histórias de vida, tanto pessoais quanto coletivas, e que elas possam ser contadas, narradas, reconhecidas, valorizadas como parte de processo educa- cional. Além disso, deve ser dada especial atenção aos aspectos re- lativos à hibridização cultural e à constituição de novas identidades culturais. É importante que se opere com um conceito dinâmico e histórico de cultura, capaz de integrar as raízes históricas e as novas configurações, evitando uma visão das culturas como universos fe- chados e em busca do “puro”, do “autêntico” e do “genuíno”, como uma essência preestabelecida e um dado que não está em contínuo movimento. Esse aspecto relaciona-se também ao reconhecimento e à promoção do diálogo entre os diferentes saberes, conhecimen- tos e práticas dos diferentes grupos culturais. Um último núcleo tem como eixo fundamental promover ex- periências de interação sistemática com os “outros”: para sermos capazes de relativizar nossa própria maneira de situar-nos diante do mundo e atribuir-lhe sentido, é necessário que experimentemos uma intensa interação com diferentes modos de viver e expressar- -se. Não se trata de momentos pontuais, mas da capacidade de desenvolver projetos que suponham uma dinâmica sistemática de diálogo e construção conjunta entre diferentes pessoas e/ou grupos de diversas procedências sociais, étnicas, religiosas, culturais etc. Exige romper toda tendência à guetificação presente também nas instituições educativas e supõe um grande desafio para a educa- ção. Exige também reconstruir a dinâmica educacional. A educa- ção intercultural não pode ser reduzida a algumas situações e/ou atividades realizadas em momentos específicos nem focalizar sua atenção exclusivamente em determinados grupos sociais. Trata-se de um enfoque global que deve afetar todos os atores e todas as dimensões do processo educativo, assim como os diferentes âmbi- tos em que ele se desenvolve. No que diz respeito à escola, afeta a seleção curricular, a organização escolar, as linguagens, as práticas didáticas, as atividades extraclasse, o papel do/a professor/a, a re- lação com a comunidade etc. Outro elemento de especial importância refere-se a favorecer processos de “empoderamento”, principalmente orientados aos atores sociais que historicamente tiveram menos poder na socieda- de, ou seja, tiveram menores possibilidades de influir nas decisões e nos processos coletivos. O “empoderamento” começa por liberar a possibilidade, o poder, a potência que cada pessoa tem para que ela possa ser sujeito de sua vida e ator social. O “empoderamento” tem também uma dimensão coletiva, trabalha com grupos sociais minoritários, discriminados, marginalizados etc., favorecendo sua organização e sua participação ativa na sociedade civil. As ações afirmativas são estratégias orientadas ao “empoderamento”. Tanto as concebidas no sentido restrito quanto as que se situam num en- foque amplo, desenvolvem estratégias de fortalecimento do poder de grupos marginalizados para que estes possam lutar pela igualda- de de condições de vida em sociedades marcadas por mecanismos estruturais de desigualdade e discriminação. Têm no horizonte pro- mover transformações sociais. Nesse sentido, são necessárias para que se corrijam as marcas da discriminação construída ao longo da história. Visam melhores condições de vida para os grupos margi- nalizados, a superação do racismo, da discriminação de gênero, da discriminação étnica e cultural, assim como das desigualdades so- ciais. Outro aspecto fundamental é a formação para uma cidadania aberta e interativa, capaz de reconhecer as assimetrias de poder entre os diferentes grupos culturais e de trabalhar os conflitos e promover relações solidárias. O desenvolvimento de uma educação intercultural na perspec- tiva apresentada neste texto é uma questão complexa, atravessada por tensões e desafios. Exige problematizar diferentes elementos do modo como hoje, em geral, concebemos nossas práticas educa- tivas e sociais. As relações entre direitos humanos, diferenças cul- turais e educação colocam-nos no horizonte da afirmação da digni- dade humana num mundo que parece não ter mais essa convicção como referência radical. Nesse sentido, trata-se de afirmar uma perspectiva alternativa e contra-hegemônica de construção social, política e educacional. A perspectiva intercultural quer promover uma educação para o reconhecimento do outro, o diálogo entre os diferentes grupos socioculturais. Uma educação para a negociação cultural, o que supõe exercitar o que Santos denomina hermenêutica diatópica. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma socie- dade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualda- de com políticas de identidade. Termino com umas palavras de Boaventura Sousa Santos (2006), referidas à complexidade e às dificuldades para uma ressig- nificação dos direitos humanos, para uma concepção intercultural das políticas emancipatórias de direitos humanos: Este projeto pode parecer bastante utópico. É, certamente, tão utópico quanto o respeito universal pela dignidade humana. E nem por isso este último deixa de ser uma exigência ética séria. Como disse Sartre, antes de concretizada, uma idéia apresenta uma estra- nha semelhança com a utopia. Nos tempos que correm, o impor- tante é não reduzir a realidade apenas ao que existe. (p. 470) CASTRO, MARIA HELENA GUIMARÃES DE. SISTEMAS NACIONAIS DE AVALIAÇÃO E DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, SÃO PAULO, V. 14, N. 1, P. 121-128, ABR. 2000. SISTEMAS NACIONAIS DE AVALIAÇÃO E DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO Professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp e Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio- nais Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 19 25 Resumo: A estruturação de Sistemas Nacionais de Avaliação e de Informação cumpre papel estratégico no processo de imple- mentação de reformas educacionais, em especial, em países cujos sistemas de ensino caracterizam-se pela extrema descentralização político-institucional e heterogeneidade regional, como o caso do Brasil. Estes sistemas apresentam-secomo ferramenta básica para o planejamento, monitoramento e acompanhamento das políticas públicas, subsidiando a tomada de decisões. Palavras-chave: informação e educação; ensino no Brasil; pro- jeto educacional. A implementação de reformas educacionais em um país fe- derativo, cujos sistemas de ensino caracterizam-se por extrema descentralização político-institucional como o Brasil, requer ne- cessariamente a implantação de mecanismos de monitoramento e acompanhamento das ações e políticas em curso por diferentes razões. Em primeiro lugar, estes instrumentos de gestão permitem ob- servar como as reformas estão avançando e, mais importante, quais os acertos e correções em curso exigidos para sua real efetividade. Além disso, eles contribuem para assegurar a transparência das in- formações, cumprindo assim dois requisitos básicos da democracia: a ampla disseminação dos resultados obtidos nos levantamentos e avaliações realizados; e a permanente prestação de contas à socie- dade. Por fim, e não menos importante, os sistemas de avaliação e informação educacional cumprem um papel estratégico para o planejamento e desenho prospectivo de cenários, auxiliando enor- memente a formulação de novas políticas e programas que possam responder às tendências de mudanças observadas. Para cumprir estes múltiplos objetivos, os sistemas informacionais precisam estar assentados em bases de dados atualizadas e fidedignas, em instrumentos confiáveis de coleta, em metodologias uniformes e cientificamente embasadas, em mecanismos ágeis e concisos de divulgação. Este artigo discute os avanços e limites dos sistemas de avalia- ção e informação educacional, implantados a partir de 1995, sob a coordenação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa- cionais (Inep). Embora recente, estes sistemas já contam hoje com razoável grau de organização e sofisticação, tanto por sua abran- gência como por sua diversificação. Para tanto, descrevem-se a es- trutura dos sistemas e seus principais componentes ¾ os censos escolares e as avaliações nacionais: o Sistema Nacional de Avalia- ção da Educação Básica (Saeb), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Exame Nacional de Cursos (ENC), mais conhecido como “Provão”. Por fim, tendo em vista a importância da disseminação das informações, são apresentadas as bases complementares da in- formação, organizadas pelo Centro de Informações e Biblioteca em Educação (Cibec). A utilização dos indicadores e informações resultantes dos cen- sos educacionais e das avaliações realizadas pelo Inep tem possibi- litado a identificação de prioridades, além de fornecer parâmetros mais precisos para a formulação e o monitoramento das políticas. O desenvolvimento de um eficiente sistema nacional de infor- mações educacionais tem orientado a atuação do governo federal no que se refere à sua função supletiva, voltada para a superação das desigualdades regionais. Com os instrumentos criados, o MEC pode estruturar programas destinados, especificamente, a suprir deficiências do sistema. Observadas em conjunto, as informações disponíveis permi- tem traçar um quadro abrangente da situação educacional do país e fornecer subsídios indispensáveis para o aprofundamento de aná- lises e pesquisas críticas que possam enriquecer o debate sobre os rumos da educação brasileira. SISTEMA DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS A produção de dados e informações estatístico-educacionais de forma ágil e fidedigna, que retrate a realidade do setor educacio- nal, é o instrumento básico de avaliação, planejamento e auxílio ao processo decisório para o estabelecimento de políticas de melhoria da educação brasileira. É por meio dos censos educacionais que se busca garantir a utilização da informação estatística neste processo, gerando os indicadores necessários ao acompanhamento do setor educacional. Os levantamentos abrangem todos os níveis e modalidades de ensino, subdividindo-se em três pesquisas distintas representa- das pelo Censo Escolar, Censo do Ensino Superior e Levantamento sobre o Financiamento e Gasto da Educação, além dos censos es- peciais, realizados de forma não periódica, abrangendo temáticas específicas, como o caso do Censo do Professor. Censo Escolar O Censo Escolar, de âmbito nacional, realiza o levantamento de informações estatístico-educacionais relativas à Educação Básica, em seus diferentes níveis (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e modalidades (ensino regular, educação especial e educação de jovens e adultos). O levantamento é feito junto a todos os estabelecimentos de ensino, das redes pública e particular, através do preenchimento de questionário padronizado. Por intermédio do Censo Escolar, o Inep atualiza anualmente o Cadastro Nacional de Escolas e as in- formações referentes à matrícula, ao movimento e ao rendimento dos alunos, incluindo dados sobre sexo, turnos, turmas, séries e períodos, condições físicas dos prédios escolares e equipamentos existentes, além de informações sobre o pessoal técnico e adminis- trativo e pessoal docente, por nível de atuação e grau de formação. Este levantamento abrange um universo de cerca de 52 milhões de alunos e 266 mil escolas públicas e privadas, distribuídas em mais de 5.500 municípios. A coleta dos dados e o processamento das informações são operacionalizados pelas Secretarias Estaduais de Educação, sob a coordenação-geral da Diretoria de Informações e Estatísticas Educacionais (Seec), do Inep. O Censo Escolar gera, assim, um conjunto de informações in- dispensáveis para a formulação, implementação e monitoramento das políticas educacionais e avaliação do desempenho dos sistemas de ensino. Como toda pesquisa preocupada com a fidedignidade e vali- dade dos seus resultados e dada a necessidade de cumprir os pra- zos legais, o Censo Escolar apresenta uma complexa sistemática de operacionalização, cuja viabilidade só é possível pela parceria esta- belecida entre o Inep e as Secretarias de Educação dos 26 estados e do Distrito Federal, além da cooperação da comunidade escolar, responsável pelo preenchimento do questionário. Entre as atividades permanentes realizadas para a execução do levantamento anual, merecem registro o acompanhamento das al- terações do sistema educacional e a identificação de demandas das Secretarias de Educação das unidades da Federação, que podem gerar necessidade de incorporação de variáveis ou a supressão de quesitos no formulário do Censo Escolar. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 20 2626 O acompanhamento das alterações do sistema educacional tem sido objeto de grande preocupação, dado que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 20 de dezembro de 1996, além de conferir maior autonomia aos sistemas de ensino, sobretudo no que se refere à forma de organização da educação básica, incentivou ainda práticas inovadoras que valorizam e favo- recem o processo de aprendizagem, como a progressão continuada e parcial, os conceitos de classificação e reclassificação de alunos, a possibilidade de aceleração de aprendizagem, entre outros. Os reflexos deste novo dispositivo legal apresentam-se nas reformula- ções dos sistemas de ensino de estados e municípios que, a partir de 1997, promoveram alterações na oferta de ensino dos diferentes níveis e modalidades e na organização de suas redes. O processo de implantação de novas propostas de organização da educação básica mostra-se, no entanto, muito variado, exigindo assim um acompanhamento que permita verificar o impacto destas alterações e a necessidade de mudanças nos instrumentos de cole- ta utilizados pelo Censo Escolar. Da mesma forma, torna-se funda- mental a realização de estudos que permitam um melhor detalha- mento sobre as configurações adotadas em cada sistema de ensino, tanto para a melhoria da qualidade da informação a ser recebida quanto para maior aderência às necessidades dos implementado- res de políticas educacionais. Por outro lado,a redefinição do papel e da forma de atuação do MEC enfatizou a necessidade de fortalecer a área de produção e disseminação de estatísticas e informações educacionais na estru- tura do ministério que se encontrava desprestigiada. Este objetivo inicia-se, em 1995, com a criação da Secretaria de Desenvolvimen- to, Inovação e Avaliação Educacional (Sediae) e se concretiza com a reestruturação do Inep que, em 1997, transformou-se em autarquia federal, constituindo-se em centro especializado em avaliação e in- formação educacional. O recente grau de eficiência e credibilidade alcançado pelo Inep na organização das informações e estatísticas educacionais tem propiciado ampla utilização deste tipo de ferramenta aos for- muladores e executores de políticas educacionais. De fato, os pro- gramas e projetos executados por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino (FNDE) apóiam-se nos diagnósticos decorrentes dos levantamentos estatísticos da educação básica e superior. Esta forte conexão entre o sistema de informações e a gestão de políticas é mais perceptível nos programas que envolvem transferências intergovernamentais de recursos. O exemplo mais notório é o Fundo de Manutenção e de Desen- volvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que movimentou, no exercício de 1999, cerca de R$ 14,2 bilhões, dos quais R$ 675 milhões referentes à complementação da União. Conforme disposto pela legislação instituidora deste fundo, a distribuição dos recursos, no âmbito de cada unidade da Federa- ção, é feita com base na proporção do número de alunos matricu- lados anualmente nas escolas cadastradas das respectivas redes de ensino, considerando-se para este fim os dados oficiais apurados pelo Censo Escolar. Este mesmo critério de transparência foi adotado pelo MEC como princípio orientador dos principais programas de apoio ao desenvolvimento do ensino fundamental ¾ Merenda Escolar, Livro Didático e Dinheiro Direto na Escola. No seu conjunto, os programas e ações desenvolvidos pelo FNDE envolveram, em 1999, recursos da ordem de R$ 3,5 bilhões. Pode-se concluir, portanto, que as in- formações sobre a matrícula na educação básica produzidas pelo Censo Escolar tiveram repercussão imediata e direta sobre a distri- buição de cerca de R$ 17,7 bilhões, no último exercício. Censo do Ensino Superior O Censo do Ensino Superior promove o levantamento de da- dos e informações estatístico-educacionais junto às instituições de ensino superior ¾ universidades, centros universitários, faculdades integradas e estabelecimentos isolados. A coleta abrange cerca de 1.100 instituições, 2.700.000 alunos, 7.200 cursos e 827 mantene- doras. O levantamento é realizado diretamente pelo Inep, sendo que os dados apurados referem-se a número de matrículas e de con- cluintes, inscrições nos vestibulares, ingresso por curso e área de conhecimento, dados sobre os professores ¾ por titulação e regime de trabalho e sobre os funcionários técnico-administrativos, entre outros. Anualmente, com os resultados do Censo, é publicada a Si- nopse Estatística do Ensino Superior ¾ Graduação. O instrumento de coleta do Censo 2000 passou por uma redefinição, adequando- -se ao novo conceito de educação superior estabelecido pela LDB. O questionário foi ampliado, passando a abranger não só a graduação, mas também a pós-graduação. Todas as informações coletadas es- tarão vinculadas ao Sistema Integrado de Informações da Educação Superior (SIEd-Sup), subsistema atualmente em desenvolvimento e que será abordado no próximo item. O Cadastro Nacional das Instituições de Ensino Superior é atu- alizado com informações do Censo do Ensino Superior, do Diário Oficial da União, do Conselho Nacional de Educação e Conselhos Estaduais de Educação. Censos Especiais Com o objetivo de aprimorar as informações disponíveis sobre as diferentes modalidades de ensino e preencher as lacunas exis- tentes, o Inep realiza levantamentos especiais, sempre em parceria com as instituições públicas e organizações não-governamentais diretamente envolvidas com as políticas públicas das respectivas áreas. Em 1997, o Inep realizou o primeiro Censo do Professor, em âmbito nacional, com um retorno expressivo, alcançando mais de 90% dos professores das redes pública e particular de ensino básico. Uma das razões pelas quais o MEC demandou a realização desse levantamento foi a necessidade de dispor de dados sobre o salário dos professores ¾ relacionado com o nível de escolarização e com o tempo de exercício do magistério ¾ para orientar a implan- tação do Fundef. O Censo do Professor revelou um quadro de profundas desi- gualdades regionais em relação tanto à qualificação quanto aos ní- veis de remuneração dos professores, confirmando a necessidade de políticas que promovam melhor distribuição dos recursos e que garantam maior eqüidade na oferta do ensino público, objetivos que vêm sendo atendidos pelo Fundef. Além disso, a divulgação dos resultados permite à sociedade se informar sobre a real situação do magistério e participar da busca de alternativas para promover sua valorização. Em 1999, foram realizados três censos especiais: o Censo da Educação Profissional; o Censo da Educação Escolar Indígena; e o Censo da Educação Especial. Os resultados destas pesquisas, com divulgação prevista para este ano, deverão proporcionar um quadro de referência mais preciso sobre a cobertura alcançada e as moda- lidades de atendimento oferecidas, bem como sobre o conjunto de instituições que atuam nestes segmentos, fornecendo, assim, sub- sídios para a revisão e o aperfeiçoamento das políticas de expansão da oferta e melhoria do atendimento. A realização destes levanta- mentos especiais, aos quais será acrescido, neste ano, o Censo da Educação Infantil, permitirá incorporar ao sistema de informações educacionais novas variáveis, completando o mapa da educação brasileira. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 21 27 Levantamentos sobre Financiamento e Gasto da Educação O levantamento de dados relativos aos recursos disponíveis e aplicados na educação abrange as três esferas de governo e envolve o exame e o acompanhamento dos orçamentos federal, estaduais e municipais, além dos repasses intergovernamentais e dos gastos efetivamente realizados. Trata-se de uma importante tarefa, que envolve, no entanto, grandes dificuldades operacionais. De fato, a inexistência de um sistema adequado de execução orçamentária e de consolidação das contas da administração públi- ca, principalmente no nível municipal, que permita a identificação dos programas de trabalho e do elemento da despesa efetivamen- te realizada, bem como a origem do seu recurso, apresentou-se como a principal dificuldade para a realização dos levantamentos. Nesse sentido, o Inep deu especial atenção para o aprimoramento da metodologia de apuração e de estimação das informações, em conjunto com o Ipea, o IBGE e a Unicamp. Como resultado, já se conseguiu produzir dados sobre gasto público para os exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997. SISTEMA INTEGRADO DE INFORMAÇÕES SOBRE O ENSINO SUPERIOR O Sistema Integrado de Informações da Educação Superior (SIEd-Sup), em fase de implantação, foi concebido para atender aos seguintes objetivos: criar uma base única de dados e indicadores da educação superior; eliminar sobreposição de competências e sim- plificar o processo de coleta de informações junto às instituições de ensino superior; garantir maior transparência e facilitar o acesso da sociedade às informações sobre o perfil e o desempenho das insti- tuições; subsidiar os processos de autorização e reconhecimento de cursos e de credenciamento e recredenciamento das instituições; manter banco de dados atualizado e gerar informações que devem ser apresentadas anualmente pelas instituições por meio do Censo do Ensino Superior e Catálogo de Cursos. Este novo sistema será coordenado pelo Inep e interligado em rede com a Secretariade Ensino Superior (SESu), a Capes, o CNPq, o Conselho Nacional de Educação (CNE) e os Conselhos Estaduais de Educação, podendo no futuro ampliar a sua rede de parceiros, incorporando outros produtores de informações e avaliações de in- teresse. Ao Inep cabe a execução da coleta e manutenção de informa- ções e tanto a SESu quanto o CNE e as instituições de ensino supe- rior participarão da definição do que deve ser coletado e divulgado, das políticas de acesso aos dados e de disseminação de informa- ções. AVALIAÇÕES EDUCACIONAIS No campo das avaliações educacionais, podem ser destacados três grandes projetos: o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb); o Exame Nacional de Cursos (ENC), mais conhecido como “Provão”; e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Por meio destes instrumentos, o MEC assume a responsabilidade atri- buída pela LDB de “assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino” e de “assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação supe- rior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino”·. Exame Nacional do Ensino Médio O Enem, iniciativa mais recente entre os três projetos nacionais de avaliação, procura aferir o desenvolvimento das competências e habilidades que se espera que o aluno apresente ao final da esco- laridade básica. Oferece assim uma avaliação do desempenho indi- vidual, fornecendo parâmetros para o prosseguimento dos estudos ou para ingresso no mercado de trabalho. Por isso, é um exame voluntário e seu público-alvo são os con- cluintes e egressos do ensino médio. A concepção do Enem está baseada nas orientações para a educação básica estabelecidas pela LDB e, sobretudo, nas novas diretrizes curriculares e nos parâme- tros curriculares nacionais do ensino médio. Portanto, é um instru- mento balizador e indutor da reforma deste nível de ensino que vem sendo implantada no país. Em 1999, participaram do Enem mais de 315 mil alunos, repre- sentando cerca de 20% do total de concluintes do ensino médio, o que significa um crescimento extraordinário em relação ao primei- ro exame, realizado em 1998, que contou com pouco mais de 115 mil participantes. Este aumento significativo está relacionado, sem dúvida, com a utilização dos resultados do exame por instituições de ensino superior, como critério complementar ou substitutivo aos seus processos seletivos. Atualmente 101 universidades brasileiras aceitam o Enem como um dos critérios de acesso ao ensino supe- rior. Exame Nacional de Cursos Implantado em 1996, o Provão já avaliou 2.151 cursos em 13 áreas de graduação1 e tem estimulado um debate intenso sobre as deficiências do ensino superior no país, levando as instituições a investirem na qualificação do corpo docente e na melhoria das instalações físicas, buscando elevar o padrão de qualidade dos cur- sos oferecidos. Este exame é obrigatório, por lei, para todos os es- tudantes que estão concluindo os cursos de graduação avaliados a cada ano. Em 1999, foi estabelecida uma vinculação mais efetiva entre o sistema de avaliação do ensino superior, do qual o “Provão” se constitui um importante instrumento, e os processos de reno- vação do reconhecimento dos cursos e de recredenciamento das instituições. A partir da Portaria Ministerial no 755, de 11 de maio de 1999, 101 cursos das áreas de Administração, Direito e Engenharia Civil que obtiveram conceitos baixos no Provão e na Avaliação das Con- dições de Oferta de Cursos de Graduação, conduzidas pela SESu, foram submetidos ao longo de 1999 a nova visita das Comissões de Especialistas da SESu e, a partir de suas recomendações, o MEC encaminhou ao CNE pareceres sugerindo renovação do reconheci- mento ou estabelecimento de prazo para o atendimento das exi- gências mínimas, sob pena de fechamento. Como contraface da decisão administrativa de submeter ao processo de renovação o reconhecimento dos cursos com baixo de- sempenho, o MEC abriu caminho para a renovação automática do reconhecimento dos cursos bem conceituados em três avaliações consecutivas. Caminha-se, assim, para a substituição de controles processuais e burocráticos por avaliações externas sistemáticas. Quanto à divulgação dos resultados, além da classificação de acordo com uma escala com cinco faixas de conceito (A, B, C, D e E), a partir de 1999, cada curso passou a receber a distribuição percentual das médias de seus alunos por faixa de desempenho. O novo formato revela não apenas a evolução da média padronizada de cada curso, como vinha sendo feito, mas também o percentual dessa evolução em comparação com o desempenho obtido no exa- Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 22 2828 me imediatamente anterior. Outra mudança refere-se à substitui- ção dos conceitos pertinentes à titulação acadêmica e à jornada de trabalho do corpo docente, por uma apresentação da distribuição percentual por categoria, em relação ao número total de professo- res do curso. Diante de sua principal finalidade ¾ produzir referências ob- jetivas para incentivar e orientar as instituições a corrigirem suas deficiências e a investirem na melhoria do ensino ¾, o MEC realizou seminários nacionais com coordenadores de curso para discutir o impacto das avaliações sobre os cursos de graduação. Promovidos em parceria com conselhos de classe, organizações profissionais, associações nacionais de ensino e representações das instituições de ensino superior, os seminários geraram consensos como o fato de os resultados do Provão serem um instrumento importante para estimular e orientar a melhoria do ensino de graduação, principal- mente no que diz respeito à atualização do currículo, reestruturação do projeto pedagógico dos cursos, prática docente e condições de oferta e de trabalho. O exame também está provocando alterações nas formas de avaliação curricular do desempenho dos alunos, com enfoque voltado para as habilidades e competências adquiridas ao longo da trajetória acadêmica. SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA Iniciado em 1990, o Saeb foi estruturado no sentido de produ- zir informações sobre o desempenho da educação básica em todo o país, abrangendo as diferentes realidades dos sistemas estaduais e municipais de ensino. Entre os principais objetivos do Saeb, podem ser destacados: - monitorar a qualidade, a eqüidade e a efetividade do sistema de educação básica; - oferecer às administrações públicas de educação informações técnicas e gerenciais que lhes permitam formular e avaliar progra- mas de melhoria da qualidade de ensino; - proporcionar aos agentes educacionais e à sociedade uma vi- são clara e concreta dos resultados dos processos de ensino e das condições em que são desenvolvidos e obtidos. A cada dois anos, são levantados dados que, além de verificar o desempenho dos alunos, mediante aplicação de testes de ren- dimento, investigam fatores socioeconômicos e contextuais que interferem na aprendizagem. Estes fatores aparecem agrupados em quatro áreas de observação: escola, gestão escolar, professor e aluno. Sua aplicação é feita em uma amostra nacional de alunos re- presentativa do país e de cada uma das 27 unidades da Federação.2 No primeiro ciclo do Saeb, em 1990, aderiram 23 estados. Somente a partir de 1995, tornou-se de fato um sistema nacional, passando a abranger os ensinos fundamental e médio, com a adesão de todos os estados e todas as redes de ensino ¾ estaduais, municipais e particulares. A participação continua sendo voluntária, o que revela que os dirigentes dos sistemas de ensino reconheceram a impor- tância desta ferramenta para monitorar as políticas educacionais. O Saeb procura aferir a proficiência do aluno, entendida como um conjunto de competências e habilidades evidenciadas pelo ren- dimento apresentado nas disciplinasavaliadas,3 abrangendo as três séries tradicionalmente associadas ao final de cada ciclo de escola- ridade: a 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e a 3ª série do ensino médio. Também são aplicados questionários em uma amostra de professores e diretores, obedecendo ao mesmo critério estatístico que assegura a representatividade das redes de ensino de todos os estados e do Distrito Federal. Para a avaliação dos alunos, utiliza-se uma grande quantidade de questões ¾ cerca de 150 por série e disciplina ¾, o que lhe confe- re maior validade curricular, pois contempla uma amplitude maior de conteúdos e habilidades, abrangendo grande parte daquilo que é proposto nos currículos estaduais. Desde a sua criação, as características gerais do Saeb, em ter- mos tanto de objetivos quanto de estrutura e concepção, manti- veram-se constantes. No entanto, a partir de 1995, foram imple- mentadas importantes mudanças metodológicas, sobretudo com o objetivo de estabelecer escalas de proficiência por disciplina, englobando as três séries avaliadas, o que permite ordenar o de- sempenho dos alunos em um continuum. Isso é possibilitado pela aplicação de itens comuns entre as séries e a transformação das escalas de cada disciplina para a obtenção de uma escala comum. O desempenho dos alunos, em cada uma das disciplinas avalia- das, é apresentado em uma escala de proficiência, que pode variar de 0 a 500 pontos. Cada disciplina tem uma escala específica, não sendo comparáveis as escalas de diferentes disciplinas. A média de proficiência obtida pelos alunos de cada uma das três séries avalia- das indica, portanto, o lugar que ocupam na escala de cada disci- plina. A descrição dos níveis de proficiência nas escalas demonstra o que os alunos efetivamente sabem e foram capazes de fazer, isto é, o conhecimento, o nível de desenvolvimento cognitivo e as habi- lidades instrumentais adquiridas, na sua passagem pela escola. As escalas de proficiência mostram, portanto, uma síntese do desem- penho dos alunos e, ao serem apresentadas em uma escala única, torna-se possível comparar o desempenho dos alunos, tanto entre os diversos anos de levantamento quanto entre as séries avaliadas. Nesse sentido, pode-se comparar o que os parâmetros e os currículos oficiais propõem e aquilo que está sendo efetivamente desenvolvido em sala de aula. Ou seja, o Saeb releva a distância entre o currículo proposto e o currículo ensinado. Os resultados do Saeb constituem assim um precioso subsídio para orientar a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacio- nais (PCNs) do Ensino Fundamental e da reforma curricular do En- sino Médio, pois permitem identificar as principais deficiências na aprendizagem dos alunos. Uma das distorções que as novas diretrizes curriculares preten- dem eliminar é precisamente o caráter enciclopédico dos currícu- los, que tem afetado negativamente a aprendizagem dos alunos. As reformas desencadeadas pelo MEC, consoantes com a nova LDB, induzem mudanças nos currículos propostos, de modo a reduzir a ênfase em conteúdos desnecessários para a formação geral na edu- cação básica e incentivar uma abordagem pedagógica mais voltada para a solução de problemas e para o desenvolvimento das compe- tências e habilidades gerais. Os resultados do Saeb permitem ainda identificar as áreas e conteúdos nos quais os alunos apresentam maiores deficiências de aprendizagem, orientando programas de capacitação em serviço e formação continuada de professores. A utilização do Saeb como subsídio para planejar programas de capacitação docente vem sen- do feita desde 1995. Por isso, tem sido fundamental a permanente articulação entre o Inep e as equipes estaduais do Saeb, permitin- do aos dirigentes das redes públicas desenvolver um trabalho de formação continuada dos professores, com base nos resultados da avaliação da aprendizagem verificados em cada unidade da Fede- ração. