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APRENDER, DESAPRENDER E REAPRENDER: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA APRENDIZAGEM João Alberto Steffen MunSberg APRENDER, DESAPRENDER E REAPRENDER: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA APRENDIZAGEM 3 APRESENTANDO O AUTOR JOÃO ALBERTO STEFFEN MUNSBERG Doutorando em Educação na UNILASALLE – Canoas/RS. Mestre em Educação pela UNILASALLE. Especialista em Metodologia do Ensino Superior – UNISINOS – São Leopoldo/RS. Licenciado em Geografia e em Estudos Sociais pela UNISINOS. Licenciado em Ensino Evangélico – CSET/IECLB. Integrante do Grupo de Pesquisa em Educação Intercultural (GPEI) do PPGEdu UNILASALLE. Professor na UNILASALLE. Conferencista, palestrante e ministrante de cursos de formação continuada para professores da Educação Básica. 4 SINOPSE Este texto aborda os principais modelos epistemológicos e metodológicos sobre os processos de ensino e de aprendizagem. Diversas são as concepções de ensino e de aprendizagem. A análise das categorizações de diversos especialistas tem foco em concepções que apontam para a formação de sujeitos críticos, reflexivos, investigativos e participativos, protagonistas dos processos educativos. Sujeitos que desafiam estruturas e sistemas, questionam paradigmas e desestruturam certezas. Assim, a ênfase recai em modelos pedagógicos pautados no protagonismo dos sujeitos, mediante a reflexão e construção dos conhecimentos, preparando-os para a intervenção no seu contexto. Dentre esses modelos, abordaram-se as teorias de ensino e de aprendizagem que se situam na perspectiva das metodologias ativas. 5 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg 1 Introdução Aprender, desaprender e reaprender. Essa expressão remete à ideia de concepção de um processo de ensino e aprendizagem fundamentada na perspectiva de construção do conhecimento pelos sujeitos envolvidos. Nesses termos, tem-se o perfil de sujeitos ativos, reflexivos e investigativos, protagonistas de sua formação. Sujeitos que desafiam estruturas e sistemas, questionam paradigmas e “verdades universais”, em suma, que desestruturam certezas. Conforme Oliveira (2011, p. 16), “O ciberespaço rompeu com a ideia de tempo próprio para a aprendizagem. O espaço da aprendizagem é aqui, em qualquer lugar; o tempo de aprender é hoje e sempre.”. Como na era da internet novas tecnologias de ensinar e de aprender lançam novos desafios ao educador, para a autora, esse deve estar preparado para a “onipotência da máquina”, bem como deve estar atento aos “transbordamentos da ciência”. E conclui: “Educar não é ensinar, é aprender.” (OLIVEIRA, 2011, p. 25). Teorizando sobre ensinar e aprender, Becker (2012) apresenta três modelos epistemológicos de representação da relação entre ensino e aprendizagem escolar: a) o empirismo; b) o apriorismo; e c) o interacionismo e o construtivismo. Essas concepções epistemológicas sustentam, respectivamente, três modelos pedagógicos: a) a pedagogia diretiva; b) a pedagogia não diretiva; e c) a pedagogia relacional ou construtivista. Esses modelos epistemológicos e pedagógicos, bem como as principais teorias educacionais com foco nas metodologias ativas, complementados por categorizações outras, permeiam este capítulo. Para alcançar o que é proposto, este texto está estruturado em três tópicos. O primeiro – Concepções de aprendizagem – trata das principais correntes epistemológicas e pedagógicas sobre os processos de ensino e aprendizagem. O segundo – Novas tecnologias e o processo de aprendizagem – traz os desafios da educação perante as novas tecnologias, com ênfase na modalidade EaD. O terceiro tópico – Perspectivando mudanças na formação humana – apresenta perspectivas e possibilidades de mudanças em aprendizagem, tendo em vista a formação de sujeitos críticos, reflexivos e investigativos. 