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 23 29 A DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS Com a finalidade de tornar as informações produzidas aces- síveis aos usuários, constituídos pelos diferentes atores da área educacional e pelos segmentos sociais interessados na questão, o Centro de Informações e Biblioteca em Educação (Cibec) passou por uma completa reestruturação, transformando-se em núcleo difusor de informações educacionais, com ênfase na avaliação e estatísticas produzidas pelo próprio Inep e em informações gerais processadas por instituições nacionais e internacionais. O sistema de informa- ções do Cibec permite a disseminação virtual e local e apresenta os produtos descritos a seguir. Perfil Municipal da Educação Básica (PMBE) O PMBE é um aplicativo que disponibiliza informações sobre a situação socioeconômica e educacional brasileira. Desenvolvido em parceria com a Fundação Seade, reúne, em um único programa, dados educacionais produzidos pelo Inep e dados estatísticos de diversas fontes oficiais, como o Ministério da Fazenda, a Fundação IBGE, a Fundação Seade, as Secretarias Estaduais da Fazenda e os Tribunais de Contas dos Estados. O sistema dispõe de 252 variáveis sobre os 5.507 municípios instalados até 1996, dez regiões metropolitanas, os 26 estados e o Distrito Federal, as cinco grandes regiões e o Território Nacional. Programa de Legislação Educacional Integrada (ProLEI) O ProLEI é um aplicativo que reúne toda a legislação federal, in- dexando leis, medidas provisórias, decretos, portarias, resoluções, pareceres e instruções normativas, na área de políticas educacio- nais, publicadas a partir de 1996, após a aprovação da LDB. A legis- lação anterior à LDB também poderá, eventualmente, ser encontra- da, desde que esteja relacionada com as normas em vigor. O ProLei permite uma pesquisa fácil e rápida usando a Internet. Desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS), o ProLEI tem como principal característica a possibilidade de rela- cionar ou correlacionar duas ou mais normas, através de links, iden- tificando a ligação entre as mesmas. O Cibec conta ainda com outros produtos como a Biblioteca Virtual da Educação (BVE), que é um catálogo com links para mais de 1.600 sites educacionais brasileiros e estrangeiros selecionados na Internet, sobretudo os que se referem à avaliação e estatísticas educacionais; a Bibliografia Brasileira de Educação (BBE), que reúne artigos, estudos, ensaios e livros nos diferentes temas educacio- nais, permitindo a realização de pesquisas por assunto, autor, título e ano; e o Thesaurus Brasileiro de Educação ¾ Brased, que é uma ferramenta de linguagem documental, que utiliza vocabulário con- trolado e funciona como mecanismo de localização de documentos e indexação, podendo se constituir como ferramenta ideal para a organização de bibliotecas. COMENTÁRIOS FINAIS Esta descrição sumária dos principais projetos desenvolvidos pelo Inep permite concluir que, na década de 90, o Brasil realizou notáveis progressos na área de avaliação e produção de informa- ção educacional. Como resultado desses esforços, promovidos com maior intensidade nos últimos cinco anos, o país conta hoje com um sistema moderno e eficiente de indicadores que possibilita monito- rar as políticas e diagnosticar com acuidade as deficiências do ensi- no. O impacto das avaliações nacionais e levantamentos periódicos realizados pelo Inep provocou mudanças que se refletem hoje na nova agenda do debate educacional. A divulgação das informações contribui para qualificar a demanda, desencadeando uma dinâmica de transformação na qual a sociedade torna-se o agente principal. GUARANI, JERÁ; TORNAR-SE SELVAGEM. PISEAGRAMA, BELO HORIZONTE, NÚMERO 14, PÁGINA 12 - 19, 2020. Se a perigosa situação do planeta Terra hoje vem em decorrên- cia de pessoas consideradas civilizadas, é preciso aprender, dentre tantas outras coisas, sobre a autonomia e a soberania alimentar com os Guarani Mbya. Posso não parecer muito simpática com o que vou dizer. Em outras ocasiões, certamente,não seria assim, pois gostamos muito de dar risada, o povo Guarani Mbya é muito alegre! E eu sempre me esforço para ser quem sou de fato - feliz, apesar dos pesares - mes- mo quando falo de assuntos problemáticos e ruins. Mas, neste momento da história, diante do medo dos mais ve- lhos e do lamento das pessoas na aldeia, por ser indígena guarani mbya e por ter aprendido tudo o que aprendi, quando penso no planeta Terra agora - não nele apenas, mas em nós nele -, eu re- almente gostaria de acreditar em vidas passadas. Às vezes, desejo ter vivido em outra era para não sentir e não ver tantas coisas in- compreensíveis. Eu poderia perfeitamente ter vivido no tempo dos dinossauros e ter sido comida por um, ter sido mastigada por um dinossauro. Acho que seria uma situação bem melhor do que a que temos hoje. Uma das coisas que digo para os mais velhos e para vocês, Juruá, em momentos de encontro, é que seria importante fazer an- tropologia na cultura de vocês. Tirar o Guarani da aldeia para ele ficar na casa de vocês e observar vocês todos os dias. Sentir, refletir, tentar entender, fazer relatórios e, finalmente, produzir uma tese de capa dura, bem bonita, com muitas páginas, fotografias, gráficos e referências a outros estudos, para concluir e dizer aos Juruá para se tornarem selvagens, para que se tornem pessoas não civilizadas - pois todas as coisas ruins que estão acontecendo no planeta Ter- ra vêm de pessoas civilizadas, pessoas que não são, teoricamente, selvagens. Se fizéssemos um estudo antropológico na cultura de vocês, teríamos qualificações e um respaldo maior para conseguir conven- cer muitas pessoas a se tornarem selvagens, a se tornarem pessoas não tão intelectuais, não tão importantes. Vocês passariam a correr o risco diário de ser assassinados, de ter suas casas e suas famílias queimadas, seus filhotes queimados. Mas, de um modo geral, vocês seriam melhores. Não fiquem assustados: tenho amigos juruás muito queridos e contamos com muitos parceiros juruás que lutam conosco. Muitos já morreram e outros ainda vão morrer. Tornar-se selvagem não é algo que pode acontecer rápido, de um dia para outro, mas algo que implicaria momentos de muita dedicação e de muito trabalho por parte de vocês, não indígenas. Apesar de vários estudos e evidências produzidos pelo mundo civilizado, as pessoas não param de fazer coisas erradas. Facilmen- te conseguimos perceber muitas coisas ruins e entender que não estamos nada bem. Eu sei um pouco sobre São Paulo por meio dos estudos dos próprios Juruá e de alguns relatos dos mais velhos da aldeia. Sei que aqui existiam braços de água. Mas o Juruá veio e colocou cimento em cima deles. Canalizou os rios lindos que pode- riam estar aí, hoje, para os Juruá beberem, tomarem banho, nada- rem. Mas os Juruá querem cimentar tudo, cobrir tudo com cimento, e agora não têm água. A água foi destruída. E tenho a impressão de que ainda vamos enfrentar situações piores daqui em adiante. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 24 3030 É muito revoltante quando a sociedade juruá fica perplexa e indignada ao ouvir falar que o povo indígena no Brasil comete infan- ticídio; ou que os caciques no Brasil têm duas ou três mulheres, ou outras coisas do tipo. Mas o povo dos Juruá, por sua vez, faz coisas absolutamente incompreensíveis e maldosas contra seres que não podem se defender, como, por exemplo, o contrabando do marfim, que vem de um bicho tão lindo, tão gigante, que é o elefante. O ele- fante, às vezes, é deixado no chão, agonizando, sangrando, porque teve uma parte de seu corpo tirada para esse mundo maluco do consumo, do acúmulo de riqueza. Será que, se eu fizesse antropologia, eu conseguiria explicar para o meu povo por que o Juruá faz isso? Mas, enfim, não pode- mos perder a esperança. Temos que lutar - estamos lutando há 500 anos. Quando eu tinha seis ou sete anos era muito difícil chegar à mi- nha aldeia. Nasci há quase 40 anos em uma aldeia de 26 hectares, e lá vivi toda a minha infância, comendo milho de Juruá, esse milho amarelo que já continha veneno, porque não havia mais milho gua- rani. Aprendemos a comer a comida do Juruá na mesma época em que chegou à aldeia a energia elétrica, entre outras coisas. Quando os Juruá chegaram à aldeia, rapidamente depararam com a falta de arquitetura considerada conveniente, correta e con- fortável, porque na aldeia não existiam casas de alvenaria nem to- das as outras construções da cidade - nem automóveis, nem má- quinas, nem escadas rolantes. As pessoas simplesmente têm uma casinha de pau-a-pique e cozinham no chão com lenha, todos co- bertos de terra, com as crianças descalças. Assim, imediatamente, fomos considerados um povo miserável, um povo que precisa de muita ajuda, um povo de coitadinhos. “Eles são muito sofridos, são muito sujos!” E começaram a levar alimentos para a aldeia. Naturalmente, as pessoas têm curiosidade, começam a experimentar as comidas do Juruá e se encantam com a praticidade. Mesmo sendo Guarani, o fascínio ocorria com a população indígena em vários aspectos. Desde quando começamos a consumir esses produtos, ficamos por mais de 70 anos na aldeia guarani, na capital de São Paulo, sem comer ou plantar mais nossos alimentos tradicionais. Éramos mais de 170 famílias que tinham ocupado todo o espa- ço, e não havia lugar para plantar nossas comidas tradicionais. Com o passar do tempo, com esse número todo de pessoas numa aldeia pequena tendo muito acesso à cidade e às coisas dos Juruá, as coi- sas dos guarani foram desaparecendo. Eu mesma só fui conhecer os milhos guarani aos 30 anos de idade. São milhos coloridos, muito bonitos e gostosos de comer. Mas antes eu não os conhecia. A partir de 2008, comecei a fazer projetos de fortalecimento cultural dos Guarani com amigos e parceiros, por meio de editais da Secretaria Municipal de Cultura e da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. E um desses projetos era sobre a questão da comida guarani. O que é a nossa comida de verdade, nossa comida sagrada? Ainda temos essa comida ou não? E, se não temos, o que aconteceu com ela, afinal? Quais foram os motivos de seu desapa- recimento? Como ir em busca dela? Paralelamente ao fortalecimento da alimentação tradicional, continuávamos a luta pela demarcação da Terra Indígena Tenondé Porã, e tudo se somou. Fortalecíamos o movimento das mulheres na liderança, fechávamos as ruas e tentávamos resgatar nossa co- mida. Porque estávamos comendo só comida transgênica, comida morta, que trazia doenças para a comunidade, doenças novas que não tínhamos antes. Antes não havia registros de pessoas com cân- cer, por exemplo. As aldeias começaram a surgir, inicialmente, em caráter de re- tomada. Retomamos a aldeia Kalipety, que já era reconhecida como Terra Indígena pela Funai, mas não pelo Ministério da Justiça, em 2013. Depois do reconhecimento da Funai, lutamos pela portaria declaratória, dada pelo Ministério da Justiça. Em seguida, vem o trabalho da demarcação física, que é o que ainda não temos. Mas antes mesmo que saísse a portaria declaratória, para dar sentido e ânimo ao esforço de fortalecimento cultural e de luta pela terra, entramos na aldeia Kalipety e começamos imediatamente a plantar. Plantamos, com muita alegria, tudo o que tínhamos consegui- do coletar em outras aldeias e em feiras de troca de sementes. Sa- ímos da Terra Indígena Tenondé Porã, onde quase não tínhamos espaço para plantar, e, de repente, estávamos em uma área com muito espaço. Era uma área que havia sido explorada com plan- tio de eucalipto pelos posseiros que moravam ali, e por isso estava muito degradada. Mas começamos a tratar a terra e a prepará-la com adubo orgânico, adubo verde. Estávamos ansiosos para recu- perar a terra e poder comer nossas comidas tradicionais. Esse trabalho foi apoiado pela Funai de Itanhaém, pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI), outro parceiro há mais de 30 anos, e pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, quesubsidiou um projeto que se chama Programa Aldeias. Fizemos várias viagens para feiras de troca de sementes, encontros, reuniões e oficinas - tudo voltado para a sabedoria do plantio guarani. Em seis anos con- seguimos recuperar mais de 50 variedades de batata doce e mais de nove tipos de milho. Plantamos também amendoim, banana verde, mandioca e plantas que os Juruá chamam de PANCs (plantas ali- mentícias não convencionais). Nós mandamos espécies de batata doce para muitos lugares - para outras aldeias guarani e também para agricultores não or- gânicos, porque quanto mais plantarmos, menos risco teremos de perder de novo. E não tivemos que desmatar áreas imensas, botar fogo no mato ou matar os bichos de forma covarde. A passos pe- quenos conseguimos fazer tudo. Por trás da ideia de trabalhar cada vez mais a autonomia e a soberania alimentar guarani, há o objetivo de manter este povo for- te. Porque a comida transgênica que vem da cidade não deixa as pessoas fortes de verdade. A comida guarani tradicional alimenta o corpo e alimenta o espírito também. Isso significa que as pesso- as ficam fortes para continuar lutando. Para defender a natureza, o nosso modo de ser guarani, temos que estar fisicamente fortes, espiritualmente fortes. Para nós, a árvore tem dono, a pedra tem dono, a água tem dono. Além de Nhanderu, que fez tudo isso, há os Ijá de cada coisa, que tomam conta desses recursos naturais. Quando você usa inde- vidamente os recursos, você destrói muito. Os donos ficam bravos e vão tirar esses recursos de você. Os mais velhos dizem: “A gente protege nossos filhos do perigo. E esses donos também são pais e mães que vão proteger os seus filhos dos seres humanos quando começam a maltratá-los”. Quando eu tinha nove anos, entrei na cultura de vocês para estudar. No início foi muito sofrido. Fui estudar em uma escola es- tadual perto da aldeia e não sabia falar nenhuma palavra em por- tuguês. Minha mãe, que já tinha uma história diferenciada das ou- tras mulheres guarani por ter crescido sem mãe, falava um pouco de português. Meu pai também já havia tido contato com o povo Juruá. Entendiam que, para defender melhor a aldeia, eu tinha que aprender bem a língua do outro. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 25 31 Minha mãe colocou minha irmã e eu na primeira série. Minha irmã desistiu no segundo ano. Eu passei por muitas dificuldades e desisti da escola três vezes, mas tive uma professora que foi muito especial na minha vida. Ela foi até a aldeia atrás de mim e me levou de volta para a escola. Ela foi uma peça muito importante no meu contato com o mundo dos Juruá. Depois do término da primeira série, tomei gosto pela educa- ção que estava recebendo e que, apesar de ser diferente da aldeia, tinha coisas boas. Mais tarde, entrei no curso de pedagogia, mas só terminei o curso para fortalecer meu discurso na aldeia de que, sim, podíamos também aprender a cultura do Juruá. A cultura juruá também tem coisas boas e bonitas. Algumas delas são muito so- fisticadas, como o conhecimento da medicina que corta um corpo inteiro, tira o coração, remenda e coloca de volta. É muito avançado de fato! Na aldeia, desenvolvo o discurso de que a nossa cultura tam- bém é importante, de que ela não é inferior a nenhuma outra cultu- ra, de que ela também tem que continuar sendo valorizada. Um dos argumentos que uso para estimular o trabalho de fortalecimento cultural e, principalmente, de defesa da natureza é falar que po- demos nos encantar com a cultura juruá, mas há também o risco de nos perdermos. Se não respeitarmos as regras que nos foram colocadas desde que nascemos, não vamos ter coisas boas. Temos que lembrar os ensinamentos da generosidade: se a natureza dá a água, se a natureza dá o remédio, se a natureza dá o alimento, então o mínimo que podemos fazer, tendo ou não alguma crença, é respeitá-la. Não achamos que amanhã ou depois o mundo vai acabar. Os mais velhos também não acham isso, mas falam que agora as coisas vão ficar bem mais complicadas. E esse agora não é somente depois da última eleição presidencial e do covid-19. Na verdade, eles es- tão falando isso há algum tempo, porque sabem que tem Juruá nas ruas da cidade passando fome, sem casa, que tem crianças na rua, que tem idosos nas ruas. Que, em um território que produz tanto alimento, há fome. Avida na aldeia passou a fazer mais sentido para mim à medi- da que eu observava a vida na cidade. A correria, o fato de que as pessoas não dividiam o que tinham com os outros, o fato de tudo ser muito individual, de os Juruá não se conhecerem na rua, se es- barrarem e não darem “boa tarde” nem “bom dia”. Ninguém estava nem aí para ninguém, havia pessoas dormindo na rua e ninguém ligava para isto. E quando eu retornava para a aldeia, era tudo diferente. Todas aquelas coisas que, para mim, batiam como muito fortes e erradas, não existiam na aldeia. Inevitavelmente começaram as compara- ções: na aldeia, por exemplo, as pessoas mais velhas são muito res- peitadas, são sagradas para todo mundo, e na cidade simplesmente não é assim. Tomei a decisão de deixar de ser professora na aldeia, mesmo estando em uma categoria estável na carreira de docente, dentro da qual eu poderia me aposentar tranquilamente. Foi a partir do momento em que deixei a escola que consegui fortalecer os discur- sos que fazia quando ainda era professora. Quando era professora, eu dividia o meu salário, ele nunca era só para mim mesma. Mas, ainda assim, eu não deixava de ser funcionária pública na minha aldeia. Eu não deixava de ser aquela pessoa que, no futuro, pode- ria ter suas coisas enquanto a maioria não tinha nada. Mas agora é diferente, consigo mostrar que posso viver como minha mãe e meu pai viviam, como meus avós viviam, sem um salário do Estado. Meus pais e meus avós não eram assalariados. Nos meus anos iniciais como professora, errei muito - como professora e como Guarani que entrou nessa vida sem entender direito o que era isso. Depois, por muitos anos, fiz muitas coisas boas junto com meus colegas. Sobretudo refletimos muito sobre o que se ensina, para que se ensina, o que buscamos, que tipo de alu- nos queremos formar. E hoje há professores na aldeia Tenondé Porã bem conscientes dessas questões, fazendo um excelente trabalho, apesar de ainda termos muito para caminhar. Saí da escola para me dedicar ao trabalho de política da aldeia, como liderança, e também para fortalecer o trabalho da roça, para mostrar para as pessoas que podemos seguir um estudo de Juruá, aprender bastante coisa, e depois fortalecer e viver na nossa cul- tura. Eu queria mostrar para o meu povo que podemos aprender a cultura do outro para nos defender melhor, para entender melhor o outro, e que podemos estudar a cultura deste outro sem perder ou deixar de valorizar a nossa. Outra questão que pesou para mim é que o sistema de escola- rização como um todo, no mundo todo, é muito falido. Isso é espe- cialmente grave no Brasil. É absolutamente vergonhoso o sistema da educação que se coloca na grade curricular para os educandos. E se eu digo que a educação do povo Juruá é falida, então imagina a educação para o povo Guarani? As escolas, estaduais e municipais, que estão dentro das aldeias guarani de todo o Estado de São Paulo entraram nessas aldeias sem preparação, sem que fossem pensa- das as consequências disto. Como as aldeias não estavam prepa- radas, naturalmente não havia nenhum plano político-pedagógico. Hoje ainda temos escolas com mais de 20 anos que não têm um plano político-pedagógico. Isso significa que essas escolas têm uma parte muito grande do seu funcionamento pedagógico focada em estudos de fora - elas não têm uma educação diferenciada para os povos indígenas. E para piorar, as pessoas nas aldeias colocam na cabeça que a escola é o futuro. Com isso, muitas vezes, crianças e jovens deixam de aprender sua cultura tradicional porque estão indo para a esco- la. Se a escola é o futuro, se aescola vai garantir um futuro, então por que aprender e fazer outras coisas? Esse modo de pensar é um grande risco. A escola não pode ser pensada assim. Quando o aluno termina o ensino médio, ele não vai ter um emprego garantido na aldeia. Não precisamos aderir a essa ideia insana de que temos que estudar como malucos para arrumar um emprego e trabalhar a vida inteira para, só depois, à beira da morte, percebermos que não aproveitamos nada. Temos que saber que podemos aprender outra cultura, mas que depois podemos usar o conhecimento de outras formas, para fortalecer nossa cultura e para mostrar aos nossos jo- vens que é possível sobreviver e viver bem sem ter salário na aldeia. Saber que podemos ir para a mata, que podemos aprender de novo as coisas da natureza com os mais velhos, e que está tudo bem. Se temos contato com a cultura dos Juruá há quinhentos anos, isto é a demonstração de que, de fato, o Juruá poderia se tornar selvagem, continuar vivendo e ter um pouco mais de respeito com o planeta Terra. Não há palavras para descrever o quanto nosso pla- neta é magnífico, mas acho que ainda não entenderam isto direito. Costumo ir bastante para o mundo dos Juruá, mas tento tra- zer o mínimo possível, para a aldeia, das coisas de lá que não são boas. As coisas boas trago também, mas elas costumam chegar por si mesmas, por meio da TV e do mundo atual tecnológico, principal- mente. O que faço ali, então, é peneirar o que vem para dentro e conversar com as pessoas sobre isto. Até onde você aceita isso? Até Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 26 3232 onde você tem que ter isso também? Tento diminuir o conflito do que chega com a dinâmica tradicional guarani de ter só o suficiente para uma vida tranquila e saudável. Como também vivo na cidade e me alimento com a comida de vocês, em muitos momentos me coloco na mesma situação de vo- cês. Acho que muitos dos Juruá querem lutar, e que há muitos que choram também, que ficam revoltados. Só não sabemos como nos unir, como juntar forças, como juntar os estudos e a reflexão e real- mente dar as mãos para lutar e proteger essa natureza imensa que não é importante só para o Brasil, mas para o planeta todo. Talvez um dia o Juruá perceba que é importante apoiar a ques- tão indígena não porque somos bonitinhos, coloridinhos ou porque usamos peninhas e temos criancinhas pintadinhas, mas por uma questão de sobrevivência de todas e todos. Podem acusar os indí- genas de tudo quanto é tipo de coisa, mas os povos indígenas são as únicas pessoas aqui no Brasil que respeitam a natureza de fato. Basta digitar no Google “territórios indígenas no Brasil” para visua- lizar, rapidamente, os territórios indígenas, sempre verdes, no meio do mato, sem áreas descampadas, sem áreas queimadas, apesar do que diz o governo atual, que os indígenas cansaram de ficar olhan- do para as estrelas. Gosto de chamar mais pessoas para serem selvagens. O nosso planeta, do jeito que está, está sofrendo muito, está chorando, está gritando, e, por estarmos integrados com ele, vamos ter que come- çar a viver, a ver, a saber e a ter que enfrentar muitas coisas nega- tivas também. Fumo cachimbo, faço fogo no chão, cozinho, durmo e acordo com a cantoria dos passarinhos, e tudo isto é tão simples, mas é tão bonito, tão lindo, tão importante. LEMOV, D. A AULA NOTA 10. SÃO PAULO: EDITORA SAFRA. 2010. Aula nota 10 é um livro publicado em 2011, com o selo Livros de Safra. Trata-se da tradução direta de um título cujo original em Inglês é Teach like a champion, de Doug Lemov, livro publicado pela Jossey & Bass, USA, 2010. Este traz ao longo de seus capítulos, 49 técnicas de aprendizagem oriundas das observações e estudos fei- tos pelo autor no contexto educacional americano, tratando-se de técnicas utilizadas por professores em seu cotidiano de sala em es- colas públicas americanas. Pode-se dizer, pois que o livro aborda a prática educativa sob uma perspectiva pouco convencional aos teóricos da educação brasileira, ou seja, mais ligada ao campo do empírico, da experiência como propulsora de uma generalização de boas práticas educacionais, visto que não se trata de uma teoria e o teor do livro é fruto da “constatação in loco do que dá certo em uma sala de aula” (MELLO; BECSKEHÁZY, 2011, p. 15, grifo do au- tor). Nesse sentido, um levantamento relativamente recente sobre a pesquisa na área de didática no Brasil (André, 2008; Marcondes; Leite e Leite, 2009) aponta que são menos frequentes estudos em que o cerne da pesquisa seja a educação básica, especialmente o âmbito da sala de aula, há uma prevalência pelo ensino superior e formação de professores. Dentro desse contexto, por que então contemplar e utilizar tais técnicas no cenário educacional brasileiro? Apesar de estarem e serem advindas de um ambiente culturalmente diferente do bra- sileiro, o contexto escolar norte-americano, o lugar de surgimento das técnicas é o âmbito da escola pública com atendimento a um público majoritariamente composto por crianças carentes, sendo localizadas em áreas consideradas vulneráveis dos Estados Unidos da América. Nesse ponto, aqui no Brasil, não nos distanciamos tan- to dessa realidade, visto que temos inúmeros alunos socialmente vulneráveis e a escola juntamente com o professor, peçachave do processo de ensino e aprendizagem, tem papel fulcral na diminui- ção desse abismo social, a fim de promover igualdade, sobretudo na aprendizagem. É fato que há críticas a respeito desse tipo de re- curso didático, principalmente se oriundo de países desenvolvidos, inclusive por parte de docentes, como indicam depoimentos de um estudo com professores acerca de evasão e repetência realizadas por Brandão; Baeta; Coelho Rocha (1982) em que se tem a noção de que estes são receitas importadas e que não consideram o con- texto concreto do professor e alunos. Embora tal questionamento possa ter fundamento, no caso das técnicas de Lemov (2011) elas demonstraram resultados eficazes dentro de um contexto socioe- conômico vulnerável. Para, além disso, o objetivo fundamental da escola é uno e universal: promover a construção de conhecimentos, mesmo com todas as adversidades que possam estar presentes nas salas de aulas e com a existência de alunos com dificuldades, espe- cialmente as de cunho social. O uso de técnicas/ferramentas didá- ticas potencializará as habilidades do professor evitando recair no insucesso e na manutenção do ciclo do não aprendizado por parte dos alunos. As Técnicas No que concerne às técnicas, o livro está estruturado de forma que as escolham para melhorar aspectos específicos da prática edu- cativa. As três primeiras técnicas comportam o teor de impulsionar a aprendizagem dos alunos e dinamizar o processo de aquisição/ reflexão do conhecimento. São elas: Puxe mais, que consiste em “premiar respostas certas com mais perguntas” (LEMOV, 2011, p. 59), ou seja, não há um limite para o aprendizado pelo alcance da resposta correta, pelo contrário, o uso de mais perguntas pelo pro- fessor dimensiona o conhecimento do aluno estimulando o raciocí- nio e complexidade das questões. O autor ressalta que essa técnica é relevante para “trabalhar com alunos que têm ritmos diferentes de aprendizagem” (id) e para que o professor perceba em qual nível de aprendizagem o aluno se encontra a fim de ajudá-lo a ampliar seu conhecimento. A outra técnica é a Certo é Certo, exige do aluno que ele utilize muito de seu pensamento para elaborar as respostas do que lhe é questionado. O professor exigirá uma espécie de padrão de quali- dade para as respostas. Utilizando esse recurso, “você demonstra a diferença entre o ordinário e o acadêmico” (LEMOV, 2011, p. 4) isso promove nos alunos uma atmosfera de desafio e confiança em que eles são capazes de produzir excelência nas respostas. E por fim a Sem escapatória técnica na qual o professor se utiliza de estraté- gias para que o aluno que em certo momento não detém conheci- mento sobre dado conteúdoquestionado, possa conquistar por si a resposta. O título é sugestivo, e o aluno não escapa de produzir conhecimento. Segundo Lemov (2011, p. 49) “Esta técnica lembra os alunos de que você acredita na capacidade deles de aprender”, o que acarreta motivação e esforço por elevar o nível de desempe- nho escolar. Outras duas técnicas selecionadas, possuem o conte- údo do planejamento e preparação das aulas, fatores cruciais para o processo de ensino e aprendizagem efetivo. A primeira delas in- titulada de Comece pelo fim, trata do professor planejar sua ação tendo como premissa não só definindo o que ele deseja realizar a cada aula, mas também partindo da noção de uma continuidade do planejamento pela reflexão da aula passada, revendo pontos que os Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 27 33 alunos apresentaram dificuldades e dessa maneira redirecionando suas finalidades. Nesse sentido, trata-se do que Zabala (1998, p. 17) define como uma prática reflexiva que está além do que é produ- zido diariamente em sala. A segunda técnica desse bloco consiste em expor os objetivos de cada aula, por isso o nome é Deixe Claro, são comuns práticas em que os alunos não tenham conhecimento do que irão fazer ou estão realizando. Nesse sentido, uma prática educativa que preconize a aprendizagem dos alunos deve promover que estes tenham conhecimento do que estão realizando, isso gera um senso de pertencimento e participação. Isso proporciona um controle prático da aula rumo ao alcance das metas estabelecidas. A próxima técnica tem o conteúdo da ação de dar aulas. Tra- ta-se de O Gancho, que expõe como o professor antes de adentrar de fato no conteúdo de dada matéria, pode realizar uma espécie de levantamento prévio do assunto lançando desafios para os alunos ou até mesmo contando histórias acerca do tema, fazendo com que o aluno tenha interesse na temática e participe de sua contextua- lização. Quanto à motivação dos alunos nas aulas, há duas técnicas inti- tuladas de Bate- rebate e Todo mundo escreve. A primeira consiste em um jogo de perguntas e respostas, em que o professor questio- na e o aluno responde se correto, segue os questionamentos, senão a pergunta é dirigida a outro aluno. Atividades assim promovem o engajamento da turma e interação, além do professor checar as habilidades e o domínio de conteúdo dos alunos. A outra técnica permite aos alunos expor primeiramente no papel o que pensam sobre dado assunto lançado pelo professor antes de partirem para discussões em sala. Segundo Lemov (2011, p. 158) “[...] técnica em que o professor pede aos alunos que se preparem para argumentar e debater de forma rigorosa, pondo, por um breve período, suas ideias no papel”. Essa técnica evita a limitação do aluno (o silêncio) que muitas vezes acontece após algumas indagações por parte do professor. Por fim, a técnica Cordial/Rigoroso que explicita conteúdos relacionados a conceitos atitudinais do processo educativo, como a construção de valores e autoconfiança. Esta técnica denota que o professor deve ter um comportamento que demonstre que ele acredita no potencial dos seus alunos. Deve possuir um comporta- mento duplo: “[...] consistente, firme e incansável e ao mesmo tem- po, [...] entusiasta e afetuoso, [...]” (LEMOV, 2011, p. 234). Desse modo, as técnicas do livro referenciado propõem soluções didáticas menos ambiciosas, mas relevantemente viáveis para melhorias na ação pedagógica de professores da educação básica. Fonte: SILVA, Orlane Fernandes, et al. O REPENSAR DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES A PARTIR DAS TÉCNICAS REFERENCIA- DAS NO LIVRO AULA NOTA 10. Anais. V CONEDU- Congresso Nacional de Educação- Alagoas. Disponível em: https://www.editorarealize. com.br/editora/anais/conedu/2018/TRABALHO_EV117_MD1_SA2_ ID6709_18092018143723.pdf. Acesso em: 11.maio.2023 ______, DOUG - DAROS, THUINIE. AULA NOTA 10 - 3.0: 63 TÉCNICAS PARA MELHORAR A GESTÃO DA SALA DE AULA. 3ª. EDIÇÃO. PORTO ALEGRE: EDITORA: PENSO, 2023. O livro "Aula Nota 10 - 3.0: 63 Técnicas para Melhorar a Gestão da Sala de Aula" de Doug Lemov é uma obra voltada para professo- res que buscam aprimorar suas técnicas de ensino e gestão da sala de aula. Publicada originalmente em 2010, a edição de 2013 trouxe atualizações e novas técnicas para aprimorar a prática docente. — Resumo da obra O livro é dividido em três partes principais: "Expectativas", "Gerenciamento do Tempo e Comportamento" e "Engajamento". Na primeira parte, o autor destaca a importância de se estabelecer expectativas claras e objetivas para os alunos, com o objetivo de criar um ambiente de aprendizado positivo e estimulante. Na segunda parte, o autor aborda técnicas para gerenciar o tempo e o comportamento dos alunos, incluindo estratégias para manter a atenção da turma durante as atividades e para lidar com comportamentos desafiadores. Na terceira parte, o autor apresenta técnicas para engajar os alunos e tornar a aula mais interessante e dinâmica, incluindo es- tratégias para estimular a participação e a colaboração dos alunos. Ao longo do livro, Doug Lemov utiliza exemplos práticos e ex- periências vivenciadas por professores para ilustrar suas técnicas e tornar a leitura mais acessível. Em resumo, "Aula Nota 10 - 3.0: 63 Técnicas para Melhorar a Gestão da Sala de Aula" é uma obra relevante para professores que buscam aprimorar sua prática docente e criar um ambiente de aprendizado mais eficiente e estimulante. A obra de autoria de Doug-Daros e Thuinie, foi lançada em sua terceira edição pela Editora Penso, em 2023. Por se tratar de uma publicação bastante recente, a editora sugere que o estudante te- nha acesso à obra na íntegra, para um melhor aproveitamento dos conteúdos abordados e quaisquer tipos de atualização. ROJO, R.H.R. PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS. IN: ROJO, R.; MOU[1]RA, E. (ORG.) MULTILETRAMENTOS NA ESCOLA. SÃO PAULO: PARÁBOLA EDITORIAL, 2012. Diversidade cultural é um fenômeno sobretudo da contempo- raneidade, as Novas Tecnolo gias da Informação e de Comunicação (dos séculos XX e XXI) modifica(ra)m a constituição dos su jeitos, que, a partir de uma perspectiva sócio-histórica, constituem-se numa determinada cultura e, simultaneamente, as influencia. Seus códi- gos e linguagens carregam as marcas do processo de cul turalização experienciado. Essa nova sociedade múltipla, consequentemente, é caracterizada pela multiplicidade de textos, como aponta Roxane Rojo: “[…] multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela [a so- ciedade] se infor ma e se comunica” (ROJO, 2012, p.13). O processo de informação que os jovens vivenciam em seu cotidiano é hiper- midiático, um dos fatos que explica a diversidade de linguagens no ambiente esco lar. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 28 3434 Diversidade de linguagens na escola Nessa visão contemporânea, das sociedades culturalmente hí- bridas, a escola passa a ter no vos desafios: como valorar o nível de aculturamento dos alunos, a partir dos diversos discursos pro- feridos e textos produzidos em sala? o que eles aprendem autodi- daticamente é válido para o futuro mercado de trabalho que eles fa- rão parte?; e se eles já trazem um conhecimento prévio, qual seria o papel fundamental da escola? Roxane Rojo traz suas contribuições à baila do Grupo de Nova Lon dres: Essa visão desessencializada (sic) de cultura(s) já não permite escrevê-la com maiúscula – A Cultura –, pois não supõe simples- mente a divisão entre culto/inculto ou civilizado/barbárie, tão cara à escola da modernidade. Nem mesmo supõe o pensamento com base em pares antitéticos de culturas, cujo segundo termo pareado escapava a esse mecanismo dicotômico – cultura/popular, central/ marginal, canônica/de massa – também esses tão caros ao currículo tradicional que propõe a “ensinar” ou apresentar o cânone ao con- sumidor massivo, a erudição ao populacho, o central aos marginais.(ROJO, 2012, p. 13–14). A visão exposta acima vai muito ao encontro do que alguns te- óricos chamam de pós-moder nismo, já que, o (des)posicionamento é indeterminado, na medida em que já não se sabe quais são os valores que devem ser passados pelas instituições de ensino aos futuros “partícipes pensantes” da sociedade. Levando-se em consi- deração que a linguagem dos alunos é parte de um processo de in- tensa influência multicultural, como desenvolver planos de ensino, de letramento, que abranja todas essas especificidades multicultu- rais? Esta e outras questões foram pensadas pelo GNL e continuam a ser desenvolvidas por pesquisadores e professores que vivenciam esses dilemas em seu ambiente de trabalho. Nova ética e novas estéticas A nova ética de que fala Roxane Rojo diz respeito ao consagra- mento de determinadas auto rias, pois na concepção da autora, os alunos deveriam ter maior liberdade de escolha, já que, por exem- plo, a Internet oferece inúmeros materiais, comentários de outros internautas, interpretações complementares que muitas vezes não estão presentes no referencial teórico que os professores apontam aos alunos como o único utilizável. Nesse sentido, a apreciação de cada sujeito passa a ocupar um lugar central no ambiente de aprendizagem, se há tantas possibilidades disponíveis e ao alcance da maioria dos jovens, por que não os orientar criticamente para buscar um meio, um canal de informação e comunicação, que, es- teticamente os agradem? Para tanto, são requiridas uma nova ética e novas estéticas. Uma nova ética que já não se baseie tanto na propriedade (de di- reitos de autor, de rendimentos que se dissolveram na navegação livre da web), mas no diálogo (chancelado, citado) entre novos in- terpretantes (os remixers, mashupers). Uma nova ética que, seja na recepção, seja na produção ou design, baseie-se nos letramentos […] (ROJO, 2012, p. 16). A proposição da autora sobre a construção coletiva através do diálogo vai ao encontro dos conceitos de dialogismo e polifonia bakhtinianos; ao levar em consideração as várias vozes, culturas presentes no discurso de cada sujeito, cria-se um ambiente diversi- ficado sem a opressão de uma ideo logia dominante, processo bas- tante enriquecedor para o processo de aprendizagem coletivo. Multiplicidade de linguagens Nos dois primeiros tópicos tratamos sobre a diversidade cul- tural e a diversidade de lingua gens na escola, mas há que se pen- sar que toda a sociedade passou a ter acesso a esses textos multi- modais, seja ele impresso, virtual, etc. Os textos multimodais são aqueles “[…] textos compostos de muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e que exigem capacidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas (multiletramentos) para fazer signifi- car” (ROJO, 2012, p. 19). Se a so ciedade passou a se comunicar e a se informar por meios e suportes que oferecem inúmeras possibi- lidades, há que se pensar em maneiras de trabalhá-las criticamente, entender o funcionamento des ses meios e como gerar produtos a partir delas. “E como ficam nisso tudo os letramentos? Tornam-se multiletramentos: são necessárias novas ferramentas – além das da escrita manual (papel, pena, lápis, caneta, giz e lousa) e impressa (tipografia, imprensa) – de áudio, vídeo, tratamento de ima gem, edição e diagramação.” (Ibid, p. 21). “Pedagogia” dos multiletramentos O termo “pedagogia” utilizado por Roxane Rojo leva em consi- deração os itens “nova ética” e “novas estéticas”. […] são requeridas uma ética e várias estéticas e aí se encontra um trabalho que a escola pode tomar para si: discutindo critica- mente as “éticas” ou costumes locais, constituir uma ética plural e democrática; discutindo criticamente as diferentes “estéticas”, constituir variados critérios críticos de apreciação dos produtos culturais locais e globais. Aqui, estamos no domínio das atitudes e valores, que também se aplicam às línguas (e suas variedades), às linguagens e suas combinações e às práticas letradas em suas variedades (e, logo, justifica-se uma área de línguas/linguagens nas escolas). (ROJO, 2012, p. 28). A pedagogia dos multiletramentos, nesse sentido, vem à tona para atender as novas deman das (discutidas nos tópicos anterio- res) da sociedade contemporânea; já que a escola, para frisar uma vez mais, é um espaço multicultural e até mesmo fronteiriço – com alunos de nacionalidades dife rentes, como é o caso de Corumbá e Bolívia – tem de pensar em discursos e práticas que contem plem todos os alunos, independentemente da classe social, do nível de erudição, além do pertenci mento à determinada cultura (por mais “exótica” que pareça), uma nova ética democraticamente construí- da, que não oprima os diferentes e valorize justamente a alteridade e as possibilidades de se aprender um com o outro. Não descartar os meios de comunicação, como o smartphone, em sala de aula, mas sim utilizá-lo como ferramenta de pesquisa. Esta e muitas ou- tras ações demonstram como a pedagogia dos multiletramos tem dado ênfase à possibilidade de colaboração e interação das No vas Tecnologias da Informação e da Comunicação. Embates quanto à “pedagogia” dos multiletramentos Roxane Rojo diz que a maioria do corpo docente tem recepcio- nado bem as novas práticas da pedagogia dos multiletramentos. No entanto, aponta que ainda há desafios para que se concretize mais contundentemente essas novas práticas de ensino: (a) o que fazer quanto à formação/remuneração/avaliação de professores; Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 29 35 (b) o que mudar (ou não) nos currículos e referenciais, na or- ganização do tempo, do espaço e da divisão disciplinar escolar, na seriação, nas expectativas de aprendizagem ou descritores de “de- sempenho”, nos materiais e equipamentos disponíveis nas escolas e salas de aula. (ROJO, 2012, p. 31). Assim posto, vimos que há inúmeras contribuições dessas no- vas perspectivas que, começam com o GNL, mas já se mostraram pertinentes a outros contextos. E que no Brasil, além de ser bem re- cebido pelos profissionais da educação ainda tem sido bem repre- sentado por pesquisadores com petentes, entretanto, como aponta a autora acima, tem-se vários embates pendentes ainda. TARDIF, M. SABERES DOCENTES E FORMAÇÃO PROFISSIO- NAL. 13. CAP. 2,3 E7. ED. PETRÓPOLIS- RJ: VOZES, 2012. Nesta obra, o autor traz pesquisas feitas nessa área nos países mencionados , o que traz informações que permitem discussões re- ferente à formação profissional dos professores. É apresentado pesquisas educacionais a partir de 90; destaca a avaliação das reformas implantadas até a virada do século com ênfase à formação profissional dos professores e à visão dos sa- beres; traz ao palco das discussões as experiências existentes na prática pedagógica no mundo anglo saxão e, mais recentemente, nos países europeus. Até a década de 80, as pesquisas não levavam em conta a ex- periência da sala de aula e existia uma cisão entre os conhecimen- tos oriundos da universidade e a realidade do cotidiano escolar. Na época, os pesquisadores revelavam suas pesquisas nas descobertas de teorias encontradas nas bibliotecas de universidades. Tardif em suas pesquisas não desconsidera, em hipótese al- guma, a relação dos conhecimentos oriundos das universidades com os saberes extraídos e produzidos na prática docente. Como pesquisador, seus estudos defendem essa prática interativa entre saber profissional e os saberes das ciências da educação. De acordo com o autor, o saber dos professores é o saber deles e está relacio- nado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e, com os outros atores escolares na escola. Eis a razão do título do livro, Saberes docentes e formação profis- sional. O livro divide-se em duas partes inter complementares: o sa- ber dos professores em seu trabalho e o saber dos professores em sua formação. Na introduçãoTardif nos interpela com vários questionamentos e nos deixa inquietos e curiosos para conhecer as respostas. Quais os saberes que servem de base ao ofício de profes- sor? Quais são os conhecimentos, o saber-fazer, as competências e as habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas escolas, a fim de realizar concretamente as suas diver- sas tarefas? Qual é a natureza desses saberes? Como esses saberes são adquiridos? Esses são alguns exemplos dentre tantos questio- namentos apresentados. Na primeira parte encontram-se capítulos que esclarecem vários aspectos referentes aos saberes dos profes- sores e a segunda parte constituída de três capítulos realiza uma análise dos resultados das pesquisas sobre os investimentos finan- ceiros e das diretrizes para a formação do professor. No primeiro capítulo “Os professores diante do saber: esboço de uma problemática do saber docente”, o autor realiza a interlocu- ção entre saberes sociais e educação, é dado ênfase que o professor é aquele que sabe alguma coisa e o ensina a alguém. É com muita propriedade, que Tardif apresenta os quatro saberes que constro- em a profissão docente: os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica), os saberes disci- plinares, os saberes curriculares e os saberes experienciais. É dada toda a ênfase aos saberes experienciais como aquele que surge na e pela prática, validados pelo professor e acoplados na constitui- ção de seu profissionalismo. Nesse capítulo, também é feita toda uma revisão histórica, definindo os vários papéis exercidos pelo professor até a “conquista” da autonomia que começa a exigir do professor novas definições políticas e sociais na profissão. “Sabe- res, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério” é o segundo capítulo do livro e trata das questões de ordem da transformação que ocorre com a identidade profissional do professor ao longo dos anos. Os anos de profissão mudam a identidade profissional, as- sim como, a maneira de trabalhar. Nesse sentido, Tardif compactua com Schön, quando aponta que as aprendizagens profissionais são temporais e, que à medida que o tempo passa, novas ações surgem a partir das experiências interiorizadas e reavaliadas. Tem-se o so- cial como ferramenta de construção do profissionalismo docente. Para comprovar esse fato as pesquisas dos autores Raymond, Butt e Yamagishi (1993), de Lessard e Tardif (1996), de Tardif e Lessard (2000) são apresentadas para exemplificar a construção do profis- sionalismo através do coletivo e, várias falas de professores (sujei- tos da pesquisa) ilustram as fases iniciais da carreira e as transfor- mações oriundas da experiência que se acumula com o passar dos anos. Ou seja, o professor aprende a trabalhar trabalhando. Vários aspectos significativos dos saberes experienciais são apresentados e discutidos ao término do capítulo. O terceiro capítulo do livro, “O trabalho docente, a pedagogia e o ensino: interações humanas, tec- nologias e dilemas”, apresenta uma discussão muito interessante do papel da pedagogia como instrumento de trabalho do professor. Discute as várias interações que se estabelecem no cotidiano peda- gógico e as ferramentas utilizadas para essa interação. A coerção, a autoridade e a persuasão fazem parte das tecnologias da interação e são utilizadas pelo professor no processo pedagógico. O autor en- fatiza que não tem sentido pensar conceitos como Pedagogia, Di- dática, Aprendizagem, dentre outros, sem integrá-los às situações concretas do trabalho docente. Outra observação realizada com precisão pelo autor, é a diferenciação entre o trabalho do professor e o trabalho industrial. Entre o trabalho pedagógico e o trabalho industrial a diferença reside na possibilidade de materialização, ou seja, no processo produtivo industrial a visualização dos resultados é desvelada com mais rapidez que no trabalho pedagógico. “Ele- mentos para uma prática educativa” e “O professor enquanto ‘ator racional’” são o quarto e quinto capítulos. No quarto capítulo, o saber do professor é relacionado a alguns estereótipos designados à profissão docente. O ofício de professor é historiado desde a Gré- cia antiga. Na linha histórica do tempo, são apresentados autores como Platão, Aristóteles e Rousseau. Tardif retrocede na história e apresente a educação como arte, a educação enquanto técnica guiada de valores e a educação enquanto interação. No entanto, es- ses três aspectos da revisão histórica realizada por ele não esgotam a discussão e mais oito modelos recentes que integram a prática pedagógica são apresentados. No último capítulo da primeira par- te, Tardif apresenta porque se distancia da teoria de Schön, visão cognitivista, pois centraliza seus estudos na racionalidade docente, Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 30 3636 partindo das vivências/experiências que constroem seus saberes profissionais. A segunda parte do livro “O saber dos professores e sua formação“ é construída a partir do capítulo seis “Os professo- res enquanto sujeitos do conhecimento”, do capítulo sete “Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários” e do capítulo oito “Ambiguidade do Saber docente”. Nesses três últimos capítulos o autor discute os trabalhos de pesquisa (dos professores universitários), juntamente com o trabalho do professor (professor de ofício). Tardif é enfático ao apontar que não se pode mais cindir o trabalho do professor da pessoa do professor. Neste sentido, as universidades, que representam os grandes centros de pesquisa, precisam considerar o professor como o principal agente do siste- ma escolar. É nos ombros do professor que se encontra a estrutu- ra responsável pela missão educativa. Portanto, é imprescindível que as pesquisas científicas de educação considerem o saber-fazer dos professores. Tanto na América do Norte quanto na maioria dos outros países de cultura anglo-saxônica (Austrália, Inglaterra, den- tre outros) e de forma mais recente em parte da Europa (Bélgica, França, Suíça) a preocupação com o resgate ao valor profissional dos agentes educativos, mas especificamente do professor, tem sido alvo de discussões para fundamentar novas epistemologias ao ofício. Diante desse fato, Tardif discute a questão da inclusão dos saberes do professor de ofício (aquele que atua na sala de aula) nas pesquisas realizadas pelos professores universitários (pesqui- sadores). O saber-fazer existente na prática do cotidiano escolar e, representado naquilo que o autor denomina de subjetividade do trabalho docente, deve ser incorporado à pesquisa universitária e aproveitado para a formação de futuros professores. Desta forma, o autor apresenta alguns modelos implantados em outros países na formação de futuros professores, como no caso do modelo inglês, que desde 1992 dois terços da formação inicial foi transferida para o meio escolar. Talvez utopia para a realidade brasileira, mas vale a pena observar os resultados dessa iniciativa. Nas considerações finais, Tardif apresenta a discussão das reformas implantadas no sistema educacional norte-americano e canadense e a diferença entre o real e o ideal para a consolidação de uma formação do- cente almejada. Mesmo nos países desenvolvidos os investimentos financeiros não são suficientes para atender ao desejo da reforma, assim como, proporcionar aos professores das universidades as de- vidas horas para que pudessem acompanhar os alunos da formação inicial nos projetos e pesquisas no interior dos muros escolares.1 SENNA, CELIA M. P. ET AL. METODOLOGIAS ATIVAS DE APRENDIZAGEM: ELABORAÇÃO DE ROTEIROS DE ESTU- DOS EM “SALAS SEM PAREDES”. IN: BACICH, LILIAN; MO- RAN, JOSÉ (ORGS.). METODOLOGIAS ATIVAS PARA UMA EDUCAÇÃO INOVADORA: UMA ABORDAGEM TEÓRICO- -PRÁTICA. SÃO PAULO: PENSO, 2018. Diferentemente da educação do passado, a escola de hoje pre- cisa articular diversos saberes e práticas metodológicas de ensino para garantir a aprendizagem de seus estudantes.Além de expandir o potencial criativo de crianças e jovens, as instituições de ensino do século XXI têm a tarefa de abrir suas portas e estabelecer par- cerias e vínculos com as famílias e comunidades onde estão inseri- das. Ou seja, a criança que entra na escola hoje não pode encontrar a mesma estrutura pedagógica de quando estudaram seus avós. 1 Fonte: www.educacadoresemluta.blogspot.com.br Nesse contexto, surgem escolas centradas no estudante. As escolas tradicionais têm buscado incluir novas propostas metodo- lógicas e o uso da tecnologia, mas normalmente acabam focando na preparação para provas. Além disso, o conceito de liberdade pro- porcionado ao estudante é limitado, e as aulas acabam repetindo o antigo modelo pouco motivador que “entra por um ouvido e sai pelo outro”. As escolas que optam por proporcionar real autonomia ao estudante reinventam a arquitetura do ensino com o uso de fer- ramentas, estruturas e conceitos contemporâneos para construir uma experiência totalmente nova. Em um mundo cada vez mais globalizado, fica clara a necessidade de preparar os estudantes para os desafios que eles encontrarão. O professor (que preferimos chamar de educador) não deve ser entendido como o dono do co- nhecimento, nem os estudantes tratados como simples ouvintes. Ao saírem das escolas, os jovens encontram desafios maiores a cada dia e, se eles não tiverem contato com competências que os tornem mais preparados, a inserção na vida e nos desafios que ela representa será mais difícil. Para que isso aconteça, os educadores devem entender não somente os aspectos pedagógicos da infân- cia e da adolescência, mas também fazer um esforço de compre- ender os assuntos que são relevantes para os estudantes no século XXI. Vivemos a era da informação, na qual a sociedade é impactada pelo ritmo acelerado das novidades tecnológicas, resultado eviden- te do acúmulo e evolução do conhecimento científico. O número de informações disponibilizada é imensa e aumenta em grande velocidade, sendo que a internet gera infinitos caminhos para in- vestigação de cada tópico levantado. Estamos no auge da era da in- formação, mas não vivemos na era do conhecimento. O estudante tem acesso a muita informação, mas o conhecimento tem que ser construído. O que eu falo é meu conhecimento, para quem ouve, é informação. Se o indivíduo que ouve aceita e usa a informação na vida prática, vira conhecimento para ele. Conhecimento é a infor- mação em ação prática. Mas como construir este conhecimento? Para responder a esta questão, é preciso refletir sobre como os estudantes aprendem. Os estudantes aprendem o que vivenciam. Se os estudantes convivem com as consequências de seus atos – são responsáveis, corresponsáveis pelo seu processo de aprendizagem – aprendem a se tornar responsáveis. Se convivem com expectativas positivas, aprendem a construir um mundo melhor. Se convivem com o res- peito no trabalho em grupo e nos salões compartilhados, aprendem a ter consideração pelos outros. Se convivem com o apoio de educadores e de outros estudantes, aprendem a apoiar e a se aceitar melhor. Se convivem com a responsabilidade, apren- dem a ser autossuficientes. Para que os estudantes aprendam, não basta apresentar-lhes o conteúdo. Segundo Zabala (1998, p. 37), […] é necessário que, diante destes, possam atualizar seus es- quemas de conhecimento, compará-los com o que é novo, iden- tificar semelhanças e diferenças e integrá-las em seus esquemas, comprovar que o resultado tem certa coerência. Quando isso acontece, o estudante se depara com uma apren- dizagem significativa. Entretanto, a aprendizagem mecânica, nor- malmente realizada pelas escolas de cunho mais tradicional, é caracterizada pelo escasso número de relações que podem ser es- tabelecidas com os esquemas de conhecimento presentes na estru- tura cognitiva e, portanto, facilmente submetida ao esquecimento. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 31 37 O educador, ao preparar sua aula, organiza uma série de con- teúdos cujo objetivo é expor com clareza os temas aos estudantes. Ele coleta essas informações nos livros didáticos, por meio eletrô- nico ou outros meios. Esses conteúdos, ainda que muito bem or- ganizados e sistematizados, nada mais são do que um conjunto de informações. Essas informações são potencialmente significativas para os estudantes, ou seja, carregam consigo o potencial de se tor- narem conhecimento para os estudantes, mas ainda não o são. Para que se tornem conhecimentos efetivos, precisarão se relacionar com o conhecimento já existente na estrutura cognitiva do estu- dante. Aprendizagem significativa é o processo por meio do qual uma nova informação (um novo conhecimento) se relaciona de manei- ra não arbitrária à estrutura cognitiva do estudante. É no curso da aprendizagem significativa que o significado lógico do material de aprendizagem se transforma em significado psicológico para o sujeito. Para Ausubel (1963, p. 58), “a aprendizagem significativa é o mecanismo humano, por excelência, para adquirir e armazenar a vasta quantidade de ideias e informações representadas em qual- quer campo de conhecimento”. Para que o mecanismo seja aciona- do, é preciso que o aprendiz já possua algum conhecimento prévio, ou seja, já deve existir uma estrutura cognitiva em funcionamento. Para falar em aprendizagem significativa, pensemos primeiro na relação entre a informação que se pretende transmitir e a assi- milação desta informação pelo estudante. Cotidianamente, todos somos expostos a uma quantidade enorme de ideias e informações. Entretanto, os novos dados recebidos e armazenados só farão parte de nossa bagagem de conhecimento quando forem relacionados e somados a outras informações de nosso universo de conhecimen- tos, tornando-se de fato “conhecimento assimilado” – aquele ca- paz de mudar em algum aspecto a nossa compreensão das coisas ou visão de mundo. Nesse contexto, surgem os roteiros de estudo, uma proposta pedagógica da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Presidente Campos Salles, localizada no bairro de Heliópolis, em São Paulo (SP). Dentro dessa proposta, os educadores podem manter sua paixão, estar seguros que a informação transmitida possa ser capaz de gerar conhecimento e continuar a desenvolver sua capacidade de liderar a aprendizagem dentro e fora da escola, contribuindo significativamente para a construção da autonomia de cada estudante. Claramente, o formato de “linha de produção” do século XIX, que empurra massas de crianças no sistema educacio- nal, não é mais praticável nem desejável. A proposta pedagógica da EMEF Presidente Campos Salles vai no sentido contrário ao modelo tradicional do currículo universal e seus testes padronizados, que cria um resultado comum a partir de uma massa diversa de aprendizes. Como a maioria das escolas é medida de acordo com esses padrões comuns, elas são então obri- gadas a entrar em um tipo de dança na qual se pede aos estudantes que aprendam um material que cairá na prova e eles nele se concentram, o que garante que os estudantes revejam de antemão exatamente o que será pedido nessa prova. De certa forma, essa abordagem é enganosa, pois testa somente uma etapa mínima do conhecimento em qualquer assunto – e efetivamente só ensina os estudantes a fazer provas e memorizar conteúdos de forma mecânica, levando a pouca retenção de conhecimento. A proposta metodológica dos roteiros de estudo é possível, tangível e acessível, tanto para os educadores quanto para os estu- dantes, os verdadeiros atores do processo. Trata-se de uma propos- ta de educação adaptativa, ou seja, adaptável à realidade local da escola e multiplicável pelo educador. É realmente transformador entender a metodologia por roteiro de estudo com uso qualificado de tecnologia como uma forma de tornar a aprendizagem significativa possível. Segundo Castells (1999), o que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a cen- tralidade de conhecimentos einformação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimen- tos e de dispositivos de processamento/comunicação da informa- ção, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso. As tecnologias educacionais vieram para ficar. No entanto, elas só ajudam realmente quando a adoção parte de um problema encontrado pelo educador que elas ajudam a resolver. Ou seja, pri- meiro o educador precisa ter um objetivo pedagógico, e, a partir daí, escolhe uma tecnologia que seja mais eficaz para atingir o ob- jetivo do que seria possível para o educador sem a tecnologia. Em geral, os estudantes ficam muito motivados quando aprendem com tecnologias, os problemas de comportamento são reduzidos, a atenção e a aprendizagem aumentam. Se o planejamento da ativi- dade com tecnologia for feito junto com os estudantes, eles ficam ainda mais comprometidos e, inclusive, podem ajudar a contornar eventuais dificuldades de implementação. A personalização é um objetivo importante da integração de tecnologia na aprendizagem, para que cada estudante possa aprender no ritmo e do jeito mais adequado. A tecnologia de hoje pode ser uma grande aliada no processo de ensino e aprendizagem nas escolas, mas ela precisa ser empregada de forma contextuali- zada, de modo que a proposta pedagógica venha sempre antes da tecnologia, e esta tenha seu uso regulado por aquela e nunca ao contrário. É preciso entender o uso da tecnologia de forma natural e criativa no processo de aprendizagem, como o lápis e o papel já foram um dia; tecnologia como meio e instrumento que deve em- poderar o sujeito e ampliar as possibilidades de transformação e sentido que o processo de aprendizagem deve trazer, tanto para estudantes quanto para educadores. Assim, estudantes e educa- dores tornam-se autores, coautores do material e do processo de ensino e aprendizagem, pensando em formas novas e inovadoras de compreender e promover o acesso à informação de forma mais abrangente e igualitária. Para desenvolver uma metodologia ativa em sala de aula, é necessário transformar objetivos de ensino do educador em ex- pectativas de aprendizagem para os estudantes. As metodologias ativas de aprendizagem devem propiciar aos educadores recursos e práticas didáticas que permitam o “ensinar” diante de cenários, ambientes e clientela – estudantes e comunidades – com necessi- dades diversificadas e o “educar” para a compreensão do mundo em que vivemos. A metodologia de ensino por roteiros de estudo contribui de forma especial para o aprendizado