6 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg 2 Concepções de Aprendizagem Muitas são as concepções de aprendizagem, porque plurais são as maneiras de ver o mundo. Muitas são as teorias educacionais e muitas são as metodologias de ensino e de aprendizagem que corroboram a consolidação das múltiplas concepções. Via de regra, essas teorias e metodologias surgem como solução para os problemas da educação. São construídas, apresentadas, difundidas em eventos e por meio de publicações, aplaudidas por muitos professores e aplicadas por nem tantos. Pensa-se que, per si, cada uma – teoria ou metodologia –, por ter sido experimentada e por ter auferido resultados positivos em determinados contextos, tem seus méritos como tal. De todas as formas, entende-se, que, no cotidiano escolar de contextos plurais, os professores não podem ficar atrelados a um modelo específico. Isso porque as diversas concepções de ensino e de aprendizagem podem ser entrecruzadas e articuladas, contribuindo, cada uma, com seus aspectos significativos em prol da qualidade das práticas pedagógicas. Nesse sentido, Soares, Paula e Vieira (2016) evocam a possibilidade de coexistência de para digmas diversos, o que pode contribuir para “[...] uma melhor compreensão da prática educativa sem que se excluam necessariamente.” (p. 495). Portanto, em se tratando de teorias e/ou metodologias de ensino e aprendizagem, é compreensível que os docentes incorporem elementos de diferentes correntes que complementem suas concepções pedagógicas. Para Ferreira (2011, p. 129): “As experiências de ensino-aprendizagem têm de ser delineadas de forma a se ajustarem ao conhecimento prévio e aos hábitos de aprendizagem dos alunos.”. Isso sugere que não há um método único de ensino eficaz. Seja qual for o caminho, deve-se fomentar a utilização de uma diversidade de experiências de ensino, desenvolvendo novas formas de pensamento e de processos de cooperação e de autonomia na aprendizagem. Várias são as classificações sobre a relação entre concepções de aprendizagem e métodos de ensino. Ferreira (2011), com base em pesquisas de especialistas, apresenta três categorias: a) concepção de ensino centrada no professor e orientada para os conteúdos – abordagem que utiliza procedimentos de avaliação que valorizam o conhecimento factual, bem como considera os resultados da aprendizagem como sendo da inteira responsabilidade do estudante; b) concepção de ensino centrada na atividade do aluno – essa percepção destaca a necessidade de realização de trabalhos de forma a assegurar a aprendizagem ativa e propiciar o desenvolvimento de capacidades de estudo eficaz; e c) concepção de ensino centrada no aluno e orientada para a aprendizagem – preocupa-se com o desenvolvimento da compreensão pessoal e de conceitos mais elaborados por parte do estudante, ajustando o ensino aos procedimentos de avaliação, fazendo uso de uma diversidade de métodos avaliativos. De outra parte, Trindade e Cosme (2010) identificam três paradigmas pedagógicos: a) o paradigma pedagógico da instrução, que prioriza a transmissão de informações (conteúdos); b) o paradigma pedagógico da aprendizagem, 7 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg que se fundamenta no construtivismo e valoriza o protagonismo do sujeito; e c) o paradigma pedagógico da comunicação, para o qual educar é interpelar e ser interpelado no seio de uma comunidade de aprendizagem, isto é, num processo de interação. As rápidas transformações de ordem social, política, econômica, tecnológica e cultural pelas quais passa a sociedade contemporânea exigem mudanças no campo educacional. Nesse sentido, por exemplo, o modelo tradicional de ensino, centrado no professor, já há muito tempo não dá conta da formação discente. Como principal referencial deste tópico, evoca-se Becker (2012). O pesquisador aborda as relações entre modelos pedagógicos e modelos epistemológicos (Quadro 1). Quadro 1 – Comparação dos modelos pedagógicos e epistemológicos Epstemologia Pedagogia Teoria Modelo Modelo TeoriaEmpirismo S O A P Diretiva Apriorismo S O A P Não Diretiva Construtivismo S O A P Relacional ou Construtivista Fonte: Becker (2012), adaptado pelo autor. Convenção: S – Sujeito A – Aluno O – Objeto P – Professor Conforme a epistemologia empirista, que sustenta a pedagogia diretiva, a relação entre sujeito e objeto é determinada pelo objeto. Aplicando esse modelo epistemológico ao modelo pedagógico diretivo, o professor – representante do meio físico e social – determina o aluno – considerado tábula rasa. Nessa perspectiva, a relação professor–aluno é de verticalidade. “O professor fala e o aluno escuta. O professor dita, e o aluno copia. O professor decide o que fazer e, em geral, decide o mesmo sempre, e o aluno executa. O professor ‘ensina’, e o aluno ‘aprende’.” (BECKER, 2012, p. 14). A PS O 8 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg Já para a epistemologia apriorista, que fundamenta a pedagogia não diretiva,/ o sujeito – produtor do conhecimento – determina o objeto. Associando o modelo epistemológico apriorista ao modelo pedagógico não diretivo, o aluno determina a ação do professor. Nesse modelo, o professor exerce o papel de facilitador do processo de aprendizagem, interferindo o mínimo possível, já que o aluno aprende por si. Quanto às epistemologias críticas – construtivista e interacionista –, que embasam a pedagogia relacional ou construtivista, sujeito e objeto influenciam-se mutuamente. Nessa perspectiva, o professor – com seu saber – interage com o aluno – com sua bagagem de vivências. As relações professor– aluno são fluidas, flexíveis, dinâmicas. Há construção de conhecimentos por meio da descoberta. “Dos escombros do passado delineia-se o horizonte do futuro; origina-se, daí, o significado do presente.” (BECKER, 2012, p. 26). Silva, Fossatti e Sarmento (2011) realizaram estudo sobre representações implícitas dos professores a respeito dos processos de ensino e aprendizagem, abordando três tipos de teoria: a) a teoria direta, que considera o conhecimento como cópia fiel da realidade; b) a teoria interpretativa, na qual o conhecimento reflete a realidade percebida; e c) a teoria construtivista, que assume o conhecimento como construção pessoal. Segundo os autores, “[...] a teoria construtivista se assenta sobre a noção da aprendizagem como sistema dinâmico autorregulado que articula condições, processos e resultados.” (p. 294), considerando-se a aprendizagem como um processo dinâmico de construção pessoal do conhecimento. Com base no trabalho das pesquisadoras Diesel, Baldez e Martins (2017), apresenta-se, a seguir, uma sinopse dos princípios das metodologias ativas (Quadro 2). A PS O A PS O 9 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg Quadro 2 – Princípios das metodologias ativas PRINCÍPIOS CARACTERÍSTICAS 1. Centralidade do Processo de Aprendizagem no Aluno - O método ativo parte da prática para a teoria. - O estudante é protagonista no processo de aprendizagem, tendo participação efetiva em sala de aula. - Há deslocamento de foco do docente para o estudante e do ensino para a aprendizagem. 2. Autonomia - O método ativo estimula a autonomia do aprendiz. - O estudante assume postura ativa, crítica e construtivista. - O estudante é estimulado a refletir sobre suas ideias e as dos outros. 3. Reflexão - O método ativo estimula processos de ensino e aprendizagem numa perspectiva crítica e reflexiva. - O estudante é corresponsável pelo seu próprio aprendizado. - Há articulação entre conhecimento construído e aplicação prática. 4. Problematização da Realidade - O método ativo estimula o estudante a resolver situações-problema, preparando-o para intervir na realidade. - O estudante é protagonista de seu processo de aprendizagem, interagindo e dialogando em sala de aula. - Os conteúdos escolares são problematizados e contextualizados. 5.Trabalho em Equipe - O método ativo favorece a interação entre os sujeitos (professor–estudantes, estudantes–estudantes). - O estudante é levado a ouvir, emitir opinião, argumentar, preparando-se para entender a realidade (o seu contexto). 6. Inovação - O método ativo requer dos sujeitos ousadia para inovar. - Inovar em sala de aula significa renovar ou inventar metodologias. 10 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg PRINCÍPIOS CARACTERÍSTICAS 7. Professor: Mediador, Facilitador, Ativador - O método ativo pressupõe o papel do professor como mediador, facilitador e ativador dos processos de ensino e aprendizagem. - Compete ao professor provocar, desafiar, promover condições para refletir sobre compreender e transformar a realidade. - O professor deve assumir uma postura crítica, reflexiva e investigativa sobre sua prática pedagógica e os saberes docentes. Fonte: Elaborado pelo autor (2018). Dois aspectos se destacam na análise desse quadro: o papel do estudante e o do professor nos processos de ensino e de aprendizagem segundo as metodologias ativas. O estudante protagonista de sua