significativo que leva ao conheci- mento, pois trata justamente de como colocar em prática o ensino de forma contextualizada e lógica, de modo a promover a articula- ção dos saberes e instrumentalizar o educador a ter clara percepção sobre o aprendizado dos estudantes (Fig. 10.1). O desafio é tornar claro o que estes já sabem sobre um tema (conhecimentos prévios e senso comum) e desenvolver mediações/interações pedagógicas em sequência e controladas (pela ação do educador) para que os Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 32 3838 estudantes relacionem as informações (lidas, pesquisadas, obser- vadas) e construam a aprendizagem significativa – construam co- nhecimento (apropriado como novo conhecimento dos estudantes sobre o tema). Figura 10.1 Processo de construção do conhecimento. Os roteiros de estudo também são fundamentais na cons- trução da autonomia do estudante. Partindo-se do fato de que o ser humano não é um ser isolado, e sim, como conceitua Pinto (1988, p. 17), “[...] intrinsecamente, um ser de relação, a autono- mia acontece quando a gestão das relações que tecem a nossa existência permite a afirmação do sujeito, nomeadamente na con- cretização de projetos”. Garrison (1992) entende que a autonomia na aprendizagem acentua a importância da inter-relação com os outros de forma que o estudante possa assumir maior controle da sua aprendizagem: o estudante autônomo não é indepen- dente ou dependente, mas sim interdependente. A autonomia é “a capacidade de se conduzir e de tomar decisões por si pró- prio, levando em conta regras, valores, a perspectiva pessoal, bem como a perspectiva do outro” (GARRISON, 1992, p. 144). Pensar e fazer por si mesmo criticamente e em vista do outro. Mais do que autocuidado – saber vestir-se, alimentar-se, escovar os dentes ou calçar os sapatos –, ter autonomia significa ter vontade própria e ser competente para atuar no mundo em que se vive. A aprendizagem significativa é um exercício de autono- mia; sem a construção da autonomia, esse tipo de aprendizagem não pode existir. Na perspectiva pessoal, um indivíduo autôno- mo consegue identificar seus interesses e valorizá-los – criar sua própria identidade e também perceber como se aprende –, com planejamento, foco, objetivos/metas e avaliação (identificação de eventuais dificuldades), aumentando sua capacidade de se estru- turar. Porém, na construção da verdadeira autonomia, a perspectiva do outro é essencial, no que tange à negociação no momento do planejamento, ao encontro de espaço para o interesse pessoal den- tro dos interesses do grupo, às rodas de conversa e ao entender os diferentes tipos de estudantes e educadores. Os roteiros de estudo auxiliam na construção da autonomia dos estudantes, pois escolher significa compreender o que é a liber- dade de escolha e decisão, significa aprender a levantar alternati- vas diante de uma escolha ou decisão, aprender a analisar e avaliar as alternativas, escolher entre elas, decidir e, principalmente, ava- liar as escolhas e decisões feitas e ser responsável por elas. De- senvolvem a autonomia emocional, destacando a atitude positiva em relação a si mesmo e à vida, mantendo a autoestima elevada e reconhecendo os limites pessoais, recorrendo, em caso de necessi- dade, à ajuda externa. “Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões que vão sendo tomadas” (FREIRE, 2005, p. 120). Ainda segundo o autor, ao referir-se à autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir e ser. É nesse sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsa- bilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade. (FREI- RE, 2005, p. 121). O CONTEXTO EM QUE ESTÃO INSERIDOS OS ROTEIROS DE ES- TUDO NA EMEF PRESIDENTE CAMPOS SALLES A grande questão que aparece é de que forma surgem os ro- teiros de estudo no contexto da escola. O projeto político-pedagó- gico (PPP) da EMEF Presidente Campos Salles vem sendo construído a partir de um efetivo trabalho de integração com a comunidade. A concepção dessa integração parte do princípio de que escola e comunidade formam um mesmo corpo. Os problemas da escola são da comunidade, e os problemas da comunidade são da escola. As- sim, a escola e a comunidade são parceiras na luta pela efetivação dos direitos da população de Heliópolis, pela construção de uma cultura de paz e a transformação de Heliópolis em um bairro educador, com o objetivo de transformar a sociedade. O processo de transformação e mudança da instituição começa em 1995, quando Braz Rodrigues Nogueira, ingressando como diretor efetivo, trouxe consigo duas ideias norteadoras do PPP. A primeira é que “tudo passa pela educação”, e a segunda é que a escola deve ser “um centro de liderança na comunidade em que atua”. Tanto a comunidade escolar quanto as lideranças pro- positivas da comunidade local passaram a comungar dessas ideias, tornando-as norteadoras do PPP da escola e também dos projetos educativos da comunidade de Heliópolis, criados a partir de então. Essa parceria foi capaz de desconstruir o muro simbólico entre es- cola e comunidade, entre educação, cultura, esporte e lazer. Quase dez anos após o início do processo de transformação da instituição, apesar da integração da escola com a comunidade para a construçãode um bairro educador e da tentativa de um tra- balho pedagógico em equipe por parte dos educadores, a frag- mentação do conhecimento continuava a ser uma realidade que impedia o avanço do processo de ensino e aprendizagem. Em 2004, alguns educadores propuseram ao diretor uma mu- dança na metodologia de ensino, inspirada na Escola da Ponte, de Portugal, e na EMEF Desembargador Amorim Lima, de São Paulo. A partir dessa proposta, o diretor buscou conhecimentos e embasa- mento teórico que passaram a influenciar a construção da mudança do PPP da EMEF Presidente Campos Salles. Em 2005, os três princípios norteadores da Escola da Ponte, autonomia, responsabilidade e solidariedade, foram integrados aos dois que já existiam, e a escola passou a ter cinco princípios: tudo passa pela educação, a escola como centro de liderança na comu- nidade em que atua, autonomia, responsabilidade e solidariedade. Em 2006, os estudantes passaram a trabalhar em equipe, e houve uma tentativa de integração das áreas de conhecimento, com o objetivo de “quebrar as paredes” entre as disciplinas, tendo como foco o estudante, em uma concepção que o vê como ser in- tegral, completo, capaz de tomar decisões, portador de saberes e capaz de organizar-se individual e coletivamente para aprender. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 33 39 No final de 2007, as paredes entre as salas de aula foram der- rubadas e estas transformaram-se em quatro grandes salões de estudo, onde se agruparam estudantes do mesmo ano. Nessa reor- ganização de tempos e espaços, os educadores passaram a elaborar roteiros de estudo para os estudantes, visando a uma integração maior entre as áreas do conhecimento por meio do planejamento coletivo e do trabalho em equipe. Nesse mesmo ano, nasceu a proposta de apropriação do es- paço público localizado no entorno da escola, com o objetivo de valorizar as culturas locais, propiciar espaços de convivência, lazer e cultura para a comunidade de Heliópolis celebrar as diferen- ças e socializar o saber. A partir desse sonho, foi realizada mais uma conquista da comunidade organizada junto com a escola, a constru- ção do Centro de Convivência Educativa e Cultural de Heliópolis (CCEC- Heliópolis), hoje denominado CEU Heliópolis Professora Ar- lete Persoli. O currículo da EMEF Presidente Campos Salles é bastante di- verso e rico. Ele busca o desenvolvimento integral de cada indiví- duo – considerando os aspectos cognitivos, emocionais, sociais e biológicos –, atuando na construção do conhecimento dos estu- dantes, competências para pesquisa, autonomia para aprender, se organizar e estudar, construção do sujeito na relação com o outro, desenvolvimento da competência e expressão oral para o debate e argumentação, competências para expressão artística e para leitura crítica do mundo. Para que os princípios norteadores do PPP sejam vivenciados na escola, foram criados dispositivos pedagógicos que organizam o trabalho de estudantes e educadores, assim como os tempos e espaços de aprendizagem. Em cada salão, agrupam-se três turmas de um mesmo ano, somando aproximadamente cem estudantes por salão. Os estudantes se agrupam em grupos de quatro e, no mínimo, três educadores os acompanham. Por meio de assem- bleias, os estudantes de cada salão votam de forma coletiva e democrática os temas de preferência para estudarem por meio dos roteiros, que são elaborados pelos educadores de forma correlacionada com o Plano Anual de Ensino que desenvolvem em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as Expectativas e Direitos de Aprendizagem propostos pela Secre- taria Municipal de Educação de São Paulo (SME/SP). Ao longo dos bimestres, os educadores buscam contemplar os temas votados pe- los estudantes de forma que os roteiros de estudo desenvolvam os objetivos, competências, expectativas e direitos de aprendizagem esperados. No salão de estudo, os educadores exercem o papel de orientadores, não havendo aulas expositivas, de forma que os edu- cadores extrapolam suas disciplinas. Quando os estudantes têm alguma dúvida, recorrem primeiro aos colegas de grupo, um pilar importante da metodologia da escola que é a de aprendizagem também pelos pares. Não obtendo a ajuda necessária, solici- tam a orientação de um educador. Os grupos vivenciam a respon- sabilidade em relação à execução de todos os roteiros de estudo. Ou seja, o grupo de quatro estudantes só recebe um novo roteiro quando todos finalizarem. A solidariedade também é um exercício constante, uma vez que o estudante aprende tanto com seus pares quanto os ajuda a aprender. Além dos salões, outros espaços educativos da escola são as salas de orientação, onde os estudantes trabalham em grupos me- nores e são realizadas oficinas. Para o Ciclo de Alfabetização (1º, 2º e 3º anos), são realizadas oficinas para alfabetização da lín- gua portuguesa e estrangeira, alfabetização matemática e oficina de arte. Para os ciclos Interdisciplinar (4º, 5º e 6º anos) e Au- toral (7º, 8º e 9º anos), a sala de orientação é utilizada para oficinas de inglês, produção de texto, matemática e artes. As conceituações ciclos Autoral e Interdisciplinar são normativas da SME/SP. Além dos roteiros e oficinas, outros dispositivos propiciam a vivência da autonomia, da responsabilidade e da solidariedade: as- sembleias, comissões e a república. As assembleias acontecem para a construção de regras e combinados que garantam os direitos e deveres de todos, por exemplo, a escolha dos integrantes das co- missões mediadoras dos salões ou outros assuntos que envolvam tomada de decisão. Além disso, geralmente no início dos semes- tres, são realizadas assembleias para decisão de temas de estudo: os estudantes e educadores elencam diversos temas que gostariam de estudar e, depois que todos expuseram suas ideias e sugestões, os temas são votados e aqueles que recebem o maior número de votos são elencados, e, a partir deles, são elaborados os roteiros de estudo. As assembleias são compostas por todos os integrantes de um salão, educadores e estudantes. São normalmente realizadas em espaços externos, no pátio da escola ou em algum espaço amplo do Centro Unificado de Formação, onde seja possível que todos sentem-se em círculo para que possam se enxergar e ouvir mutuamente. Os educadores ou a equipe gestora são responsáveis por fazer a mediação nesses momentos. A periodicidade das assembleias depende das demandas de cada salão. Elas podem acontecer sempre que surgir a necessi- dade da resolução de problemas. Em cada assembleia, se discute e são tomadas decisões referentes a um único assunto: votação de temas para estudo, eleição de membros das comissões mediadoras ou construção de regras sobre o uso de celulares nos salões, por exemplo, para que todos possam se expressar em torno da discus- são e para serem ouvidos por todos. As discussões e os encaminha- mentos das assembleias são registrados por algum dos estudantes em livros atas próprios de cada salão. Cada salão de estudos tem uma comissão mediadora de conflitos, composta por aproximadamente dez estudantes. O seu principal instrumento de trabalho é o permanente diálogo com to- dos os segmentos da comunidade escolar. Seu principal objetivo é ser ponte. Ponte entre estudante e estudante, estudantes e educadores, estudantes e pais, estudantes e direção/coordenação pedagógica e estudantes e a comunidade. Os estudantes também vivenciam o protagonismo por meio da República de Estudantes, entendida como forma de gestão do es- paço escolar que objetiva promover a aprendizagem democrática na própria prática da democracia. A República decide encaminha- mentos que impactam toda a escola, muitas vezes a partir dos resultados de votação das assembleias dos salões. A República de Estudantes é composta por prefeito, vice-prefeito, secretários (da comunicação, da convivência e diversidade, da cultura e do esporte e da saúde e ambiente), vereadores e comissão de ética. As cha- paspodem ser constituídas por estudantes de diferentes salões, que se candidatam anualmente às eleições. O PROCESSO DE AVALIAÇÃO A avaliação é concebida como processo, avaliação para a aprendizagem, e não avaliação da aprendizagem. Diante disso, são realizadas diariamente pelos educadores intervenções e mediações referentes à construção do conhecimento no momento em que os estudantes realizam os roteiros de estudo, seguidas de registros para que os demais educadores dos salões possam também acom- panhar esse processo. É fundamental que o educador perceba se os estudantes estão fazendo uma conexão entre as várias ati- vidades dos componentes curriculares, que se completam para o conhecimento de um conteúdo ou tema. Caso isso não aconteça, o educador deve lançar boas perguntas até que perceba que a cone- xão está fazendo sentido. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 34 4040 Ao final de cada roteiro de estudo, os estudantes realizam a avaliação do roteiro e a autoavaliação, parte importante do processo de aprendizagem, em que avaliam seus conhecimentos acerca do tema estudado e como os princípios da escola (autonomia, respon- sabilidade e solidariedade) foram vividos durante o processo. A fim de concluir o processo e atribuir um conceito final (conforme determinação da SME/SP), ao final de cada bimestre ocorrem os encontros de conselho de classe entre os educadores juntamente com a equipe gestora e comissões mediadoras (a partir do 4º ano). Todos se reúnem para analisar o processo de desempenho global de cada estudante, suas conquistas e próximos desafios, e para atri- buir o conceito final para cada estudante. Além disso, os estudantes também participam de avaliações externas obrigatórias para as escolas da rede municipal de educação de São Paulo. Na instância municipal, participam da Prova Mais Educação São Paulo (para estudantes do 3º ao 9º ano do ensino fundamental). Essa avaliação não tem como meta elaborar rankings ou fazer premiações, mas sim contribuir com o processo de aprendizagem e avaliação das unidades escolares e direcionamento de políticas públicas da SME/SP. Na instância federal, participam da Provinha Brasil e da Prova ANA (para o ciclo de alfabetização) e da Prova Brasil (para estudantes do 5º e 9º anos do ensino fundamental). Os resultados alcançados nessas avaliações pelos estudantes da EMEF Presidente Campos Salles mostram razoável desempenho pedagógico. Deve-se salientar que a proposta inovadora que vem sendo desenvolvida pela escola nem sempre é adequada às avaliações mais conservadoras. Dessa forma, é necessário um olhar cuidadoso na análise desses resultados. No IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), índice elaborado a partir dos resultados da Prova Brasil, a escola manteve a média acima da meta projetada para a unidade desde o ano de 2007 (após implementação do PPP), com exceção de 2011 para o 5º ano e 2013 para o 9º ano. Em 2015, os estudantes do 5º e do 9º ano atingiram a meta projetada. OS TIPOS DE ROTEIROS DE ESTUDO É comum que os educadores associem a ideia de roteiros de estudo com as sequências didáticas. Na verdade, são propostas meto- dológicas bem distintas. As sequências didáticas são um conjunto de atividades ligadas entre si, planejadas para ensinar um determinado conteúdo, etapa por etapa. São atividades organizadas de acordo com os objetivos que o educador quer alcançar para a aprendizagem de seus estudantes. Em ambos os dispositivos pedagógicos, os educadores escolhem quais conteúdos abordar e de que maneira colocá- -los à disposição dos estudantes. O grande diferencial é que nos roteiros de estudo esses conteúdos são pré-selecionados pelos estudan- tes, pertencem ao contexto da realidade deles e são sempre cocriados por diferentes educadores. As sequências didáticas podem ter duração variável e uma quantidade também diversa de etapas e atividades. Trata-se de situações didáticas articuladas, nas quais há uma progressão de desafios a serem enfrentados pelos estudantes para que construam determinado conhecimento. Funcionam de forma parecida com os projetos didáticos e podem integrá-los, mas o produto final é apenas uma atividade de sistematização e/ou fechamento. As sequências didáticas, em geral, seguem o ritmo do educador, que as realiza durante as aulas, en- quanto os roteiros são realizados no tempo próprio do estudante. A primeira pode ocorrer em duplas ou grupos, os roteiros sempre são desenvolvidos em grupos. Na verdade, os roteiros de estudo seriam um aprimoramento pedagógico das sequências didáticas. Na EMEF Presidente Campos Salles, o dispositivo pedagógico mais importante refere-se aos roteiros de estudo, que são realizados pelos estudantes em grupos de quatro indivíduos. É importante ressaltar que na EMEF Presidente Campos Salles o ritmo dos estudantes é respeitado: não é necessário que todos os es- tudantes do salão finalizem um roteiro para que um novo roteiro seja apresentado. Nem todos os grupos do salão realizam os mesmos roteiros ao mesmo tempo, pois os diferentes ritmos de aprendizagem são respeitados. Cada estudante faz o seu roteiro no seu próprio ritmo, mas sempre em interação com seu grupo. Cada grupo, e não cada indivíduo, tem autonomia para decidir as atividades que serão realizadas a partir do planejamento diário. Quando um agrupamento conclui os estudos de um tema, o roteiro é avaliado e finalizado, o que é realizado pelo educador em conversa com os estudantes, e, então, são iniciados os estudos de um novo roteiro. Na Figura 10.2 está apresentada a jornada do roteiro, para melhor compreensão dessa dinâmica. Figura 10.2 Jornada do roteiro de estudo. Para que sejam contemplados as habilidades, competências e objetivos a serem trabalhados em cada ano do processo de escolariza- ção e as especificidades de cada estudante, a escola dispõe de quatro tipos de roteiros de estudo: integrados, integrados intermediários, integrados de avanço e temáticos. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 35 41 Os roteiros integrados exploram os temas propostos por es- tudantes ou educadores à luz das áreas do conhecimento (língua portuguesa, língua estrangeira, ciências humanas, ciências da natureza, matemática, educação física) a partir de uma concepção interdisciplinar. Neles, são propostas atividades, pesquisas e refle- xões que propiciam aos estudantes o aprofundamento dos conhe- cimentos a partir do tema estudado e a apropriação do conheci- mento construído e acumulado pela humanidade. A ideia é que os estudantes realizem esses roteiros em um período de aproxima- damente 15 dias, lembrando que o ritmo dos estudantes é sempre respeitado. Durante o ano são realizados, em cada salão, de 15 a 20 roteiros integrados. Os roteiros integrados intermediários e de avanço apresentam os mesmos temas dos integrados e são produzidos a partir destes para estudantes que estão no início do processo de alfabetização. Neles, é utilizada letra maiúscula para facilitar a leitura e entendi- mento, além dos textos serem resumidos para que estes estudantes possam ler e realizar os estudos com autonomia (no intermediário) e que os estudantes avancem nas fases de construção da escrita e na compreensão da base alfabética (avanço). Os roteiros integrados intermediários e de avanço foram criados a partir da necessidade de respeitar as peculiaridades, rit- mos e processos educativos de cada estudante, propiciando que todos tenham condições de avançar no processo de aprendizagem e conhecimento. Já o roteiro temático pode surgir do desejo dos estudantes, dos educadores ou a partir de algum acontecimento, seja na comu- nidade, na cidade, no Brasil ou no mundo, de questões sociais, datas importantes, questões políticas ou econômicas que sejam de interesse de todos os integrantes da comunidade escolar. Nos dias de estudo dos roteiros temáticos, todos os estudantes do salão pausam os roteiros que estão realizando para a realização dos temáticos, que podem abranger palestras,filmes, debates, entre- vistas, peças teatrais, estudo do meio, oficinas de arte ou apresen- tações culturais. O PROJETO DA MATRIZ DE CONSTRUÇÃO DOS ROTEIROS DE ESTUDO Após 10 anos de amadurecimento do uso de roteiros de estudo na escola, no ano de 2016, houve a oportunidade do desenvol- vimento de uma Matriz de roteiros de estudo, um documento que apresenta como são concebidos, elaborados e aplicados aos estu- dantes os roteiros na EMEF Presidente Campos Salles, contribuindo para a gestão do conhecimento e a qualificação desse dispositivo pedagógico tão importante para a escola. Essa proposta fez parte do Programa Inova Escola (original- mente denominado Escolas que Inovam – EQI) da Fundação Te- lefônica Vivo e Instituto Natura, que desde 2013 têm parceria com a escola. O Programa Inova Escola incentiva o uso de Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) com a finalidade de contri- buir com o projeto inovador de cada uma das escolas que apoia. O programa Inova Escola disponibilizou computadores portáteis para a EMEF Presidente Campos Salles, bem como internet de alta co- nexão, de modo que os estudantes pudessem realizar atividades de cunho digital dentro dos salões. O programa incluiu também a formação de educadores, realizada nos horários de atividades cole- tivas (como Jornada Especial Integral de Formação – JEIF ou Projeto Especial de Ação – PEA) e suporte à gestão da escola. Em 2016, o parceiro executor do projeto foi o Institu- to Tellus, especializado em design de serviços públicos. Institui-se então a formação de educadores permeada de elementos da metodologia do design thinking. Assim, os resultados do projeto da Matriz, apresentados a seguir, são resultantes de oficinas de co- criação junto aos educadores e à coordenação pedagógica da es- cola, fator considerado fundamental entre todos os atores para o sucesso do projeto. Além dos conceitos, a matriz tem como pre- missa ser aplicável e contemplar dicas de como os educadores podem fazer um uso qualificado da tecnologia. Foram realizadas 14 oficinas com o objetivo de elaborar a ma- triz dos roteiros de estudo. A escola tem alguns tipos diferentes de roteiros, como já foi apresentado, porém, a fim de garantir um projeto bastante prático e com facilidade de cocriação e acompa- nhamento dos resultados, foi escolhido o foco em roteiros temá- ticos. Isso porque os roteiros temáticos são menos extensos do que os outros tipos de roteiros e alguns são comuns a todos os salões, visando a cumprir objetivos do calendário do bairro educador. Assim, foram realizadas quatro rodadas de produção de roteiros com um tema comum entre todos os salões: caminhada pela paz, direitos humanos, consumismo e consciência negra. Já na primeira oficina de cocriação, percebeu-se que os educa- dores dividiam os roteiros em quatro etapas: capa, antes da leitura, durante a leitura e depois da leitura. Assim, houve sinergia para fo- car em cada uma dessas quatro etapas, à medida que cada um dos quatro roteiros temáticos era produzido. Os educadores realizavam a oficina de conceituação, depois produziam o roteiro temático parte no coletivo e parte seguindo as especificidades de seu salão, e depois iam aplicando nos salões (para os estudantes) e trazendo os resultados, de modo que o trabalho foi sendo realiza- do e testado ao mesmo tempo. O intuito foi que os trabalhos com os roteiros temáticos trouxessem clareza de conceitos que depois pudessem ser levados para todos os tipos de roteiros. A Figura 10.3 sintetiza as quatro etapas que compõem os roteiros e como elas estão relacionadas. Figura 10.3 As quatro etapas que compõem o roteiro. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 36 4242 A primeira etapa do roteiro é a capa, sendo ela a primeira página com a qual os estudantes terão contato, e por isso é muito impor- tante. Quando um artista lança um novo álbum ou um livro, grande parte do investimento de produção vai para a capa. Ela precisa “me- xer” no subjetivo e gerar o que os educadores da EMEF Presidente Campos Salles chamam de “encantamento” em relação ao roteiro, estimulando o desejo de estudar e se aprofundar no assunto abordado. No topo, a capa apresenta a identidade visual da escola, o cabeçalho para cada estudante preencher com seus dados e o planejamen- to de datas das atividades. Ela ainda identifica de qual ano é aquele roteiro e qual o tipo de roteiro (p. ex., roteiro temático). Assim, para o estudante, o cabeçalho identifica e situa aquele roteiro entre os outros. Depois, a capa apresenta ao estudante qual o título daquele roteiro, que é elaborado livremente pelos professores, mas normalmente remete àquilo que os estudantes escolheram. Subtemas tam- bém podem ser mencionados. Logo abaixo do título, está o principal item da capa: uma imagem marcante relacionada ao tema. Esse é o elemento ideal para sensi- bilização e vínculo afetivo com o roteiro, trazendo referências relacionadas, como obras de arte, poemas, músicas, vídeos, imagens para colorir, avatares, bilhetinhos, entre outras. Esse estímulo também pode acontecer por meio de uma atividade digital, por exemplo, inserin- do um QR Code com um recado gravado especialmente para os estudantes. A apresentação dos objetivos do roteiro encerra a capa, sendo uma etapa fundamental desse dispositivo pedagógico. Eles devem ser escritos em linguagem adequada à faixa etária, para que os estudantes tenham clareza do que é esperado que aprendam. A seguir, as principais dicas para redação dos objetivos: É um espaço para os educadores apresentarem o que o roteiro pretende desenvolver. Devem ser redigidos com verbos no infinitivo, em linguagem simples e clara. Devem ser específicos e referentes aos conteúdos do roteiro, trazendo também atitudes esperadas em cada etapa dos estudantes que estão realizando o roteiro. É importante lembrar que os objetivos serão revisitados na avaliação, quando será analisado se foram atingidos. Na sequência, temos o que os educadores chamam de antes da leitura, um espaço para levantamento de conhecimentos prévios dos estudantes sobre o tema e também de sensibilização, para instigá-los a querer saber mais sobre o assunto, para dialogarem sobre o tema com os colegas. Nessa etapa do roteiro, deve-se realizar uma exploração mais livre dos conceitos e suas possíveis problematizações a partir do levantamento dos conhecimentos prévios dos estudantes. Como primeiro passo para a compreensão dos conceitos e dos conteúdos dos problemas desafiadores contextualizados à realidade do estudante, deve-se levantar hipóteses. Estas devem ser pesquisadas e experi- mentadas de modo a escolher um tema ou observar um fenômeno e formular um problema ou uma questão a ser investigada. O levantamento de conhecimentos prévios deve partir de noções e saberes ligados ao senso comum da comunidade ou aos conheci- mentos prévios dos próprios estudantes, que devem ser registrados como primeira etapa do processo de investigação. Segundo Sasseron (2014), é importante que o educador conheça e reconheça o entendimento e os materiais intelectuais (saberes já possuídos pelos estu- dantes, advindos tanto das experiências cotidianas quanto das experiências escolares) à disposição em sua turma. Sem conhecer as ideias, sem ter o conhecimento prévio dos estudantes como ponto de partida, é muito difícil transformá-lo. É necessário dar voz ao estudante, consciência de como concebe a realidade que conhece. Normalmente, esse levantamento de conhecimentos é realizado por meio de perguntas como: “O que você sabe sobre ou já ouviu falar de...?”. O que se faz muito importante nessa etapa é o cuidado com o estágio do processo de aprendizagem em que cada estudante se encontra, para não transferir a ele conceitos prontos. O importante não é o estu- dante acertar a resposta, e sim refletir; aqui, não deve haver julgamento de valor, mas um grande respeito à visão de mundo, cultura e saberes que o estudante possa ter em torno do tema. Pode-se recomendar que os estudantestomem notas para revisitar ao longo ou ao final do roteiro, para que possam então perceber a diferença entre o que pensavam e a sua visão depois do estudo. Depois de levantar os conhecimentos prévios, os estudantes são conduzidos a desenvolver o durante a leitura, que é a espinha dorsal do roteiro. Nele, são apresentados textos, imagens, gráficos, tabelas, vídeos, jogos, sugestões de pesquisas, uso de tecnologias, dis- cussões e reflexões para que os estudantes ampliem seu repertório cognitivo e cultural acerca do tema estudado, avançando no processo de aprendizagem. Os educadores criam e lançam mão de situações didáticas variadas, nas quais seja possível tratar os conteúdos rele- vantes a serem abordados em diversas oportunidades. Basicamente, essa etapa trata dos conteúdos (sem deixar de lado as habilidades e competências) a serem trabalhados com a finalidade de atingir os objetivos propostos na capa. No durante a leitura, os educadores fazem um levantamento de informações sobre o assunto, e hipóteses podem ser formuladas. Também são propostas diversas “soluções” de pro- blemas contextualizados à realidade dos estudantes, que devem trabalhar os desafios, analisar os resultados e estabelecer conclusões. Essa é a etapa do roteiro de estudo que deve estimular o “aprender a aprender”, ou seja, saber pesquisar de maneira autônoma e respeitosa em relação à diversidade e à relatividade de abordagens de um campo do saber (saber produzir conhecimento de modo a valorizar e a respeitar a diversidade de ideias). Devem estar contemplados o desenvolvimento e a mensuração de diferentes técnicas de investigação e pesquisa: selecionar fontes de informação, verificando sua confiabilidade, definir hipóteses de pesquisa e procedimentos que possam ser testados para resolver o problema em estudo. A personalização é um objetivo importante da integração de tecnologia na aprendizagem, para que cada estudante possa aprender no ritmo e do jeito mais adequado. O papel do estudante “pesquisador” e as diferentes formas com que os estudantes aprendem poten- cializam o papel dos recursos digitais e o uso qualificado de tecnologia nessa etapa do roteiro de estudo. A Tabela 10.1 mostra algumas ideias de recursos com potencial pedagógico para utilização durante a realização dos roteiros de es- tudo. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 37 43 Tabela 10.1 Recursos digitais Recurso Dispositivo/Acesso Descrição URL para acesso QR Code Tablet ou celular O QR Code (Quick Response) é um código bidi- mensional gerado a partir de textos e/ou links. Ele codifica links de acesso a vídeos, imagens e textos. Para criar um QR Code: http://br.qr- code-genera- tor.c om Mapa Internet Estruturas esquemáticas que criam https://www.goco conceitual conexões lógicas para a compreensão nqr.com/pt-BR/m de um conceito central. apas-mentais Nuvem de Internet Interface hierárquica de informações https://tagul.com/ tags que agrupa palavras (coletadas) em um create formato não convencional. Q Mágico Internet Plataforma que permite a criação de www.qmagico.co conteúdos por educadores e auxilia m.br estudantes na aprendizagem. Google Internet Recurso que reúne o que há de melhor www.google.co Arts & sobre artistas e suas obras em alta m/culturalinstitut Culture definição. e/beta/u/0/?hl=pt- BR Redutor de Internet Para encurtar links. https://bitly.com/ URLs ou http://migre.m e Creative Conteúdos livres de direitos autorais https://br.creative Commons commons.org A etapa final do roteiro é o chamado depois da leitura, momento de avaliar os resultados alcançados segundo a metodologia de es- tudo problematizadora, que estimula o senso crítico e ações responsáveis e transformadoras sobre o roteiro de estudo e sobre o processo de aprendizagem de uma maneira mais ampla. Quando um grupo de estudantes finaliza um roteiro de estudo, solicita a presença de um educador para diálogo e avaliação do roteiro. O educador verifica os registros pedagógicos que foram realizados pelos demais educadores e constata se foram feitas as correções, se todas as atividades estão completas ou se ainda é preciso realizar novas correções. Depois desse procedimento, o educador conversa com o grupo, formulando perguntas variadas a fim de verificar as aprendizagens, descobertas e conhecimentos que construí- ram durante a elaboração do roteiro. Esse momento é muito importante pois é nele que os estudantes, por meio da oralidade, constatarão suas próprias aprendizagens. Se isso não ocorrer, o educador deve orientar os estudantes para que estudem e aprofundem o tema, para que posteriormente possa ser finalizado por ele ou por outro educador. Se constatar que os objetivos propostos para aquele roteiro foram alcançados, o educador entregará ao grupo o próximo roteiro. Essa etapa é dividida em dois momentos principais. No primeiro, é trabalhada a avaliação do roteiro pelo estudante, na qual ele reflete sobre o que foi positivo ou negativo no processo, dá sugestões para os próximos roteiros ou faz críticas. Nessa etapa, os estudantes respondem a questões como: “Por que gostou?”; “Do que mais gostou?”; e “O que sugere para os próximos roteiros?”. Em um segundo momento, é tratada a autoavaliação do estudante, uma reflexão sobre o seu compromisso e aprendizado durante a realiza- ção do roteiro, tendo como parâmetro três princípios da escola (autonomia, responsabilidade e solidariedade) e os objetivos descritos na capa do roteiro. Alguns questionamentos são utilizados como ferramenta para que os estudantes realizem essa etapa: “Este roteiro ajudou na construção da sua autonomia?”; “Você aprendeu algo que não sabia?”; ou “Conseguiu aprender algo que já sabia, mas em um enfoque diferente?”. Assim, concluem-se as quatro etapas do roteiro de estudo descritas na matriz da EMEF Presidente Campos Salles. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 38 4444 QUEBRANDO “PAREDES” É POSSÍVEL REALIZAR ROTEIROS EM DIFERENTES CONTEXTOS Acreditamos que este relato da escola pública EMEF Presidente Campos Salles, que optou por “quebrar as paredes” e empoderar seus estudantes para decidir o que querem aprender por meio de assembleias, pode inspirar muitas outras instituições de ensino em suas práticas. Há, inclusive, grande potencial de uso dos saberes apresentados no capítulo e adaptação para o contexto local – con- siderando que é uma proposta de educação adaptativa, ou seja, adaptável à realidade local da escola e multiplicável pelo educador. Não acreditamos em modelos de ensino que possam ser utiliza- dos e simplesmente replicados, mas sim em experiências específi- cas em determinados contextos. Em sua escola, qual seria um primeiro passo? Seria viável fazer uma votação de tema e construir um roteiro para resolução em gru- pos? Seria possível incluir alguns tão motivadores recursos digitais? Será que é necessário quebrar as paredes para iniciar o incentivo da autonomia do estudante? Sem dúvida, todo o contexto apresentado de educação demo- crática e autônoma da EMEF Presidente Campos Salles levou déca- das para ser arduamente construído, mas alguns primeiros passos de inspiração para outras experiências educacionais são possíveis e os resultados tendem a ser muito motivadores aos estudantes e favoráveis à promoção de habilidades importantes para o século XXI. Assim, este capítulo pode inspirar outros educadores que buscam, de forma inovadora, transformar suas aulas em experi- ências vivas de aprendizagem, que motivem os estudantes e os tornem mais criativos, empreendedores e protagonistas, proporcio- nando de forma inequívoca a construção da autonomia ZABALA, ANTONI; ARNAU, LAIA. MÉTODOS PARA ENSINAR COMPETÊNCIAS. CAP. 1 E 2. PORTO ALEGRE: PENSO, 2020. Antoni Zabala, licenciado em Pedagogia e Ciências da Educa- ção, atualmente é presidente do Instituto de Recursos e Investiga- ción para la Formación (IRIF) na Espanha, pesquisador profícuo das áreas de Desenvolvimento Curricular e de Formação de Professoressendo autor de diversos artigos e livros nesses temas. Laia Arnau é licenciada em Pedagogia e pós-graduada em Formação nas Orga- nizações pela Universitat de Barcelona, atuante nas áreas de For- mação de Professores e Desenvolvimento de Projetos Educacionais para educação infantil e ensinos fundamental e médio. É, também, vinculada à área de treinamento nas organizações com pesquisa no campo de treinamento, avaliação e desenvolvimento das habilida- des profissionais. Juntamente com Antoni Zabala, é autora do livro “Como aprender e ensinar competências”. Motivados pela formal inclusão do ensino das competências nos currículos escolares na maioria dos países, essa obra apresenta uma seleção dos métodos mais relevantes para essa nova aborda- gem educacional. Tem o objetivo de proporcionar ao leitor uma vi- são global de diferentes possibilidades para o processo de ensino, por meio da revisão de diversas metodologias já existentes. Para tal, os autores revitalizam os métodos à luz do conhecimento psico- pedagógico de como os estudantes aprendem, apresentando uma estrutura comum e exemplos das sequências didáticas para aplica- ção em sala de aula. Organizado em doze capítulos, os autores dedicam os três pri- meiros para apresentar uma contextualização sobre o ensino que objetiva a formação de competências, suas características e uma síntese dos métodos revisados, os quais são detalhadamente expli- cados na sequência, demonstrando o itinerário formativo: a inten- ção pedagógica, a análise, o planejamento e o produto, finalizando com exemplos práticos que possibilitam o desenvolvimento meto- dológico em sala de aula. O primeiro capítulo, sob o título “Um ensino baseado na for- mação de competências para a vida”, apresenta diferentes visões do conceito, as diferenças que por ele perpassam quanto ao uso em âmbitos diferentes, a função da escola na formação integral e as condições para uma mudança de paradigma educacional. Os au- tores destacam que o entendimento do termo no âmbito laboral está relacionada com o aumento do rendimento do trabalho, e di- fere-se da compreensão no âmbito escolar que “adquire outro va- lor quando se considera competência como capacidade de resolver problemas em qualquer situação” (p. 11), considerando diferentes contextos e formas de atuação. Salientam sua introdução no mun- do educacional como resposta ao fato dos estudantes manifesta- rem incapacidade de aplicar os conhecimentos adquiridos na escola para solução de problemas cotidianos. Adicionalmente, resgatam uma importante função escolar: a formação para a vida, preparan- do-os para enfrentar as diversas situações nos campos acadêmico, profissional e especialmente, no campo social. No segundo capítulo, “Características e condições para um en- sino de competências”, os autores discorrem os princípios sob os quais a aprendizagem nessa abordagem ocorre. Primeiramente, tratam os critérios relacionados ao significado no qual é necessário identificar os conhecimentos prévios do estudante e, ao apresentar os novos, fazê-lo de forma significativa, ou seja, funcional, incluin- do atividades de desenvolvimento em nível de complexidade ade- quada que represente um desafio alcançável por ele. Esse processo proporciona a criação da zona de desenvolvimento proximal indivi- dual com o conteúdo e, por meio de conflitos cognitivos advindos da ação docente, permite-lhe estabelecer novas relações entre os novos saberes e suas competências prévias. No segundo momento, apresentam a complexidade, como o desvelar das diversas possi- bilidades que iniciem na realidade mais próxima do estudante no sentido de lhe conferir uma perspectiva global. Na sequência, des- crevem o caráter procedimental, pois, consideram que a ação com competência pressupõe um saber fazer que requer o desenvolvi- mento de habilidades sucessivas, e finalizam com a combinação in- tegrada dos componentes ou de conteúdos (factuais, conceituais, procedimentais e atitudinais), que devem ser conduzidos por meio da reflexão do processo de aprendizagem. Concluem o capítulo lis- tando uma sequência de atividades de ensino-aprendizagem neces- sárias para aplicar o(s) método(s) para o ensino de competência, sendo: 1) desenvolvimento de objetivos; 2) apresentação motiva- dora da situação em sua complexidade; 3) revisão dos conhecimen- tos prévios; 4) identificação e explicitação dos diferentes problemas ou questões levantadas em função da situação; 5) delimitação do objeto de estudo; 6) elaboração de hipóteses ou suposições; 7) de- finição de estratégias de pesquisa, comparação ou aplicação para comprovar as hipóteses anteriores; 8) realização da pesquisa, da comparação ou da aplicação; 9) seleção de dados relevantes em relação à situação-problema inicial e comprovação das hipóteses iniciais; 10) comunicação do seguido e das informações; obtidas; 11) integração e visão global ampliada; 12) descontextualização e teorização sobre as aprendizagens realizadas; 13) metacognição so- Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 39 45 bre o processo e o resultado: autoavaliação, e 14) estratégias de memorização e exercitação. Segundo os autores, a ação educacio- nal inicia-se em uma situação-problema complexa, pela análise e escolha dos esquemas de atuação competente, fundamentada em novos conhecimentos que são desenvolvidos durante o processo. Desse modo, a sequência proposta para o ensino de competências requer do docente o uso de métodos globalizados de ensino para responder aos conhecimentos da realidade, adicionados a oficinas especializadas que garantam a compreensão e funcionalidade dos conteúdos. No terceiro capítulo, “Métodos para ensinar competências”, os autores delineiam os itinerários didáticos apresentando-nos não apenas como novas formas de distribuição do tempo ou do se- quenciamento, mas, sim, com vistas às complexidades dessa abor- dagem, desde a organização social da sala de aula, passando pela mudança de papéis do docente e do estudante, e considerando a singularização dos itinerários pessoais de desenvolvimento, em que o domínio das práticas atuais proporcione uma aprendizagem progressiva e de crescente complexidade. Apontam a mudança de modelo educacional como meio apropriado para o desenvolvimen- to de competências, em quatro estágios: a) deixar o uso do método transmissivo (abordagem dedutiva e expositiva) de forma a utilizar da abordagem indutiva proporcionando o reconhecimento dos sa- beres prévios; b) adicionar atividades para construção do conheci- mento, seja com base em pesquisa, discussão ou experimentação, proporcionando uma aprendizagem significativa, funcionalista e que provoque no estudante o conflito cognitivo; c) vincular conteú- dos com as diversas áreas, proporcionando a interdisciplinaridade, auxiliando o estudante a reconhecer como os conteúdos são inter- ligados e como podem ser utilizados para resolução de problemas complexos da realidade; d) formalizar o processo de aprendizagem por meio de projetos, monografias, pesquisa ou serviços à comu- nidade. A mudança de modelo educacional não é recente, desde Co- menius defende-se uma aprendizagem que priorize os interesses e necessidades do estudante, e, posteriormente, em Pestalozzi e Rousseau, apresenta-se uma proposta pedagógica baseada na observação da realidade, seguido por Dewey que fundamenta a aprendizagem pela experiência, teoria que se transforma na pro- posta educacional que hoje se conhece como método de projetos. As metodologias globalizadas, apresentadas na obra, foram desen- volvidas frente a evolução das teorias educacionais, e, de modo ge- ral, pretendem colaborar para o desenvolvimento de competências para a vida. Elas podem ser consideradas como diferentes tipos de aplicação da pedagogia de projetos, visto que, apresentam como elementos comuns entre si o objetivo direto da tarefa (monografia, exposição, pesquisa etc.) a partir da aprendizagem funcional dos diversos conteúdos visando o desenvolvimentoda competência. Nos capítulos seguintes (do quarto ao décimo primeiro), os au- tores detalham cada um dos métodos para ensinar competências, citados no segundo capítulo, diferenciando sua intenção e orienta- ção (para realizar, para compreender, para intervir, etc.), descreven- do as fases de análise, de elaboração (como aplicá-los) e, também, o produto final (o modo de concluir e comunicar os resultados do trabalho realizado). Considera-se, igualmente, o modo que cada área da competência (pessoal, interpessoal, social e profissional) é desenvolvida, apresentando detalhadamente, ao final de cada ca- pítulo, três exemplos práticos de aplicação dos seguintes métodos: Método de projetos: objetiva a construção de produtos. Apesar de demandar a realização de atividades procedimentais para a ela- boração de um produto, o ponto de partida é o interesse do estu- dante: tais atividades precisam ser realizadas de modo espontâneo e coordenado por ele, desenvolvendo competência de envolvimen- to social e compromisso ativo. Centros de interesse: proporciona conhecer um tema em pro- fundidade, nas suas diferentes vertentes. Estrutura-se pela sequ- ência: observação (contato direto com a realidade), associação (in- tegra fatos já conhecidos com a construção do novo) e expressão (que ocorre por meio de um processo de reflexão utilizando-se de diversas técnicas de comunicação que são progressivamente apri- moradas). Pesquisa do meio: trabalho de pesquisa em campo que tem permite observar e propor soluções para conflitos no meio. Objeti- va a experiência do pesquisador: coletar e sistematizar dados, dis- cutir, estabelecer relações, realizar experimentos, e elaborar conclu- sões que contribuam com o desenvolvimento da cidadania. Projetos de trabalho globais: visa conhecer um tema em pro- fundidade, por meio de pesquisa, com foco na apresentação de maneira ordenada. Por meio do desenvolvimento de monografias ou dossiês, aprimora as quatro competências linguísticas de manei- ra natural: oralidade, escuta, leitura e escrita. Estudos de caso: analisar um exemplo prático, ou situação real, na qual os estudantes devem tomar decisões. Tem por objetivo a elaboração de conclusões generalizáveis, construídas por meio de análise do caso específico, seguido do processo de reflexão. Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP): visa encontrar soluções para situações-problemas reais, proporcionando confir- mar ou refutar hipóteses, através das atividades de pesquisas. Role-playing: dramatização de uma situação, objetiva colocar- -se no lugar de outro, representando personagens, promovendo a análise e discussão na perspectiva de cada personagem; Simulações: promove a prática para alcançar o domínio de pro- cessos complexos. Possibilita a utilização de recursos tecnológicos para treinamento, ou atuação em condições artificiais, nas quais o erro é aceitável (exemplo simuladores de voo). Aprendizagem-serviço: objetiva a prestação de serviços para a comunidade, no intuito de melhorá-la. É fundamentada no escotis- mo, que promove atividades ao ar livre, comunitárias com função de formar o caráter e ensinar valores humanos de modo prático. São atividades, em geral, recreativas e/ou práticas que promovem a consciência dos deveres cívicos. Aprendizagem produtiva: construir um produto de âmbi- to profissional, na qual será selecionada um campo profissional, e um produto específico para ser desenvolvido. Por meio de pesquisa será definido a contextualização, requisitos e plano de trabalho, se- guidos pela elaboração do produto e sua exposição. O décimo segundo capítulo, as considerações finais dos auto- res destacam como premissa principal dos métodos apresentados, a aprendizagem realizada pelo estudante de um modo significativo Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 40 4646 e funcional. Desse modo, é necessário o reconhecimento dos co- nhecimentos prévios e aplicação de uma sequência didática apro- priada, por meio de problemas ou situações mais complexas, que proporcione a formulação de hipóteses e suposições que serão confirmadas ou refutadas pela atividade de pesquisa ou teorização. A segunda etapa da aplicação desses métodos para ensino de com- petência é a descontextualização, que permite envolver a interdisci- plinaridade e estabelecer generalizações, em que se possam aplicar os conhecimento desenvolvido em novos casos. Paralelamente ao método selecionado, o professor deve proporcionar momentos de exercitação, vivências, memorização que auxilie o estudante a trabalhar sistematicamente os componentes conceituais, factuais, procedimentais e atitudinais da competência, para o qual os auto- res sugerem o desenvolvimento de oficinas. Ressaltam, também, a importância da intenção educacional do trabalho em equipes, tanto pequenos como em grandes grupos, com agrupamentos flexíveis, trabalho colaborativo e discussões, proporcionando ao estudante a formação integral, desenvolvendo competências pessoais, interpes- soais, sociais e profissionais. Essa obra contribui com a fundamentação teórica ao para- digma das competências na educação, discorrendo as premissas, necessidades e mudanças necessárias para o desenvolvimento de competências para a vida. Retomam a história dos importantes mo- vimentos da educação sucedidos ao longo dos anos, nos quais se baseia essa nova abordagem educacional. E assim, evidenciam que não se trata de algo novo ou revolucionário, mas uma nova perspec- tiva, na qual o processo ensino-aprendizagem surge como resposta do desenvolvimento da sociedade moderna. Para além da teoria, o texto apresenta detalhadamente e de modo prático como cada mé- todo pode ser utilizado no cotidiano escolar, sendo uma proposta de aproximação da teoria e da prática. Sua aplicação tem por objeti- vo trazer a vida real para dentro das escolas, partindo de uma situa- ção-problema real, contextualizada e, sempre que possível, prática, ganhando novos significados no processo de construção da solução, essa, necessariamente fundamentada nas teorias já desenvolvidas pelas diversas áreas das ciências. Os exemplos de cada método que foi detalhado ao final de cada capítulo são adequados para os níveis educacionais fundamentais (anos iniciais e finais), bem como para o ensino médio, sendo necessário considerar sua contextualização para o ensino profissionalizante, e um maior grau de complexidade para sua aplicação na Educação Superior. Tais contribuições refle- tem a expertise dos autores no âmbito educacional, o que justifica referenciá-los nas pesquisas em educação. Fonte: SILVA, Patrícia Machado Sampaio da. Métodos para ensinar competências. Quaestio, Sorocaba, SP, v. 23, n. 2, p. 603-608, maio/ ago. 2021. REIS, PEDRO. OBSERVAÇÃO DE AULA E AVALIAÇÃO DO DE- SEMPENHO DOCENTE. CADERNOS CCAP-2 - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO PORTUGAL – LISBOA - 2011 A obra "Observação de aula e avaliação do desempenho do- cente" de Pedro Reis é um guia prático para professores e avaliado- res que desejam aprimorar a qualidade do ensino e a avaliação do desempenho dos docentes. Publicado em 2011, o livro faz parte dos Cadernos CCAP-2 do Ministério da Educação de Portugal. — Resumo da obra O autor inicia a obra abordando a importância da observação de aulas como uma das principais formas de avaliação do desempe- nho docente. Reis apresenta as diversas abordagens que podem ser adotadas durante a observação e sugere técnicas e instrumentos que podem ser utilizados para aprimorar o processo de avaliação. Em seguida, o autor discute os princípios e critérios que de- vem nortear a avaliação do desempenho docente, destacando a importância de uma avaliação justa e objetiva que leve em conta as diferentes dimensões da prática pedagógica. Reis também apre- senta sugestões de como realizar uma autoavaliação, enfatizando a importância da reflexão sobre a própria prática docente. Na segunda parte da obra, o autor apresenta exemplos práticos de como realizar a observação de aulas e a avaliação do desem-penho docente. São apresentados modelos de fichas de avaliação, relatórios e outros instrumentos que podem ser utilizados pelos avaliadores e professores. Reis também discute os principais de- safios que podem surgir durante o processo de avaliação e sugere estratégias para superá-los. — Principais temas e discussões Entre os principais temas abordados na obra, destacam-se: • A importância da observação de aulas como forma de avalia- ção do desempenho docente; • As diferentes abordagens e técnicas de observação de aulas; • Os princípios e critérios que devem nortear a avaliação do desempenho docente; • A importância da autoavaliação na prática pedagógica; • Os modelos de fichas de avaliação, relatórios e outros instru- mentos que podem ser utilizados pelos avaliadores e professores; • Os principais desafios que podem surgir durante o processo de avaliação e sugestões de estratégias para superá-los. "Observação de aula e avaliação do desempenho docente" de Pedro Reis é uma obra importante para professores, coordenadores pedagógicos e avaliadores que desejam aprimorar a qualidade do ensino e a avaliação do desempenho docente. Com exemplos prá- ticos e sugestões de instrumentos e técnicas de observação, o livro contribui para a melhoria da prática pedagógica e para o desenvol- vimento profissional dos docentes. Prezado(a), A fim de atender na íntegra o conteúdo do edital, este tópico será disponibilizado na Área do Aluno em nosso site. Essa área é re- servada para a inclusão de materiais que complementam a apostila, sejam esses, legislações, documentos oficiais ou textos relaciona- dos a este material, e que, devido a seu formato ou tamanho, não cabem na estrutura de nossas apostilas. Por isso, para atender você da melhor forma, os materiais são organizados de acordo com o título do tópico a que se referem e po- dem ser acessados seguindo os passos indicados na página 2 deste material, ou por meio de seu login e senha na Área do Aluno. Se preferir, indicamos também acesso direto ao arquivo pelo link a seguir: https://midiasstoragesec.blob.core.windows. net/001/2019/05/pedro-reis.pdf Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 41 47 QUestÕes 1. FGV - 2023 - SME - SP - Professor de Ensino Fundamental II e Médio - Artes- A escola apropria-se do debate sobre o racismo estrutural para refletir acerca de suas práticas de avaliação: “No Brasil, a negação do racismo e a ideologia da democracia racial sustentam-se pelo discurso da meritocracia.” ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2017. Em relação ao modo como as questões raciais impactam e são impactadas pelos métodos escolares de avaliação, é correto afirmar que (A) a avaliação antirracista reconhece a igualdade entre todos os seres humanos, portanto prescinde de discriminações posi- tivas ou negativas. (B) o discurso da meritocracia tende a responsabilizar os indi- víduos em desigualdade de condições pelo próprio fracasso escolar. (C) a democracia racial da sociedade brasileira é um elemento facilitador do convívio social e da promoção escolar de todas as raças. (D) a meritocracia incentiva e apoia a ideia de que os indivíduos discriminados mais esforçados sejam recompensados por sua excelência. (E) a meritocracia é um recurso que auxilia a eliminação do ra- cismo na sociedade brasileira pois avalia de forma igualitária os estudantes. 2. Prefeitura de Pitangueiras - SP- Na relação cotidiana de sala de aula no século XXI, não é mais possível manter o foco de atenção dos estudantes por meio de aulas-palestras centradas no professor, ainda que incrementadas por ferramentas digitais como Power- Point, Prezi, vídeos ou recursos de lousas digitais. (Lilian. MORAN, José (Orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática.) A partir do exposto, assinale a atividade envolvendo aprendi- zagem ativa: (A) Estudo teórico. (B) Ausência de registro. (C) Reprodução de tutoriais. (D) Comparação de estratégias. 3. Colégio Pedro II - 2022 - Colégio Pedro II - Professor - Infor- mática Educativa Segundo Bacich et al., (2015), “as modificações possibilitadas pelas tecnologias digitais requerem novas metodolo- gias de ensino, as quais necessitam de novos suportes pedagógi- cos”. Nesse sentido, no modelo proposto pelo Clayton Christensen Institute, o ensino híbrido é um programa de educação formal em que as tecnologias digitais podem estar inseridas de forma integra- da ao currículo. BACICH, L.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. M. (Org.). Ensino hí- brido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Pen- so, 2015. Disponível em: http://www.senar-rio.com.br. Acesso em: 10 ago. 2022. Nesse contexto, é correto afirmar que (A) na sala de aula invertida, o estudante tem contato, no for- mato on-line, com o conteúdo (teoria) em diversas configura- ções, e na sala de aula presencial, acontecem as discussões, resolução de atividades, entre outras propostas. (B) nos modelos Flex e de Rotação, não há a valorização da aprendizagem colaborativa no espaço on-line. (C) o modelo de ensino híbrido impacta somente a ação do professor, enquanto o estudante aprende por meio do ensino on-line e na aula presencial. (D) a principal diferença entre personalização e individualiza- ção do ensino é que a personalização é centrada na aprendiza- gem, enquanto a outra é centrada no aprendiz. 4. VUNESP - 2019 - SME - SP - Coordenador Pedagógico- Mau- rício, coordenador pedagógico de uma escola pública municipal da capital paulista, tem se baseado em obras de diversos autores para coordenar o processo de desenvolvimento pessoal e profissio- nal dos professores no âmbito da escola, em que atua. Entre essas obras, consta a de Tardif (2002), em que o autor relaciona “sabe- res docentes e formação profissional” e aponta “a necessidade de repensar” a “visão disciplinar e aplicacionista da formação profis- sional”. Segundo afirma Tardif, ele procura mostrar como o conhe- cimento do trabalho dos professores e o fato de levar em conside- ração os seus saberes cotidianos permite (A) diagnosticar os professores mais experientes para monito- rarem os novatos, mesmo que esses tenham titulação acadê- mica. (B) solicitar, à universidade, cursos de atualizações sob medida para cobrir as defasagens detectadas na atuação dos docentes. (C) responsabilizá-los, na dose certa, por resultados colocados nas metas escolares e por investimentos em sua própria for- mação. (D) fazer intervenções preventivas junto aos docentes cujos saberes são limitados por diferentes razões, evitando erros di- dáticos graves. (E) renovar nossa concepção não só a respeito da formação de- les, mas também de suas identidades, contribuições e papéis profissionais. 5. FUNDEP (Gestão de Concursos) - 2018 - Prefeitura de Pará de Minas - MG - Especialista em Educação- Para Tardif (2002), a questão do saber dos professores é vinculada a outras dimensões do ensino e ao estudo do trabalho cotidiano realizado por eles. Com base nas ideias esse autor, analise as seguintes afirmativas sobre os saberes e a formação dos professores. I. Nos cursos de formação de professores, é necessário que se busque uma nova articulação e um novo equilíbrio entre os conhe- cimentos produzidos pelas universidades sobre o ensino e os sabe- res elaborados pelos docentes em suas práticas cotidianas. II. O saber profissional está, de alguma forma, na convergên- cia entre diversas fontes de saberes oriundas da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, entre outros. III. O saber docente é essencialmente homogêneo, embora seja formado de vários saberes derivados das instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana. Estão corretas as afirmativas: (A) I e II, apenas. (B) I e III, apenas. (C) II e III, apenas (D) I, II e III. Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 42 4848 6. CPCON - 2019 - Prefeitura de Guarabira- PB - Professor - Português- A multiplicidade de linguagens nos textos em circulação social é bastante evidente, seja nos impressos, seja nas mídias au- diovisuais, digitais ou não [...]. Esses textos contemporâneos, cha- mados multimodais ou multissemióticos, exigem multiletramentos (ROJO, Roxane. Diversidade cultural e de linguagens na escola). In: ROJO, Roxane e MOURA, Eduardo. (Orgs). Multiletramentos na es- cola. São Paulo: Parábola, 2012, p. 18). Nesta perspectiva, analise as proposições e coloque V para Ver- dadeiras e F para falsas. ( ) Textos compostos de múltiplas linguagens exigem capacida- des e práticas de compreensão e interpretação para fazer significar. ( ) A escola precisa por em prática novas ferramentas de pro- dução e recepção, além da escrita manual e impressa, para que os professores e alunos sejam agentes livres para encontrar interpre- tações alternativas. ( ) A pedagogia dos multiletramentos deve ser incluída na sala de aula como forma de transformar os hábitos institucionais de en- sinar e aprender. O preenchimento CORRETO dos parêntesis está na alternativa: (A) V, V e F. (B) V, V e V. (C) F, F e V. (D) V, F e V. (E) F, V e F. 7. CPCON - 2019 - Prefeitura de Solânea - PB - Professor - Portu- guês- A multiplicidade de linguagens nos textos em circulação social é bastante evidente, seja nos impressos, seja nas mídias audiovi- suais, digitais ou não [...]. Esses textos contemporâneos, chamados multimodais ou multissemióticos, exigem multiletramentos (ROJO, Roxane. Diversidade cultural e de linguagens na escola). In: ROJO, Roxane e MOURA, Eduardo. (Orgs). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012, p. 18). Nesta perspectiva, analise as proposições e coloque V para Ver- dadeiras e F para falsas. ( ) Textos compostos de múltiplas linguagens exigem capacida- des e práticas de compreensão e interpretação para fazer significar. ( ) A escola precisa por em prática novas ferramentas de produção e recepção, além da escrita manual e impressa, para que os profes- sores e alunos sejam agentes livres para encontrar interpretações alternativas. ( ) A pedagogia dos multiletramentos deve ser incluída na sala de aula como forma de transformar os hábitos institucionais de ensinar e aprender. O preenchimento CORRETO dos parêntesis está na alternativa: (A) V, V e F. (B) V, V e V. (C) F, F e V. (D) V, F e V. (E) F, V e F. 8. VUNESP - 2018 - Prefeitura de Birigui - SP - Professor I (1º ao 5º Ano do Ensino Fundamental) e de Educação de Jovens e Adultos- Com relação à avaliação feita pelo professor em sala de aula com seus alunos, Lemov (2011) afirma que é preciso (A) esperar pelo fracasso acidental dos alunos para descobrir que algo deu errado. (B) aplicar avaliações depois de longos períodos de ensino, pre- ferencialmente por meio de provas objetivas. (C) avaliar com frequência, mas, via de regra, evitar interven- ções imediatas diante dos resultados das avaliações. (D) avaliar e, ao perceber as dificuldades do aluno, repetir o mesmo método de ensino e abordagem, pois a repetição é ga- rantia de aprendizagem. (E) buscar oportunidades constantes de avaliar o que os alunos são capazes de fazer. 