própria aprendizagem e o professor reflexivo e investigativo sobre sua própria prática pedagógica. E tudo isso diz respeito à formação humana. No âmbito de uma práxis reflexiva, tanto o estudante quanto o professor são protagonistas de sua formação, assumindo, ambos, uma postura interativa, reflexiva e investigativa sobre saberes e vivências. Segundo Diesel Baldez e Martins (2017), dentre as principais teorias sobre os processos de ensino e aprendizagem com foco nas chamadas metodologias ativas destacam-se: a) o interacionismo ou aprendizagem pela interação social, de Lev Vygotsky (1896-1934); b) a aprendizagem pela experiência, de John Dewey (1859-1952); c) a aprendizagem significativa, de David Ausubel (1918- 2008); e d) a aprendizagem construtivista, de Jean Piaget (1896-1930), seguida por Paulo Freire (1921-1997). A seguir, apresenta-se uma rápida caracterização de cada uma. A teoria interacionista, desenvolvida fundamentalmente por Vygotsky, concebe que a aprendizagem ocorre pela interação sujeito–contexto. É a partir da interação social que o sujeito constrói seus conhecimentos e se desenvolve cognitivamente. Segundo a concepção interacionista, cabe ao professor provocar sempre novas aprendizagens a partir dos conhecimentos construídos pelo aprendiz. A concepção de aprendizagem pela experiência, preconizada por Dewey, pauta-se na relação vida–escola. Para o pensador, a instituição escolar é espaço de vivência da vida em sociedade. Na escola o estudante continua experienciando a sua trajetória de vida (DEWEY, 1978). Nesse sentido, os processos de ensino e aprendizagem devem propiciar a contextualização dos conteúdos escolares num movimento contínuo de prática e reconstrução dos conhecimentos de forma integrada à vida. 11 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg A concepção de aprendizagem significativa, formulada por Ausubel, considera três aspectos essenciais para que ocorra aprendizagem plena: a bagagem de conhecimentos do aprendiz (subjetividade), a potencialidade do material (conteúdo) e a disponibilidade para aprender (MOREIRA, 2011). Considerando que a predisposição para aprender é um ato pessoal do aprendiz, compete ao professor estimular e motivar o estudante para a aprendizagem. Nesse sentido, ensinar é motivar. A concepção de aprendizagem construtivista, gestada por Piaget e seguida por Freire, proclama que a aprendizagem ocorre a partir da interação do sujeito com o meio. Apregoa que cabe à educação o papel de promover o desenvolvimento integral do indivíduo nos aspectos cognitivo, afetivo e social. Nessa perspectiva, o aluno ocupa o centro do processo de aprendizagem, cabendo ao professor a tarefa de mediar a aprendizagem, promovendo o desenvolvimento das estruturas mentais do aprendizmediante situações de aprendizagem desafiadoras. Explicitando, cabe ao professor buscar metodologias de ensino que propiciem a interação entre os sujeitos, a postura reflexiva e o protagonismo dos estudantes. Eis, pois, o panorama das principais concepções de aprendizagem. Ressalta-se que teorias e epistemologias não são verdades absolutas e definitivas. Concepção não é dogma, é conhecimento em construção e reconstrução. 3 Novas Tecnologias e o Processo de Aprendizagem Estudos indicam que ainda persiste um distanciamento entre ações e discursos docentes, o que reflete as contradições entre teoria e prática. Os estudantes atribuem sentido e valor aos estudos, gostam de compartilhar o ambiente escolar com seus colegas, mas não estão satisfeitos com o tipo de ensino que encontram na escola. Querem escola equipada, currículo adequado ao contexto, aulas interessantes, professores comprometidos, conteúdos relevantes para uma aprendizagem significativa (MUNSBERG, 2015). Nesse sentido, Diesel, Baldez e Martins (2017) evocam a dualidade encontrada nos discursos verbalizados por docentes e discentes. Professores se queixam do desinteresse dos alunos em relação às estratégias de ensino-aprendizagem; alunos reclamam das aulas rotineiras e pouco dinâmicas. “Percebe-se que a utilização de novos recursos tecnológicos durante as aulas não altera esse cenário de insatisfação coletiva, posto que, sozinha, a tecnologia não garante aprendizagem, tampouco transpõe velhos paradigmas.” (DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017, p. 270). Para as autoras, “[...] há necessidade de os docentes buscarem novos caminhos e novas metodologias de ensino que foquem no protagonismo dos estudantes, favoreçam a motivação e promovam a autonomia destes.” (DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017, p. 270). 12 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg Em se tratando do uso de novas tecnologias na educação, uma instância aparece em destaque: a educação de jovens e adultos (EJA) na modalidade de Educação a Distância (EaD). E, em função do perfil do público discente, o processo de aprendizagem autorregulada surge como referencial. Em sentido amplo, Perrenoud (1999 , p. 90, grifo do autor) denomina regulação dos processos de aprendizagem “[...] o conjunto das operações metacognitivas do sujeito e de suas interações com o meio que modificam seus processos de aprendizagem no sentido de um objetivo definido de domínio.” . No que se refere à autorregulação, o pesquisador considera a aprendizagem autorregulada como a capacidade de o sujeito organizar, controlar e monitorar o próprio processo de aprendizagem. Ainda sobre esse conceito, Basso e Abrahão (2018, p. 496) afirmam: A autorregulação da aprendizagem pode ser desenvolvida mediante a coordenação de aptidões cognitivas, metacognitivas e motivacionais. É possível aprimorar as estratégias de autorregulação da aprendizagem através de atividades de ensino que estimulem os alunos a automonitorar e a controlar o seu desempenho. No entendimento das autoras, o papel do professor nesse processo é fundamental. Cabe a ele propiciar situações de aprendizagem que promovam autonomia e responsabilidade no estudante, notadamente mediante a utilização de metodologias ativas. Assim, no Ensino Superior, em especial, espera-se que os estudantes aprendam a pensar de forma sistemática e a usar a evidência de forma particular para cada disciplina, destaca Ferreira (2011). Para ele, o protagonismo do estudante é reforçado com o conceito de aprendizagem autorregulada, em que a aprendizagem compreende estratégias, atribuições e competências envolvendo múltiplos processos. Nesse contexto, a tarefa do professor envolve a mediação da aprendizagem. “O papel do professor é […] essencial para o desenvolvimento de mecanismos processuais de ensino e de aprendizagem que permitam ao aluno não só adquirir conhecimentos, mas que os compreenda de forma permanente e os aplique e generalize a situações do seu dia-a-dia.” (FERREIRA, 2011, p. 135). Meier e Garcia (2007) realizaram estudos sobre a teoria da mediação na aprendizagem. Para esses pesquisadores, “[...] mediar é uma espécie de interação especializada em que a ‘aprendizagem’ encontra a ‘autonomia para aprender’ [...].” (MEIER; GARCIA, 2007, p. 24). A congruência dessas duas instâncias possibilita que cada um por si construa o conhecimento. Nesse sentido, o professor atua como mediador no processo em que o aluno aprende a aprender, a desaprender e a reaprender. Já Coelho e Tedesco (2017) abordam a temática da aprendizagem colaborativa no ambiente virtual de aprendizagem (AVA). No entendimento desses 13 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg autores, a aprendizagem colaborativa é um processo de interação em que os participantes compartilham conhecimentos e atuam conjuntamente na solução de problemas e/ou na produção de algo. Essa concepção de aprendizagem e de construção do conhecimento vem sendo cada vez mais adotada na educação a distância (EaD). Os autores afirmam que: Em função dos objetivos propostos e da concepção pedagógica subjacente à escolha ou à própria construção e utilização do AVA, é possível distinguir ao menos dois tipos de abordagens mais comuns na EAD: uma apoiada pela proposta de autoinstrução e independência dos aprendizes; outra, pela concepção de construção colaborativa do conhecimento, por meio da interação (COELHO; TEDESCO, 2017, p. 612). Evidentemente que o AVA pode ser utilizado para ambas as abordagens, como deixam claro os referidos autores. Todavia, na perspectiva da aprendizagem colaborativa, a concepção de construção colaborativa do conhecimento ganha importância e conquista nesse ambiente. De acordo com a proposta de aprendizagem colaborativa, a interação entre os participantes no