9. VUNESP - 2018 - Prefeitura de Birigui - SP - Professor I (1º ao 5º Ano do Ensino Fundamental) e de Educação de Jovens e Adultos- Lemov (2011) faz referência a algumas habilidades essenciais para o processo de leitura. Dentre elas, ele menciona uma que é definida como a automatização, ou seja, a habilidade da competência de ler rapidamente, incluindo a expressão, que é, por sua vez, a habili- dade de agrupar palavras em frases para refletir significado e tom. Essa habilidade é (A) a fluência. (B) o letramento. (C) a decodificação. (D) o vocabulário. (E) a compreensão. 10. FCM - 2018 - IFN-MG - Professor - Administração- Analise o texto a seguir. Aprendemos também de muitas maneiras, com diversas téc- nicas e procedimentos, mais ou menos eficazes para conseguir os objetivos desejados. A aprendizagem ativa aumenta a nossa flexibi- lidade cognitiva, que é a capacidade de alternar e realizar diversas tarefas, operações mentais ou objetivos e de adaptar-nos a situa- ções inesperadas, superando modelos mentais rígidos e automatis- mos pouco eficientes. (BACICH, Lilian; MORAN, José. Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. São Paulo: Penso Editora, 2017). A aprendizagem ativa compreende o uso de metodologias que requerem a prática (aprender fazendo) por parte do estudante. A aprendizagem baseada em projetos é uma destas metodologias e postula uma organização para ser eficaz. Numere as atividades na sequência que demonstre a organi- zação de um projeto educacional do planejamento à finalização de acordo com os autores José Moran e Lilian Bacich. ( ) Oficina de ideias e criatividade. ( ) Sessão de apresentação de temas desafiadores. ( ) Roda de debate: outras ideias. ( ) Relatório de avaliação das etapas e produção. ( ) Oficina de planejamento e divisão de tarefas. ( ) Feira de apresentação dos projetos. ( ) Oficina de produção compartilhada de soluções. A sequência correta dessa numeração é (A) (2); (1); (5); (4); (3); (7); (6). (B) (1); (5); (2); (7); (6); (3); (4). (C) (3); (4); (6); (5); (2); (1); (7). (D) (4); (7); (3); (6); (1); (2); (5). Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 43 49 GABARItO 1 B 2 D 3 A 4 E 5 A 6 B 7 B 8 E 9 A 10 A Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 44 Publicações Institucionais Conhecimentos Didático-Pedagógicos (Bibliografia) 1. ALMEIDA, M. E. B.; VALENTE, J. A. Integração currículo e tecnologias e a produção de narrativas digitais. Currículo Sem Fron- teiras, s. l., v.12, n. 3, p. 57-82, set./dez. 2012. .......................................................................................................................... 7 2. ALMEIDA, Silvio; Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2017. .................................................................................................. 16 3. ARAÚJO, Ulisses F.; ARANTES, Valéria; PINHEIRO, Viviane. Projetos de vida: fundamentos psicológicos, éticos e práticas edu- cacionais. São Paulo: Summus, 2020. ......................................................................................................................................... 17 4. BACICH, Lilian; TANZI NETO, Adolfo; TREVISANI, Fernando de Mello (Org.) Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015. ....................................................................................................................................... 17 5. BOTÃO. U. Dos S.; SILVA, S. Narrativas Quilombolas. p. 38 – 55. São Paulo. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. 2017. ........................................................................................................................................................ 18 6. CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Rev. Bras. Educ. [online]. 2008, vol.13, n.37, pp.45-56. ............................................................................................................................. 19 7. CASTRO, Maria Helena Guimarães de. Sistemas nacionais de avaliação e de informações educacionais. São Paulo em Pers- pectiva, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 121-128, abr. 2000. ................................................................................................................ 24 8. GUARANI, Jerá; Tornar-se selvagem. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, número 14, página 12 - 19, 2020. ................................... 29 9. LEMOV, D. A Aula Nota 10. São Paulo: Editora Safra. 2010. ........................................................................................................ 32 10. ______, Doug - Daros, Thuinie. Aula Nota 10 - 3.0: 63 Técnicas para Melhorar a Gestão da Sala de Aula. 3ª. Edição. Porto Alegre: Editora: Penso, 2023. .....................................................................................................................................................33 11. ROJO, R.H.R. Pedagogia dos Multiletramentos. In: ROJO, R.; MOU[1]RA, E. (Org.) Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. ............................................................................................................................................................. 33 12. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 13. Cap. 2,3 e7. Ed. Petrópolis- RJ: Vozes, 2012. .................................. 35 13. SENNA, Celia M. P. et al. Metodologias ativas de aprendizagem: elaboração de roteiros de estudos em “salas sem paredes”. In: BACICH, Lilian; MORAN, José (Orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico- -prá- tica. São Paulo: Penso, 2018. ...................................................................................................................................................... 36 14. ZABALA, Antoni; ARNAU, Laia. Métodos para Ensinar Competências. Cap. 1 e 2. Porto Alegre: Penso, 2020. .......................... 44 15. REIS, Pedro. Observação de Aula e Avaliação do Desempenho Docente. Cadernos CCAP-2 - Ministério da Educação Portugal – Lisboa - 2011 ........................................................................................................................................................................... 46 Publicações institucionais 1. BRASIL. Secretaria de Educação Básica-MEC. Conselhos escolares: democratização da escola e construção da cidadania. Bra- sília: MEC/SEB, 2004. Caderno 1, parte II .................................................................................................................................. 51 2. BRASIL. INDICADORES da qualidade na educação. São Paulo: Ação Educativa, 2004 ............................................................... 54 3. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC): introdução. Brasília: MEC/CONSED/UNDIME, 2017. p. 07 - 21 .................. 69 4. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Matrizes de Referência para avaliação: documento básico - SARESP. São Paulo: SE, 2009. p. 7-20 ........................................................................................................................................................................................ 73 5. SÃO PAULO. Lei nº 15.667, de 12 de janeiro de 2015 - Dispõe sobre a criação, organização e atuação dos grêmios estudantis nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio públicos e privados ............................................................................ 74 6. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Diretriz Curricular de Tecnologia e Inovação. São Paulo: SEDUC, 2019 .......................... 74 7. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Diretrizes do Programa Ensino Integral. São Paulo: SE, s. d .............................. 93 8. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Currículo Paulista - Ensino Fundamental ........................................................................ 108 9. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Currículo Paulista - Ensino Médio ................................................................................... 109 10. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Política de Educação Especial do Estado de São Paulo ................................................... 110 11. SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Centro de Educação de Jovens e Adultos. Reflexões pedagógicas sobre o ensino e apren- dizagem de pessoas jovens e adultas. São Paulo: SE, 2013 ....................................................................................................... 128 51 PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA-MEC. CON- SELHOS ESCOLARES: DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA. BRASÍLIA: MEC/SEB, 2004. CADERNO 1, PARTE II CONSELHOS ESCOLARES: DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Parte II Os Conselhos Escolares e a construção da proposta educati- va da escola O que são os Conselhos Escolares? 2.1 Funções e consolidação dos Conselhos Escolares Os Conselhos Escolares são órgãos colegiados compostos por representantes das comunidades escolar e local, que têm como atribuição deliberar sobre questões político-pedagógicas, admi- nistrativas, financeiras, no âmbito da escola. Cabe aos Conselhos, também, analisar as ações a empreender e os meios a utilizar para o cumprimento das finalidades da escola. Eles representam as co- munidades escolar e local, atuando em conjunto e definindo cami- nhos para tomar as deliberações que são de sua responsabilidade. Representam, assim, um lugar de participação e decisão, um es- paço de discussão, negociação e encaminhamento das demandas educacionais, possibilitando a participação social e promovendo a gestão democrática. São, enfim, uma instância de discussão, acompanhamento e deliberação, na qual se busca incentivar uma cultura democrática, substituindo a cultura patrimonialista pela cultura participativa e cidadã. Se considerarmos a contribuição fundamental da escola pú- blica para a construção de uma cidadania participativa e a tomar- mos como uma construção permanente e coletiva, veremos que os Conselhos Escolares são, primordialmente, o sustentáculo de projetos político-pedagógicos que permitem a definição dos ru- mos e das prioridades das escolas numa perspectiva emancipa- dora, que realmente considera os interesses e as necessidades da maioria da sociedade. O projeto político-pedagógico elaborado apenas por especia- listas não consegue representar os anseios da comunidade esco- lar, por isso ele deve ser entendido como um processo que inclui as discussões sobre a comunidade local, as prioridades e os obje- tivos de cada escola e os problemas que precisam ser superados, por meio da criação de práticas pedagógicas coletivas e da co-res- ponsabilidade de todos os membros da comunidade escolar. Esse processo deve ser coordenado e acompanhado pelos Conselhos Escolares. Para a elaboração coletiva desse projeto educativo, é impor- tante considerar: a experiência acumulada pelos profissionais da educação de cada escola, a cultura da comunidade e os currículos locais, a troca de experiências educacionais, uma bibliografia es- pecializada, as normas e diretrizes do seu sistema de ensino e as próprias Diretrizes Curriculares Nacionais. Todos esses aspectos devem ser considerados visando sua coerência com o projeto de sociedade que se tenta construir, ou seja, um projeto de socieda- de efetivamente compromissado com os interesses e as necessi- dades da grande maioria excluída do exercício de uma cidadania plena. Nesse processo de elaboração do projeto político-pedagógico da escola, compete ao Conselho Escolar debater e tornar claros os objetivos e os valores a serem coletivamente assumidos, defi- nir prioridades, contribuir para a organização do currículo escolar (ver Caderno 4) e para a criação de um cotidiano de reuniões de estudo e reflexão contínuas, que inclua, principalmente, a avalia- ção do trabalho escolar (ver Caderno 2). Por meio desse processo, combate-se a improvisação e as práticas cotidianas que se mos- tram incompatíveis com os objetivos e as prioridades definidos e com a qualidade social da educação que se pretende alcançar. Os Conselhos Escolares, ao assumirem a função de estimu- lar e desencadear uma contínua realização e avaliação do projeto político-pedagógico das escolas, acompanhando e interferindo nas estratégias de ação, contribuem decisivamente para a criação de um novo cotidiano escolar, no qual a escola e a comunidade se identificam no enfrentamento não só dos desafios escolares imediatos, mas dos graves problemas sociais vividos na realidade brasileira. Os Conselhos Escolares contribuem decisivamente para a criação de um novo cotidiano escolar, no qual a escola e a co- munidade se identificam no enfrentamento não só dos desafios escolares imediatos, mas dos graves problemas sociais vividos na realidade brasileira. A escola e a comunidade são realidades complexas, cada uma dentro da suaespecificidade. Nesse sentido, o processo de cons- trução do projeto político-pedagógico não é algo que se realiza com facilidade e rapidez. O incentivo do poder público e o compromisso dos gestores educacionais com esse processo são importantes, pois o desen- volvimento e o acompanhamento do projeto político-pedagógico exigem espaço e tempo para análise, discussão e reelaboração permanentes, assim como um ambiente institucional favorável, que assegure condições objetivas para a sua concretização. Ora, cabe exatamente aos Conselhos serem incentivadores da criação desse ambiente para assegurar as condições objetivamente ne- cessárias, quais sejam: professores e funcionários qualificados, salários dignos, infra-estrutura necessária para um bom desem- penho da unidade escolar, clima mobilizador etc. Publicações Institucionais 46 5252 Em todo esse processo, deve-se ter clara a importância de co- nhecer os estudantes: como a escola está trabalhando para aten- dê-los? Quais os dados relativos ao desempenho escolar? Quais as principais dificuldades na aprendizagem? Como está sendo o trabalho dos professores e especialistas que atuam na escola, a ação dos trabalhadores não-docentes, a atuação dos pais ou res- ponsáveis e seus respectivos papéis nesse conjunto? Tratase de refletir, cotidianamente, sobre a qualidade do trabalho que a es- cola está realizando . É com a compreensão da natureza essencialmente político- -educativa dos Conselhos Escolares que estes devem deliberar, também, sobre a gestão administrativo-financeira das unidades escolares, visando construir, efetivamente, uma educação de qua- lidade social. Para o exercício dessas atividades, os Conselhos têm as seguintes funções: a) Deliberativas: quando decidem sobre o projeto político-pe- dagógico e outros assuntos da escola, aprovam encaminhamen- tos de problemas, garantem a elaboração de normas internas e o cumprimento das normas dos sistemas de ensino e decidem so- bre a organização e o funcionamento geral das escolas, propondo à direção as ações a serem desenvolvidas. Elaboram normas in- ternas da escola sobre questões referentes ao seu funcionamento nos aspectos pedagógico, administrativo ou financeiro10. b) Consultivas: quando têm um caráter de assessoramento, analisando as questões encaminhadas pelos diversos segmentos da escola e apresentando sugestões ou soluções, que poderão ou não ser acatadas pelas direções das unidades escolares. c) Fiscais (acompanhamento e avaliação): quando acompa- nham a execução das ações pedagógicas, administrativas e finan- ceiras, avaliando e garantindo o cumprimento das normas das escolas e a qualidade social do cotidiano escolar. d) Mobilizadoras: quando promovem a participação, de for- ma integrada, dos segmentos representativos da escola e da co- munidade local em diversas atividades, contribuindo assim para a efetivação da democracia participativa e para a melhoria da quali- dade social da educação. Como criar, (re)ativar ou consolidar os Conselhos Escolares? No Plano Nacional de Educação está expressa a necessidade de “promover a participação da comunidade na gestão das esco- las, universalizando, em dois anos, a instituição de Conselhos Es- colares ou órgãos equivalentes”. Dessa forma, cabe ao diretor da escola ou a quaisquer representantes dos segmentos das comu- nidades escolar e local a iniciativa de criação dos Conselhos Esco- lares, convocando todos para organizar as eleições do colegiado. Cabe ao diretor da escola ou a quaisquer representantes dos segmentos das comunidades escolar e local a iniciativa de criação dos Conselhos Escolares, convocando todos para organi- zar as eleições do colegiado Devem fazer parte dos Conselhos Escolares: a direção da es- cola e a representação dos estudantes, dos pais ou responsáveis pelos estudantes, dos professores, dos trabalhadores em educa- ção não-docentes e da comunidade local. Como todo órgão cole- giado, o Conselho Escolar toma decisões coletivas. Ele só existe enquanto está reunido. Ninguém tem autoridade especial fora do colegiado só porque faz parte dele. Contudo, o diretor atua como coordenador na execução das deliberações do Conselho Escolar e também como o articulador das ações de todos os segmentos, visando a efetivação do projeto pedagógico na construção do trabalho educativo. Ele poderá – ou não – ser o próprio presidente do Conselho Escolar, a critério de cada Conselho, conforme estabelecido pelo Regimento Interno. Os membros efetivos são os representantes de cada segmen- to. Os suplentes podem estar presentes em todas as reuniões, mas apenas com direito a voz, se o membro efetivo estiver presente. Recomenda-se que os Conselhos Escolares sejam constituí- dos por um número ímpar de integrantes, procurando-se obser- var as diretrizes do sistema de ensino e a proporcionalidade entre os segmentos já citados, ficando os diretores das escolas como “membros natos”, isto é, os diretores no exercício da função têm a sua participação assegurada no Conselho Escolar. Como escolher os membros dos Conselhos Escolares? A escolha dos membros dos Conselhos Escolares deve-se pau- tar pela possibilidade de efetiva participação: o importante é a representatividade, a disponibilidade e o compromisso; é saber ouvir e dialogar, assumindo a responsabilidade de acatar e repre- sentar as decisões da maioria, sem nunca desistir de dar opiniões e apresentar as suas propostas, pois os Conselhos Escolares são, acima de tudo, um espaço de participação e, portanto, de exercí- cio de liberdade. A seleção dos integrantes desses Conselhos deve observar as diretrizes do sistema de ensino. As experiências indicam várias possibilidades para escolha dos membros dos Conselhos Escola- res. Nesse sentido, seria importante definir alguns dos aspectos que envolvem esse processo: mandatos dos conselheiros, forma de escolha (eleições, por exemplo), existência de uma Comissão Eleitoral, convocação de assembléias-gerais para deliberações, existência de membros efetivos e suplentes. Feita a escolha, deve-se agendar um prazo para a posse dos conselheiros. Se a opção do sistema for pela eleição como forma de escolha dos conselheiros, alguns cuidados devem ser observa- dos, tais como: o voto deve ser único, não sendo possível votar mais de uma vez na mesma unidade escolar; garantir a proporcio- nalidade dos segmentos; assegurar a transparência do processo eleitoral; realizar debates e apresentar planos de trabalho, entre outros. Quais as principais atribuições dos Conselhos Escolares? 2.2 Atribuições e funcionamento dos Conselhos Escolares A primeira delas deverá ser a elaboração do Regimento In- terno do Conselho Escolar, que define ações importantes, como calendário de reuniões, substituição de conselheiros, condições de participação do suplente, processos de tomada de decisões, indicação das funções do Conselho etc. Num segundo momento, deve-se partir para a elaboração, discussão e aprovação do proje- to político-pedagógico da escola. No caso de escolas em que exis- te o projeto político-pedagógico, cabe ao Conselho Escolar avaliá- -lo, propor alterações, se for o caso, e implementá-lo. Em ambos os casos, o Conselho Escolar tem um importante papel no debate sobre os principais problemas da escola e suas possíveis soluções. De modo geral, podem ser identificadas algumas atribuições dos Conselhos Escolares: Publicações Institucionais 47 53 • elaborar o Regimento Interno do Conselho Escolar; • coordenar o processo de discussão, elaboração ou alteração do Regimento Escolar; • convocar assembléias-gerais da comunidade escolar ou de seus segmentos; • garantir a participação das comunidades escolar e local na definição do projeto político-pedagógico da unidade escolar; • promover relações pedagógicas que favoreçam o respeito ao saber do estudante e valorize a cultura da comunidade local; • propor e coordenar alterações curriculares na unidade es- colar, respeitada a legislação vigente, a partir da análise,entre outros aspectos, do aproveitamento significativo do tempo e dos espaços pedagógicos na escola; • propor e coordenar discussões junto aos segmentos e votar as alterações metodológicas, didáticas e administrativas na esco- la, respeitada a legislação vigente; • participar da elaboração do calendário escolar, no que com- petir à unidade escolar, observada a legislação vigente; • acompanhar a evolução dos indicadores educacionais (abandono escolar, aprovação, aprendizagem, entre outros) pro- pondo, quando se fizerem necessárias, intervenções pedagógicas e/ou medidas socioeducativas visando à melhoria da qualidade social da educação escolar; • elaborar o plano de formação continuada dos conselheiros escolares, visando ampliar a qualificação de sua atuação; • aprovar o plano administrativo anual, elaborado pela dire- ção da escola, sobre a programação e a aplicação de recursos fi- nanceiros, promovendo alterações, se for o caso; • fiscalizar a gestão administrativa, pedagógica e financeira da unidade escolar; • promover relações de cooperação e intercâmbio com ou- tros Conselhos Escolares. O exercício dessas atribuições é, em si mesmo, um aprendiza- do que faz parte do processo democrático de divisão de direitos e responsabilidades no processo de gestão escolar11. Cada Conse- lho Escolar deve chamar a si a discussão de suas atribuições priori- tárias, em conformidade com as normas do seu sistema de ensino e da legislação em vigor. Mas, acima de tudo, deve ser considera- da a autonomia da escola (prevista na LDB) e o seu empenho no processo de construção de um projeto político-pedagógico coe- rente com seus objetivos e prioridades, definidos em função das reais demandas das comunidades escolar e local, sem esquecer o horizonte emancipador das atividades desenvolvidas nas escolas públicas. Para o exercício dessas e de outras atribuições que forem de- finidas segundo a autonomia da escola, é indispensável conside- rar que a qualidade que se pretende atingir é a qualidade social, ou seja, a realização de um trabalho escolar que represente, no cotidiano vivido, crescimento intelectual, afetivo, político e social dos envolvidos – tendo como horizonte a transformação da reali- dade brasileira –, o que não pode ser avaliado/medido apenas por meio de estatísticas e índices oficiais (ver Caderno Indicadores da Qualidade na Educação)12 Como os Conselhos Escolares devem funcionar? Os Conselhos Escolares devem se reunir com periodicidade: sugerem-se reuniões mensais, com uma pauta previamente distri- buída aos conselheiros13, para que possam, junto a cada segmen- to escolar e representantes da comunidade local, informá-los do que será discutido e definir em conjunto o que será levado à reu- nião. Os conselheiros devem convocar novamente os segmentos que representam para informar a respeito das decisões tomadas. Além dessas reuniões, recomendam-se também assembléias- -gerais, que contam com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar. Essas assembléias são soberanas nas suas decisões, ou seja, qualquer deliberação em contrário só terá vali- dade se novamente apresentada e referendada por outra assem- bléia-geral. As assembléias-gerais podem ser convocadas, entre outros, para o esclarecimento do papel dos Conselhos Escolares (e eleição dos seus membros, se for o caso); para divulgar as pro- postas de trabalho das escolas e para fazer um balanço das ati- vidades realizadas. Tanto as assembléias quanto as reuniões do Conselho Escolar devem ser realizadas com a presença da maioria dos representantes, sendo todas as discussões, votações e deci- sões registradas em atas, que serão lidas, aprovadas e assinadas e colocadas à disposição da comunidade escolar. Quais os aspectos positivos da implantação dos Conselhos Escolares? Sendo os Conselhos Escolares, como se disse inicialmente, o sustentáculo do projeto políticopedagógico das escolas, a sua im- plantação traz, entre outras, as seguintes vantagens • as decisões refletem a pluralidade de interesses e visões que existem entre os diversos segmentos envolvidos; • as ações têm um patamar de legitimidade mais elevado; • há uma maior capacidade de fiscalização e controle da so- ciedade civil sobre a execução da política educacional; • há uma maior transparência das decisões tomadas; • tem-se a garantia de decisões efetivamente coletivas; • garante-se espaço para que todos os segmentos da comuni- dade escolar possam expressar suas idéias e necessidades, contri- buindo para as discussões dos problemas e a busca de soluções. Para que haja uma participação efetiva dos conselheiros, é importante: • escolher BEM os representantes; • participar das decisões em igualdade de condições; • informar com antecedência a pauta da reunião; • expressar sempre as opiniões, mesmo se contrárias às do grupo; • garantir o respeito às decisões tomadas; • convocar reuniões extraordinárias para assuntos urgentes. Como se pôde ver, é grande a importância dos Conselhos Escolares para a busca de transformações no cotidiano escolar, transformações essas orientadas pelo desejo de construção de uma sociedade igualitária e justa. Suas atividades são muitas e variadas, devendo sempre ser referenciadas, no imediato, pelas demandas da comunidade e pela realidade de cada escola, que deve primar pelo exercício da sua própria autonomia. A articulação das atividades dos Conselhos Escolares com outras que fazem parte do dia-a-dia escolar, em suas várias di- mensões, serão tratadas nos demais cadernos que compõem o Programa. Publicações Institucionais 48 5454 É grande a importância dos Conselhos Escolares para a bus- ca de transformações no cotidiano escolar, transformações essas orientadas pelo desejo de construção de uma sociedade iguali- tária e justa. BRASIL. INDICADORES DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO. SÃO PAULO: AÇÃO EDUCATIVA, 2004 A qualidade da nossa escola É muito comum a gente ouvir dizer que o ensino público no Brasil é de má qualidade. Mas o que é qualidade? Será que uma escola considerada de qualidade há cem anos ainda hoje seria vis- ta assim? Será que uma escola boa para uma população que vive no interior da floresta amazônica também é boa para quem mora num centro urbano? Como todos vivemos num mesmo país, num mesmo tempo histórico, é provável que compartilhemos muitas noções gerais sobre o que é uma escola de qualidade. A maioria das pessoas certamente concorda com o fato de que uma escola boa é aquela em que os alunos aprendem coisas essenciais para sua vida, como ler e escrever, resolver problemas matemáticos, conviver com os colegas, respeitar regras, trabalhar em grupo. Mas quem pode de- finir bem e dar vida às orientações gerais sobre qualidade na es- cola, de acordo com os contextos socioculturais locais, é a própria comunidade escolar. Não existe um padrão ou uma receita única para uma escola de qualidade. Qualidade é um conceito dinâmi- co, reconstruído constantemente. Cada escola tem autonomia para refletir, propor e agir na busca da qualidade da educação. Os Indicadores da Qualidade na Educação foram criados para ajudar a comunidade escolar na avaliação e na melhoria da qua- lidade da escola. Este é seu objetivo principal. Compreendendo seus pontos fortes e fracos, a escola tem condições de intervir para melhorar sua qualidade de acordo com seus próprios crité- rios e prioridades. Para tanto, identificamos sete elementos fun- damentais – aqui nomeados de dimensões – que devem ser con- siderados pela escola na reflexão sobre sua qualidade. Para avaliar essas dimensões, foram criados alguns sinalizadores de qualidade de importantes aspectos da realidade escolar: os indicadores. O que são indicadores? Indicadores são sinais que revelam aspectos de determinada realidade e que podem qualificar algo. Por exemplo, para saber se uma pessoa está doente, usamos vários indicadores: febre, dor, desânimo. Para saber se a economia do país vai bem, utili- zamos como indicadores a inflação e a taxade juros. A variação dos indicadores nos possibilita constatar mudanças (a febre que baixou significa que a pessoa está melhor; a inflação mais baixa no último ano indica que a economia está melhorando). Aqui, os indicadores apresentam a qualidade da escola em relação a importantes elementos de sua realidade: as dimen- sões. Com um bom conjunto de indicadores tem-se, de forma sim- ples e acessível, um quadro de sinais que possibilita identificar o que vai bem e o que vai mal na escola, de forma que todos tomem conhecimento e tenham condições de discutir e decidir as priori- dades de ação para melhorá-lo. Vale lembrar que esta luta é de responsabilidade de toda a comunidade: pais, mães, professores, diretores, alunos, funcioná- rios, conselheiros tutelares, de educação, dos direitos da crian- ça, ONGs, órgãos públicos, universidades, enfim, toda pessoa ou instituição que se relaciona com a escola e se mobiliza por sua qualidade. Educação é um assunto de interesse público. Por isso, pretendemos que a aplicação deste instrumental envolva todos esses atores, inclusive as crianças das séries iniciais do ensino fun- damental. Indicadores da Qualidade na Educação é resultado da parce- ria de várias organizações governamentais e não-governamentais: Ação Educativa, Unicef, PNUD, Inep, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Cenpec, CNTE, Consed, Fundação Abrinq, Fundescola-MEC, SeifMEC, Seesp-MEC, Caise-MEC, IBGE, Institu- to Pólis, Ipea, Undime e Uncme1 . Graças a essa ampla parceria, espera-se que este documento chegue a todas as escolas públicas de ensino fundamental e médio do país (e, em escolas de educa- ção infantil, sugerimos uma adequação dos indicadores e das per- guntas conforme as necessidades das crianças pequenas), num amplo movimento de mobilização da comunidade escolar para refletir, discutir e agir pela melhoria da qualidade da escola. A informação È da escola Nenhuma informação produzida nesta avaliação será divul- gada publicamente ou utilizada em rankings ou para compara- ção entre as escolas. Seus resultados não passarão por nenhum tipo de análise pelas instituições participantes da iniciativa. Este instrumento tem como objetivo contribuir para que a comunidade escolar se engaje na luta pela melhoria da quali- dade da escola. Nesse sentido, pode ser útil compartilhar a ava- liação com a Secretaria de Educação, colaborando para que o sistema educacional enfrente os problemas que não são de res- ponsabilidade apenas da escola. A decisão de utilizar os indica- dores e de compartilhar os resultados da avaliação é da escola, sua adesão a iniciativas coletivas é voluntária. Como utilizar os Indicadores da Qualidade na Educação Não existe uma forma única para o uso dos Indicadores da Qualidade na Educação. Este é um instrumento flexível, que pode ser usado de acordo com a criatividade e a experiência de cada escola. Contudo, apresentaremos