ambiente virtual é fator essencial para a construção do conhecimento. Mesmo que essa interação não ocorra face a face – o que seria interação social plena –, a presença do outro é percebida na relação; trata-se da presença social. Coelho e Tedesco (2017), a partir de Kim (2011), adotam como definição de presença social “[...] a percepção do indivíduo sobre o grau de proximidade e afiliação estabelecida com os outros participantes de um ambiente de interação mediado por tecnologia, refletindo a dinâmica da relação entre as pessoas.” (p. 616). Essa percepção seria decorrente de dois elementos: as características pessoais do próprio indivíduo e os recursos do meio tecnológico utilizado no processo interativo. Para os autores, o conceito de presença social ganhou relevância na EaD em função de aspectos dessa modalidade que são contemplados positivamente, como a participação on-line, o apoio de tutores, o feedback das avaliações e a facilidade de acesso desde seu lugar de residência ou de trabalho. E acrescentam: Os resultados dessas pesquisas apontam para a importância de aumentar e manter um elevado nível de percepção da presença social no ambiente virtual. Quanto maior o nível de presença social, maior a interação entre alunos e tutores, melhor a percepção de aprendizagem, maior a familiaridade com o ambiente virtual, menor a evasão, melhor a avaliação final do aluno e, sobretudo, maior o nível de satisfação dos estudantes com os cursos (COELHO; TEDESCO, 2017, p. 617). Portanto, a presença social é condição para que ocorra interação entre os participantes no AVA, propiciando, em consequência, a ocorrência da aprendizagem colaborativa. Em síntese, o grau de presença social influencia a interação e a colaboração entre os participantes do processo. 14 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg Concluindo, Coelho e Tedesco (2017, p. 620) afirmam que “[...] no contexto atual da EaD, os recursos tecnológicos da internet oferecem aos educadores novas oportunidades para promover uma abordagem educacional baseadana aprendizagem colaborativa entre aprendizes no AVA.” 4 Perspectivando Mudanças na Formação Humana O Zeitgeist de nosso tempo evidencia a evolução tecnológica exponencial e a necessidade de conexões com o humano na sua essência. Para isso, é fundamental que haja relações humanas respeitosas, entre educador e educando e entre os próprios alunos. Isso exige que o educador estimule o protagonismo dos discentes, oportunizando escuta, diálogo e experiência de sentido que possibilitem interação e desenvolvam o ser humano em sua inteireza. Nesse sentido, a obra Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI; destaques (UNESCO, 2010), publicada originalmente em 1996, apresenta os quatro pilares da educação, isto é, as grandes competências fundamentadas na aprendizagem, a serem adquiridas ao longo da vida: 1. aprender a conhecer – aprender a aprender, combinando uma cultura geral com situações específicas, promovendo abertura para o conhecimento, para redescoberta, para o compreender, analisar, interpretar e o reconstruir a partir da autonomia e iniciativa; 2. aprender a fazer – significa saber aplicar os conhecimentos para resolver os desafios, fazendo escolhas, aprender a fazer significa, inclusive, adquirir qualificação profissional; 3. aprender a conviver – compreender o outro e perceber as interdependências, respeitando a diversidade e o pluralismo; e 4. aprender a ser – desenvolver a sensibilidade, a ética e a personalidade e estar preparado para agir com autonomia, discernimento, criatividade e responsabilidade pessoal. Tais competências constituem-se em referenciais para o estabelecimento de políticas educacionais com vistas a formar um cidadão crítico, reflexivo, investigativo e participativo, que busque a transformação da realidade em que vive. Cosme e Trindade (2011) afirmam que, em função das exigências do mundo contemporâneo, o trabalho educativo nas escolas enfrenta novos e complexos desafios. Dentre esses desafios está a necessidade de preparar os estudantes para serem protagonistas dos/nos processos de ensino e de aprendizagem no que lhes compete. Isso exige dos professores novas metodologias de ensino- 15 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg aprendizagem, novas