algumas dicas que podem ser adaptadas. É preciso que a escola constitua uma equipe para organizar a avaliação, planejar como será feita a mobilização da comunida- de, providenciar os materiais necessários e disponibilizar espaços para as reuniões dos grupos e a reunião plenária final. A mobilização da comunidade escolar para participar da ava- liação é o primeiro ponto importante. Mais segmentos e pessoas participando da avaliação da escola e se engajando em ações para sua melhoria representam ganhos para a população e para a edu- cação. Por isso, é muito importante que todos os segmentos da comunidade sejam convidados a participar, não somente aqueles mais atuantes no dia-a-dia. A escola deve usar criatividade para Publicações Institucionais 49 55 mobilizar pais, alunos, professores e funcionários para o debate sobre sua qualidade. Cartas para os pais, faixa na frente da escola, divulgação no jornal ou na rádio local e discussão da proposta em sala de aula são algumas possibilidades. Para que os trabalhos possam transcorrer bem e com a parti- cipação de todos, é preciso divulgar as atividades propostas, pro- videnciar com antecedência os materiais necessários e disponibi- lizar um espaço para receber a comunidade. A participação o de crianças pequenas Boas idéias para otimizar a participação dos alunos das pri- meiras séries do ensino fundamental são bem-vindas. Afinal de contas, democracia se aprende também na escola, desde cedo! Crianças de todas as idades têm muito a dizer sobre a vida esco- lar. No entanto, é preciso organizar algumas atividades específicas para facilitar a participação delas, já que debates em grupo e na plenária são mais adequados para os estudantes maiores. Algu- mas idéias são: Falar em sala de aula da importância da avaliação e do pro- cesso que estão acontecendo na escola; Propor a execução de desenhos individuais e coletivos sobre a escola e as dimensões da qualidade apresentadas neste instru- mento; Montar esquetes teatrais sobre o dia-a-dia da escola. Materiais necessarios Cada participante deverá receber uma cópia da parte desse caderno que contém a explicação das dimensões com seus res- pectivos indicadores e perguntas. O ideal é que todos disponham do conjunto completo das dimensões, mas, se isso não for pos- sível, cada participante deve, pelo menos, ter acesso à lista dos indicadores e das perguntas da dimensão que será discutida no seu grupo. Cada participante deve portar caneta ou lápis preto para fazer anotações, além de lápis ou canetas nas cores vermelha, verde e amarela para registrar as cores atribuídas (conforme indicado mais adiante). Cada grupo deve contar com um cartaz com o quadro-síntese para que todos possam visualizar o resultado da avaliação. Para registrar as cores no quadro-síntese, podem ser utiliza- dos lápis, canetas ou papéis coloridos recortados. Para facilitar a manifestação de opiniões quanto às cores atri- buídas aos indicadores, pode-se fornecer a cada participante car- tões com as cores verde, amarela, vermelha e branca (em caso de abstenções). Levantando os cartões durante a reunião do gru- po ou na plenária, os participantes manifestam o seu voto. Esse procedimento pode facilitar a identificação dos consensos e dos dissensos. Este instrumento foi elaborado com base em elementos da qualidade da escola: as dimensões. São sete dimensões: ambiente educativo, prática pedagógica, avaliação, gestão escolar democrática, formação e condições de trabalho dos profissionais da escola, espaço físico escolar e, por fim, acesso, permanência e sucesso na escola. Ou seja, a quali- dade da escola envolve essas dimensões, mas certamente deve haver outras. Cada uma dessas dimensões é constituída por um grupo de indicadores. Os indicadores, por sua vez, são avaliados por per- guntas a serem respondidas coletivamente. A resposta a essas perguntas permite à comunidade escolar avaliar a qualidade da escola quanto àquele indicador, se a situação é boa, média ou ruim. A avaliação dos indicadores leva à avaliação da dimensão. Qualidade da escola Nossa proposta é de que os participantes da comunidade es- colar sejam divididos em grupos por dimensões. Se houver núme- ro suficiente de pessoas, cada grupo pode se encarregar de uma dimensão. Caso contrário, um mesmo grupo pode trabalhar com duas ou três dimensões. É conveniente que os grupos não tenham mais de trinta pessoas, para viabilizar a participação de todos na discussão. Cada grupo deve ser composto por representantes dos vários segmentos da comunidade escolar e eleger um coordenador e um relator. O coordenador cuidará para que todas as perguntas sejam respondidas, buscando chegar a consensos sobre a situação da es- cola em relação aos indicadores ou identificando as opiniões con- flitantes quando não for possível chegar a um consenso. O relator será responsável por tomar nota e expor na plenária o resultado da discussão do grupo. As perguntas referem-se a práticas, atitudes ou situações que qualificam o indicador. Cada pergunta será discutida pelo grupoe receberá uma cor: verde, amarela ou vermelha. Caso o grupo avalie que essas práticas, atitudes ou situações estão consolidadas na escola, deverá atribuir-lhes cor verde. Um bom caminho no constante processo de melhoria da qualidade. A participação o de pessoas com deficiência É preciso verificar se na escola há pessoas daltônicas, que têm dificuldades de identificar as cores. Neste caso, as cores podem ser substituídas ou complementadas por três diferentes formas: quadrado, triângulo e círculo, por exemplo. Pessoas com outros tipos de deficiência também devem receber o apoio necessário para que possam participar do processo com os demais. Se na escola essas atitudes, práticas ou situações ocorrem, mas não podem ser consideradas recorrentes ou consolidadas, o grupo lhes atribuirá cor amarela. Elas merecem cuidado e aten- ção. Publicações Institucionais 50 5656 Caso o grupo avalie que na escola essas atitudes, situações ou práticas são inexistentes ou quase inexistentes, irá atribuir-lhes cor vermelha. Nesses casos, a intervenção precisa ser imediata. As cores atribuídas às perguntas ajudarão o grupo a ponderar e decidir sobre qual das três cores reflete com mais precisão a situação da escola em relação a cada indicador. Por sua vez, para se atribuir uma cor para a dimensão, também será importante vi- sualizar as cores atribuídas aos indicadores. Não se trata de gerar uma média das respostas para se chegar às cores dos indicadores e depois das dimensões. Diante do que foi atribuído para as perguntas, o grupo avalia qual cor que melhor qualifica o indicador e, depois, a dimensão. Lidando com conflitos Durante os trabalhos em grupo, é importante que todos parti- cipem das discussões e atribuições de cores, evitando que alguém ou algum grupo imponha uma visão sobre o assunto tratado. É necessário ouvir e respeitar o que o outro tem a dizer e aprovei- tar o momento para o diálogo. O processo de escolha das cores deve ser negociado entre todos. Caso não haja consenso entre os participantes, o grupo pode optar por usar uma mistura de cores ou uma cor diferente para registrar a divergência de opinião, le- vando-a para a plenária. Conflitos de opinião existem em toda a sociedade. É importante reconhecê-los e lidar com eles com ma- turidade, de forma negociada e democrática. No próprio caderno, em cada pergunta, indicador e dimen- são, há quadrinhos nos quais os participantes poderão anotar as cores atribuídas, além de espaço para registrar o resultado da dis- cussão do grupo em relação a cada indicador. É muito importante que essa anotação seja feita com cuidado, apontando os pontos mais importantes do debate, explicando por que o grupo atribuiu esta ou aquela cor. Finalizada a discussão, o grupo deverá colorir o quadro-resumo, que traz somente o nome da dimensão e seus respectivos indicadores, assim como o resumo da discussão de cada indicador. O quadro-resumo será exposto na plenária geral (quando todos os grupos estarão reunidos para exposição dos re- sultados das discussões de cada grupo e para o debate das prio- ridades). Ao final da discussão de cada grupo, o relator terá uma lista de pontos fortes e pontos fracos da escola em relação àquela di- mensão. O grupo poderá, então, definir as prioridades da escola para melhorar sua qualidade naquele aspecto. Essas prioridades de ação serão levadas para a plenária geral. O grupo também pode fazer uma “chuva de idéias” sobre como melhorar as situações consideradas prioridade (ao final de cada dimensão, há um espaço para anotar essas idéias). É muito importante que nas apresentações dos grupos duran- te a plenária todos os participantes possam entender com clareza o que foi discutido em cada dimensão. Com as prioridades de cada dimensão, os grupos estarão prontos para o grande momento: o encontro com os demais grupos para ouvir o que cada um tem a dizer e o debate sobre o retrato que a comunidade escolar está tirando da escola. Exemplo: Quadro-resumo da Dimensão 2 Governabilidade Sabemos que a busca da qualidade da escola não é uma res- ponsabilidade somente da comunidade escolar. Os três níveis de governo – municipal, estadual e federal – têm papel fundamental na melhoria da educação no país. Por isso, recomendamos que, ao final das discussões, os grupos identifiquem, entre os indica- dores que receberam as cores vermelha e amarela, os problemas que devem ser encaminhados à Secretaria de Educação para que sejam resolvidos. Para tanto, a comunidade precisa se organizar. Para facilitar o debate na plenária, cada grupo de trabalho deve manter o quadro resumo num local de boa visibilidade para que todos possam acompanhar. A exposição dos relatores à platéia acontecerá sempre em torno de dois pontos: Apresentar resumidamente as justificativas para a escolha das cores atribuídas a cada um dos indicadores e à dimensão. Relatar as prioridades indicadas. Após a apresentação de todos os grupos e o esclarecimen- to de dúvidas da plenária, sugerimos que haja um último debate para a definição final das prioridades. Essas prioridades deverão pautar um plano de ação a ser elaborado por toda a comunida- de escolar. Para isso, existem vários guias de planejamento que podem apoiar a comunidade escolar nesse planejamento. Nossa sugestão é de que essa etapa ocorra no início do ano letivo, mo- mento em que tradicionalmente a escola define o que será feito durante o ano. As escolas que já tiverem seus planejamentos elaborados (por participarem do PDE ou de outros programas) podem utilizar o instrumental, verificando se o planejamento está contemplando todas as questões trazidas pelo resultado da discussão. No final deste documento você pode encontrar uma sugestão para o for- mato de um plano de ação, bastante simples e fácil de usar. Este instrumento deve ser utilizado periodicamente (a cada um ou dois anos), pois tão importante quanto a avaliação da qua- lidade da escola pela comunidade é o processo de acompanha- mento dos resultados, dos limites e das dificuldades encontradas na implementação do plano de ação. Seu uso regular possibilita: observar os indicadores, se a situação está melhorando ou não; corrigir rotas; gerar alegria, satisfação e solidariedade à medida que todos vão percebendo as melhorias resultantes do esforço coletivo. Publicações Institucionais 51 Estimativa do tempo necessário A apresentação da proposta para a comunidade escolar e as explicações sobre o funcionamento dos grupos devem durar cerca de uma hora. Nossa previsão é de que os grupos demorem, em média, uma hora e meia para discutir cada dimensão e, contando com um bom coordenador de grupo, mais meia hora para a “chu- va de idéias”, sugerindo soluções para os problemas detectados. Para a plenária, o ideal é reservar pelo menos duas horas para a apresentação dos grupos e três horas para a definição de priori- dades e a construção de um planejamento único com base nas idéias trazidas pelos grupos. Para socializar o trabalho dos grupos, é fundamental eleger prioridades e fazer o planejamento, poden- do haver necessidade de mais de uma sessão plenária. O que dizem as estatísticas sobre a escola O Inep, órgão ligado ao MEC, e as Secretarias de Educação produzem estatísticas sobre nosso sistema de ensino por meio de levantamentos de aspectos da realidade educacional que servem como parâmetros para identificar problemas, o que está melho- rando ou piorando. Alguns desses levantamentos são feitos por amostragem e apresentam uma visão geral da situação num Esta- do, numa região ou numa determinada rede de ensino. Em outros casos, o levantamento é feito em cada escola, sendo possível para a comunidade comparar seus resultados com os das outras esco- las. Por exemplo, se uma escola tem uma taxa de evasão muito maior que outras escolas da região, esse dado pode ser interes- sante para a avaliação. É muito importante que cada escola tome conhecimento das estatísticas educacionais e principalmenteda sua situação em relação às demais escolas, à média do município, do Estado, da região ou do país. Isso ajuda a comunidade a identificar melhor os problemas, dimensionando-os num conjunto maior. Divulgue as estatísticas educacionais na sua escola. Na última página do formulário do Censo Escolar, são registrados alguns da- dos importantes sobre a escola obtidos no ano anterior, tais como matrícula, funções docentes, instalações e equipamentos. Há também indicadores da escola sobre taxa de reprovação, número de alunos por turma, entre outros, que podem ser comparados com as médias do Estado e do país. Tais informações também po- dem ser obtidas no site do Inep (www.dataescolabrasil.inep.gov. br). Dimensão 1 Ambiente educativo A escola é um espaço de ensino, aprendizagem e vivência de valores. Nela, os indivíduos se socializam, brincam e experi- mentam a convivência com a diversidade humana. No ambien- te educativo, o respeito, a alegria, a amizade e a solidariedade, a disciplina, o combate à discriminação e o exercício dos direitos e deveres são práticas que garantem a socialização e a convivência, desenvolvem e fortalecem a noção de cidadania e de igualdade entre todos. Indicadores e perguntas 1. Amizade e solidariedade 1.1. Quando alguém (professor, funcionário ou aluno) chega à escola com algum problema pessoal, encontra pessoas dispostas a ajudar? 1.2. O ambiente da escola favorece a amizade entre todos (entre alunos e alunos; entre professores e alunos; entre os professores, etc.)? 2. Alegria 2.1. Os alunos gostam de freqüentar a escola? 2.2. As pessoas que trabalham na escola gostam do trabalho que fazem? 2.3. A escola promove festas com a participação de pais, alu- nos, professores e funcionários? 3. Respeito ao outro 3.1. Os alunos tratam bem os professores e os funcionários da escola? 3.2. Professores, diretores e funcionários se tratam bem e se respeitam? 3.3. As pessoas que trabalham na escola se sentem respeita- das e valorizadas por pais e alunos? 3.4. Pais e alunos que chegam para fazer matrícula, pedir in- formações ou saber sobre seus filhos são atendidos com atenção e respeito? 4. Combate á discriminação 4.1. Na escola todos são tratados com respeito e mantêm la- ços de amizade, não importando se são negros, brancos, indíge- nas, pessoas com deficiência, ricos ou pobres, homens ou mulhe- res, homossexuais ou não? 4.2. Quando os alunos têm atitudes preconceituosas ou dis- criminatórias (como fazer brincadeiras ou usar apelidos que humi- lhem seus colegas), isso é conversado na sala de aula ou em outro espaço da escola para que não aconteça mais? 4.3. A discriminação (atos preconceituosos contra pessoas com deficiência, povos indígenas, mulheres, negros, homosse- xuais e outros) é assunto abordado durante as aulas como algo que prejudica as relações entre as pessoas e que é crime? 5. Disciplina 5.1. As regras de convivência da escola são claras, conhecidas e respeitadas por toda a comunidade escolar? 5.2. Os alunos participam da elaboração das regras de convi- vência na escola? 5.3. Todos (alunos, professores, diretor e demais profissionais da escola) que não cumprem as regras da escola são punidos da mesma maneira e com justiça? 6. Respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes 6.1. Todos (alunos, professores, diretor, demais profissionais e pais) conhecem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)2 e respeitam os direitos nele estabelecidos? 6.2. O ECA é abordado nas salas de aula ou em outras ativida- des realizadas na escola? 6.3. Os pais de crianças que não têm registro de nascimento3 recebem orientação na escola sobre a importância, a gratuidade e a forma de tirar esse documento? 6.4. A escola acolhe crianças e adolescentes com deficiência nas mesmas salas de aula em que estudam os alunos sem defi- ciência? Esses alunos recebem o apoio de que necessitam? Publicações Institucionais 52 5858 Dimensão 2 Prática pedagógica Por meio de uma ação planejada e refletida do professor no dia-a-dia da sala de aula, a escola realiza seu maior objetivo: fazer com que os alunos aprendam e adquiram o desejo de aprender cada vez mais e com autonomia. Para atingir esse objetivo, é preciso focar a prática pedagó- gica no desenvolvimento dos alunos, o que significa observá-los de perto, conhecê-los, compreender suas diferenças, demonstrar interesse por eles, conhecer suas dificuldades e incentivar suas potencialidades. Crianças, adolescentes, jovens e adultos vivem num mundo cheio de informação, o que reforça a necessidade de planejar as aulas com base em um conhecimento sobre o que eles já sabem e o que precisam e desejam saber. Indicadores e perguntas 1. Proposta pedagógica definida e conhecida por todos 1.1. A escola possui uma proposta pedagógica escrita (em for- ma de documento)? 1.2. Os professores participaram ativamente da elaboração da proposta pedagógica da escola? 1.3. Todos os que trabalham na escola, pais e alunos conhe- cem a proposta pedagógica da escola? 1.4. A proposta pedagógica é atualizada periodicamente? 2. Planejamento 2.1. Os professores planejam regularmente suas aulas? 2.2. Os professores trocam idéias entre si para planejar as au- las? 2.3. Os professores procuram saber o que os alunos aprende- ram no ano anterior para preparar o planejamento do ano letivo? 2.4. Os professores ouvem e consideram opiniões e sugestões dos alunos para planejar suas aulas? 2.5. O cumprimento do planejamento dos professores é acompanhado pela direção da escola? 3. Contextualização 3.1. Professores e alunos realizam atividades de estudo do entorno da escola? 3.2. Professores e alunos desenvolvem atividades para resol- ver problemas identificados no entorno da escola? 3.3. A escola promove visitas no bairro e na cidade para que os alunos conheçam e aprendam a usar os equipamentos públicos da região (postos de saúde, hospitais, parques, praças, monumen- tos, museus, bibliotecas, centros culturais, Conselho Tutelar, Vara da Infância, etc.)? 4. Variedade das estratégias e dos recursos de ensino-apren- dizagem 4.1. São usados diferentes recursos pedagógicos (internet, jornais, revistas, livros diversos, obras de arte, filmes) em sala de aula? 4.2. Todos os alunos podem mostrar suas aprendizagens e seus trabalhos de formas variadas (oralmente, por escrito, utili- zando de teatro, pintura, brincadeiras, etc.)? 4.3. As salas de aula são organizadas de acordo com o tipo de atividade realizada? 5. Incentivo autonomia e ao trabalho coletivo 5.1. Os professores explicam de forma clara e simples os ob- jetivos das matérias que estão sendo estudadas em sala de aula? 5.2. As aulas são organizadas de maneira que todos os alunos possam fazer perguntas, conversar sobre os assuntos apresenta- dos, defender suas idéias e mudar de opinião? 5.3. Os alunos têm oportunidade de propor, criar e realizar atividades na sala de aula e na escola como um todo? 5.4. A escola realiza feiras ou exposições das criações dos alu- nos (por exemplo, desenhos, poesias, invenções)? 5.5. Todos os alunos são incentivados e orientados para o tra- balho em grupo? 5.6. Todos os alunos são incentivados e orientados para de- senvolver pesquisas e experimentos? 6. Prática pedagógica inclusiva 6.1. Alunos com deficiência recebem apoio individualizado? 6.2. No dia-a-dia da sala de aula, respeita-se o fato de que cada aluno precisa de um tempo diferente para aprender? 6.3. A escola cuida para que todos os alunos (negros, brancos, indígenas, pessoas com deficiência, ricos ou pobres, homens ou mulheres, homossexuais ou não) recebam a mesma atenção na sala de aula? Dimensão 3 Avaliação A avaliação é parte integrante e fundamental do processo educativo. Por meio dela, o professor fica sabendo como está a aprendizagem dos alunos e obtém indícios para refletir e melho- rar a sua própria prática pedagógica. Um bom processo de en- sino–aprendizagem na escola inclui uma avaliação inicial para o planejamento do professor euma avaliação ao final de uma etapa de trabalho (seja ela um tópico da matéria, um bimestre ou um ciclo). Quando pensamos em avaliação, estamos falando de algo muito mais completo que uma prova. A avaliação deve ser um processo, ou seja, deve acontecer durante todo o ano, em vários momentos e de diversas formas. Os alunos podem ser avaliados, por exemplo, por um trabalho em grupo, pela observação de seu comportamento e de sua participação na sala de aula, por exercí- cios e tarefas de casa. Assim, o estudante pode exercitar e inter- -relacionar suas diferentes capacidades, explorando seu potencial e avaliando sua compreensão dos conteúdos curriculares e seus avanços. Uma boa avaliação é aquela em que o aluno também aprende. A auto-avaliação – quando o aluno avalia a si próprio – é uma ótima estratégia de aprendizagem e construção da autonomia, facilitando a tomada de consciência de seus avanços, suas dificul- dades e suas possibilidades. É importante também que os alunos ajudem a escolher os modos pelos quais serão avaliados, o que traz o comprometimento de todos com a avaliação. Mas a avaliação não deve se deter apenas na aprendizagem do aluno. Avaliar a escola como um todo e periodicamente é muito importante. E é exatamente isso que este material propõe: apoiar a comunidade escolar para que a avaliação seja um instrumento participativo para a melhoria da qualidade da escola. Portanto, se sua escola está utilizando este instrumental, é sinal de que essa avaliação ampla sobre a qual estamos falando, de alguma forma, está acontecendo. Publicações Institucionais 53 59 Indicadores e perguntas 1. Monitoramento do processo de aprendizagem dos alunos 1.1. Os professores observam a progressão dos alunos e quais suas principais dificuldades (por exemplo, corrigem trabalhos, cir- culam pela classe enquanto os alunos estão fazendo seus exercí- cios, incentivam os alunos a fazer perguntas e tirar dúvidas)? 1.2. Durante as aulas, os professores fazem perguntas sobre pontos importantes da matéria para ver se os alunos entenderam o conteúdo? 1.3. Todos os alunos são informados sobre os conteúdos nos quais progrediram e em quais precisam estudar e avançar mais? 2. Mecanismos de Avaliação dos alunos 2.1. Os professores fazem uso de diferentes atividades para avaliar os alunos (provas, trabalhos, seminários)? 2.2. A atribuição de notas ou conceitos é discutida entre to- dos os professores? 2.3. As decisões sobre a reprovação ou o reagrupamento de alunos são discutidas por todos os professores? 2.4. Pais e mães participam dessas discussões? 3. Participação dos alunos na Avaliação de sua aprendiza- gem 3.1. Os alunos participam da definição e da organização dos meios de avaliação utilizados pela escola? 3.2. Os alunos são orientados pelos professores a fazer auto- -avaliação (falar, escrever, expressar o que aprenderam)? 3.3. Os professores dizem aos alunos por que eles tiram esta ou aquela nota/conceito ou por que foram aprovados ou repro- vados? 4. Avaliação do trabalho dos profissionais da escola 4.1. Existe na escola algum procedimento formalizado para avaliar o trabalho realizado durante o ano por todas as pessoas que ali trabalham? 4.2. Representantes dos diversos segmentos da comunidade escolar (direção, coordenadores pedagógicos, professores, fun- cionários, alunos, pais e mães) participam das avaliações das pes- soas que trabalham na escola? 4.3. Caso esses momentos avaliativos existam, as pessoas costumam opinar sobre como melhorar os trabalhos realizados na escola? 5. Acesso, compreensão e uso dos indicadores oficiais de Avaliação da escola e das redes de ensino4 5.1. A comunidade escolar (pais, diretor, professores, demais funcionários, alunos, etc.) é informada sobre as estatísticas edu- cacionais produzidas pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação) ou pelas Se- cretarias de Educação sobre o desempenho da escola e da rede escolar da qual faz parte (tais como taxas de evasão, abandono, distorção entre idade e série, avaliações de aprendizagem, etc.)? 5.2. O significado desses indicadores é discutido na escola (em sala de aula, reuniões de professores, de pais, reuniões pe- dagógicas, etc.)? 5.3. Se esse tipo de discussão acontece, a comunidade escolar faz com que suas dúvidas e opiniões cheguem até os órgãos res- ponsáveis pela produção desses indicadores? Dimensão 4 Gestão escolar democrática Algumas características da gestão escolar democrática são: o compartilhamento de decisões e informações, a preocupação com a qualidade da educação e com a relação custo– benefício, a transparência (capacidade de deixar claro para a comunidade como são usados os recursos da escola, inclusive os financeiros). Compartilhar decisões significa envolver pais, alunos, profes- sores, funcionários e outras pessoas da comunidade na adminis- tração escolar. Quando as decisões são tomadas pelos principais interessados na qualidade da escola, a chance de que dêem certo é bem maior. Os conselhos escolares, como mecanismos de par- ticipação da comunidade na escola, já estão presentes em muitas escolas do país. A função dos conselhos é orientar, opinar e deci- dir sobre tudo o que tem a ver com a qualidade da escola (como participar da construção do projeto político-pedagógico e dos pla- nejamentos anuais, avaliar os resultados da administração e aju- dar na busca de meios para solucionar os problemas administra- tivos e pedagógicos, decidir sobre os investimentos prioritários). Mas não é só nos conselhos que a comunidade participa da escola. Reuniões pedagógicas, festas, exposições e apresentações dos alunos são momentos em que familiares, representantes de serviços públicos da região e associações locais devem estar pre- sentes. Como a democracia também se aprende na escola, a par- ticipação deve se estender a todos os alunos, até mesmo as crian- ças pequenas. Como cidadãos, eles têm direito de opinar sobre o que é melhor para eles e se organizar em colegiados próprios, como os grêmios. Discutir propostas e implementar ações conjuntas por meio de parcerias proporciona grandes resultados para melhorar a qualidade da escola no país. Procurar postos de saúde, centros culturais, bibliotecas, organizações não-governamentais e univer- sidades para que venham trabalhar junto com a escola é um jeito de envolver mais pessoas no propósito de oferecer uma boa for- mação aos alunos. Os governos federal, estaduais ou municipais podem apoiar a melhoria da qualidade da escola. Muitas organizações não-governamentais desenvolvem pro- gramas que beneficiam escolas públicas. Uma boa gestão esco- lar precisa estar atenta para essas oportunidades, conhecê-las, ir atrás, participar e trazê-las para a escola. Por fim, é importante saber que, numa gestão democrática, é preciso lidar com conflitos e opiniões diferentes. O conflito faz parte da vida. Mas precisamos sempre dialogar com os que pen- sam diferente de nós e, juntos, negociar. Indicadores e perguntas 1. Informação democratizada 1.1. A direção consegue informar toda a comunidade escolar sobre os principais acontecimentos da escola? 1.2. As informações circulam de maneira rápida e precisa en- tre pais, professores, demais profissionais da escola, alunos e outros membros da comunidade escolar? Publicações Institucionais 54 6060 2. Conselhos escolares atuantes 2.1. O conselho escolar é formado por representantes de toda a comunidade escolar (inclusive alunos) e sua composição é pari- tária, ou seja, possui o mesmo número de pessoas entre funcioná- rios (incluindo professores) e não-funcionários? 2.2. O conselho escolar tem normas de funcionamento defini- das e conhecidas por todos? 2.3. Os conselheiros recebem capacitação (cursos, participa- ção em seminários, etc.) para exercer sua função? 2.4. O conselho escolar tem à sua disposição informações sobre a escola em quantidade e qualidade suficientes para que possa tomar as decisões necessárias?2.5. O conselho escolar participa das definições orçamentá- rias da escola? 3. Participação efetiva de estudantes, pais, m„es e comuni- dade em geral 3.1. Há grêmios estudantis ou outros grupos juvenis partici- pando da tomada de decisões na escola e ajudando os alunos a se organizarem? 3.2. Existem espaços onde todos (alunos, diretor, professores, funcionários, pais, mães e outras pessoas da comunidade) pos- sam discutir e negociar encaminhamentos relativos ao andamen- to da escola? 3.3. A direção presta contas à comunidade escolar, apresen- tando regularmente o orçamento da escola e seus gastos? 3.4. A comunidade escolar conhece e discute as dificuldades de gestão e de financiamento da escola? 3.5. Os pais participam de associações de apoio à escola, tais como associações de pais e mestres ou outras? 3.6. Os pais e as mães comparecem e participam ativamente das reuniões sobre a vida escolar dos alunos? 3.7. A escola se mantém aberta aos finais de semana para que a comunidade possa usufruir do espaço (salas, pátio, quadras de esporte, biblioteca, etc.)? 3.8. A escola elaborou o seu projeto político-pedagógico5 com a participação de toda a comunidade escolar (alunos, profes- sores, pais, diretor, funcionários em geral, conselheiros tutelares e demais membros da comunidade escolar)? 3.9. Quando são realizadas atividades de confraternização com a comunidade (festas, gincanas, bailes, formaturas), garante- -se a presença de todos, mesmo daqueles pais e alunos completa- mente desprovidos de recursos financeiros? 4. Parcerias locais e relacionamento da escola com os servi- ços p˙públicos 4.1. A escola encaminha alunos para o serviço de saúde, con- selho tutelar ou outros serviços públicos quando necessário? 4.2. A escola desenvolve atividades em parceria com os de- mais serviços públicos (como campanha contra a dengue, educa- ção para a saúde bucal, campanha de matrícula, pesquisa sobre o acervo do museu? 4.3. A escola tem parcerias com outras instituições (univer- sidades, organizações da sociedade civil, empresas, fundações, associações, etc.) para o financiamento de projetos ou para o de- senvolvimento de ações conjuntas, como elaboração do projeto político-pedagógico, formação de professores, atividades pedagó- gicas, comemorações? 5. Tratamento aos conflitos que ocorrem no dia-a-dia da es- cola 5.1. O diretor, juntamente com professores, alunos e demais membros da comunidade escolar, procura resolver os conflitos que surgem entre as pessoas no ambiente escolar (brigas, discus- sões, etc.), com base no diálogo e na negociação? 5.2. Os professores desenvolvem atividades para que os alu- nos aprendam a dialogar e a negociar? 6. Participação da escola no Programa Dinheiro Direto na Escola6 6.1. A escola recebe repasses financeiros da Prefeitura, do go- verno estadual ou do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) para pequenas despesas na escola? 6.2. A utilização dos recursos é discutida democraticamente e tem se dirigido aos problemas prioritários? 7. Participação em outros programas de incentivo ‡ qualida- de da educação do governo federal, dos governos estaduais ou municipais 7.1. A comunidade escolar conhece bem todos os programas das diversas esferas de governo que visam incentivar a qualidade da escola? Façam uma lista de quais são eles e pesquisem se há outros. 7.2. Os materiais provenientes de programas governamen- tais de incentivo à qualidade da educação (como livros, televisão, vídeo, fitas de vídeo, computadores, internet) estão organizados e disponíveis a todos que deles necessitam (alunos, professores, pais, mães, etc.)? Dimensão 5 Formação e condições de trabalho dos profissionais da es- cola Todos os profissionais da escola são importantes para a rea- lização dos objetivos do projeto político-pedagógico. Os profes- sores são responsáveis por aquilo que os especialistas chamam de transposição didática, ou seja, concretizar os princípios políti- co-pedagógicos em ensino– aprendizagem. Cada um dos demais profissionais tem um papel fundamental no processo educativo, cujo resultado não depende apenas da sala de aula, mas também da vivência e da observação de atitudes corretas e respeitosas no cotidiano da escola. Tamanha responsabilidade exige boas condi- ções de trabalho, preparo e equilíbrio. Para tanto, é importante que se garanta formação continuada aos profissionais e também outras condições, tais como estabilidade do corpo docente, o que incide sobre a consolidação dos vínculos e dos processos de aprendizagem, uma adequada relação entre o número de profes- sores e o número de alunos, salários condizentes com a importân- cia do trabalho, etc. Indicadores e perguntas 1. Habilitação 1.1. Todas os professores que trabalham na escola têm habili- tação (formação inicial) necessária para o exercício de sua função? 1.2. Os demais funcionários da escola também têm habilita- ção para o exercício de suas funções? 1.3. Se a resposta para alguma das duas perguntas anteriores for negativa, a comunidade escola Publicações Institucionais 55 61 2. Formação continuada 2.1. Todas as pessoas que trabalham na escola têm oportunidades de se atualizar e participar de cursos e ações de formação? 2.2. Os cursos e as ações de formação correspondem às expectativas de quem participa? 2.3. Os profissionais se mobilizam para reivindicar ou organizar as atividades de formação que lhes interessam? 2.4. Os professores e coordenadores pedagógicos sempre se reúnem para a discussão dos planos de aula e da proposta pedagógica e para a avaliação da prática (reuniões pedagógicas)? 2.5. Caso as reuniões pedagógicas aconteçam, elas ajudam a melhorar a prática pedagógica? 2.6. Professores e coordenadores pedagógicos participam de formações que os ajudam a trabalhar com alunos com deficiência, atuando de acordo com o paradigma “inclusivo”7 ? 2.7. Professores e demais profissionais são remunerados pelo tempo dedicado ao trabalho pedagógico realizado fora da sala de aula? 3. Suficiência da equipe escolar 3.1. A escola dispõe da quantidade de professores de que realmente necessita? 3.2. O número de funcionários é suficiente para o bom funcionamento da escola? 3.3. A escola possui coordenadores pedagógicos em número suficiente?8 3.4. A direção e os coordenadores pedagógicos têm tempo para se dedicar às questões pedagógicas? 4. Assiduidade da equipe escolar 4.1. O trabalho da escola jamais é prejudicado por falta de professores, diretor e funcionários? 4.2. Caso haja faltas de diretor, professores ou funcionários que estejam prejudicando o trabalho, o problema é discutido coletiva- mente por toda a comunidade escolar, inclusive pais e alunos? 4.3. Os professores começam e terminam as aulas pontualmente? 4.4. Os demais profissionais da escola também cumprem sua jornada com pontualidade? 4.5. As reuniões pedagógicas começam e terminam na hora marcada? 5. Estabilidade da equipe escolar 5.1. Os professores e demais profissionais da escola contam com um plano de carreira? 5.2. O diretor, os professores e demais funcionários estão há bastante tempo na escola9 ? 5.3. Os dados sobre mudanças e substituições de profissionais a cada ano ou semestre são calculados e discutidos coletivamente, inclusive por pais e alunos? Dimensão 6 Ambiente físico escolar Ambientes físicos escolares de qualidade são espaços educativos organizados, limpos, arejados, agradáveis, cuidados, com flores e árvores, móveis, equipamentos e materiais didáticos adequados à realidade da escola, com recursos que permitam a prestação de ser- viços de qualidade aos alunos, aos pais e à comunidade, além de boas condições de trabalho aos professores, diretores e funcionários em geral10 . Na gestão do espaço escolar, é preciso estar atento para: O bom aproveitamento dos recursos existentes (muitas vezes o que se tem pode ser insuficiente, mas é preciso cuidar para que tudo o que se tem seja bem aproveitado). Uma organização que favoreça o convívio entre as pessoas, que sejaflexível e conte com as condições suficientes para o desenvol- vimento das atividades de ensino e aprendizagem. A qualidade dos recursos (ou seja, se esses recursos respondem às necessidades do processo educativo e do envolvimento da comunidade e se estão organizados, bem cuidados e bonitos). Nesta dimensão, itens fundamentais para o ambiente físico escolar serão avaliados de acordo com três diferentes indicadores. Vamos ver o que cada um deles representa: 1. Suficiência: disponibilidade de material, espaço ou equipamento quando deles se necessita. 2. Qualidade: adequação do material à prática pedagógica, boas condições de uso, conservação, organização, beleza, etc. 3. Bom aproveitamento: valorização e uso eficiente e flexível de tudo o que se possui. Publicações Institucionais 56 6262 Publicações Institucionais 57 63 Publicações Institucionais 58 6464 Publicações Institucionais 59 65 Dimensão7 Acesso, permanência e sucesso na escola Um dos principais desafios atuais de nossas escolas é fazer com que crianças e adolescentes nela permaneçam e consigam con- cluir os níveis de ensino em idade adequada, e que jovens e adultos também tenham os seus direitos educativos atendidos. Será que sabemos quem são os alunos que, na nossa escola, apresentam maior dificuldade no processo de aprendizagem? Sabemos quem são aqueles que mais faltam na escola? Onde e como eles vivem? Quais são as suas dificuldades? E os que abandonaram ou se evadiram? Sabemos o motivo? O que estão fazendo? Estamos nos esforçando em trazê-los de volta para a escola? Temos tratado essa situação com o cuidado e o carinho que ela merece? Ao responder a essas e outras perguntas relativas a esta dimensão, a comunidade escolar poderá discutir formas de a escola oferecer boas oportunidades de aprendizagem a todos os cidadãos. Na página 53 deste caderno, você pode encontrar uma sugestão metodológica para as escolas que desejarem adotar algum meca- nismo para trazer de volta os alunos que abandonaram ou se evadiram. Publicações Institucionais 60 6666 Indicadores e perguntas 1. Numero total de falta dos alunos 1.1. A comunidade escolar calcula o número total de faltas dos alunos? 1.2. A comunidade escolar procura compreender as causas das faltas dos alunos? 1.3. A escola possui alguma maneira de atender os alunos com maior número de faltas, buscando resolver esse problema? 2.Abandono e evasão 2.1. Todas as crianças em idade escolar do entorno freqüen- tam a escola regularmente? 2.2. A comunidade escolar tem informações sobre a quanti- dade de alunos que se evadem ou abandonam a escola? 2.3. A comunidade escolar busca compreender as causas do abandono ou da evasão? 2.4. A escola adota alguma medida para trazer de volta alunos que se evadiram ou abandonaram a escola? Essas medidas têm gerado bons resultados? 3. Atenção aos alunos com alguma defasagem de aprendi- zagem 3.1. No dia-a-dia, os professores dão atenção individual àque- les alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem? 3.2. A escola oferece oportunidades especiais para alunos que têm dificuldades de aprendizagem (como lições extras, gru- pos de reforço, solicitação de professores externos para realização de debates ou aulas extras, mobilização de voluntários para apoio, exames de recuperação, etc.)? 3.3. Caso atividades como estas sejam oferecidas, elas con- seguem fazer com que os alunos melhorem seu nível de apren- dizagem? 3.4. A escola faz algum tipo de agrupamento especial para atender adequadamente alunos com alguma defasagem, como classes de aceleração? 3.5. Caso haja algum tipo de agrupamento especial, pode-se afirmar que, de fato, nessas turmas os alunos têm melhores con- dições de aprendizagem (atendimento mais individualizado, me- todologias alternativas, etc.)? 3.6. A comunidade escolar tem informações sobre a quanti- dade de alunos que são reprovados a cada ano? 3.7. A comunidade escolar sabe quais são as disciplinas que mais reprovam e isso recebe atenção especial da direção e dos professores? 3.8. A comunidade escolar busca compreender as causas das reprovações? 4. Atenção ás necessidades educativas da comunidade 4.1. A escola costuma fazer campanhas junto à comunidade para que todos que estão fora da escola se matriculem? 4.2. A escola convoca e atende jovens e adultos analfabetos ou que não têm o ensino fundamental completo, mas desejam estudar? 4.3. A escola procura encaminhar para outros estabelecimen- tos de ensino aqueles que não consegue atender? 4.4. Além da educação formal, a escola oferece outras opor- tunidades educativas para a comunidade? 4.5. A escola possui e utiliza bem o livro de demanda escolar (livro em que se anotam os dados dos alunos que buscam vagas e não encontram)? Anexos O que È o ECA ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, define os direitos das crianças e dos adolescen- tes brasileiros. Substituindo o antigo Código de Menores, trouxe grandes mudanças nos direitos infanto-juvenis no país. Sua inova- ção pode ser resumida em três elementos principais. O primeiro diz respeito ao reconhecimento de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e que a eles é preciso ofe- recer proteção integral, ou seja, assegurar-lhes todas as oportu- nidades e facilidades para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condição de liberdade e dignidade. A proteção integral é responsabilidade da família, da sociedade e do Estado. A segunda grande mudança trazida pelo ECA é a determina- ção de que crianças e adolescentes têm prioridade absoluta: têm primazia na proteção e no socorro, precedência no atendimento e preferência nas políticas públicas O Estatuto reconheceu a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento e estabeleceu que qualquer atentado, por ação ou omissão, aos direitos estabe- lecidos em lei deve ser punido. É muito importante que as crianças e os adolescentes conhe- çam seus direitos para que possam exercê-los. Professores, fun- cionários, pais e mães também precisam conhecer bem o Estatu- to para ensinar aos estudantes e saber respeitar os direitos nele preconizados. Afinal, como diz a Lei, criança e adolescente são responsabilidade conjunta da família, da sociedade e do Estado. Onde encontrar o texto completo da Lei: Conselhos Tutelares. Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente (munici- pais ou estaduais). Na internet, ele pode ser acessado pela página da Fundação Abrinq (www.fundabrinq.org.br). O que È o Programa Dinheiro Direto na Escola Implantado em 1995, o PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) é uma ação do Ministério da Educação, executada pelo FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação), que consiste no repasse de recursos diretamente às escolas estaduais e municipais do ensino fundamental com mais de vinte alunos matriculados, além de escolas de educação especial mantidas por ONGs (organizações não-governamentais), desde que registradas no CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social). A operacionalização do Programa tem por base o princípio da parceria, envolvendo as três esferas de governo (federal, munici- pal e estadual) e, sobretudo, a participação ativa da comunidade escolar por meio de organizações representativas, chamadas Uni- dades Executoras (UEx). Os recursos podem ser utilizados em qualquer uma das se- guintes finalidades: aquisição de material permanente; manuten- ção, conservação e pequenos reparos da unidade escolar; aqui- sição de material de consumo necessário ao funcionamento da escola; capacitação e aperfeiçoamento de profissionais da edu- Publicações Institucionais 61 67 cação; avaliação da aprendizagem; implementação de projeto pedagógico; desenvolvimento de atividades educacionais. Os recursos financeiros repassados pelo FNDE às escolas beneficiárias são depositados na conta corrente da Unidade Executora (chamados Conse- lhos Escolares ou Caixas Escolares), queos utilizará de acordo com as decisões da comunidade. Se a escola não possuir Unidade Executora própria, o FNDE transfere o dinheiro para a Secretaria de Educação do Estado ou para a Prefeitura Municipal a que a escola esteja vinculada. Os recursos só poderão ser repassados indiretamente para as escolas com mais de 20 e menos de 100 alunos matriculados, de acordo com o Censo Escolar do ano anterior ao do atendimento. As escolas públicas com mais de 99 estudantes matriculados são obrigadas a criar suas Unidades Executoras para que sejam beneficiadas pelo PDDE. Contato: SBS Quadra 2, Bloco F, 6º Andar, Edifício Áurea, Brasília-DF CEP 70070-929 Fax: (61) 212-4156 E-mail: pdde@fnde.gov.br Sugestão„o de formato para a elaboração do Plano de Ação Sugestão metodológica para trazer de volta alunos que abandonaram a escola O trabalho poderá ser realizado por um grupo constituído por alunos, professores e outras pessoas da comunidade escolar. 1. A partir da lista de matriculados no ano vigente, identifiquem os que não estão mais freqüentando as aulas. Verifiquem o ende- reço desses ex-alunos junto à diretoria. Confirmem com os colegas se o endereço encontrado é válido. 2. Formem pequenos grupos de duas ou três pessoas para uma visita ao endereço. 3. Quando tiverem a oportunidade de conversar com o próprio ex-aluno, utilizem o questionário 1 (será preciso reproduzir um questionário para cada aluno visitado). 4. Mães ou pais podem ajudar a criança pequena a responder às questões, mas não deixem de manter a criança presente. Procu- rem fazer com que o ex-aluno responda o item sobre raça/ cor, pois esse dado somente é válido quando a própria pessoa se identifica como tal. Por isso, se uma pessoa que vocês considerem negra ou parda/mulata disser que é branca, marquem “branca”. Não discutam nem façam quaisquer comentários. 5. Conversem com o ex-aluno e sua família sobre a importância de estudar e reforcem que a escola está de braços abertos para recebê-lo de volta. A escola precisa promover um processo de readaptação dos alunos que voltarem a freqüentar as aulas, mesmo que isso ocorra durante o ano letivo. 6. Aplicados os questionários, juntem os dados, fazendo a tabulação para facilitar a análise e a verificação das características co- muns aos ex-alunos. O quadro 1 irá facilitar este trabalho. 7. Observem as características comuns entre os alunos que abandonaram ou se evadiram, calculando: • quantos são do sexo feminino e quantos são do sexo masculino; • quantos são moradores da zona rural e quantos são moradores da zona urbana; Publicações Institucionais 62 6868 • quantos são negros, brancos, amarelos e indígenas; • quantos são portadores de deficiência e quantos não são; • quantos, entre os entrevistados, se dispuseram a retornar imediatamente, no próximo ano, ou não se dispuseram; 8. Vejam quais são as razões que mais aparecem como expli- cação para o abandono ou a evasão escolar. Para tanto, proceda da seguinte forma: liste todas as razões que apareceram na fala dos entrevistados; em seguida, contem quantas vezes cada uma apareceu e marque o número encontrado para cada uma das ra- zões listadas. Exemplo de possíveis razões: 1 –Teve de trabalhar (3 ex-alunos citaram essa razão). 2 – Não gosta de estudar (6 ex-alunos citaram). 3 – Repetiu o ano e perdeu a vontade de continuar (10 ex-alu- nos citaram). 4 – Brigou com um ou mais colegas e teve medo ou falta de vontade para continuar (8 ex-alunos citaram). 5 – Brigou com o professor e perdeu a vontade de estudar (3 ex-alunos citaram). A tabela 1 (p. 56) facilitará a contabilização final e a visualiza- ção de todos os dados levantados. O que a comunidade escolar pode fazer diante dos dados encontrados? Por exemplo, se o que aparece com mais freqüência como causa do abandono é a necessidade de trabalhar, a comunidade escolar pode pressionar a Prefeitura e a Câmara Municipal por programas de bolsa-escola que cheguem até as crianças e os ado- lescentes que se evadiram ou abandonaram a escola (programas que ofereçam uma bolsa às famílias para que crianças e adoles- centes permaneçam na escola). Se há casos de trabalho infantil, pode-se procurar o Conselho Tutelar ou o Poder Judiciário, pois isso é crime previsto em lei. Além disso, entre 7 e 14 anos as crianças obrigatoriamente têm de freqüentar a escola. Mais uma razão para se acionar o Con- selho Tutelar ou a Justiça. Se o grupo que abandonou é consti- tuído por maioria de pessoas negras, talvez a escola tenha que trabalhar melhor a questão da discriminação e do preconceito ra- cial. Se forem problemas de conflitos pessoais (entre alunos, com professores, etc.), é preciso desenvolver a questão do diálogo e da negociação dentro da escola. Pode-se ainda criar um grupo permanente para orientação de pais, alunos e ex-alunos sobre a importância de estudar. Mas várias são as razões possíveis. Avaliem bem para identificar quais ações trarão bons resul- tados. Questionário 1 Quem são os alunos que abandonaram a escola durante o ano? Quadro 1 Apoio à tabulação do questionário 1 LEGENDA Sexo (1) masculino (2) feminino Local de moradia (3) zona urbana (4) zona rural Pessoa com deficiência (10) sim (11) não Está frequentando outra escola (12) sim (13) não Anexos Raça (5) negra (6) parda (7) amarela (8) branca (9) indígena Tem interesse em voltar ‡ escola (14) imediatamente (15) no próximo ano (16) não Publicações Institucionais 63 69 Tabela 1 Onde encontrar informações sobre sua escola e rede de en- sino • No final do formulário do Censo Escolar. • DataEscolaBrasil do Inep (www.dataescolabrasil.inep.gov. br) Sistema de consulta ao banco de dados da educação básica que permite o acesso a informações sobre cada uma das escolas públicas brasileiras. • Edudatabrasil do Inep (www.edudatabrasil.inep.gov.br) Sis- tema de consulta que permite à sociedade acompanhar a evolu- ção dos indicadores educacionais do país. • Censo Escolar do Inep (www.inep.gov.br) Fornece informa- ções referentes às matrículas nas escolas da educação básica. • Sinopses Estatísticas da Educação Básica do Inep (www. inep.gov.br) Documentos que apresentam dados referentes a estabeleci- mento, matrícula, função docente, movimento e rendimento es- colar para as diferentes modalidades de ensino brasileiras. • Secretarias Estaduais de Educação (www.mec.gov.br/home/ links.shtm) Na página do MEC você encontra o endereço de todas as Se- cretarias Estaduais de Educação do país. BRASIL. BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC): INTRODUÇÃO. BRASÍLIA: MEC/CONSED/ UNDIME, 2017. P. 07 - 21 A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressi- vo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desen- volver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento normativo aplica- -se exclusivamente à educação escolar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996)1, e está orientado pelos princípios éti- cos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Edu- cação Básica (DCN)2. Referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas pedagógicas das instituições es- colares, a BNCC integra a política nacional da Educação Básica e vai contribuir para o alinhamento de outras políticas e ações, em âmbito federal, estadual e municipal, referentes à formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação. Nessesentido, espera-se que a BNCC ajude a superar a frag- mentação das políticas educacionais, enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e seja ba- lizadora da qualidade da educação. Assim, para além da garantia de acesso e permanência na escola, é necessário que sistemas, redes e escolas garantam um patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é instrumento fundamental. Ao longo da Educação Básica, as aprendizagens essenciais de- finidas na BNCC devem concorrer para assegurar aos estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais, que consubstan- ciam, no âmbito pedagógico, os direitos de aprendizagem e de- senvolvimento. Na BNCC, competência é definida como a mobilização de co- nhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da ci- dadania e do mundo do trabalho. Publicações Institucionais 64 7070 Ao definir essas competências, a BNCC reconhece que a “edu- cação deve afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana, social- mente justa e, também, voltada para a preservação da natureza” (BRASIL, 2013)3, mostrando-se também alinhada à Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU)4. É imprescindível destacar que as competências gerais da Edu- cação Básica, apresentadas a seguir, inter-relacionam-se e desdo- bram-se no tratamento didático proposto para as três etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), articulando-se na construção de conhecimentos, no de- senvolvimento de habilidades e na formação de atitudes e valo- res, nos termos da LDB. COMPETÊNCIAS GERAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA 1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente cons- truídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para enten- der e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, ela- borar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar so- luções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e cultu- rais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diver- sificadas da produção artístico-cultural. 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-mo- tora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de infor- mação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conheci- mentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibili- tem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabi- lidade 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações con- fiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos huma- nos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em re- lação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reco- nhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capa- cidade para lidar com elas. 9.Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, iden- tidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsa- bilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando de- cisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. OS MARCOS LEGAIS QUE EMBASAM A BNCC A Constituição Federal de 19885, em seu Artigo 205, reco- nhece a educação como direito fundamental compartilhado entre Estado, família e sociedade ao determinar que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incen- tivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desen- volvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). Para atender a tais finalidades no âmbito da educação esco- lar, a Carta Constitucional, no Artigo 210, já reconhece a neces- sidade de que sejam “fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988). Com base nesses marcos constitucionais, a LDB, no Inciso IV de seu Artigo 9º, afirma que cabe à União estabelecer, em colabo- ração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, compe- tências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum (BRASIL, 1996; ênfase adicionada). Nesse artigo, a LDB deixa claros dois conceitos decisivos para todo o desenvolvimento da questão curricular no Brasil. O primei- ro, já antecipado pela Constituição, estabelece a relação entre o que é básico-comum e o que é diverso em matéria curricular: as competências e diretrizes são comuns, os currículos são diversos. O segundo se refere ao foco do currículo. Ao dizer que os conteú- dos curriculares estão a serviço do desenvolvimento de compe- tências, a LDB orienta a definição das aprendizagens essenciais, e não apenas dos conteúdos mínimos a ser ensinados. Essas são duas noções fundantes da BNCC. A relação entre o que é básico-comum e o que é diverso é retomada no Artigo 26 da LDB, que determina que os currículos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (BRASIL, 1996; ênfase adicionada). Publicações Institucionais 65 71 Essa orientação induziu à concepção do conhecimento cur- ricular contextualizado pela realidade local, social e individual da escola e do seu alunado, que foi o norte das diretrizes curriculares traçadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) ao longo da década de 1990, bem como de sua revisão nos anos 2000. Em 2010, o CNE promulgou novas DCN, ampliando e organi- zando o conceito de contextualização como “a inclusão, a valoriza- ção das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade”, conforme destaca o Parecer CNE/CEB nº 7/20106. Em 2014, a Lei nº 13.005/20147 promulgou o Plano Nacional de Educação (PNE), que reitera a necessidade de estabelecer e im- plantar, mediante pactuação interfederativa [União, Estados, Dis- trito Federal e Municípios], diretrizes pedagógicas para a educa- çãobásica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos(as) alunos(as) para cada ano do Ensino Fundamental e Médio, respeitadas as diversidades regional, estadual e local (BRASIL, 2014). Nesse sentido, consoante aos marcos legais anteriores, o PNE afirma a importância de uma base nacional comum curricu- lar para o Brasil, com o foco na aprendizagem como estratégia para fomentar a qualidade da Educação Básica em todas as eta- pas e modalidades (meta 7), referindo-se a direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Em 2017, com a alteração da LDB por força da Lei nº 13.415/2017, a legislação brasileira passa a utilizar, concomitan- temente, duas nomenclaturas para se referir às finalidades da educação: Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme diretri- zes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento [...] Art. 36. § 1º A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências e habilidades será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino (BRASIL, 20178; ênfases adicionadas). Trata-se, portanto, de maneiras diferentes e intercambiáveis para designar algo comum, ou seja, aquilo que os estudantes de- vem aprender na Educação Básica, o que inclui tanto os saberes quanto a capacidade de mobilizá-los e aplicá-los. OS FUNDAMENTOS PEDAGÓGICOS DA BNCC FOCO NO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS O conceito de competência, adotado pela BNCC, marca a dis- cussão pedagógica e social das últimas décadas e pode ser infe- rido no texto da LDB, especialmente quando se estabelecem as finalidades gerais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (Ar- tigos 32 e 35). Além disso, desde as décadas finais do século XX e ao longo deste início do século XXI9, o foco no desenvolvimento de com- petências tem orientado a maioria dos Estados e Municípios bra- sileiros e diferentes países na construção de seus currículos10. É esse também o enfoque adotado nas avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês)11, e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), que instituiu o Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE, na sigla em espanhol)12. Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões peda- gógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de com- petências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilida- des, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida co- tidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o forta- lecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. O COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO INTEGRAL A sociedade contemporânea impõe um olhar inovador e in- clusivo a questões centrais do processo educativo: o que apren- der, para que aprender, como ensinar, como promover redes de aprendizagem colaborativa e como avaliar o aprendizado. No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito mais do que o acúmulo de informações. Requer o desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e aprender com as diferenças e as diversidades. Nesse contexto, a BNCC afirma, de maneira explícita, o seu compromisso com a educação integral13. Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cogni- tiva) ou a dimensão afetiva. Significa, ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem – e promover uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhe- cimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e di- versidades. Além disso, a escola, como espaço de aprendizagem e de democracia inclusiva, deve se fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não preconceito e respeito às diferenças e diversidades. Independentemente da duração da jornada escolar, o concei- to de educação integral com o qual a BNCC está comprometida se refere à construção intencional de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade contemporânea. Isso supõe considerar as diferentes infâncias e juventudes, as diversas culturas juvenis e seu potencial de criar novas formas de existir. Assim, a BNCC propõe a superação da fragmentação radical- mente disciplinar do conhecimento, o estímulo à sua aplicação na vida real, a importância do contexto para dar sentido ao que se aprende e o protagonismo do estudante em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida. Publicações Institucionais 66 7272 O PACTO INTERFEDERATIVO E A IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: IGUALDADE, DIVER- SIDADE E EQUIDADE No Brasil, um país caracterizado pela autonomia dos entes federados, acentuada diversidade cultural e profundas desigual- dades sociais, os sistemas e redes de ensino devem construir cur- rículos, e as escolas precisam elaborar propostas pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas identidades linguísticas, étnicas e culturais. Nesse processo, a BNCC desempenha papel fundamental, pois explicita as aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver e expressa, portanto, a igualdade educacional sobre a qual as singularidades devem ser consideradas e atendi- das. Essa igualdade deve valer também para as oportunidades de ingresso e permanência em uma escola de Educação Básica, sem o que o direito de aprender não se concretiza. O Brasil, ao longo de sua história, naturalizou desigualdades educacionais em relação ao acesso à escola, à permanência dos estudantes e ao seu aprendizado. São amplamente conhecidas as enormes desigualdades entre os grupos de estudantes definidos por raça, sexo e condição socioeconômica de suas famílias. Diante desse quadro, as decisões curriculares e didático-pe- dagógicas das Secretarias de Educação, o planejamento do traba- lho anual das instituições escolares e as rotinas e os eventos do cotidiano escolar devem levar em consideração a necessidade de superação dessas desigualdades. Para isso, os sistemas e redes de ensino e as instituições escolares devem se planejar com um claro foco na equidade, que pressupõe reconhecer que as necessidades dos estudantes são diferentes. De forma particular, um planejamento com foco na equidade também exige um claro compromisso de reverter a situação de exclusão histórica que marginaliza grupos – como os povos indí- genas originários e as populações das comunidades remanescen- tes de quilombos e demais afrodescendentes – e as pessoas que não puderam estudar ou completar sua escolaridade na idade própria. Igualmente, requer o compromisso com os alunos com deficiência,