estratégias de ensino em sala de aula, novas práticas pedagógicas. Entretanto, os pesquisadores alertam que: Não basta, também, acrescentar novas oportunidades educativas às oportunidades educativas já existentes para se mudar o que quer que seja. O que importa é, afinal, fazer com que as situações e as experiências já vividas nas escolas se constituam, de fato, como oportunidades capazes de proporcionar situações de desenvolvimento pessoal, social e cultural dos alunos (COSME; TRINDADE, 2011, p. 11). Para atingir o proposto, os autores apontam a necessidade de estimular e motivar os estudantes para o desenvolvimento de suas competências metacognitivas e de autoaprendizagem. Em outras palavras, estimular o aprender a aprender. Nesse sentido, as metodologias ativas constituem-se em estratégias que propiciam o deslocamento de centralidade do processo de ensino para o processo de aprendizagem, o que significa deslocar o foco do professor para o aluno. Todavia, não se pode esquecer do papel do docente como mediador no processo educativo. Dessa percepção advém a necessidade de formação docente na perspectiva reflexiva (SCHÖN, 1995). Na direção do exposto, Ferreira (2011) destaca três conceitos-chave associados aos processos de ensino e de aprendizagem que diferenciarão o nível de qualidade das Instituições de Ensino Superior: a) flexibilidade curricular – que permite aos estudantes flexibilidade na construção do seu percurso curricular; b) diferenciação pedagógica – que possibilita que cada aluno utilize a estratégia mais favorável para realizar aprendizagens; e c) ensino tutorial – que adota processos de ensino e aprendizagem individualizados. Sobre isso, o autor afirma: A individualização do ensino é hoje um tema nuclear no pensamento pedagógico e um dos grandes princípios que deve guiar a acção educativa. A natureza pessoal da aprendizagem exige a adaptação de toda a acção educativa às características peculiares de cada indivíduo, apresentando-se, essa individualização, como a estratégia metodológica mais adequada e constituindo-se, quanto a nós, como uma resposta válida para a actual situação de insucesso e abandono escolar presente em várias instituições de ensino superior (FERREIRA, 2011, p. 138, grifo nosso). Na verdade, os três conceitos apresentados por Ferreira (2011, p. 139) caminham “[...] para a individualização das práticas de ensino e de aprendizagem, centradas nas especificidades de cada curso e nas necessidades de cada aluno […].”. Isso significa que a personalização da aprendizagem contribui para o desenvolvimento de competências e habilidades. É importante destacar que a individualização está associada à personalização da aprendizagem, respeitando 16 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem | João A. S. Munsberg os estilos e ritmos de aprendizagem dos alunos, mas também cabe ressaltar que a interação entre os estudantes é fundamental para aprender. Segundo Mizukami et al. (2002), a construção do conhecimento, inclusive o conhecimento docente, dá-se pela desestruturação das certezas, pelos questionamentos em relação às convicções, num trabalho partilhado. Nesse sentido, as pesquisadoras destacam que em suas pesquisas as experiências de ensino e aprendizagem propiciaram: - o desenvolvimento de processos reflexivos em diferentes momentos e níveis; - a análise de concepções manifestas e a compreensão de aprendizagens específicas das professoras diante de situações concretas de ensino e aprendizagem, nas quais eram desafiadas a refletirem, a verbalizarem suas crenças, a explicitarem suas práticas em face de evidências postas pelas experiências; - a construção de situações que podem ser consideradas como de reflexão-sobre-a-ação, com narrativas que evidenciaram crenças, valores e conhecimentos, assim como a emergência de situações diretamente ligadas ao dia-a-dia escolar que exigem das professoras posicionamento, interpretação, julgamento, novos planos de ação; [...] (MIZUKAMI et al., 2002, p. 179). Como se depreende da citação, o professor reflexivo ganha centralidade nos processos de ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, a formação docente precisa propiciar condições para que o professor reflita sobre sua função e seu papel na sociedade, construindo e reconstruindo suas práticas e seus saberes. Novas exigências da sociedade contemporânea requerem um novo perfil docente. Daí a urgente necessidade de repensar a formação de professores, tendo como ponto de partida a diversidade de saberes essenciais à sua prática, transpondo, assim, a racionalidade técnica de um fazer instrumental para uma perspectiva que busque ressignificá-la, valorizando os saberes já construídos, com base numa postura reflexiva, investigativa e crítica (DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017, p. 269). As autoras enfatizam que as atuais demandas sociais exigem do docente uma nova postura em relação ao fazer pedagógico, refletindo e investigando sobre suas práticas, suas vivências e suas concepções pedagógicas. Tal perfil docente consiste no que se designa como professor reflexivo (SCHÖN, 1995; NÓVOA, 2011). Na perspectiva da personalização, da autonomia do aprender, respeitando o ritmo de cada um com suas capacidades, é necessário aprofundar os conhecimentos sobre as características de diferenciação. Para tanto, a contribuição de Howard Gardner (2010), com sua Teoria de Múltiplas Inteligências, é fundamental. Para o pensador, as capacidades dos seres humanos podem ser agrupadas em sete 17 Aprender, desaprender e reaprender: concepções e práticas da aprendizagem| João A. S. Munsberg categorias: 1) inteligência linguística – capacidade de usar palavras de forma efetiva; 2) inteligência interpessoal – capacidade de perceber e fazer distinções nas relações com outras pessoas; 3) inteligência intrapessoal – capacidade de autoconhecimento e assim adaptar-se; 4) inteligência lógico-matemática – capacidade de usar os números e raciocinar; 5) inteligência musical – capacidade de perceber, discriminar, transformar e expressar formas musicais; 6) inteligência espacial – capacidade de perceber o mundo visuo-espacial e de realizar transformações; e 7) inteligência corporal-cinestésica – capacidade de usar o corpo para expressar-se e realizar atividades. Cada pessoa possui todas essas capacidades, mas em graus diferentes de desenvolvimento e complexidade. Cabe à educação a tarefa de estimular o seu desenvolvimento para que cada educando aproveite ao máximo suas habilidades e competências pessoais. Palavras postas. Mas não tudo o quanto se poderia escrever sobre as mudanças no contexto de um mundo em transformação e suas implicações no desenvolvimento do ser humano. As palavras são vivas. E o mundo gira... É preciso continuar perspectivando. 5 Conclusões Aprender, desaprender e reaprender! Por quê? Porque o mundo se transforma – em muitos aspectos para pior –, as tecnologias evoluem, a sociedade se complexifica. Para quê? Para que, por meio da educação, se propicie a formação de sujeitos protagonistas na/para a transformação da realidade. Como? Mediante a utilização de modelos epistemológicos e metodológicos, notadamente os pedagógicos, que possibilitem e estimulem a formação de sujeitos críticos, reflexivos, investigativos e participativos. Que modelos de ensino e de aprendizagem atendem a tais propósitos? Com certeza, nenhum modelo que se encerre finito, pronto, permanente, mas sim modelos que estejam centrados nos sujeitos – docentes e estudantes – dos processos educativos. Modelos que propiciem reflexão sobre conhecimentos, saberes e fazeres docentes e sobre conhecimentos e vivências discentes. Modelos que sustentem concepções e posturas na perspectiva da reflexão sobre a realidade, da interação entre professor–aluno e da construção dos conhecimentos, contribuindo, assim, para a formação de sujeitos reflexivos, investigativos, como protagonistas de um mundo outro e de uma sociedade outra. Para isso, é preciso que se assuma a atitude de querer aprender, desaprender e reaprender continuamente. 18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASSO, F. P; ABRAHÃO, M. H. M. B. Atividades de ensino que desenvolvem a autorregulação da aprendizagem. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 495-512, abr./ jun. 2018. Disponível em: <http://gg.gg/d8ygl>. Acesso em: 28 nov. 2018. BECKER, F. Educação e construção do conhecimento. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Penso, 2012. COELHO, W. G; TEDESCO, P. C. de A. R. 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